Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1505/24.3T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INEFICÁCIA DA ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Na sentença o juiz não deve levar ao elenco dos factos julgados provados ou não provados tudo o quanto tenha sido alegado pelas partes, mas apenas «factos», desde que estes tenham natureza essencial, por serem constitutivos da causa de pedir eleita na petição para suportar o pedido ou por serem integrativos das exceções invocadas pelas partes e desde que tenham sido alegados, bem como os factos complementares ou concretizadores que tenham sido alegados pelas partes ou que, independentemente da sua alegação, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar quanto a eles.
2- «Factos» são as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas; neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelos sentidos do homem, como os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo. Os meios de prova não são factos, mas os elementos legalmente admitidos para a demonstração dos factos.
3- Os factos instrumentais, na medida em que exercem uma função essencialmente probatória, ao indiciarem a prova ou não prova dos factos essenciais e/ou dos complementares, não devem ser levados ao elenco dos factos julgados provados ou não provados na sentença, mas sim à fundamentação/motivação do julgamento de facto, servindo para motivar/justificar a prova ou não prova dos factos essenciais e/ou dos complementares.
4- A escritura de justificação notarial constitui um mecanismo, especial e excecional, criado pelo legislador para colmatar a falta ou insuficiência de título por parte de quem se arrogue titular de direito real sobre prédio e o pretenda inscrever no registo, permitindo-lhe que, através dela, obtenha o documento (a escritura de justificação) necessário à efetivação do registo do direito justificado.
5- Os factos constitutivos do direito real justificado são os factos declarados pelos justificantes (corroborados por três testemunhas) na escritura de justificação. São esses factos que, subsumidos ao direito substantivo, demonstram a constituição do direito real justificado.
6- A ação de impugnação da escritura de justificação notarial configura uma ação de simples apreciação negativa, em que basta ao impugnante (autor) alegar a celebração da escritura, as declarações que nelas foram emanadas por justificante e testemunhas e, bem assim alegar que elas não correspondem à verdade e afetam os seus próprios direitos, a fim de assegurar a sua legitimidade e interesse em agir na instauração da ação, cumprindo aos impugnados (réus) o ónus da prova em como os factos declarados pelos justificantes na escritura correspondem à verdade ontológica, sob pena de não o fazendo, a ação de impugnação ter de proceder.
7- Embora as declarações constantes da escritura de justificação notarial delimitem a causa de pedir na ação de impugnação, os réus não se encontram impendidos de, na contestação, complementar ou concretizar aquelas declarações, concretizando-as ou complementando-as quanto aos atos possessórios e caraterísticas da posse declaradas na escritura de justificação impugnada.
8- As irregularidades respeitantes ao processo de justificação que sejam suscetíveis de determinar a invalidade da escritura de justificação notarial impugnada (do título) não podem ser invocadas na ação de impugnação, por terem de ser invocadas perante o notário que a lavrou, e por nela estar em causa a impugnação do conteúdo da escritura: as declarações nelas emanadas pelo justificante quanto aos factos constitutivos do direito por si justificado.
9- Ocorre a aquisição originária da posse quando esta é iniciada, ex novo, pelo possuidor, sem intervenção do anterior possuidor, mediante a prática reiterada e com publicidade de atos materiais que exprimam a subordinação da coisa à sua vontade (corpus possessório) e que os pratica com a intenção específica de agir sobre ela como se fosse titular do direito real a que se refere o exercício dos atos materiais que pratica (animus possessório).
10- Por sua vez, ocorre a aquisição derivada da posse quando esta é transferida de um possuidor para outro, operando-se a sua transferência mediante a tradição, material ou simbólica, da coisa, efetuada pelo anterior possuidor. Nela, para haver “corpus” basta a entrega material ou simbólica da coisa feita pelo anterior possuidor ao atual, que se presume ser mero continuador da posse que lhe foi transferida e, por isso, ser mero detentor daquela.
Decisão Texto Integral:
I- Relatório

BB, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., instaurou ação declarativa de simples apreciação negativa, com processo comum, contra CC, residente na Rua ..., ..., ... ..., AA e mulher, DD, residentes na Avenida ..., ... ..., e EE, residente na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que se:

1- declarasse impugnados os factos justificados na escritura de justificação notarial de ../../2010;
2- declarasse ineficaz e de nenhum efeito a escritura, nomeadamente, para efeitos dos factos descritos nos artigos 15º, 16º a 20º e 22º da petição inicial;
3- ordenasse o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ... do registo efetuado pela inscrição da apresentação n.º 284, de 2 de outubro de 2010, do prédio nela descrito com o n.º ...02, da freguesia ..., efetuada, por usucapião, em nome de EE e de CC, e o registo efetuado pela inscrição da apresentação n.º 2097, de 21 de fevereiro de 2019, efetuada, por doação desse mesmo prédio na proporção de ½ a AA e DD e a outra ½ a EE;
4- ordenasse o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ... de todos e quaisquer registos que nela sejam efetuados relativamente ao prédio descrito com o n.º ...02, da freguesia ..., com base na escritura de justificação notarial de ../../2010 e na subsequente escritura de doação de 11 de janeiro de 2018 e nos registos das inscritas de 3 supra.
Para tanto alegou, em síntese, que: no dia ../../2010, a 1ª Ré e o então marido, EE, declararam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico denominado “X...”, não descrito na Conservatório do Registo Predial ..., inscrito na matriz sob o art. ...65, em virtude de o terem comprado, no ano de 1978, a FF, sem que  a respetiva escritura pública de compra e venda tivesse sido celebrada e que, desde então têm usufruído do mesmo, com ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidos como donos por toda a gente, fazendo-o ignorando lesarem direito alheio, sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém; as declarações assim efetuadas foram confirmadas por GG, HH e II; acontece que essas declarações não correspondem à verdade, uma vez que a área de terreno do prédio justificado faz parte integrante de prédios rústicos (que identifica) de que é proprietário, por os ter comprado a FF, seu falecido pai.
Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e exceção e deduziram reconvenção.
Suscitaram a exceção dilatória de caso julgado, alegando que os pedidos formulados no âmbito da presente ação já foram apreciados na ação declarativa n.º 35/13.3TVRNM, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível, Juiz ..., em que foram partes a aqui 1ª Ré e o seu falecido marido, cujo objeto incidiu sobre o prédio em discussão nos autos e em que, por sentença transitada em julgado, se reconheceu ser o prédio propriedade da aqui 1ª Ré e do seu entretanto falecido marido, EE.
Suscitaram a exceção perentória de caducidade do direito do Autor a impugnar a escritura de justificação notarial, alegando ter sido celebrada em ../../2010 e que o Autor tem conhecimento dela há mais de dez anos, estando há muito decorrido o prazo do art. 101º, n.º 2 do Cód. do Notariado.
Suscitaram a exceção perentória de inoponibilidade da presente ação aos 2ºs e 3º Réu, alegando que o prédio objeto da escritura de justificação notarial foi doado pela 1ª Ré e falecido marido aos 2ºs e 3º Réus em ../../2018, os quais são terceiros de boa-fé.
Impugnaram a facticidade que foi alegada pelo Autor, confirmando a celebração da escritura de justificação notarial impugnada, alegando terem procedido à sua celebração convictos do direito que lhes assiste, porquanto, a 1ª Ré e o seu falecido marido compraram o prédio nela identificado a FF, há mais de trinta anos, e vieram-no a doar aos 2ºs e 3º Réus, e há mais de 30 anos, utilizam-no para apascentar gado, nele colhendo frutos e gozando de todas as utilidades por ele proporcionados, na convicção de serem seus proprietários, o que fizeram  (e, na sequência da doação, agora os 2ºs e 3ºs Réus) à vista de tudo e de todos, incluindo do Autor, de forma ininterrupta, sem estorvo ou turbação, nele realizando obras, pagando os respetivos impostos, tratando-o, cultivando-o e conservando-o, sem oposição de quem quer que fosse, o que tudo levou à aquisição do direito de propriedade sobre o prédio, por usucapião.
Concluíram pedindo que se julgasse procedente as exceções que invocaram e, em consequência, fossem absolvidos da instância.

Subsidiariamente, pediram que se julgasse a ação improcedente, por não provada, e fossem absolvidos de todos os pedidos.

Deduziram reconvenção pedindo que se:
a) declarasse que os 2ºs e 3º Réus são donos e exclusivos possuidores e proprietários do prédio rústico denominado “X...”, composto por terreno de pasto, com a área de 4.768 m2, sito no Lugar ..., da freguesia e concelho ..., a confrontar de norte com Igreja Paroquial de ..., de sul com JJ e outro, de nascente com BB, e de poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04, e inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...65;
b) condenasse o Autor/reconvindo a reconhecer o direito de propriedade dos 2ºs e 3º Réus/reconvintes sobre o aludido prédio.
O Autor replicou concluindo pela improcedência das exceções invocadas.
Quanto à exceção dilatória de caso julgado alegou não ter sido parte na ação que vem identificada pelos Réus, pelo que o nela decidido não lhe é oponível.
E quanto às exceções de caducidade e de inoponibilidade que suscitaram, impugnou a facticidade que foi alegada pelos Réus a fim de sustentar aquelas exceções.
Impugnou a versão dos factos alegada na contestação e na reconvenção.
Concluiu pedindo que se julgasse improcedente as exceções suscitadas pelos Réus; se julgasse improcedente, por não provada, a reconvenção; e se julgasse procedentes os pedidos que formulou na petição inicial.
Em 27/11/2024 realizou-se audiência prévia em que se: fixou o valor da causa em 60.000,01 euros; proferiu despacho saneador, em que se julgou improcedentes as exceções de caso julgado e de caducidade suscitadas pelos Réus/reconvintes; identificou o objeto do litígio; enunciou os temas da prova; conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes; e, finalmente, designou datas para a realização da audiência final.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 10/03/2025, em que se julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção, da qual consta a seguinte parte dispositiva:
“Termos em que e face ao exposto, o Tribunal decide:
. Julgar a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus CC, AA, DD e EE dos pedidos;
. Julgar procedente, por provada, a reconvenção deduzida e consequentemente:
A. Declarar que os réus AA, DD e EE são donos e exclusivos possuidores e proprietários do prédio rústico denominado “X...”, composto por terreno de pasto, com a área de 4.778 m2, sito no Lugar ..., a confrontar do norte com Igreja Paroquial de ..., do sul com JJ e outro, do nascente com BB e do poente com KK, inscrito na matriz rústica da freguesia e concelho ..., sob o artigo ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02/freguesia ...;
B. Condenar o autor BB a reconhecer o direito de propriedade dos réus AA, DD e EE sobre o prédio rústico identificado no ponto A.
*
Custas da ação e da reconvenção cargo do autor/reconvindo – art. 527º, nº 1, do C.P.C”.

Inconformado com o decidido, o Autor/reconvindo interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

Relativa à decisão de facto.
1ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 4 à 7 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «No dia ../../1974, no Cartório Notarial ... foi celebrada escritura pública de compra e venda, outorgada por LL, casada com FF, representado por seu filho MM, como vendedores, e EE, casado com CC, em que aqueles declararam vender, pelo preço de cem mil escudos, ao EE, os seguintes imóveis: a) Casa construída de pedra e madeira, com ... e ... andar, sendo este para palheiro e aquele para recolha de gado, denominada “...” ou “...”, com a área coberta de setenta metros quadrados e rocio com a área aproximada de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, sita no Lugar ..., a confrontar do norte com quintal da casa de BB, do sul com casa dos herdeiros de NN, do nascente com a Estrada Nacional e do poente com terreno da Quinta ..., omissa na respetiva matriz; b) Prédio rústico denominado “...”, sito no Lugar ..., a confrontar do norte e nascente com Parque Florestal, do poente com Estrada Nacional e do sul com o segundo outorgante, inscrito na respetiva matriz sob parte do artigo ..., e em que o EE declarou aceitar esse contrato de compra e venda».
2ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 8 à página 14 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O quintal da casa de BB, declarado como confrontação do norte, relativa à compra e venda do imóvel da sua alínea a) da escritura pública celebrada no dia ../../1974, é o quintal da casa do autor, referida no ponto 1. da decisão de facto»; «A Estrada Nacional, declarada como confrontação nascente nessa escritura do imóvel da sua alínea a), é a Estrada ... e quatro, referida no ponto 1. da decisão de facto, e é a mesma Estrada, declarada como confrontação poente nessa escritura do imóvel da sua alínea b)»; «O prédio rústico denominado “...” do imóvel da sua alínea b) dessa escritura, fica situado no lado oposto ao imóvel da sua alínea a), e no lado oposto ao terreno, referido no ponto 1. Da decisão de facto»; «O rocio com a área aproximada de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, declarado do imóvel da alínea a) dessa escritura pública de ../../1974, é diverso do terreno com a área de 4.778 m2, declarado na escritura de justificação de ../../2010, referida no ponto 17. da decisão de facto».
3ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 15 à página 22 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «No dia ../../2010, a primeira Ré e o seu marido, EE, para instruir a escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, apresentaram à respetiva Notária:
a) Certidão comprovativa da omissão do imóvel na Conservatória do Registo Predial ...;
b) Caderneta predial rústica, emitida em ../../2010 pelo Serviço de Finanças ..., que ficaram arquivadas no cartório dessa Notária, respetivamente, como documentos números cinquenta e cinco e cinquenta e seis do maço de documentos, no livro de notas para escrituras diversas número ... – A»; «Da certidão de a), com data de ../../2010 de emissão por aquela Conservatória, consta: “Certifico, que feitas as buscas em nome das pessoas indicadas na requisição nº 2247/2010, de 29 de julho, com referência ao primeiro prédio identificado, nenhum encontrei igual em situação, composição e confrontações”, e do texto dessa requisição consta, quanto à identificação do prédio: “Natureza: Rústico. artigo ...65. Freguesia – .... concelho .... Área: 4.778,00. Situação: ... – ... – .... Composição: Pasto – Ervas. Norte: Igreja Paroquial de .... Sul: JJ e outros. Nascente: BB. Poente: KK. Obs: Omisso na matriz antiga. Possuidores: EE, casado com CC, residentes na ..., Lugar ..., .... 1ºs ante possuidores: FF, solteiro, residente em .... 2ºs ante possuidores: Desconhecidos por antiguidade”»; «Do texto da caderneta predial rústica de b) consta: “Ano de inscrição na matriz: 2010”, “Valor patrimonial inicial e atual: € 180,00”, “Determinado no ano: 2010”, e, quanto à entidade do documento para a sua inscrição na matriz consta: “Entidade R.3/2010”, que é o requerimento que serviu de suporte à inscrição na matriz rústica de ... do artigo ...65, que foi assinado em ... por EE no dia 28 de abril de 2010, que deu entrada na Repartição de Finanças ... no dia 29 de Abril de 2010, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças ..., em cujo serviço se encontra arquivado e de cujo texto consta: «“EE vem participar a V. Exa, para fins de inscrição matricial, que é possuidor há mais de vinte anos, dos rendimentos do seguinte prédio: “ Rústico, a ervas, com a área de 4.778 m2, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confinar de Norte com Igreja Paroquial de ..., de Sul com CC e JJ, de nascente com BB, e de poente com KK, com o rendimento de € 50,00 ”».
4ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 23 e 24 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O cadáver do FF foi sepultado, no mês de novembro de 1976, no cemitério de ..., em jazigo nele existente, com a inscrição no seu frontispício e em pedra, que nele permanece, com os dizeres: Jazigo Dr. OO. Dr. FF. .... MDCCCLXXX».
5ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 24 à página 27 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...98, da freguesia ..., de cuja descrição consta o prédio inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica e o prédio inscrito no artigo ...32 na matriz urbana, está registada desde junho de 1977 em nome do autor, casado com PP no regime de comunhão geral».
6ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 28 à página 30 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A primeira Ré e aquele seu marido, EE, conheciam o FF e a sua mulher, LL, cujo cadáver foi sepultado no cemitério de ...».
7ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 31 à página 33 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE e a CC tinham conhecimento da existência, até que foi demolida, da casa de morada, respetivos quintal e rocio, construída pelo autor em parte do terreno, referido no ponto 1. da decisão de facto».
8ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 34 e 35 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE, no dia 28 de abril de 2010, em que assinou o requerimento do documento nº 4, junto com a petição inicial, tinha conhecimento que as declarações do seu texto não reproduziam as realidades nele por si declaradas».
9ª- Por causa dos fundamentos, especificados na página 36 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE assinou e entregou na Repartição de Finanças ... o requerimento da certidão do documento n.º 4, junto com a petição inicial, para conseguir na matriz rústica da freguesia ... a inscrição do terreno com a área de 4.778 m2, referido na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, em seu nome, para obter um artigo matricial para esse terreno, e, ainda, para obter a respetiva caderneta predial rústica».
10ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 37 à página 39 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Que permitisse preencher a requisição da certidão do documento nº 2, junto com a petição inicial, com as declarações que constam do seu texto, que sabia não corresponderem à realidade, e que fosse apresentada no dia ../../2010 na Conservatória do Registo Predial ... para desta obter certidão que certificasse que nenhum prédio igual em situação, composição e confrontações, nela existia descrito e registado».
11ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 40 e 41 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE conseguiu obter os documentos nºs 2 e 3, juntos com a petição inicial, para instruir, no dia ../../2010, a escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, e que à respetiva Notária ele e a CC apresentaram».
12ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 42 e 43 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite aos factos julgados provados pela decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE e a CC fizeram as afirmações da escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, para celebrar, assinar e conseguirem a justificação da aquisição, por usucapião, do terreno com a área de 4.778 m2 nela mencionado, e para que fosse descrito na Conservatória do Registo Predial ..., e nela registada, a sua aquisição, em seus nomes».
13ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 44 à página 72 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 28. A decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A declarada área de quatro mil setecentos e setenta e oito metros quadrados do terreno, mencionado na escritura justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, integrava a área dos prédios rústicos, denominados ..., ..., ..., ..., ..., Campo ..., Campo ..., ... e QQ, todos inscritos na matriz rústica da freguesia ... no artigo ...49 da anterior matriz, e nela inscrito em nome de FF, descrito na Conservatória do Registo Predial ... no prédio com o número ...14, situado nos limites da freguesia ..., a confrontar do nascente com ... e Estrada, norte, sul e poente com terra da ...».
14ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 73 à página 75 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 29. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A declarada área de 4.778 m2 do terreno, mencionado na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, integra a área de 2.193 m2 do terreno do ponto 1. da decisão de facto, que com a área de 1.287 m2 do terreno inscrito, desde o ano de 1989, no artigo ...45 da atual matriz rústica da freguesia ..., exclusivamente, em nome do autor, correspondente aos nove décimos indivisos do terreno do prédio rústico inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica de ... do ponto 4. da decisão de facto, e que com a casa de morada, respetivos quintal e rocio do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...32 da freguesia ..., compõe o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob número ...98, da freguesia ..., cuja aquisição está registada desde Junho de 1977 em nome do autor, casado com PP no regime de comunhão geral, então sua mulher».
15ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 76 à página 78 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 30. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Todo o terreno, localizado entre a Igreja Paroquial de ... e os prédios urbanos de EE e da sua mulher, RR, e entre o terreno de KK e a Avenida ..., ...], tem a área total de 6.073 m2, do norte com que confronta com a Igreja Paroquial de ... mede cerca de 68,80 metros de comprimento, do lado nascente com que confronta com a Avenida ..., ... ] mede cerca de 90,30 metros de comprimento, do lado poente, oposto a esta confrontação, confronta com terreno de KK, e do lado sul, oposto ao daquela confrontação com a Igreja Paroquial de ..., confronta com prédios urbanos de EE e da sua mulher, CC, que têm acessos por caminho à Avenida ..., ...]».
16ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 79 e 80 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 31. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A área de 4.778 m2 do terreno, mencionado na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, integra a parcela do terreno com a área de 1.963 m2, aludida no ponto 13. da decisão de facto».
17ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 80 à página 84 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 32. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «A área de 4.778 m2 do terreno, mencionado na escritura referida em 17., é do terreno do prédio “Campo ... ou ...”, inscrito, conjuntamente com outros prédios, no artigo ...49 da anterior matriz rústica da freguesia ..., referido em 6.».
18ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 85 à página 87 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 33. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «No dia ../../2010, a Ré CC e o EE tinham conhecimento que ao FF não tinham adquirido por compra, no ano de 1978, o terreno mencionado em 17.».
19ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 88 à página 90 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 34. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Nesse dia ../../2010, e referente a esse terreno, tinham conhecimento que até esse ano de 2010 não tinham pago qualquer imposto, nomeadamente, contribuição predial ou autárquica, e imposto municipal sobre imóveis».
20ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 90 e 91 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que altere o ponto 35. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «E sabiam que de parte desse terreno tinham sido caseiros agrícolas do FF».
21ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 92 e 93 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que altere o ponto 36. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Sabiam que, relativamente a parte desse terreno, se arrogaram caseiros até outubro do ano de 1984, mediante a renda anual de seiscentos escudos, e que até 31 de outubro de 1987 ficaram sem a ter de pagar».
22ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 93 à página 98 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 37. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «O EE e a CC tinham conhecimento, no dia ../../2010, que as declarações por ambos produzidas, perante a respetiva Notária e constantes da escritura de justificação referida em 17., não tinham correspondência com as realidades por eles afirmadas».
23ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 99 à página 101 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que altere o ponto 38. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Os nove décimos indivisos aludidos em 4., correspondem, desde o ano de 1989, ao prédio inscrito no artigo ...45 da atual matriz rústica da freguesia ... e, exclusivamente, em nome do autor, que confronta do norte com a Igreja Paroquial de ..., do sul com o terreno com a área de 2.193 m2 do ponto 1. da decisão de facto, do nascente com a Avenida ..., ... ], do poente com terreno com a área de 4.778 m2, e tem a área de 1.287 m2».
24ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 102 à página 116 do corpo das alegações, impõe-se decisão, que altere o ponto 27. da decisão de facto, e que julgue provados os factos: «Desde, pelo menos 1978, até ao dia ../../2010, a Ré CC e o seu marido, EE, utilizaram o terreno com a área de 4.778 m2 mencionado na escritura referida em 17., para apascentar gado, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, sempre à vista de toda a gente, de forma ininterrupta».
b) Relativa à decisão de direito.
1ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 130 à página 134 do corpo das alegações, com as concernentes violações do disposto nos nºs 1 e 6 do artigo 54º, nos nºs 1 e 2 do artigo 57º, no nº 1 do artigo 92º, nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 98º, todos do Código do Notariado, e no nº 2 do artigo 280º e no artigo 294º, estes do Código Civil, cometidas pela sentença requerida e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que declare a ineficácia da escritura de justificação notarial do dia ../../2010, e que julgue procedentes os pedidos, formulados na petição inicial da ação instaurada pelo recorrente, e que revogue todas as decisões da sentença recorrida.
2ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 134 à página 137 do corpo das alegações, com a respetiva violação do disposto no nº 1 do artigo 89º do Código do Notariado, cometida pela sentença recorrida e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que declare a ineficácia da escritura de justificação notarial do dia ../../2010, que julgue procedentes os pedidos, formulados na petição inicial da ação instaurada pelo recorrente, e que revogue todas as decisões da sentença recorrida.
3ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 137 à página 143 do corpo das alegações, com as violações ao disposto na alínea a) do artigo 1253º, no artigo 1290º, na alínea d) do artigo 1263º e no artigo 1265º, todos do Código Civil, cometidas pela sentença recorrida e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que declare a ineficácia da escritura de justificação notarial do dia ../../2010, que julgue procedentes os pedidos, formulados na petição inicial da ação instaurada pelo recorrente, a que revogue todas as decisões da sentença recorrida.
4ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 143 à página 145 do corpo das alegações, com as violações referentes ao disposto no nº 1 do artigo 343º, aos artigos 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, na alínea a) do artigo 1263º, no nº 1 do artigo 1268º, nos artigos 1287º, 1294º, 1295º e 1296º, todos do Código Civil, cometidas pela sentença recorrida e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que declare a ineficácia da escritura de justificação notarial do dia ../../2010, que julgue procedentes os pedidos, formulados na petição inicial da ação instaurada pelo recorrente, e que revogue todas as decisões da sentença recorrida.

Os Réus/reconvintes contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente confirmação da sentença, onde formularam as conclusões que se seguem:
1- O recorrente veio interpor recurso da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, a qual julgou a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os Réus, aqui recorridos, do pedido, julgando ainda a reconvenção deduzida procedente e, em consequência, declarou que os recorridos AA, DD e EE são donos e exclusivos possuidores e proprietários do prédio rústico denominado “X...”, composto por terreno de pasto, com a área de 4.778 m2, sito no Lugar ..., a confrontar do norte com Igreja Paroquial de ..., do sul com JJ e outro, do nascente com BB e do poente com KK, inscrito na matriz rústica da freguesia e concelho ..., sob o artigo ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02/freguesia ... e; condenou o recorrente BB a reconhecer o direito de propriedade dos réus AA, DD e EE sobre o prédio rústico supra identificado.
2- Não assiste qualquer razão ao recorrente, não merecendo a douta sentença qualquer reparo, devendo, por isso, manter-se na íntegra.
3- Os argumentos usados pelo Recorrente carecem de total consistência, quer do ponto de vista da interpretação dos factos, quer do ponto de vista da aplicação do direito, como infra se demonstrará.
4- As alegações do recorrente carecem de todo fundamento, salvo o devido respeito, sendo que, não são mais do que uma tentativa de firmar uma tese que além de inverídica não ficou de todo provada e demonstrada, pretendendo o recorrente ao longo de todo o processo confundir a propriedade dos prédios de que é proprietário, seus limites e configuração, com os limites e configuração do prédio de que os recorridos são proprietários e em causa nos autos.
5- A douta sentença não padece dos supra apontados vícios, contendo uma correta apreciação da prova e interpretação dos factos.
6- A circunstância de o Tribunal, em face de duas versões distintas dos factos, conferir crédito a uma em detrimento da outra, está intrinsecamente conexionada com o princípio da livre apreciação da prova, sujeito às regras da experiência comum e de acordo com a sua livre convicção, exigindo-se apenas ao Tribunal “a quo” que explicite de forma clara e concisa as razões pelas quais conferiu relevância a uns meios de prova e a outros não, bem como explicite o processo lógico que conduziu à decisão, tal qual se verifica no caso em apreço.
7- Da análise da prova produzida, impõe-se concluir que o Tribunal “a quo” procedeu a uma correta interpretação e valoração dos vários elementos probatórios ao seu dispor, não incorrendo em qualquer erro de julgamento.
8- O Tribunal “a quo”, meticulosamente analisou, criticando todas as provas, agindo em cumprimento da lei, designadamente de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 607.º do C.P.C, não se verificando qualquer vício de erro na apreciação da prova.
9- O Recorrente coloca em causa os factos constantes nos pontos factualidade dada como provada e não provada na douta sentença recorrida, alegando que o Tribunal “a quo” dá como provados factos essenciais e que devidamente valorados conduziriam a uma decisão diversa, o que não se pode concordar, pois a prova produzida foi além de séria, credível, mais do que abundante e conducente à decisão proferida.
10- O que se extrai do depoimento da testemunha SS, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 15:11:56minutos – início da gravação – a 15:22:44 minutos fim da gravação, em 06/03/2025, supratranscrita.
11- Depoimento que foi claro e imparcial, revelou a posse, pública, pacífica e de boa fé do prédio em questão pelos recorridos e seu ante possuidor Sr. EE, pai dos recorridos e falecido marido da recorrida, pormenorizando todos os atos de posse relativos ao prédio descrito no ponto 17 dos fatos dados como provados.
12-De igual modo se revelou o depoimento da testemunha HH, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 15:23:20 minutos – início da gravação – a 15:39:24 minutos fim da gravação, em 06/03/2025, conforme supratranscrito.
13-Testemunha revelou um conhecimento direto dos factos, de quem praticou atos de cultivo, limpeza na parcela em causa, que o fez sob as ordens e diretivas dos Recorridos, há mais de 40 anos, absolutamente conhecedor da parcela em causa e dos factos e seus limites e configuração, sabendo que o fez por ordens dos Recorridos e seu antecessor, sem qualquer oposição de quem quer que fosse, à frente e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente do Recorrente.
14- No mesmo sentido se salienta o depoimento da testemunha II, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 15:39:54 minutos – início da gravação – a 15:55:11 minutos fim da gravação, em 06/03/2025, a toda a matéria, a qual esclareceu conhecer a recorrida CC e seu falecido marido desde 1978, ano em que passou a viver na sua casa situada junto ao prédio objeto da escritura de justificação, com cerca de meio hectare, que confronta com a Igreja paroquial. Tem, assim, um perfeito conhecimento de todos os atos praticados pela Recorrida no seu prédio desde a sua aquisição, no qual se encontra inequivocamente integrada a parcela de terreno em litígio.
15- Mais referiu, quando questionada sobre se o autor tinha alguma casa naquele prédio, a testemunha foi perentória ao afirmar que a casa do recorrente, entretanto demolida, situava-se num prédio mais pequeno, diferente daquele que pertence aos réus.
16- A prova testemunhal produzida, foi mais do que cabal e absolutamente clara e contundente, para dar como assente tal factualidade.
17- Quanto à matéria que se impunha ao recorrente dar como provada e que pelo presente recurso pugna, de frisar que, da análise da prova documental enunciada pelo mesmo, não se extrai qualquer prova, quanto à propriedade do recorrente do prédio em litígio nos autos e identificados no artigo 17 dos factos dados como provados, ou sequer qualquer princípio de prova.
18- Aliás, dos tão asseverados documentos juntos pelo recorrente, apenas se extrai a propriedade do prédio favor do recorrente melhor identificado dos factos dados como provados, prédio esse contíguo ao dos ora recorridos.
19- De igual modo se verificou a completa ausência de produção de prova quanto à propriedade pelo recorrente do prédio que veio reivindicar dos recorridos e de extrai dos depoimentos dos testemunhos por si arrolados, que nada de novo trouxeram aos autos, que não a verdade dos factos, que o mesmo era dono de uma casa, e conheciam a casa e tão só, o que sempre foi aceite pelos recorridos, que o recorrente possui um prédio contíguo ao seu, sendo que tal prédio se encontra como sempre se encontrou delimitado e separado do prédio dos recorridos, por marcos, e uma linha de água, em nada se confundindo com o prédio do recorrente.
20- Veja-se o depoimento da testemunha TT, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 09:32:03 minutos – início da gravação – a 10:15:36 minutos fim da gravação, em 03/03/2025, o depoimento da testemunha UU, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 13:54:30 minutos – início da gravação – a 14:03:54 minutos fim da gravação, em 03/03/2025, o depoimento da testemunha VV, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 14:04:57 minutos – início da gravação – a 14:17:37 minutos fim da gravação, em 03/03/2025, o depoimento da testemunha WW, conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 14:52:02 minutos – início da gravação – a 15:00:32 minutos fim da gravação, em 03/03/2025.
21- Das supracitadas testemunhas, nenhuma revelou ou carreou para os autos qualquer facto relevante, conhecedor e muito menos conducente à alteração da factualidade dada como provada e não provada, nada sabendo sobre os factos em causa na presente demanda, nenhuma das testemunhas corroborou, de modo algum, a versão do recorrente trazida aos autos, de que o prédio objeto da escritura de justificação datada de ../../2010 corresponde ao prédio propriedade do autor registado na CRP ... sob o n.º ...04/freguesia ... e muito menos, abalou os factos carreados pelos recorridos e dados como provados.
22- No que respeita ao tão aclamado levantamento topográfico, como bem referiu o seu autor, a testemunha XX, o mesmo foi realizado a pedido da esposa do recorrente, que nem o recorrente foi,  não conhecendo os limites do prédio, pelo que, desprovido de qualquer valor tal documento, o que se extrai do depoimento da testemunha conforme gravação digital do sistema de gravação disponível na aplicação do Tribunal, de 14:04:57 minutos – início da gravação – a 14:17:37 minutos,
23- Nenhuma prova existiu por parte do recorrente que materializasse o seu alegado direito de propriedade, sob o prédio que efetivamente foi reconhecido aos recorridos, nem poderia existir, porquanto o mesmo é da propriedade dos mesmos, encontrando-se na sua posse desde tempo imemoriais e diga-se que, pública pacífica e de boa fé.
24- Ao invés, resultou manifesto, que se verificaram demonstrados por provados todos os requisitos formais e materiais invocados em sede de pedido reconvencional, para a procedência do petitório dos recorridos e reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio em litígio nos autos.
25- Não sendo de alterar qualquer ponto da factualidade dada como provada e não provada, porque assente em prova bastante credível, tendo sido feita uma análise escorreita, coerente e consentânea com a prova produzida.
26- Sendo que, o recorrente confunde o que queria e pretendia ver demonstrado, com o que na verdade e na realidade ficou demonstrado, estribando o seu raciocínio em falsas premissas, ansiando com a sua atuação ver reconhecido um direito que bem sabe nunca lhe ter pertencido, socorrendo-se para o efeito de documentos “isolados” e desprovidos de qualquer conexão, com o prédio em litígio, como ficou amplamente asseverado, o que foi válida e assertivamente, dissecado pelo Tribunal “a quo”.
27- O mesmo se diga, quanto à matéria de direito, verificando-se na douta sentença que o Tribunal “a quo”, faz uma correta subsunção dos fatos ao direito, nenhuma norma jurídica, princípio ou preceito legal, de apresenta como violada, inexistindo qualquer vício ou erro de direito, sendo que, face à factualidade dada como provada, nenhuma outra poderia ser a decisão a proferir, devendo a douta sentença ser mantida na íntegra.
Termos em que devem V. Exc.ªs negar provimento ao recurso interposto pela recorrente, mantendo-se, em conformidade, a douta sentença recorrida.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto na vertente de deficiência e, bem assim, quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 27º e quanto à que foi julgada não provada nos pontos 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º e 38º;
b- Se, na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente ou, independentemente dela, a decisão de mérito constante da sentença (que julgou a ação improcedente e procedente a reconvenção) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e substituição, julgando-se a ação procedente e a reconvenção improcedente.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação:
1- Por escritura celebrada no dia 4 de outubro de 1974 no Cartório Notarial ..., lavrada de folhas duas verso a folhas cinco verso no livro para escrituras diversas número ...1 – A, pelo preço recebido de vinte mil escudos, FF e sua mulher LL declararam vender ao autor a área de 2.193 m2 de terreno, sito no lugar ..., da freguesia e concelho ..., a confrontar do sul com terreno da ..., do poente e norte com o prédio donde o mesmo terreno é desanexado, e do nascente com a Estrada ... e quatro, que liga esta ... e a freguesia ..., que é desmembrado do prédio rústico denominado “Campo ... ou Vale”, também conhecido por “...”, descrito na Conservatória sob o número ...14 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...49, em cujo terreno o autor tinha concluído, no ano de 1962, a edificação de uma casa de morada e respetivos quintal e rocio, licenciada pela Câmara Municipal ... pelo alvará nº ...14, emitido no dia 21 de junho de 1957, e inscrita na matriz urbana sob o artigo ...32.
2- O FF faleceu no dia ../../1976, no estado de casado com LL, com quem tinha casado no dia 19 de junho de 1923.
3- Ao FF sucederam-lhe, como únicos e universais herdeiros, os seus cinco filhos legítimos: LL, casada no regime de separação de bens com YY; FF, casado no regime de separação de bens com comunhão de adquiridos com ZZ; MM, solteiro, maior; AAA, casado no regime de comunhão geral de bens com BBB; BB – o aqui autor – casado no regime de comunhão geral de bens com PP; e ainda, uma filha ilegítima de nome BBB, solteira, emancipada.
4- No dia ../../1977, no Cartório Notarial ..., perante a respetiva ajudante, CCC, foi lavrada de folhas 83 verso a folhas 85 verso no livro para escrituras diversas número 55-B, escritura de compra e venda, na qual, pelo preço de cinco mil escudos, já recebido, LL, por si e como procuradora de LL, FF e mulher BBB; e MM, por si e como procurador de AAA e mulher BBB, declararam vender ao autor o direito e ação que têm no prédio rústico denominado “...”, também conhecido por “Campo ...”, que corresponde a nove décimos indivisos do mesmo prédio, situado nesta ..., a desanexar do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...19, e inscrito na matriz sob o artigo ...26, confrontando do nascente com a estrada, do poente com terrenos de DDD, do norte com terrenos da Igreja, em construção, e do sul com EE.
5- O prédio inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica da freguesia ... encontrava-se inscrito em nome de FF.
6- No dia 6 de fevereiro de 1978, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., MM, filho do FF e irmão do autor, instaurou contra o EE e a sua mulher, a ré CC, a ação sumária registada com o n.º 7/1978, alegando ser legítimo possuidor, em compropriedade, do prédio rústico denominado “Campo ... ou ...”, sito no lugar ... – ..., que confrontava de norte e poente com terrenos de que era comproprietário, nascente com BB e sul com os RR., fazendo parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...18, e inscrito na matriz, conjuntamente com outros prédios, sob o artigo ...49º.
7- E que tal compropriedade, na respetiva proporção, correspondia ao seu quinhão hereditário que, na qualidade de filho do falecido Dr. FF e, por óbito deste lhe viera a pertencer, ficando-o a possuir em comum com os demais irmãos e mãe.
8- E que este prédio se encontrava definitivamente registado na Conservatória do Registo Predial ... a seu favor, seus irmãos e mãe, em comum e sem discriminação de partes.
9- E que os réus estavam a ocupar e usufruir tal prédio, abusivamente, contra a vontade dele e demais comproprietários, e sem que, para tanto, possuíssem qualquer título que legitimasse tal ocupação.
10- E nessa ação formulou contra EE e a ré CC, os seguintes pedidos de condenação:
. A reconhecerem que era legítimo comproprietário desse prédio;
. A reconhecerem que, na qualidade de comproprietário, tinha direito a reivindicar a sua totalidade;
. A desocuparem o prédio e a entregar-lho livre e desembaraçado;
. A entregar-lhe os frutos produzidos ou que poderiam ter sido produzidos no prédio e cuja liquidação se faria em execução de sentença.
11- Na ação referida em 6, no dia 6 de março de 1978, MM, acompanhado pelo seu advogado, e EE e mulher, a ré CC, acompanhados pelo seu advogado, outorgaram e assinaram termo de transação, em que estes se comprometeram a fazer entrega do prédio reivindicado até ao fim do mês de maio próximo, e ficaram com o direito de proceder ao tratamento e colheita do vinho existente no mesmo prédio, durante esse corrente ano agrícola, o qual foi homologado por sentença datada de 08 de março de 1978, transitada em julgado.
12- A LL faleceu no dia ../../1978, no estado de viúva.
13- No dia 9 de janeiro de 1984, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., o autor e PP, então seu cônjuge, instauraram contra EE e a ré CC, ação com processo sumário registado com o n.º 5/1984, em cuja petição inicial pediram que estes fossem condenados a reconhecê-los como exclusivos proprietários da parcela de terreno com a área de 1.963 metros quadrados que, abusivamente, vinham ocupando, e a restituir-lhes essa mesma parcela de terreno, livre de coisas.
14- No dia 8 de fevereiro de 1984, EE e a ré CC contestaram essa ação, invocando que ocupavam a parcela de terreno por lhes ter sido arrendada, há cerca de 14 anos, através de contrato verbal e pela renda anual de 600$00.
15- Na ação referida em 13, no dia 24 de outubro de 1984, acompanhados pelos respetivos advogados, o autor e aquela, então sua mulher, outorgaram e assinaram termo de transação em cuja cláusula 1ª, EE e a primeira ré, como réus, declararam: “Os réus obrigam-se a restituir aos autores a parcela de terreno identificada nos artigos seis e um da petição, que vêm agricultando, no dia 31 de outubro de 1987; nada pagando até essa data”.
16- A transação referida em 15 foi homologada por sentença de 26 de outubro de 1984 e transitou em julgado.
17- No dia ../../2010, no cartório notarial sito na Avenida ..., ..., ..., em ..., perante a notária EEE, foi outorgada escritura de justificação, lavrada no livro de notas para escrituras diversas número cento e vinte oito – A, de folhas ... a folhas ... verso, tendo a ré CC e EE, ela natural da freguesia ... e ele natural da freguesia ..., ambas do concelho ..., casados no regime da comunhão geral de bens, então residentes na ..., Lugar ..., da freguesia e concelho ..., declarado:
Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte imóvel:
Prédio rústico, denominado “X...”, composto por terreno de pasto, com a área de quatro mil setecentos e setenta e oito metros quadrados, sito no Lugar ..., da freguesia e concelho ..., a confrontar do norte com Igreja Paroquial de ..., do sul com JJ e outro, do nascente com BB e do poente com KK, não descrito na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz respetiva, em nome do justificante marido, sob o artigo ...65, com o valor patrimonial tributário de € 180,00 e o atribuído de cento e oitenta euros.
Que os justificantes não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do referido prédio, porquanto o mesmo foi por eles adquirido por compra, não titulada por escritura pública, que fizeram no ano de ... a FF, solteiro, ao tempo residente na freguesia e concelho ..., cuja atual residência desconhecem.
Que, não obstante isso, têm os justificantes usufruído o dito prédio, designadamente, utilizando-o para apascentar o seu gado, colhendo os seus frutos e gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando os respetivos impostos, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém – e tudo isto por um lapso de tempo superior a vinte anos.
Que, dadas as enunciadas características de tal posse, adquiriram o identificado prédio por usucapião – título este que, pela sua natureza, não é suscetível de ser comprovado pelos meios normais.
Que, nos termos expostos, assim, fica justificado o direito de propriedade que detêm sobre o mencionado prédio”.
18- Nessa escritura, na qualidade de segundos outorgantes, GG, casado, natural da freguesia ..., do concelho ..., residente no lugar ..., da freguesia ..., do concelho ...; HH, solteiro, maior, natural de ..., residente no lugar da ..., da freguesia ..., do concelho ...; e II, viúva, natural da freguesia ..., do concelho ..., residente na Avenida ..., da freguesia e concelho ..., declararam:
Que confirmam as declarações que antecedem por corresponderam inteiramente à verdade”.
19- No dia 2 de outubro de 2010, com base naquela escritura de justificação, pela inscrição da apresentação 284 foi descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...02 da freguesia ..., o prédio objeto daquela escritura, e registada, a sua aquisição, por usucapião, tendo como sujeitos ativos, EE e a ré CC.
20- No dia 11 de janeiro de 2018, no Cartório Notarial sito na Rua..., Edifício ..., ..., no concelho ..., perante a notária FFF, foi outorgada escritura de doação, lavrada no livro de notas para escrituras diversas número ... - A, de folhas ..., tendo EE e a ré CC, casados no regime de comunhão geral, declarado:
Que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “X...”, sito no Lugar ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na atual matriz sob o artigo ...65, com o valor patrimonial tributário e atribuído de cento e oitenta euros, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., registado a seu favor pela inscrição da apresentação número ... e ... e ..., de dois de outubro de dois mil e dez.
Que, pela presente escritura, doam aos segundos outorgantes, AA e DD e ao terceiro outorgante EE, o imóvel acima identificado, na proporção de metade indivisa para os segundos outorgantes e metade indivisa para o terceiro outorgante.
Doação em relação ao segundo outorgante AA e terceiro outorgante EE, filhos dos primeiros, é feita por conta da sua quota disponível.
Mais declaram que não possuem outros prédios rústicos contíguos ou confinantes nem que o presente ato envolve qualquer fracionamento proibido por lei.”.
21- E, nessa escritura, os réus AA e mulher DD e EE declararam: “que aceitam a presente doação nos termos exarados”.
22- No dia 21 de fevereiro de 2018, pela inscrição da apresentação 2097, tendo como causa aquela doação, ficou, definitivamente, registada, na proporção de ½ para cada um dos segundos e terceiro réus, a aquisição do direito de propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02.
23- No dia ../../2018, faleceu EE, no estado de casado com a ré CC.
24- E sucederam-lhe como únicos herdeiros, a ré CC, sua mulher, o segundo e o terceiro réus, seus filhos, AA e EE.
25- No dia 8 de novembro de 2020, o autor celebrou, sob o regime imperativo da separação de bens, na ... Conservatória do Registo Civil ..., casamento civil com GGG.
26- Por sentença proferida no dia 15 de fevereiro de 2022 e transitada em julgado nesse dia, no processo de inventário de partilha dos bens do dissolvido casal do autor e de PP, que correu termos com o n.º 1508/08.5TMPRT-D, Juiz ..., do Juízo de Família e Menores do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi adjudicado ao autor o prédio misto constituído pelo prédio urbano inscrito na matriz urbana no art. ...32 e pelo prédio rústico inscrito na matriz rústica no art. ...45, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...98/freguesia ....
27- Desde, pelo menos 1978, os réus utilizam o prédio identificado em 17 para apascentar gado, cultivar milho e erva, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, procedendo à sua limpeza, sempre à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, inclusivamente do autor, de forma ininterrupta, com a convicção de serem os seus únicos proprietários, pagando os respetivos impostos.
*
E julgou como não provado que:
28- A área de quatro mil setecentos e setenta e oito metros quadrados do terreno do prédio descrito em 17 integrava a área dos prédios rústicos denominados ..., ..., ..., ..., ..., Campo ..., Campo ..., ... e QQ, todos inscritos na matriz rústica da freguesia ... no artigo ...49 da anterior matriz rústica, e nela inscrito em nome de FF, e descritos na Conservatória do Registo Predial ... no prédio com o número ...14, situado nos limites da freguesia ..., a confrontar do nascente com ... e Estrada, norte, sul e poente com terra da ....
29- A área de 4.778 m2 do prédio identificado em 17 integra a área de 2.193 m2 do terreno indicado em 1 e a área de cerca de 3.880 m2 correspondente aos nove décimos aludidos em 4, e que com a casa de morada, respetivos quintal e rocio do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...32 da freguesia ..., compõe o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob número ...98, da freguesia ..., cuja aquisição está registada em nome do autor e daquela, então sua mulher, PP, desde ../../1977.
30- O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04/freguesia ... tem a área total de cerca de 6.073 m2, do lado com que confronta com a Igreja Paroquial de ... mede cerca de 68,80 metros de comprimento, do lado com que confronta com a Estrada Nacional n.º ...04, no local, anteriormente já designada Avenida ... e, presentemente, designada Rua ..., mede cerca de 90,30 metros de comprimento, do lado oposto a esta confrontação confronta com prédio de KK, e do lado oposto à daquela confrontação com a Igreja Paroquial de ... confronta com prédios urbanos de JJ e de outros com acesso por caminho com entrada pelo número ...03 de polícia daquela Rua ....
31- A área do prédio identificado em 17 integra a parcela de terreno aludida em 13, com 1.963 m2.
32- A área do prédio identificado em 17 corresponde ao prédio descrito em 6.
33- No dia ../../2010, a ré CC e EE sabiam que não tinham adquirido, por compra, ao FF o prédio identificado em 17.
34- E sabiam que até esse ano de 2010 não tinham pago qualquer imposto, nomeadamente, contribuição predial ou autárquica e imposto municipal sobre imóveis.
35- E sabiam que desse prédio tinham sido caseiros agrícolas do FF.
36- E sabiam que, relativamente a esse prédio, apenas se arrogaram caseiros até outubro do ano de 1984, mediante a renda anual de seiscentos escudos, e que até 31 de outubro de 1987 ficaram sem a pagar.
37- O EE e a ré CC tinham conhecimento, no dia ../../2010, que as declarações, por ambos produzidas, no âmbito da escritura identificada em 17 não tinham correspondência com a realidade.
38- Os nove décimos indivisos aludidos em 4 correspondem, desde o ano de 1989, ao prédio inscrito no artigo ...45 da atual matriz rústica da freguesia ... e, exclusivamente, em nome do autor, a confrontar do norte com Igreja, do sul com caminho, do nascente com estrada e do poente com KK, como tendo área de 1.997 m2, mas que tem a área de cerca de 3.880 m2, e com a descrição de cultura arvense de regadio, 4 macieiras e 30 uveiras.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da impugnação do julgamento da matéria de facto
A.1- (In)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto
O recorrente assaca erro julgamento da matéria de facto à sentença, na vertente de deficiência e, bem assim, quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 27º e quanto à julgada não provada nos pontos 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º e 38º, pelo que se impõe indagar se deu cumprimento aos ónus impugnatórios do julgamento de facto, enunciados, de modo taxativo, no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC (onde constam todos os dispositivos legais que se venham a enunciar, sem menção em contrário), dado que, em caso de incumprimento, tal impedirá que o tribunal ad quem possa entrar no conhecimento da impugnação.

Estabelece o art. 640º que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (sublinhado nosso).
As disposições acabadas de transcrever enunciam os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, cujo cumprimento são impostos ao recorrente com a finalidade de evitar a interposição de recursos de pendor genérico e à salvaguarda cabal do princípio do contraditório, uma vez que o recorrido apenas ficará habilitado de todos os elementos necessários a organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, quando lhe seja dado a conhecer: a concreta materialidade fáctica julgada provada e/ou não provada que é impugnada pelo recorrente; qual a específica decisão que, na sua perspetiva, deverá recair sobre essa matéria; quais os concretos elementos de prova em que funda a impugnação; e, bem assim, qual a lógica de raciocínio por ele percorrida na valoração e conjugação daqueles meios de prova, de modo a evidenciar que o raciocínio probatório seguido pela 1ª Instância é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova, ou seja, que é inconsistente, e antes inculca a versão dos factos que propugna, por ser a que atinge o patamar da probabilidade prevalecente[2] .
Acresce precisar que, atento o disposto no n.º 4 do art. 635º, as conclusões exercem a função essencial de delimitação do objeto do recurso, sendo nelas fixado o thema decidendum a que o tribunal ad quem vê a sua atividade decisória balizada.
Dito por outras palavras, o recorrente tem, nas conclusões, de indicar, de forma rigorosa, os concretos pontos da matéria de facto julgada provada e/ou não provada que impugna. Ou seja, nas conclusões de recurso o recorrente tem de dar cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. a) do n.º 1 do art. 640º, especificando os concretos pontos da matéria de facto que impugna, sob pena de se ter de rejeitar a impugnação do julgamento de facto, por falta de objeto.
Quanto aos restantes ónus impugnatórios primários das als. b) e c) do n.º 1, e secundários da al. a) do n.º 2, ambos do art. 640º, na medida em que não exercem uma função individualizadora das questões submetidas pelo recorrente ao tribunal ad quem, não têm/devem constar das conclusões de recurso, mas sim da motivação[3].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, analisadas as alegações de recurso verifica-se que o recorrente deu cumprimento suficiente aos enunciados ónus impugnatórios, na medida em que discriminou, nas conclusões, os concretos pontos do julgamento de facto que impugna e indica a pretensa facticidade em relação à qual, na sua perspetiva, ocorre o vício da deficiência do julgamento de facto e que, por isso, pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença; e, na motivação de recurso indicou: os concretos meios probatórios em que funda a impugnação; a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre cada um dos concretos pontos da matéria de facto que impugna; e, finalmente, quanto à prova gravada, identificou o início e o termo da gravação onde constam os excertos dos depoimentos em que funda a impugnação.
Destarte, do ponto de vista do cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento de facto, dado que o recorrente lhes deu suficiente cumprimento (o que nem sequer vem questionado pelos recorridos), não existe qualquer impedimento processual a que esta Relação entre na sua apreciação.

 A.2- Parâmetros a que deve obedecer a reapreciação do julgamento de facto pela Relação e em que lhe é consentido alterar o julgamento realizado pela 1ª Instância
Antes de entrarmos na apreciação dos concretos erros de julgamento da matéria de facto que o recorrente assaca à sentença, impõe-se enunciar os parâmetros a que deve obedecer a reapreciação pelo tribunal ad quem dos pontos da matéria de facto julgada provada e/ou não provada que impugna ou, pretende ver aditada ao elenco dos factos nela julgados provados com fundamento em deficiência e, bem assim, os critérios em que lhe é consentido proceder à alteração do julgamento de facto realizado pela 1ª instância.
Da conjugação do regime constante dos arts. 635º, n.º 4, 640º e 662º resulta que, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova (que é o princípio regra que vigora no direito processual civil nacional), a Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada; sobre essa matéria tem de realizar um novo julgamento; nele tem de formar a sua convicção de forma autónoma; para a formação dessa sua convicção não só reaprecia os meios de prova especificados por recorrente e recorrido, respetivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda serem pertinentes para formar uma convicção segura; sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, o novo julgamento a realizar pelo tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, gozando, por isso, dos mesmos poderes atribuídos à 1ª instância, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção (autónoma) recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o julgador a quo[4]; na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando se suscitarem dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida; sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, e através das regras da experiência comum, da lógica, ciência ou da técnica o tribunal de recurso consiga relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento de facto realizado pelo julgador a quo; no entanto, em caso de dúvida, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e a fragilidade da prova produzida, se o julgamento de facto se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, deverá prevalecer esse julgamento, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[5].
Com efeito, estabelece o art. 662º, n.º 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (destacado nosso), do que resulta que, para que o tribunal ad quem possa alterar o julgamento de facto realizado pela 1ª instância não é suficiente que a prova produzida indicada pelo recorrente, isolada ou conjuntamente com a demais prova que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento de facto que propugna, mas antes é necessário que o imponha.
O comando legal acabado de referir tem plena justificação quando se pondera estar-se na presença de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que, tendo presente esse princípio, bem como os da imediação, da oralidade e da concentração e, bem assim, que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade prevalecente e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar totalmente a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, nem ignorar que a imediação, a oralidade e a concentração da prova de que beneficiou tornaram-lhe percetíveis determinadas realidades relevantes para a formação de uma convicção segura, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem, através da audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Por isso, a Relação apenas pode/deve alterar o julgamento da matéria de facto quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova constante do processo que entenda pertinente para a formação de uma convicção segura, conclua, com a necessária segurança que a prova pessoal produzida em audiência final, conjugada com a restante prova (documental, pericial e/ou por inspeção), uma vez submetida às regras do normal acontecer, da ciência ou da técnica apontam numa direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, por infirmar os termos do raciocínio probatório por esta adotado, evidenciando ser injustificado e inconsistente, e antes aponta para outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente[6]. Em caso de dúvida, nomeadamente, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, impõe-se que faça prevalecer a decisão de facto proferida pela 1ª Instância, em observância aos enunciados princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso[7].
Estabelecidos os parâmetros que se acabam de enunciar urge entrar na apreciação da concreta impugnação do julgamento de facto operada pelo recorrente.

A.3- Vício da deficiência do julgamento de facto
O recorrente assaca ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância o vício da deficiência, pretendendo que se adite à facticidade julgada provada na sentença o seguinte:
1- «No dia ../../1974, no Cartório Notarial ... foi celebrada escritura pública de compra e venda, outorgada por LL, casada com FF, representado por seu filho MM, como vendedores, e EE, casado com CC, em que aqueles declararam vender, pelo preço de cem mil escudos, a EE, os seguintes imóveis: a) Casa construída de pedra e madeira, com ... e ... andar, sendo este para palheiro e aquele para recolha de gado, denominada “...” ou “...”, com a área coberta de setenta metros quadrados e rocio com a área aproximada de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, sita no Lugar ..., a confrontar do norte com quintal da casa de BB, do sul com casa dos herdeiros de NN, do nascente com a Estrada Nacional e do poente com terreno da Quinta ..., omisso na respetiva matriz; b) Prédio rústico denominado “...”, sito no Lugar ..., a confrontar do norte e nascente com Parque Florestal, do poente com Estrada Nacional e do sul com o segundo outorgante, inscrito na respetiva matriz sob parte do artigo ..., e em que  EE declarou aceitar esse contrato de compra e venda» - cfr. conclusão 1ª das alegações de recurso;
2- «O quintal da casa de BB, declarado como confrontação do norte, relativa à compra e venda do imóvel da sua alínea a) da escritura pública celebrada no dia ../../1974, é o quintal da casa do autor, referida no ponto 1. da decisão de facto»;
3- «A Estrada Nacional, declarada como confrontação nascente nessa escritura do imóvel da sua alínea a), é a Estrada ... e quatro, referida no ponto 1. da decisão de facto, e é a mesma Estrada, declarada como confrontação poente nessa escritura do imóvel da sua alínea b)»;
4- «O prédio rústico denominado “...” do imóvel da sua alínea b) dessa escritura, fica situado no lado oposto ao imóvel da sua alínea a), e no lado oposto ao terreno, referido no ponto 1. da decisão de facto»;
5- «O rocio com a área aproximada de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, declarado do imóvel da alínea a) dessa escritura pública de ../../1974, é diverso do terreno com a área de 4.778 m2, declarado na escritura de justificação de ../../2010, referida no ponto 17. da decisão de facto» - conclusão 2ª das alegações de recurso;
6- «No dia ../../2010, a primeira Ré e o seu marido, EE, para instruir a escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, apresentaram à respetiva Notária:
a) Certidão comprovativa da omissão do imóvel na Conservatória do Registo Predial ...;
b) Caderneta predial rústica, emitida em ../../2010 pelo Serviço de Finanças ..., que ficaram arquivadas no cartório dessa Notária, respetivamente, como documentos números cinquenta e cinco e cinquenta e seis do maço de documentos, no livro de notas para escrituras diversas número ... – A»; «Da certidão de a), com data de ../../2010 de emissão por aquela Conservatória, consta: “Certifico, que feitas as buscas em nome das pessoas indicadas na requisição nº 2247/2010, de 29 de julho, com referência ao primeiro prédio identificado, nenhum encontrei igual em situação, composição e confrontações”, e do texto dessa requisição consta, quanto à identificação do prédio: “Natureza: Rústico. artigo ...65. Freguesia – .... concelho .... Área: 4.778,00. Situação: ... – ... – .... Composição: Pasto – Ervas. Norte: Igreja Paroquial de .... Sul: JJ e outros. Nascente: BB. Poente: KK. Obs: Omisso na matriz antiga. Possuidores: EE, casado com CC, residentes na ..., Lugar ..., .... 1ºs ante possuidores: FF, solteiro, residente em .... 2ºs ante possuidores: Desconhecidos por antiguidade”»; «Do texto da caderneta predial rústica de b) consta: “Ano de inscrição na matriz: 2010”, “Valor patrimonial inicial e atual: € 180,00”, “Determinado no ano: 2010”, e, quanto à entidade do documento para a sua inscrição na matriz consta: “Entidade R.3/2010”, que é o requerimento que serviu de suporte à inscrição na matriz rústica de ... do artigo ...65, que foi assinado em ... por EE no dia 28 de abril de 2010, que deu entrada na Repartição de Finanças ... no dia 29 de Abril de 2010, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças ..., em cujo serviço se encontra arquivado e de cujo texto consta: «“EE vem participar a V. Exa, para fins de inscrição matricial, que é possuidor há mais de vinte anos, dos rendimentos do seguinte prédio: “ Rústico, a ervas, com a área de 4.778 m2, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confinar de Norte com Igreja Paroquial de ..., de Sul com CC e JJ, de nascente com BB, e de poente com KK, com o rendimento de € 50,00 ”» - cfr. conclusão 3ª das alegações de recurso;
7- «O cadáver do FF foi sepultado, no mês de novembro de 1976, no cemitério de ..., em jazigo nele existente, com a inscrição no seu frontispício e em pedra, que nele permanece, com os dizeres: Jazigo Dr. OO. Dr. FF. .... MDCCCLXXX» - cfr. conclusão 4ª das alegações de recurso;
8- «A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...98, da freguesia ..., de cuja descrição consta o prédio inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica e o prédio inscrito no artigo ...32 na matriz urbana, está registada desde junho de 1977 em nome do autor, casado com PP no regime de comunhão geral» - cfr. conclusão 5ª das alegações de recurso;
9- «A primeira Ré e aquele seu marido, EE, conheciam o FF e a sua mulher, LL, cujo cadáver foi sepultado no cemitério de ...» - cfr. conclusão 6ª das alegações de recurso;
10- «O EE e a CC tinham conhecimento da existência, até que foi demolida, da casa de morada, respetivos quintal e rocio, construída pelo autor em parte do terreno, referido no ponto 1. da decisão de facto» - cfr. conclusão 7ª das alegações de recurso;
11- «O EE, no dia 28 de abril de 2010, em que assinou o requerimento do documento nº 4, junto com a petição inicial, tinha conhecimento que as declarações do seu texto não reproduziam as realidades nele por si declaradas» - cfr. conclusão 8ª das alegações de recurso;
12- «O EE assinou e entregou na Repartição de Finanças ... o requerimento da certidão do documento n.º 4, junto com a petição inicial, para conseguir na matriz rústica da freguesia ... a inscrição do terreno com a área de 4.778 m2, referido na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, em seu nome, para obter um artigo matricial para esse terreno, e, ainda, para obter a respetiva caderneta predial rústica» - cfr. conclusão 9ª das alegações de recurso;
13- «Que permitisse preencher a requisição da certidão do documento nº 2, junto com a petição inicial, com as declarações que constam do seu texto, que sabia não corresponderem à realidade, e que fosse apresentada no dia ../../2010 na Conservatória do Registo Predial ... para desta obter certidão que certificasse que nenhum prédio igual em situação, composição e confrontações, nela existia descrito e registado» - cfr. conclusão 10ª das alegações de recurso;
14- «O EE conseguiu obter os documentos nºs 2 e 3, juntos com a petição inicial, para instruir, no dia ../../2010, a escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, e que à respetiva Notária ele e a CC apresentaram» - cfr. conclusão 11ª das alegações de recurso;
15- «O EE e a CC fizeram as afirmações da escritura de justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, para celebrar, assinar e conseguirem a justificação da aquisição, por usucapião, do terreno com a área de 4.778 m2 nela mencionado, e para que fosse descrito na Conservatória do Registo Predial ..., e nela registada, a sua aquisição, em seus nomes» - cfr. conclusão 12ª das alegações de recurso;
16- «A declarada área de quatro mil setecentos e setenta e oito metros quadrados do terreno, mencionado na escritura justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, integrava a área dos prédios rústicos, denominados ..., ..., ..., ..., ..., Campo ..., Campo ..., ... e QQ, todos inscritos na matriz rústica da freguesia ... no artigo ...49 da anterior matriz, e nela inscrito em nome de FF, descrito na Conservatória do Registo Predial ... no prédio com o número ...14, situado nos limites da freguesia ..., a confrontar do nascente com ... e Estrada, norte, sul e poente com terra da ...» - cfr. conclusão 13ª das alegações de recurso; e
17- «A declarada área de 4.778 m2 do terreno, mencionado na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, integra a área de 2.193 m2 do terreno do ponto 1. da decisão de facto, que com a área de 1.287 m2 do terreno inscrito, desde o ano de 1989, no artigo ...45 da atual matriz rústica da freguesia ..., exclusivamente, em nome do autor, correspondente aos nove décimos indivisos do terreno do prédio rústico inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica de ... do ponto 4. da decisão de facto, e que com a casa de morada, respetivos quintal e rocio do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...32 da freguesia ..., compõe o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob número ...98, da freguesia ..., cuja aquisição está registada desde Junho de 1977 em nome do autor, casado com PP no regime de comunhão geral, então sua mulher» - cfr. conclusão 14ª das alegações de recurso.
Em relação à pretensa facticidade constante de cada um dos pontos que se acabam de transcrever, o recorrente indica os específicos elementos de prova que, na sua perspetiva, impõem o julgamento de provado que propugna e que se resumem ao seguinte:
- Certidões prediais e matriciais e escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos, as quais comprovarão as áreas, limites e confrontações dos prédios de que é proprietário e que demonstrarão que o terreno objeto do prédio justificado, na escritura de justificação notarial de ../../2010, integra esses prédios, o que também teria sido corroborado pelas declarações e depoimentos de parte prestados pelos Réus AA e EE;
- Teor dos documentos que tiveram de ser obtidos pelos justificantes EE e Ré CC a fim de viabilizarem a celebração da escritura de justificação notarial impugnada e com que foi instruída, os quais demonstrarão que, ao diligenciarem pela obtenção dessa documentação e ao celebraram a escritura de justificação notarial impugnada, agiram de má-fé, bem sabendo não serem proprietários do prédio justificado e não o terem comprado a FF, estando aqueles documentos feridos de falsidade ideológica;
- Certidão de óbito de FF e fotografias juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 14 e 15, que comprovam que aquele faleceu em ../../1976, tendo sido sepultado em novembro de 1976, no cemitério de ..., o que demonstra que o declarado na escritura de justificação notarial quanto à compra do prédio justificado (pretensamente feita em 1978, a FF), é falso e, bem assim os intuitos prosseguidos pelos justificantes e pelas testemunhas que atestaram as declarações por eles feitas nas escritura de justificação notarial impugnada, o que é também, na sua perspetiva, reforçado pela circunstância dos justificantes não só conhecerem FF, como terem perfeito conhecimento, à data da celebração da escritura, que o mesmo era já falecido;
-  Levantamento topográfico junto em anexo à petição inicial, o qual, na sua perspetiva, nos termos do art. 368º do CC, goza de força probatória plena, e que comprovará que o terreno nela representado, propriedade do recorrente, confronta, além do mais, com Igreja ..., não existindo entre ele e a igreja qualquer outro terreno, mormente o objeto da escritura de justificação notarial impugnada;
- Relatório de avaliação junto aos autos pelo recorrente em 27/06/2024, na sequência do despacho de 13/06/2024, que, na sua perspetiva, também, nos termos do art. 368º do CC, gozará de força probatória plena, dado que, notificados desse relatório, os recorridos não o impugnaram, em que o terreno objeto desse relatório, propriedade do recorrente, integra o terreno justificado, o que também é, a seu ver, corroborado pelo depoimento da testemunha HHH, que elaborou o dito levantamento topográfico e que afirmou que o terreno nele representado vai até à Igreja ..., confrontando com a última;
- Certidão da ação sumária n.º 7/1978,  que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., em que o seu sobrinho, MM, demandou os justificantes, alegando ser comproprietário do prédio denominado “Campo ... ou ...”, cujo terreno, na parte que aí identifica, está a ser ocupado abusivamente pelos últimos,  em que veio a ser celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, em que os aí réus (justificantes) se obrigaram a restituir o terreno objeto dessa ação e que deles era reivindicado ao aí demandante, o que, na perspetiva do recorrente, comprovará que parte do terreno do prédio justificado integra o identificado prédio denominado “Campo ... ou ...”; e
- Certidão da ação sumária n.º 5/1984, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., em que o ora recorrente e então mulher demandaram os justificantes, alegando estarem a ocupar abusivamente terreno, com a área de 1.963 m2, sua propriedade, e reivindicando-o, em que os justificantes contestaram, alegando serem arrendatários do terreno reivindicado, e onde acabou por ser celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, em que os aí Réus (justificantes) se obrigaram a restituir aquele terreno até ../../1987, o que, na perspetiva do recorrente, demonstrará que parte do terreno do prédio justificado é composto pela área de terreno objeto desse ação, em relação à qual os justificantes alegaram serem arrendatários.    
Que dizer?
Prima facie impõe-se esclarecer que, contrariamente ao que parece decorrer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, na sentença o juiz não tem de julgar como provados e não provados tudo o quanto foi alegado pelas partes nos respetivos articulados, na medida em que semelhante entendimento não colhe, nem podia colher, face à lei processual civil nacional, em que apenas se prevê que, na sentença, o juiz apenas pode/deve considerar ao julgamento da matéria de facto, por um lado, «factos» e, por outro, desde que esses factos tenham «natureza essencial», por serem constitutivos da causa de pedir eleita pelo autor na petição de onde faz derivar o pedido, ou sejam integrativos de exceções que tenham sido invocadas pelo réu na contestação, com vista a obstar que o tribunal possa entrar no conhecimento do mérito da causa (exceções dilatórias) ou impeçam, modificam ou extingam o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor na petição inicial (exceções perentórias), ou que sejam integrativos de contra exceções que o autor oponha às exceções invocados pelo réu na réplica, não sendo esta admissível, no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (arts. 5º, n.ºs 1, 552º, n.º 1, al. d), 571º, 584, 587º e 3º, n.º 2, todos do CPC, onde constam todas as disposições legais que se venham a citar sem referência em contrário).
Acresce que, para além de ter de levar ao elenco dos factos julgados provados e não provados os factos essenciais constitutivos da causa de pedir e integrativos das exceções e contra exceções que tenham sido invocadas, na sentença o juiz tem também de levar ao elenco dos factos que julgue provados e não provados os «factos complementares ou concretizadores» (dos essenciais) que tenham sido alegados pelas partes, ou quando não tenham sido alegados, julgar os mesmos como provados quando a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e as partes tenham tido oportunidade de quanto a eles se pronunciar, salvaguardando-se assim o princípio do contraditório quanto aos mesmos (art. 5º, n.º 2, al. b)).
Finalmente, ao julgamento da matéria de facto que realize na sentença o juiz tem também de considerar, em sede de fundamentação/motivação do julgamento de facto, os «factos instrumentais» que, independentemente da sua alegação, tenham resultado da instrução da causa, além dos factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções (als. a) e c) do n.º 2 do art. 5º).
Neste sentido expende Paulo Pimenta que: “A discriminação dos factos que o juiz considera provados, imposta pelo n.º 3 do art. 607º, respeita aos factos essenciais, sendo a natural decorrência da decisão sobre a matéria de facto e aglutinando apenas os que foram dados como provados: são precisamente esses factos essenciais que constituem os fundamentos de facto da sentença. A decisão sobre a matéria de facto constitui o chamado julgamento de facto, isto é, a pronúncia do juiz acerca dos factos que julga provados e dos factos que julga não provados, conforme estabelece o n.º 4 do art. 607º, devendo esta pronúncia versar sobre os factos essenciais, sendo certo que os factos provados tanto serão os que resultaram da prova produzida nos autos como os que “estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito”. A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto respeita à motivação da convicção, exigindo a análise crítica das provas, com indicação das ilações extraídas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamentos decisivos para a convicção do julgador, tudo nos termos do n.º 4 do art. 607º. Como se disse já, a discriminação de que trata o n.º 3 do art. 607º supõe um prévio juízo sobre os factos provados e não provados, isto é, supõe o julgamento de facto, constituindo tal discriminação um repositório limitado àqueles factos que ficaram provados. (…). No plano dos factos (e continuamos a falar de factos essenciais), a sentença tem de indicar tanto os factos provados como os factos não provados, o que releva até para a eventual impugnação da decisão sobre a matéria de facto: nisso consiste a declaração a que alude o n.º 4 do art. 607º. O que sucede é que os factos provados a declarar como tal devem ter uma referência própria e autónoma: aí reside a discriminação dos factos provados imposta pelo n.º 3 do art. 607º”. Conclui que: “Na sentença, o juiz deve indicar os concretos factos essenciais que resultaram provados, sendo que o juiz considerará quer os factos essenciais alegados pelas partes (espontaneamente ou mediante convite), quer os factos essenciais complementares ou concretizadores revelados pela instrução (observando o prescrito na al. b) do n.º 2 do art. 5º)(destacado nosso)[8].
No mesmo sentido pronuncia-se Abrantes Geraldes ao sustentar que o julgamento de facto pode apresentar patologias decorrentes de se revelar “total ou parcialmente deficiente, obscuro ou contraditório, resultante de falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares (a que se reconduz o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto), da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”. Adianta que: “Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação”, apenas lhe sendo consentido que não o faça quando a prova contante do processo e da gravação não lhe permita “superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos (que a anulação da sentença e a consequente baixa do processo à 1ª Instância, para que amplie o julgamento de facto aos factos essenciais ou complementares em relação aos quais se omitiu pronúncia  - ao não julgá-los provados nem não provados) que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia”[9] (destacado nosso).
Em suma, na sentença o juiz tem apenas de levar ao elenco dos factos que julgue provados e não provados «factos», e desde que estes assumam natureza essencial ou complementar.
Os factos instrumentais cuja prova resulte da instrução da causa, dada a sua natureza essencialmente probatória (ao indiciarem a prova ou não prova dos factos essenciais e/ou dos complementares) não devem ser levados ao elenco dos factos provados e não provados, mas sim à motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto, em que o julgador dá a conhecer as concretas razões pelas quais deu os factos essenciais e/ou os complementares como provados ou não provados.
Adiante-se que por «factos» entende-se as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas; neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo[10].
Por isso, os meios de prova, nomeadamente, a prova documental, não constitui matéria de facto (não se reconduzindo a qualquer «facto»), mas trata-se dos tipos ou meios de prova especificamente admitidos pela lei, que têm por função a demonstração dos factos (art. 341º do CC): os documentos, a inspeção judicial, a prova pericial, a testemunhal, a por depoimento e declarações de parte, a apresentação de coisa móveis e as presunções[11].
Daí que, com exceção de estar em causa a impugnação do teor de um determinado documento, como acontece na presente ação, em que o recorrente impugna as declarações emanadas pelos justificantes e testemunhas na escritura de justificação notarial celebrada em ../../2010, mostra-se juridicamente erróneo levar ao elenco dos factos provados ou não provados na sentença o teor de documentos, onde apenas devem ser levados os «factos» que deles se extraem em função da força probatória de que beneficiam (v.g., no dia x a comprou a b o prédio t; no dia x a doou a b o prédio z; no dia y nasceu ou faleceu a, etc.)[12].
Acresce enfatizar que ao elenco dos factos provados e não provados na sentença também não devem ser levadas expressões de direito ou conclusivas, sem prejuízo do que infra se dirá.
Com efeito, muito embora o art. 646º, n.º 4 do anterior CPC, na sequência da reforma da lei processual civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, tenha sido eliminado, a doutrina e a jurisprudência continuam maioritariamente a considerar como não escritas as respostas do julgador sobre matéria qualificada como de direito; e a equiparar às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados, tudo sem prejuízo de se dever equiparar a factos as expressões verbais, com um sentido técnico-jurídico determinado, que são utilizadas comummente pelas pessoas sem qualquer preparação jurídica, na sua linguagem do dia a dia, falada ou escrita, com um sentido idêntico, contanto que essas expressões não integrem o próprio objeto do processo, ou seja, que não invadam o domínio de uma questão de direito essencial, traduzindo uma resposta antecipada da questão de direito a decidir[13].
Em suma, do elenco dos factos julgados provados e não provados devem ser expurgados o teor de documentos e as expressões conclusivas e de direito, sem prejuízo, quanto a estas, do que se acabou de referir, na medida a que a esse elenco apenas devem ser levados «factos», e contanto que estes tenham natureza «essencial» e tenham sido alegados por serem constitutivos da causa de pedir ou integrativos das exceções ou contra-exceções invocadas pelas partes, ou tenham natureza complementar daqueles.
Os «factos essenciais» são os que integram a causa de pedir ou as exceções invocadas pelo réu na contestação ou as contra exceções que o autor opôs a essas exceções.
Na medida em que os factos essenciais servem para individualizar a causa de pedir que foi eleita na petição inicial, de onde o autor faz derivar o direito a que se arroga titular e em que faz assentar o pedido e, bem assim, as exceções que foram alegadas pelo réu na contestação e as contra exceções opostas pelo autor a essas exceções, isto é, individualizam a situação jurídica alegada na ação ou na exceção e, por isso, definem o thema decidendum a que o julgador vê a sua atividade instrutória e decisória delimitada e dos quais não se pode apartar, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, salvo tratando-se de questão (exceção) que seja de conhecimento oficioso (art. 615º, n.º 1, al. c, ex vi, art. 608º, n.º 2), os factos essenciais integrativos da causa de pedir têm de ser alegados pelo autor na petição inicial (art. 552º, n.º 1, al. d)); os integrativos das exceções invocadas pelo réu na contestação têm de ser por ele alegados nesse articulado (art. 572º, al. c)); e os integrativos das contra exceções opostas pelo autor àquelas exceções têm de ser por ele alegados na réplica, não sendo esta admissível, no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela no início da audiência final (arts. 584º, 587º e 3º, n.º 3).   
Por conseguinte, por um lado, na sentença o juiz tem de levar ao elenco dos factos que julgue provados e não provados todos os factos essenciais constitutivos da causa de pedir e integrativos das exceções e contra exceções que foram alegados pelas partes pela forma acabada de referir e, por outro, não pode levar a esse elenco factos essenciais que não tenham sido alegados pelas partes pelo modo enunciado.
Por «factos complementares ou concretizadores» (dos essenciais) entende-se aqueles cuja falta de alegação “não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou duma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção”. Porque os factos complementares não individualizam a situação jurídica alegada na ação ou na exceção, não têm de ser alegados pelas partes nos respetivos articulados, mas, independentemente da sua alegação, devem ser julgados provados na sentença desde que a respetiva prova resulte da instrução da causa e as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar quanto aos mesmos, cumprindo-se o princípio do contraditório quanto a eles (al. c) do n.º 2 do art. 5º)[14].
Os factos complementares quando alegados pelas partes têm de ser naturalmente levados ao elenco dos factos provados ou não provados na sentença; mas quanto a factos complementares não alegados, apenas têm de ser levados ao elenco dos factos nela julgados provados os que se provem na sequência da instrução da causa e em relação aos quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciar.
Por último, são «factos instrumentais» os que exercem no processo uma função puramente secundária ao indiciarem a prova ou não prova dos factos essenciais e/ou dos complementares. Dada a sua função exclusivamente probatória, os factos instrumentais não têm de ser alegados pelas partes nos respetivo articulados, mas devem ser considerados na sentença, quando a sua prova resulte da instrução da causa. Porque os factos instrumentais exercem uma função puramente secundária, porque probatória, quando alegados, não devem ser levados ao elenco dos factos provados ou não provados na sentença, e quando não alegados, mas a respetiva prova resulte da instrução da causa não devem ser igualmente levados ao elenco dos factos provados na sentença, mas, a respetiva não prova (no caso de alegados) ou prova (independentemente da sua alegação) tem/deve ser considerada em sede de motivação/fundamentação do julgamento da matéria, a fim de fundamentar a prova ou não prova dos factos essenciais e/ou dos complementares, conforme o determina o n.º 4 do art. 607º, ao estabelecer que, na motivação do julgamento da matéria de facto, o juiz analisa “criticamente  as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e indicando os demais fundamentos decisivos para a sua convicção”)[15].
Assentes nas premissas que se acabam de  enunciar, revertendo ao caso dos autos, o recorrente instaurou a presente ação em que impugnou as declarações emitidas na escritura de justificação outorgada em ../../2010, em que a 1ª Ré e o então seu marido, EE (entretanto falecido), declararam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico denominado “X...”, não descrito na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz sob o art. ...65, em virtude de o terem comprado, no ano de 1978, a FF, sem que a respetiva escritura pública de compra e venda tivesse sido outorgada e que, desde então dele têm fruído, com ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o ignorando lesarem direito alheio, sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, pelo que, adquiriram o direito de propriedade sobre o mesmo a título originário, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, declarações essas que foram confirmadas pelas três testemunhas que se encontram identificadas nessa escritura.
O recorrente alegou que as declarações acabadas de referir são falsas, dado que, por um lado, FF, em 1978 era já falecido e, por outro, que o terreno do prédio justificado integra vários prédios (que identifica) de que é proprietário.
Pediu que se declarassem impugnados os factos declarados naquela escritura de justificação notarial; se declarasse ser esta juridicamente ineficaz e, em consequência, se ordenasse o cancelamento dos registos efetuados com base nela na Conservatória do Registo Predial ..., incluindo da doação que os justificantes fizeram desde prédio aos 2ºs e 3º Réus.
Daí que presente ação, atenta a causa de pedir que o recorrente formulou na petição inicial, tenha por objeto a impugnação da escritura de justificação notarial outorgada em ../../2010, que permitiu à 1ª Ré e ao seu entretanto falecido marido inscreverem o direito de propriedade sobre o mesmo no registo predial, mediante o funcionamento do instituto da usucapião e que viabilizou que o tivessem posteriormente doado aos 2ºs e 3º Réus.

Estabelece o art. 116º do Código do Registo Predial (CRP), sob a epígrafe “Justificação relativa ao trato sucessivo”, que:
“1- O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação prevista neste capítulo.
2- Caso exista inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, a falta de intervenção do respetivo titular, exigida pela regra do n.º 2 do artigo 34º, pode ser suprida mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação prevista neste capítulo.
3- Na hipótese prevista no número anterior, a usucapião implica novo trato sucessivo a partir do titular do direito assim justificado”.
Sobre a escritura de justificação rege a Subseção III do Código do Notariado (CN), que tem por epígrafe “Justificações Notariais”, onde se encontra regulada nos arts. 89º a 101º.
No que ao caso dos autos interessa importa chamar à colocação o regime jurídico dos arts. 89º, 96º, n.º 1 e 101º do CN.
No art. 89º estabelece-se que:
“1- A justificação, para efeitos do n.º 1 do art. 116º do Código do Registo Predial, consiste na declaração feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.
2- Quando for alegada a usucapião baseado em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião”.
No art. 96º, n.º 1 do mesmo diploma acrescenta-se que: “As declarações prestadas pelos justificantes são confirmadas por três declarantes”.

E, no seu art. 101º, que tem por epígrafe “Impugnação”, estatui-se que:
“1- Se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da ação.
2- Só podem ser passadas certidões de escritura de justificação decorridos 30 dias sobre a data em que o extrato for publicado, se dentro desse prazo não for recebida comunicação da pendência da impugnação.
3- O disposto no número anterior não prejudica a passagem de certidão para efeito de impugnação, menção que da mesma deve constar expressamente.
4- Em caso de impugnação, as certidões só podem ser passadas depois de averbada a decisão definitiva da ação.
5- No caso de justificação simultânea, nos termos do artigo 93º, não podem ser extraídas quaisquer certidões da escritura sem observância do prazo e das condições referidas nos números anteriores”.

Decorre da conjugação das normas que se acabam de transcrever que a escritura de justificação notarial constitui um mecanismo, de natureza especial e excecional, gizado pelo legislador perante a necessidade de colmatar a falta ou insuficiência de título legalmente previsto (constitutivo ou aquisitivo de um direito real sobre um prédio) por parte de quem se arrogue titular de direito real sobre um determinado prédio e o pretenda inscrever no registo.
A escritura de justificação notarial assenta no pressuposto de que o justificante não dispõe de documento bastante para comprovar o direito real de que se arroga titular sobre determinado prédio que o habilite a inscrevê-lo no registo predial, permitindo-lhe que mediante o recurso ao identificado mecanismo especial e excecional (a escritura de justificação notarial) obtenha a documentação necessária à primeira inscrição no registo do direito real de que se afirma titular (no caso de se tratar de prédio não descrito no registo predial) ou reatar ou estabelecer um novo trato sucessivo (no caso de se tratar de prédio já com inscrição no registo de aquisição, reconhecimento ou mera posse sobre o prédio em vigor) a fim de suprir a ausência de intervenção do titular do direito nele inscrito.
Nas palavras de Borges Araújo, “na génese do sistema em que assenta a justificação notarial está o princípio do trato sucessivo, sendo, portanto, um meio simplificado e expedito de se obter um novo título para responder à necessidade do registo predial obrigatório”[16].
Para esses efeitos, dispõe o n.º 1 do art. 89º do CN que a justificação notarial consiste na declaração feita pelo interessado, em que afirma que, com exclusão de outrem, é titular de um direito real sobre um determinado prédio e em que especifique a causa da aquisição do mesmo e, bem assim, as concretas razões que o impossibilitam de comprovar o direito em causa pelos mecanismos legalmente prescritos (v.g., escritura de compra e venda, doação, dação em pagamento, etc.). Quando o justificante declare como título aquisitivo do direito real a usucapião, baseada em posse não titulada, terá de indicar expressamente na escritura de justificação notarial as concretas circunstâncias de facto que determinaram o início da posse e os concretos atos materiais que traduzem a posse e suas características.
 As referidas declarações do justificante têm de ser confirmadas por três testemunhas, conforme é determinado pelo n.º 1 do art. 96º, n.º 1 do CN.
A escritura de justificação notarial não constitui, portanto, o título constitutivo ou translativo de direitos reais, não possuindo aquela qualquer eficácia constitutiva ou translativa desses direitos. Trata-se simplesmente de um instrumento ágil e simplificado de documentação de um facto aquisitivo de um direito real sobre um determinado prédio por parte do justificante, a fim de que superar a falta do título “normal” com que se encontra confrontado e a impossibilidade objetiva (v.g., falecimento do transmitente do direito) ou subjetiva (v.g. desconhecimento do paradeiro do transmitente do direito ou, em caso de falecimento, quem sejam os seus herdeiros ou o paredeiro deles) de o poder obter, de modo a que possa inscrever no registo[17].
São antes os atos possessórios concretos declarados pelo justificante na escritura de justificação notarial (corroborados por três testemunhas), uma vez subsumidos ao direito substantivo que lhes seja aplicável, que conduzem à aquisição do direito real na sua esfera jurídica sobre o prédio. É, aliás, por isso que, na escritura de justificação notarial o justificante e as testemunhas têm de declarar qual o concreto direito real que o primeiro, com exclusão de outrem, afirma ser titular sobre o prédio; a concreta causa da aquisição desse direito; as específicas razões que o impossibilitam de o comprovar pelos meios normais (títulos legalmente prescritos); e quando a causa de aquisição do direito real se funda em usucapião, baseada em posse não titulada, tenha de expressamente especificar quais as concretas circunstâncias de facto em que se iniciou a sua posse, nomeadamente, se se trata de posse originária ou derivada e, neste caso, a identidade do iniciador da posse e o meio pelo qual a transmitiu ao justificante, assim, no caso de posse originária, quando se iniciou a posse, quais como os concretos atos possessórios que vem exercendo sobre o prédio e suas características.
Acontece que, fundando-se a escritura de justificação notarial nas próprias declarações do justificante, ainda que respaldadas por três testemunhas, naturalmente que não oferece garantias sólidas de segurança de que os factos constitutivos do direito real que nela são declarados tenham efetiva aderência com a realidade ontológica. Daí que se compreenda que o art. 101º do CN preveja que a escritura de justificação notarial possa ser judicialmente impugnada, sem que essa impugnação esteja sujeita a qualquer prazo de caducidade[18], ou seja, a impugnação pode ter lugar a todo o tempo, antes ou depois de com base nela se ter registado o direito justificado em nome do justificante, por qualquer interessado que entenda que os seus direitos sobre o prédio estão a ser afetados/prejudicados pelo direito real inscrito no registo.
 Por outro lado, fundando-se a documentação (a escritura de justificação) que permitiu ao interessado a inscrição no registo predial do direito real justificado nas declarações do próprio justificante, corroboradas por três testemunhas, é entendimento doutrinário e jurisprudencial atualmente pacífico que a ação de impugnação de escritura de justificação notarial configura uma ação de simples apreciação negativa, em que, nos termos do disposto no art. 343º, n.º 1 do CC, recai sobre o justificante o ónus da prova da verificação dos factos constitutivos do direito justificado declarados na escritura de justificação notarial impugnada, bastando, por sua vez, ao autor (impugnante) alegar  ter sido celebrada a escritura de justificação notarial, as declarações que nela foram emitidas e que essas declarações não correspondem à verdade para assegurar a sua legitimidade ativa para a ação de impugnação e, bem assim, alegar que o direito justificado afeta ou prejudica os seus direitos sobre o prédio justificado para assegurar o seu interesse em agir na propositura da ação de impugnação.
Neste sentido, expende-se no acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 1/2008, publicado no DR., I Série, n.º 63, de 31/03/2008, págs. 1871 a 189, que: “Na ação de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts. 116º, n.º 1 do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.
Dito por outras palavras, conforme assertivamente se escreveu no acórdão do STJ, de 12/05/2016, a ação de impugnação judicial de escritura de justificação notarial configura-se “como uma ação de simples apreciação negativa, incluída no elenco contencioso, petitória, tendente a derrubar os factos e direitos arrogados, que não prescreve pelo decurso do tempo, sem prejuízo dos direitos entretanto adquiridos por usucapião, nos termos do art. 1313º do CC. Revestindo essa ação impugnatória tal natureza, incumbe ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, como prescreve o n.º 1 do art. 343º do CC, recaindo sobre o autor apenas o ónus de alegação dos factos vertidos na escritura impugnada. Não provando o réu tais factos, a ação procederá, tendo por efeito a ineficácia do ato de justificação notarial e a consequente impossibilidade do registo de aquisição visada ou o cancelamento do registo entretanto efetuado nessa base. Provando o réu tais factos, forma-se, entre as partes, caso julgado material sobre a existência do direito arrogado e procede-se ao registo que, em relação a terceiros, opera presunção iuris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, conforme estatuído no art. 7º do CRP”[19].
Decorre das considerações que se acabam de enunciar que, na presente ação, bastou ao recorrente (Autor) cumprir com o ónus alegatório de que, no dia ../../2010, a 1ª Ré e o seu entretanto falecido marido (justificantes) celebraram a escritura de justificação notarial, especificar as concretas declarações que nela os justificantes (e  testemunhas) fizeram e, bem assim, alegar que essas declarações não correspondem à verdade para lhe ser assegurada legitimidade ativa para instaurar a presente ação de impugnação dessa escritura, e, bem assim, que o direito justificado lesa o seu direito (no caso, o direito de propriedade a que se arroga titular sobre o terreno que integra o prédio justificado) para assegurar o seu interesse em agir na sua propositura.
Por sua vez, recai sobre os Réus (recorridos) o ónus da prova em como os factos declarados pelos justificantes (e testemunhas) na escritura de justificação notarial impugnada correspondem à realidade ontológica, sob pena de não o fazendo, a presente ação ter de proceder.
Acontece que a presente ação não é uma pura ação de simples apreciação negativa, na medida em que nela os recorridos deduziram reconvenção em que pedem que se declare que os 2ºs e 3º Réus são donos e exclusivos possuidores e proprietários do prédio  justificado e pedem a condenação do Autor/reconvindo a reconhecer esse direito de propriedade, de onde resulta que, para além da vertente de ação de simples apreciação negativa, no que respeita aos pedidos reconvencionais, a presente ação assume natureza de apreciação positiva e, inclusivamente, condenatória, que faz com que sobre os Réus-reconvintes impenda o ónus alegatório e probatório quanto aos factos declarados na escritura de justificação impugnada e eventualmente complementados e concretizados na contestação-reconvenção, bem como quanto ao meio pelo qual os justificantes lhes transmitiram o direito de propriedade sobre o prédio justificado, ou seja, e em suma, da veracidade ontológica dos concretos atos de possessórios declarados/firmados pelos justificantes na escritura de justificação notarial que, segundo eles, levaram que tivessem adquirido o direito de propriedade sobre o prédio, mediante o funcionamento do instituto da usucapião e os que levaram à transmissão desse direito dos justificantes para os 2ºs e 3º Réus.
Na presente ação são, assim, factos essenciais constitutivos da causa de pedir (por serem necessários à improcedência da presente ação, na sua vertente, de simples apreciação negativa, e à procedência do pedido reconvencional, que conforme antedito, assuma natureza de ação de declarativa de apreciação positiva e de condenação) os factos declarados na escritura de justificação notarial impugnada e os que levaram à transmissão do direito de propriedade do prédio dos justificantes para os 2ºs 3º Réus, os quais, na medida em que servem de causa de pedir à procedência do pedido reconvencional, têm de ser alegados pelos recorridos na contestação-reconvenção, os quais, conforme infra se dirá, não estão impedidos de complementar ou concretizar os atos possessórios e as características desses atos declarados pelos justificantes (e testemunhas) na escritura de justificação notarial impugnada.
O ónus da prova dos factos essenciais (necessariamente alegados na contestação-reconvenção, por serem constitutivos da causa de pedir nela invocada em que assenta a procedência da reconvenção) impende sobre os Réus-reconvintes (recorridos), competindo, por sua vez ao recorrente (Autor-reconvindo e impugnante) apenas o ónus da contraprova em relação a esses factos, demonstrando que os mesmos são falsos ou colocando em dúvida a sua veracidade.
Assentes nas premissas acabadas de analisar, diremos de antemão que o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância na sentença sob sindicância não padece do vício de deficiência que o recorrente lhe assaca, na medida em que nela foram julgados provados (bem ou mal, o que contende com erro de julgamento da matéria de facto) todos os factos essenciais que foram alegados pelos Réus na contestação-reconvenção (e que se reconduzem basicamente à reprodução das declarações emanadas pelos justificantes na escritura de justificação impugnada, cujos atos possessórios nela declarados os reconvindos complementaram e concretizaram na contestação-reconvenção e da facticidade que por eles foi alegada tendente a demonstrar que o direito de propriedade sobre o prédio justificado lhes foi transmitido pelos justificantes, por doação).
Os referidos factos essenciais constitutivos da causa de pedir alegada na contestação-reconvenção são os que constam dos pontos 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º e 27º da facticidade julgada provada na sentença.
A pretensa facticidade que o recorrente pretende ver aditada ao elenco dos factos julgados provados na sentença consubstancia, nuns casos, matéria de pura impugnação (v.g., facticidade supratranscrita sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15), que o mesmo alegou para demonstrar que as declarações emanadas pelos justificantes e testemunhas na escritura de justificação notarial que impugna (e que foi reafirmada, concretizada e complementada pelos recorridos na contestação-reconvenção) não correspondem à verdade ou, pelo menos, para colocar em dúvida a veracidade ontológica dessas declarações.
A referida facticidade, uma vez provada, caso a respetiva prova fosse suscetível de demonstrar que as declarações emanadas pelos justificantes e testemunhas na escritura de justificação notarial impugnada e que os factos integrativos na causa de pedir que foram alegados pelos recorridos na reconvenção com vista a obter a procedência desta, não correspondem à verdade ontológica verificada, ou colocar em dúvida a sua veracidade, nomeadamente, por o terreno do prédio justificado integrar terreno de prédios propriedade dos justificantes, dado assumir natureza instrumental (ao indiciar a não prova dos factos essenciais declarados na escritura de justificação impugnada e integrativos da causa de pedir alegada pelos recorridos na contestação-reconvenção, servindo de motivação/fundamentação a que aqueles tivessem sido julgados não provados), não tinham, nem deviam ou devem ser levados ao elenco dos factos provados (ou, na hipótese inversa, não provados) na sentença, mas antes à motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto nela realizado.
Daí que, quanto a essa facticidade, não ocorra o vício da deficiência do julgamento de facto que o recorrente assaca à sentença.
Sem prejuízo de se virem a considerar os meios probatórios em que o recorrente faz assentar a pretensa prova da facticidade que pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença (reafirma-se, de cariz instrumental) a propósito da impugnação do julgamento da facticidade julgada provada no ponto 27º que opera, indefere-se o aditamento dessa facticidade ao elenco dos factos provados na sentença.
No que respeita à pretensa matéria de facto acima enumerada sob os n.ºs 5, 16 e 17 que o recorrente pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença (5- «O rocio com a área aproximada de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, declarado do imóvel da alínea a) dessa escritura pública de ../../1974, é diverso do terreno com a área de 4.778 m2, declarado na escritura de justificação de ../../2010, referida no ponto 17. da decisão de facto»;16- «A declarada área de quatro mil setecentos e setenta e oito metros quadrados do terreno, mencionado na escritura justificação, referida no ponto 17. da decisão de facto, integrava a área dos prédios rústicos, denominados ..., ..., ..., ..., ..., Campo ..., Campo ..., ... e QQ, todos inscritos na matriz rústica da freguesia ... no artigo ...49 da anterior matriz, e nela inscrito em nome de FF, descrito na Conservatória do Registo Predial ... no prédio com o número ...14, situado nos limites da freguesia ..., a confrontar do nascente com ... e Estrada, norte, sul e poente com terra da ...» ; e 17- «A declarada área de 4.778 m2 do terreno, mencionado na escritura de justificação do ponto 17. da decisão de facto, integra a área de 2.193 m2 do terreno do ponto 1. da decisão de facto, que com a área de 1.287 m2 do terreno inscrito, desde o ano de 1989, no artigo ...45 da atual matriz rústica da freguesia ..., exclusivamente, em nome do autor, correspondente aos nove décimos indivisos do terreno do prédio rústico inscrito no artigo ...26 da anterior matriz rústica de ... do ponto 4. da decisão de facto, e que com a casa de morada, respetivos quintal e rocio do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...32 da freguesia ..., compõe o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob número ...98, da freguesia ..., cuja aquisição está registada desde Junho de 1977 em nome do autor, casado com PP no regime de comunhão geral, então sua mulher»), não se está perante qualquer matéria de facto, mas tratam-se de puras ilações conclusivas e de direito, as quais, inclusivamente, dariam uma resposta antecipada da questão de direito a decidir no âmbito da presente ação.
Com efeito, nos presentes autos não se discute se a área de terreno identificado na escritura de justificação notarial impugnada integra (ou integrava) prédio ou prédios propriedade do recorrente, mormente os que identifica, mas sim se os justificantes praticaram os atos possessórios sobre a área de terreno identificada na dita escritura de justificação notarial, desde quando e com que características (declarações essas que os recorrentes reafirmaram, alegando-os e complementando-os como causa de pedir, em sede de contestação-reconvenção, em que fizeram ancorar os pedidos que aí formularam), e, uma vez provada essa facticidade se, uma vez subsumida ao direito substantivo que rege o instituto da usucapião, gerou que se tivesse constituído, ex novo, na esfera jurídico-patrimonial dos justificantes o direito de propriedade sobre esse terreno, levando à sua desintegração do prédio ou prédios de que antes faziam parte, levando ao nascimento na ordem jurídica de um novo prédio, propriedade dos justificantes.
Pretender-se que o terreno que integra o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada fez (no passado) parte integrante dos prédios propriedade do recorrente ou de seu falecido pai (FF) é questão totalmente irrelevante para as questões de facto e de direito a serem decididas nos presentes autos.
E pretender-se que aquele terreno faz parte integrante (no presente) dos prédios identificados pelo recorrente, sua propriedade, é uma ilação puramente conclusiva, que passa pela prova ou não prova da facticidade alegada pelos justificantes (e testemunhas) na escritura de justificação impugnada e que os recorridos alegaram e complementaram na contestação-reconvenção, onde constitui facticidade essencial, por integrativa da causa de pedir que por eles aí foi alegada, de onde fazem derivar o direito de propriedade dos justificantes sobre o prédio, que estes lhes vieram a doar e onde, consequentemente fazem assentar o pedido reconvencional, e pela posterior subsunção jurídica dessa facticidade (que se venha a julgar provada ou não provada) ao direito substantivo que lhes seja aplicável, traduzindo-se, portanto, aquela matéria numa decisão antecipada do julgamento de facto e de direito a serem realizados nos presentes autos. 
Resulta do excurso antecedente que a sentença recorrida não padece do vício de deficiência do julgamento da matéria de facto que o recorrente lhe assaca, indeferindo-se o aditamento da facticidade (supra identificada) que pretende seja aditada ao elenco dos factos nela julgados provados, o que se decide.

A.4- Impugnação dos pontos 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 37º e 38º dos factos julgados não provados na sentença – eliminação
O recorrente impugna o julgamento da matéria de facto julgada não provada pela nos pontos 28º a 38º.
Acontece que analisados os pontos 28º, 29º, 31º, 32º e 38º da facticidade julgada não provada na sentença, constata-se não conterem qualquer matéria de facto, mas puras ilações conclusivas e de direito, valendo integralmente aqui as considerações que se acabam de enunciar quanto ao pretenso vício de deficiência do julgamento de facto, as quais nos abstemos de aqui reproduzir.
Por sua vez, a facticidade que a 1ª instância julgou não provada nos pontos 30º (descrição, localização, composição, confrontações e área do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04/freguesia ...), 33º (alegado conhecimento da recorrida CC e falecido marido que não tinham comprado a FF o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada), 34º (alegado conhecimento dos identificados justificantes de que, até ao ano de 2010, não tinham pago qualquer imposto, nomeadamente, contribuição predial ou autárquica ou imposto municipal sobre imóveis quanto ao prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada), 35º (alegado conhecimento dos mesmos que tinham sido caseiros agrícolas de FF), 36º (de que os justificantes se arrogaram apenas caseiros do prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada até 1984, mediante a renda anual de seiscentos escudos, e que até 31 de outubro de 1987 ficaram sem pagar renda) e 37º (que tinham conhecimento que as declarações que emanaram na escritura de justificação notarial impugnada não tinham correspondência com a realidade) – foi alegada pelo recorrente com o propósito de demonstrar que as declarações emitidas na escritura de justificação (respaldada por três testemunhas) não correspondem à verdade ou, pelo menos, colocar em dúvida a sua veracidade.
Por isso, uma vez feita prova dessa facticidade, porque assume natureza instrumental, servindo para motivar o julgamento de facto de não provado dos factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada na contestação-reconvenção, nomeadamente, da facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 27º da sentença, não tem, nem deve ser levada ao elenco dos factos provados e não provados na sentença, mas antes à fundamentação/motivação do julgamento de facto.
Destarte, sem prejuízo dos meios de prova que são invocados pelo recorrente e das ilações que deles extrai (os quais, na sua perspetiva, impõem que se tivesse julgado como provado a facticidade que identifica a propósito de cada um dos pontos da facticidade que a 1ª Instância julgou não provada), virem a ser considerados em sede de impugnação da facticidade julgada provada no ponto 27º, ordena-se a eliminação do elenco dos factos julgados não provados na sentença de toda a facticidade que nela consta.
 
 A.5- Impugnação do ponto 27º dos factos julgados provados.
O tribunal a quo julgou provado que:
“27- Desde, pelo menos 1978, os réus utilizam o prédio identificado em 17 para apascentar gado, cultivar milho e erva, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, procedendo à sua limpeza, sempre à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, inclusivamente do autor, de forma ininterrupta, com a convicção de serem os seus únicos proprietários, pagando os respetivos impostos”.
E fundamentou/motivou a resposta positiva acabada de referir (assim como toda a restante facticidade que julgou provada e não provada na sentença) nos seguintes termos:
“A decisão sobre a matéria de facto resultou da valoração conjunta e crítica do acordo das partes resultante dos articulados (ponto 24), com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente de fls. 14/18 (escritura de justificação datada de 29.07.2010 e certidões do registo predial e da matriz exibidas aquando da respetiva realização – pontos 17 e 18); fls. 21v/23 (certidão do Registo Predial de ... referente à descrição n.º ...02/freguesia ... – pontos 19 e 22), fls. 23v/25 (escritura de doação datada de 11 de janeiro de 2018 – pontos 20 e 21), fls. 25v/26 (assento de óbito de EE – ponto 23), fls. 27 (certidão referente à anterior matriz predial rústica da freguesia ... – art. ...49 – ponto 1), fls. 28 (descrição predial ...14 – ponto 1), fls. 28v/32 (escritura de compra e venda datada de 04 de outubro de 1974 – ponto 1), fls. 32v/41 (certidão referente ao processo n.º 5/1984 que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – pontos 13 a 16), fls. 42 (assento de óbito de FF – ponto 2), fls. 43/44 (certidão do assento de casamento de FF – ponto 2), fls. 45v/48 (certidão de habilitação de herdeiros de FF – ponto 3), fls. 53/55 (escritura de compra e venda datada de ../../1977 – ponto 4), fls. 56 (certidão referente à anterior matriz predial rústica da freguesia ... – art. ...26 – ponto 5), fls. 57 (caderneta predial rústica referente ao art. ...45), fls. 57v/58 (certidão do registo predial referente à descrição n.º ...04/freguesia ...), fls. 59/65 (certidão referente ao processo de inventário que correu termos no juízo de Família e Menores do Porto, J..., sob o n.º 1508/08.5TMPRT-D – ponto 26), fls. 65v (levantamento topográfico), fls. 66/67 (assento de óbito de LL – ponto 12), fls. 68 (assento de casamento do autor – ponto 25), fls. 134v/151 (documentos referentes ao pagamento dos impostos sobre o prédio objeto da escritura de justificação – ponto 27), fls. 172/176 (certidão referente ao processo que correu termos sob o n.º 7/1978 do Tribunal Judicial da Comarca de ... – pontos 6 a 11), e com os depoimentos/declarações de parte dos réus AA e EE e das testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento.

Particularizando.
O réu AA, empresário, declarou que o pai, EE, adquiriu o prédio objeto da escritura de justificação datada de ../../2010, a FF. Afirmou que essa compra e venda foi posterior às aquisições de uma casa e de um outro prédio rústico por parte do pai a FF – cfr. certidão de fls. 169/171. Situou aquela compra e venda por volta dos anos de 1974 ou 1975, admitindo, assim, que possa ter havido lapso na data da aquisição mencionada na escritura de justificação – 1978. Referiu que o prédio em causa confronta com a Igreja Paroquial de ..., com um prédio do autor e com prédios propriedade de JJ e KK. Esclareceu que no prédio adquirido pelo progenitor nunca existiu nenhuma casa que tenha sido demolida. Acrescentou que no prédio do autor que confronta com o prédio objeto da escritura da justificação é que existiu uma casa que veio a ser demolida. Refutou que o prédio objeto da escritura de justificação integre área de terreno dos prédios identificados nos artigos 27 e 29 da petição inicial – pontos 1 e 13 da fundamentação de facto.
Por fim, afirmou que, a partir da data da compra e venda realizada entre o pai e o III, o prédio em discussão nos autos sempre foi limpo e tratado pelos pais e, posteriormente, após a doação efetuada por estes, pelo depoente e o irmão. E que foi utilizado para apascentar animais, depositar feno, e plantar árvores de fruto. E que o pai sempre pagou os impostos devidos sobre aquele prédio, os quais, presentemente, são suportados pelo depoente e o irmão. E que tais atos sempre foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição – nunca ninguém se arrogou proprietário do prédio – ininterruptamente, com a convicção de que eram os seus únicos proprietários.
O réu EE, sargento da GNR, refutou que o prédio adquirido pelo pai a FF, objeto da escritura de justificação, coincida com aquele que foi identificado no art. 27 da petição inicial – ponto 1 da fundamentação de facto -, propriedade do autor, ou aquele que foi objeto da ação judicial que correu termos no Tribunal Judicial de ..., aludido no art. 29 desse articulado – ponto 13 da fundamentação de facto. O depoente identificou as confrontações do prédio em causa – Igreja Paroquial de ..., prédio do autor e prédios propriedade de JJ e KK -, dizendo que nele nunca existiu nenhuma casa que tenha sido demolida – no prédio confinante do autor é que existiu uma casa que foi, entretanto, demolida.
O réu afirmou que era o pai quem pagava os impostos devidos sobre o prédio objeto da escritura de justificação após a sua aquisição. E que depois da doação do prédio efetuada pelos pais a si e ao irmão, é ele quem paga aqueles impostos.
Por fim, o depoente, que conta 46 anos de idade, afirmou que há mais de 40 anos, o prédio objeto da escritura de justificação sempre foi utilizado pelos pais, por si e pelo irmão: semearam milho, cultivaram erva para dar ao gado, o gado pastava ali, depositavam erva trazida de outros prédios, destinada ao gado, guardaram lenha, feno, alfaias agrícolas e um trator num barraco, racharam lenha, procediam à limpeza do terreno. E todos estes atos foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na convicção de serem os únicos proprietários do prédio em discussão nos autos.
Em suma: os réus não admitiram quaisquer factos desfavoráveis que pudessem consubstanciar confissão da factualidade que integra a tese do autor, ou seja, que as declarações prestadas pelos outorgantes na escritura de justificação realizada no dia ../../2010 não correspondessem à verdade; e que a área do prédio objeto dessa escritura de justificação corresponda à área do prédio propriedade do autor que, presentemente, se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98/freguesia ....
Por outro lado, as declarações dos réus, prestadas de forma objetiva, serena e coincidente, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas por eles arroladas – as quais mereceram credibilidade ao Tribunal - contribuíram para a prova do facto vertido no ponto 27 da fundamentação de facto. 
TT, filho de MM, sobrinho do autor, confirmou que este é proprietário de um prédio situado em ..., que confronta com a Igreja Paroquial desta localidade e com a EN ...04, onde existiu uma casa. Não revelou, contudo, qualquer conhecimento preciso sobre as respetivas estremas ou área daquele prédio, não podendo, deste modo, as declarações prestadas sustentarem a versão do autor vertida na petição inicial, de que o prédio objeto da escritura de justificação corresponde ao prédio propriedade do autor, presentemente descrito na CRP ... sob o n.º ...04/freguesia ....
Acrescentou, ainda, que, há muitos anos, o pai propôs uma ação judicial contra EE, marido da ré CC, com vista à restituição de um prédio ocupado por este, mas que esse prédio não está retratado no levantamento topográfico de fls. 65v, contribuindo, deste modo, para o julgamento da factualidade vertida no ponto 32 como não provada. 
JJJ, designer gráfica, prima do autor, confirmou que este é proprietário de um prédio situado em frente ao parque verde de ..., onde existiu uma casa que, entretanto, foi demolida. A testemunha não demonstrou, porém, qualquer conhecimento sobre as estremas ou área desse prédio, desconhecendo a identificação dos proprietários dos prédios confinantes. Deste modo, este depoimento não corroborou a versão do autor descrita na petição inicial de que o prédio objeto da escritura pública datada de ../../2010 corresponde ao prédio propriedade do autor, atualmente descrito na CRP ... sob o n.º ...04/freguesia ....
XX, engenheiro civil, foi o responsável pela realização do levantamento topográfico constante a fls. 65v.
Esclareceu que este levantamento topográfico foi efetuado a pedido da mulher do autor, a qual lhe indicou os limites do prédio ali retratado, com a área global de 4855 m2.
Referiu, contudo, não ter qualquer conhecimento sobre os proprietários dos terrenos que integram o prédio objeto do seu levantamento, reforçando que seguiu apenas as indicações dadas pela mulher do autor quanto às estremas consideradas no seu trabalho. E, deste modo, o levantamento topográfico de fls. 65v é manifestamente insuficiente para poder sustentar a prova da factualidade vertida no ponto 30.
Nestes termos, a testemunha não corroborou, de modo algum, a versão do autor trazida aos autos, de que o prédio objeto da escritura de justificação datada de ../../2010 corresponde ao prédio propriedade do autor registado na CRP ... sob o n.º ...04/freguesia ....
VV, médica, é de ... e conhece o autor desde tenra idade.
Confirmou que o autor tinha uma casa em ... que, entretanto, foi demolida. Referiu desconhecer a área e as estremas do prédio onde essa casa esteve edificada.
Em face do exposto, as declarações da testemunha não podem de forma alguma sustentar a posição do autor de que o prédio objeto da escritura de justificação datada de ../../2010 corresponde ao prédio sua propriedade, descrito na CRP ... sob o n.º ...04.
WW, amiga do autor desde longa data, afirmou que existiu uma casa situada em ..., em frente ao parque florestal, que se dizia pertencer ao BB. Referiu desconhecer quem habitou nessa casa que já foi demolida há alguns anos. Nada soube dizer relativamente ao prédio onde a casa se encontrava edificada, designadamente não demonstrou qualquer conhecimento relativamente à sua área e à identificação dos proprietários dos prédios confinantes.
Nestes termos, as declarações desta testemunha, à semelhança do que foi dito relativamente aos depoimentos anteriores, não podem de forma alguma sustentar a posição do autor de que o prédio objeto da escritura de justificação datada de ../../2010 corresponde ao prédio sua propriedade, descrito na CRP ... sob o n.º ...04.
KKK, amigo do autor desde o ano de 1966, referiu que existiu uma casa situada em ..., perto da Igreja Paroquial, que confrontava com a EN ...04, edificada num terreno que pertenceu à “...”. Acrescentou que essa casa, onde morou o autor, foi, entretanto, demolida. E que os terrenos envolventes pertenceram em tempos àquela “...” – antes da construção da Igreja Paroquial -, tendo havido posteriormente partilhas, desconhecendo a real situação desses prédios na presente data.
A testemunha não revelou, assim, qualquer conhecimento que pudesse contribuir para sustentar a versão do autor trazida aos autos, vertida na petição inicial. 
Em face do exposto, as testemunhas arroladas pelo autor - TT, JJJ, XX, VV, WW e KKK - não revelaram nenhum conhecimento sobre a factualidade vertida nos pontos 28, 29, 30, 31 e 38. Assim sendo, e na falta de qualquer outro meio de prova que pudesse demonstrar essa factualidade, o Tribunal julgou os factos vertidos nos referidos pontos como não provados.
GG referiu que o EE lhe disse que tinha adquirido um “campo” situado em ... que confronta com a Igreja Paroquial dessa localidade, com a área aproximada de meio hectare, a alguém que pertencia à “..., de nome FF. Afirmou que esse campo foi lavrado pelo EE, pela ré CC e pelos réus AA e EE, há mais de trinta anos, assim como ali pastam animais que lhes pertencem. E que nesse campo existe um barraco onde o EE e aqueles réus sempre guardaram um trator e alfaias agrícolas. E que todos estes atos materiais foram praticados à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, de forma continuada. A testemunha confirmou as declarações que prestou no âmbito da escritura de justificação outorgada no dia ../../2010, acrescentando que as mesmas correspondem à verdade.    
HH tem 56 anos e vive em ... desde os 6/7 anos de idade. Afirmou que, pelo menos desde 1979, viu o EE cultivar milho num prédio, com cerca de 40 mil metros quadrados, que confronta com a Igreja Paroquial de ..., confrontava com uma casa que pertencia ao autor e que foi demolida e com um prédio propriedade de JJ. E que os animais pertencentes ao EE e aos réus pastavam nesse campo. E aí existia um barraco onde aqueles guardavam um trator, maquinaria, fardos de erva que vinham de outros campos. Referiu que nunca viu naquele prédio outras pessoas diferentes do EE e dos réus e que estes praticavam e praticam (os réus) os referidos atos à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e de forma ininterrupta. Afirmou que o LLL lhe disse que tinha adquirido aquele prédio ao “FF”. E confirmou ter sido testemunha na escritura de justificação outorgada em ../../2010, dizendo que as declarações prestadas nesse ato correspondem à verdade dos factos, tal como os pode presenciar ao longo dos anos. 
II conhece os réus desde 1978, ano em que passou a viver na sua casa situada junto ao prédio objeto da escritura de justificação, com cerca de meio hectare, que confronta com a Igreja paroquial. Referiu que o EE dizia que tinha adquirido aquele prédio ao MMM. E que nesse prédio sempre viu as vacas do EE a pastar. E que este e os réus sempre cultivaram milho, batatas e colheram erva naquele prédio, que limpavam e onde guardavam um trator e alfaias agrícolas. E que todos estes atos eram e são praticados à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, nunca tendo presenciado mais ninguém a reclamar a propriedade do prédio. Questionada sobre se o autor tinha alguma casa naquele prédio, a testemunha foi perentória ao afirmar que a casa do autor, entretanto demolida, situava-se num prédio mais pequeno, diferente daquele que pertence aos réus.
O Tribunal não identificou nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus - GG, HH e II -, a presença de processos (v.g mentiras, exageros ou erros interpretativos) que pudessem interferir com a respetiva credibilidade. Pelo contrário, tais relatos caraterizaram-se pela objetividade, precisão e coerência, merecendo, por isso, credibilidade a este Tribunal. Em face do exposto, os depoimentos destas testemunhas foram determinantes para a prova da factualidade vertida no ponto 27”.
Advoga o recorrente que a prova produzida não consente que o tribunal tivesse julgado como provada a sobredita facticidade, mas apenas que:
«Desde, pelo menos 1978, até ao dia ../../2010, a Ré CC e o seu marido, EE, utilizaram o terreno com a área de 4.778 m2 mencionado na escritura referida em 17., para apascentar gado, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, sempre à vista de toda a gente, de forma ininterrupta».
Para tanto, invocou o teor dos documentos e as ilações que deles extraiu e que acima deixamos identificados e enunciados a propósito do pretenso erro de julgamento de facto na vertente de deficiência e acrescenta: existirem dissemelhanças entre a facticidade que foi julgada provada no ponto 27º da sentença e as declarações que foram prestadas pelos justificantes na escritura de justificação notarial impugnada, pelo que, nos termos do art. 5º, n.º 1 do CPC, o tribunal a quo não podia ter julgado provada a dita facticidade; o Réu AA nasceu em ../../1972 e o Réu EE em ../../1978, pelo que, atenta a sua tenra idade, em 1978, não podiam ter conhecimento dos atos de posse julgados provados naquele ponto 27º; foram os próprios justificantes que, na ação que lhes foi movida pelo seu sobrinho, que alegaram/confessaram serem arrendatários da parcela de 1.963 m3 de terreno que deles foi reivindicada; o prédio justificado apenas foi inscrito na matriz em nome do justificante EE no ano de 2010, pelo que este e a Ré CC apenas pagaram impostos quanto a ele no ano de 2010 e anos subsequentes; na fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto o juiz a quo referiu não ter identificado nos depoimentos das testemunhas GG, HH e II (que intervieram como testemunhas na escritura de justificação impugnada) qualquer incoerência ou falta de objetividade e que, por isso, lhe mereceram credibilidade, quando, em audiência final aquelas testemunhas se limitaram a afirmar que as declarações que prestaram na escritura de justificação notarial impugnada correspondem à verdade, de forma conclusiva e imotivadamente, a perguntas sugestivas que lhes foram colocadas pelo Senhor Juiz a quo, cuja pergunta continha implícita a resposta que lhes devia ser dada; acresce que a testemunha HH é natural de ... e reside em ..., local que fica distante da ..., pelo que não podia ter conhecimentos dos factos que declarou na escritura de justificação notarial impugnada, e a testemunha II é natural de ... e apenas veio residir para ... no ano de 1978.
Começando a nossa apreciação pelo argumento invocado pelo recorrente de que a 1ª Instância não podia ter julgado como provada a facticidade constante do ponto 27º, porque apresenta dissemelhanças em relação às declarações prestadas pelos justificantes e testemunhas na escritura de justificação notarial impugnada, por a isso se opor o art. 5º, n.º 1, cumpre dizer que semelhante alegação, salvo melhor entendimento, não tem respaldo jurídico, desde logo porque, para além de ação declarativa de simples apreciação negativa, face ao pedido reconvencional que nela foi formulado pelos recorridos, a presente ação assume também a natureza de ação de apreciação positiva e de condenação.
Acresce que, caso a presente ação assumisse exclusivamente a feição de ação de simples apreciação negativa, os Réus não estavam impedidos de complementar ou concretizar na contestação os atos possessórios e as características desses atos que foram declarados na escritura de justificação notarial pelos justificantes e testemunhas.
A escritura de justificação notarial, conforme antedito, consubstancia um mero mecanismo, de natureza especial e excecional, que permite ao justificante suprir a falta de título do direito real de que se arroga titular sobre um determinado prédio a fim de o poder inscrever no registo predial. São os atos possessórios e suas características que os justificantes (respaldados por três testemunhas) declaram na escritura de justificação notarial impugnada terem vindo a praticar sobre o prédio que, uma vez subsumidos ao direito substantivo que lhes seja aplicável, constitui o ato aquisitivo do direito real justificado.
Destinando-se a ação de impugnação da escritura de justificação notarial a declarar a ineficácia jurídica dessa escritura, de modo a retirar da ordem jurídica o documento que permitiu ao justificante a inscrição, no registo predial, do direito real justificado em seu nome, se é certo que as declarações emanadas naquela escritura pelo justificante (e testemunhas) delimitam necessariamente a causa de pedir da ação de impugnação, vedando aos nela réus a possibilidade de alegarem, na contestação, que o direito justificado foi adquirido a pessoa distinta da identificada na escritura (se declararam terem adquirido o direito a x não podem vir alegar na ação de impugnação terem-no adquirido a c)), por modo de aquisição (juridicamente inválido) distinto do nela declarado (se declararam terem adquirido o direito por compra não titulada, não podem, na ação de impugnação virem alegar que o fizeram por doação ou por sucessão não tituladas), ou terem iniciado os atos possessórios em data anterior à declarada (se declararam que vêm praticando os referido atos desde 1978, não podem na ação de impugnação virem alegar que o fazem desde 1976), não os impede de complementar ou concretizar os atos possessórios e suas características afirmados ou declarados na dita escritura de justificação.
Com efeito, nenhuma norma ou princípio geral veda aos réus que, na ação de impugnação de escritura de justificação notarial, a possibilidade de, na contestação, complementar ou concretizar os atos possessórios e suas características que foram nela declarados pelos justificantes, alegando, nomeadamente, atos possessórios que não constam das declarações emanadas na escritura impugnada ou especificando ou concretizando as características desses atos.
Na verdade, o que delimitam o thema decidendum na ação de impugnação de escritura de justificação notarial, atenta a sua natureza de ação de mera apreciação negativa é: por um lado, as declarações emanadas pelos justificantes (e testemunhas) na escritura de justificação notarial impugnada quanto ao modo em como se processou o início da posse; por outro lado, os atos possessórios que desde então foram e são praticados pelos justificantes sobre o prédio e suas características, sendo que, desde que esses limites sejam respeitados/observados, os réus não estão impedidos de alegar, na contestação, atos materiais possessórios que não constam das declarações emanadas naquela escritura ou de especificar as características com que são praticados, concretizando ou complementando as declarações que foram emanadas na escritura impugnada, conforme, aliás, resulta do disposto no art. 5º, n.º 2, al. b), e sem que dessa possibilidade decorra qualquer violação aos princípios do dispositivo ou do contraditório, tanto mais que o ónus probatórios dos factos essenciais integrativos dessa causa de pedir, assim alegada, concretizada e complementada, impende sobre os próprios réus (impugnados)[20].
   Acresce que, conforme anteriormente se colocou em evidência, os Réus (recorridos) deduziram reconvenção, onde pediram que se declarasse serem proprietários do prédio justificado, pelo que, além de configurar uma ação declarativa de simples apreciação negativa, a presente ação configura também uma ação declarativa de apreciação positiva e uma ação condenatória.
Para obterem a procedência dos pedidos reconvencionais que formularam, os Réus-reconvintes têm de necessariamente de, na contestação-reconvenção, complementar ou concretizar a causa de pedir da presente ação na sua vertente de apreciação negativa, alegando não só os factos que foram declarados na escritura de justificação notarial impugnada pelos justificantes e testemunhas, em relação aos quais, reafirma-se, não estão impedidos de concretizar ou complementar os atos possessórios e suas características que nela foram declarados, como têm necessariamente de alegar o título pelo qual os justificantes lhes transmitiram o direito de propriedade sobre o prédio justificado e, nessa sequência, transferiram-lhe a posse do prédio.
São os factos assim alegados pelos réus-reconvintes na contestação-reconvenção, porque integrativos da causa de pedir que nela elegeram para suportar o direito de propriedade a que se arrogam titulares sobre o prédio justificado, em que ancoram a procedência dos pedidos reconvencionais, que assumem natureza essencial e dos quais, nos termos do n.º 1 do art. 5º, o tribunal não se pode apartar, sob pena de incorrer em nulidade, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Decorre do exposto que, a circunstância da facticidade julgada provada no ponto 27º apresentar dissemelhanças em relação às declarações que constam da escritura de justificação notarial impugnada, não determina que se tenha de expurgar aquela facticidade do elenco dos factos provados na sentença, por pretensa violação do n.º 1 do art. 5º.
Improcede o referido fundamento de recurso invocado pelo recorrente.
Avançando.
O recorrente invoca o teor das certidões prediais e matriciais e, bem assim, das escrituras de compra e venda que juntou aos autos e que respeitam a prédios de que é proprietário, as quais, na sua perspetiva, constituem prova plena das áreas, limites e confrontações dos mesmos e, consequentemente, farão prova plena que o terreno objeto do prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada integra os mencionados prédios sua propriedade, entendimento esse que, salvo o devido respeito, não tem qualquer respaldo jurídico.
Não merece reparo que as certidões prediais e matriciais e, bem assim, as escrituras de compra e venda juntas pelo recorrente aos autos consubstanciam documentos autênticos (arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º e 370º do CC) e, como tal, nos termos do art. 372º, n.º 1 do CC, fazem prova plena dos factos que referem como tendo sido praticados pela autoridade ou oficial público respetivo e dos que são atestados com base nas suas perceções.
A força plena que é imanente aos documentos autênticos estende-se às declarações que neles são atestadas pela entidade documentadora, pelo que, salvo nos casos em que seja invocada (e provada) a falsidade do documento, as declarações que nele se encontram exaradas como tendo sido emanadas pelos neles declarantes perante aquela entidade têm-se como plenamente provadas, sem admissão de prova em contrário (art. 372º, n.º 1 do CC).
No entanto, tal não significa que as ditas declarações tenham efetiva aderência com a realidade ontológica verificada ou que essas declarações não se encontrem afetadas por vício na formação ou na transmissão da vontade do declarante, uma vez que a entidade documentadora desconhece, nem se encontra em condições de conhecer, se essas declarações correspondem (ou não) à verdade ou se encontram afetadas por vícios na formação ou transmissão de vontade.
Por isso, a força probatória plena de que beneficiam os documentos autênticos não se estende à realidade ontológica das declarações que neles se encontram exaradas como tendo sido emanadas pelo declarante, nem impede que o declarante venha a alegar e provar que as declarações que neles emanou se encontram viciadas por erro na formação ou na transmissão de vontade.
Isto dito, a composição, áreas e confrontações dos prédios que se encontram inscritas nas certidões prediais ou matriciais e, bem assim, nas escrituras de compra e venda invocadas pelo recorrente, foram nelas exaradas pelo funcionário perante as declarações que lhe foram feitas pelo interessado ou partes contratantes. Por isso, na sequência do que se vem dizendo, tem-se como plenamente provado que o interessado ou os contratantes (no caso das escrituras e venda) declarou ou declararam perante a entidade documentadora que o prédio tinha a composição, área e confrontações que se encontram inscritas nesses documentos autênticos.
Acontece que o funcionário que inscreveu o prédio nas Finanças, o conservador (ou respetivos ajudantes) que o registou, ou o notário que lavrou as escrituras públicas de compra e venda, não tem como saber se a composição, a área e as confrontações que lhe foram declaradas pelo requerente ou pelos contratantes têm (ou não) aderência com a realidade ontológica efetivamente existentes no terreno.
Daí que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a força probatória plena de que beneficiam as certidões matriciais e predial e, bem assim, as escrituras públicas de compra e venda que identifica, enquanto documentos autênticos, não se estende à composição, área e confrontações dos prédios que neles se encontram exaradas,  elementos esses que ficam submetidos ao princípio geral da livre apreciação da prova[21].
Passando ao levantamento topográfico junto com a petição inicial, que o recorrente pretende que, nos termos do art. 368º do CC, beneficiar de força probatória plena, trata-se de um documento particular, na medida em que foi elaborado pela testemunha XX, conforme foi por ela própria confirmado em audiência final, o qual não é funcionário público (arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, a contrario, do CC).
Na medida em que o referido levantamento topográfico não se encontra assinado pelos justificantes, nem pelos recorridos, o mesmo nem sequer beneficia da força probatória prevista no art. 376º, n.ºs 1 e 2 do CC.
Por conseguinte, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o dito levantamento topográfico fica submetido ao princípio geral da livre apreciação da prova.
Aliás, cumpre desde já adiantar que, tendo procedido à audição integral da prova pessoal produzida na audiência final, a testemunha XX afirmou ter elaborado o levantamento topográfico a pedido do ora recorrente e ter sido a mulher do último e uma outra pessoa, que não o recorrente, que, em maio de 2022, lhe indicaram o prédio e seus limites sobre o qual devia incidir o levantamento topográfico a ser executado.
Por conseguinte, o referido levantamento topográfico representa um prédio, de que o recorrente se afirma proprietário, cujos limites foram indicados unilateralmente ao topógrafo que o elaborou, pela própria mulher do recorrente e por uma outra pessoa (cuja identidade se desconhece), pelo que, salvo melhor entendimento, nenhuma valia assume, ou pode assumir, quanto à facticidade que foi julgada provada pela 1ª Instância no ponto 27º da sentença.
Acresce desde já adiantar que, a testemunha XX foi perentória em afirmar que o recorrente lhe pediu para que elaborasse aquele levantamento topográfico com vista a que fosse efetuado um estudo, a fim de verificar se as áreas que constam das descrições prediais e matriciais dos prédios, sua propriedade, correspondiam (ou não) às efetivas áreas desses prédios no terreno.  E afirmou que, para viabilizar a realização desse estudo, o recorrente lhe facultou certidões prediais, matriciais e cadernetas prediais atinentes aos prédios de que é proprietário e que, uma vez efetuado o estudo veio a concluir que os prédios propriedade do recorrente, atentas as áreas e confrontações inscritas nos documentos que lhe foram facultados, engloba o terreno do prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada.
Dito por outras palavras, o levantamento topográfico que se encontra junto aos autos, de acordo com o seu autor -  a testemunha XX  - foi elaborado a pedido do próprio recorrente e tinha em vista determinar as áreas e limites dos prédios de que é proprietário, tendo como única referência para determinar essas áreas e limites as áreas e confrontações que se encontram inscritas nas certidões prediais, nas certidões prediais e nas cadernetas prediais. E uma vez efetuado esse estudo, foi com base nos pressupostos acabados de enunciar que a testemunha XX e o recorrente vieram a concluir que os prédios propriedade do primeiro integram o terreno do prédio objeto da escritura de justificação impugnada.
Acontece que, ao assim procederem, o recorrente e a testemunha NNN ignoraram ou desconsideraram que as áreas e confrontações que se encontram inscritas nas inscrições e descrições prediais e nas escrituras públicas, nomeadamente, de compra e venda, por regra, não tem qualquer correspondência com a realidade ontológica verificada no terreno, principalmente, tratando-se de prédios descritos no registo predial ou inscritos na matriz há longos anos em que, conforme resulta das regras da experiência comum, as áreas neles inscritas foram calculadas pelos proprietários dos prédios a que se reportam, socorrendo-se de pessoa com alguma experiência na matéria (os chamados “avaliadores”), que, por norma, procediam à determinação da área mediante a mera visualização do prédio, tendo em consideração os limites que lhes eram indicados unilateralmente pela pessoa que solicitou o respetivo serviço (o proprietário ou pessoa a quem se socorreu para contratar o avaliador – um caseiro, uma pessoa já idosa que pretensamente seria conhecedora dos limites do prédio, etc.), pelo que a área assim determinada não passa de um mera estimativa. E ignoram ou desconsideram que as áreas de prédios assim determinadas eram inscritas pelo funcionário na descrição predial e na matriz a pedido do próprio proprietário e que essas áreas foram passando para as sucessivas descrições prediais, matriciais e escrituras públicas que, entretanto, vieram a ser realizadas e celebradas tendo por objeto aqueles prédios. Finalmente, ignoram ou desconsideram que, ao longo do tempo, os prédios sofrem, frequentes vezes, alterações de composição, áreas e/ou limites/confrontações, resultado da mudança do destino que lhes é dado, de desanexações que sejam alvo (dando lugar à constituição de novos prédios) ou de mudanças de proprietário, por negócio inter vivos ou mortis causa, do próprio prédio ou dos prédios confinantes.
Por isso, é que ainda que em caso de transmissão de direito de propriedade por título juridicamente válido, para que o adquirente prove a sua qualidade de proprietário do prédio que lhe foi transmitido e que este possui determinada área e confrontações/limites, não basta o título translativo da propriedade (escritura de compra e venda, doação, etc.), nem as áreas e confrontações/limites que nele se encontram inscritas ou que constam das respetivas descrição predial ou matricial, dado que esses elementos não beneficiam da força probatório inerente ao documento autêntico em que constam inscritos. Acresce que, porque ninguém pode transmitir direitos ao transmissário que não possui na sua esfera jurídica-patrimonial, é necessário que o adquirente do prédio (por título juridicamente válido) alegue e prove os concretos atos possessórios, suas características e período temporal em que os vem exercendo, por si e antepossuidores, sobre aquele e até que limite foram e são praticados tais atos materiais, de modo a demonstrar a aquisição originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio, com determinada área e confrontações/limites[22].
Na verdade, o instituto da usucapião é que constitui fundamento primário dos direitos reais no ordenamento jurídico nacional, porque a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, com função essencialmente declarativa, mas na usucapião[23]. Por isso, na ordem jurídica nacional, para prova de direitos reais, tudo se resume à posse, suas características e ao período em que os atos possessórios são exercidos.
Ora, o que resulta do depoimento prestado pela testemunha XX foi que o recorrente ignorou todas as particularidades próprias da ordem jurídica imobiliária portuguesa, pretendendo exclusivamente que a área de terreno que integra o prédio objeto da escritura de justificação impugnada faz parte integrante dos prédios de que é proprietário por as áreas e confrontações que constam nas descrições prediais e matriciais destes englobarem o terreno do prédio alvo da escritura de justificação impugnada, o que torna o levantamento topográfico que juntou aos autos totalmente imprestável para nele se poder fundamentar qualquer juízo de provado ou não provado quanto à facticidade que a 1ª Instância julgou provada no ponto 27º ou para o que quer que seja.
Passando ao relatório de avaliação junto aos autos pelo recorrente em 27/06/2024, na sequência do despacho proferido em 13/06/2024, o qual, na sua perspetiva, nos termos do art. 368º do CC, goza de força provatória plena, dado que, notificados os recorridos para o respetivo teor, não o impugnaram, cumpre dizer que o identificado relatório consubstancia um documento particular que, por não se encontrar assinado pelos justificantes nem pelos recorridos, nem sequer beneficia da força probatória do art. 376º, n.ºs 1 e 2 do CC.
O dito relatório de avaliação foi junto aos autos tendo em vista a fixação do valor da presente causa, pelo que a sua probatória se esgotou no âmbito desse incidente, não podendo, por isso, atento o disposto no art. 95º, n.º 2, ser considerado fora do mesmo, nomeadamente, em sede de impugnação do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Quanto à leitura que o recorrente faz das ações sumárias que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... sob os n.ºs 7/1978 e 5/1984, instauradas contra a ora Ré e o seu falecido marido (justificantes) e das transações que as aí partes celebraram e que foram homologadas por sentenças transitadas em julgado, porque a leitura que fazemos das referidas ações e transações é bem distinta da realizada pelo recorrente, retomaremos a sua análise após nos termos debruçado sobre a prova pessoal produzida em audiência final.
Reafirma-se, procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e à audição integral da prova pessoal produzida em audiência final e, antecipe-se, desde já, não descortinarmos que na motivação do julgamento da matéria de facto exarada pelo Senhor Juiz a quo na sentença (acima transcrita) tivesse incorrido em qualquer infidelidade ou inexatidão em relação à versão dos factos que foi apresentada pelos Réus AA e EE e testemunhas inquiridas, com as ressalvas que infra se explanarão.
O Réu AA declarou ter nascido em ..., ser filho dos justificantes EE e CC e ser, atualmente, mais o irmão, proprietário do prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada em virtude dos pais lho terem doado e ao irmão.
Afirmou que antes de ter comprado o prédio objeto da escritura de justificação, o pai (EE) já tinha comprado terrenos a FF, pessoa que afirmou não conhecer. FF não apareceu para celebrar a escritura de compra e venda e como não tivesse herdeiros, os pais celebraram a escritura de justificação notarial impugnada.
Afirmou desconhecer se FF era falecido em 1978 (ano em que na escritura de justificação se refere que o justificante EE comprou o prédio a FF).
Quando confrontado com o facto de FF ter falecido em ../../1976, admitiu que, na escritura de justificação, os pais se possam ter equivocado quanto à data em que o pai comprou o terreno. Referiu, de modo perentório, sempre ter ouvido ao pai (EE) afirmar que tinha comprado o terreno ao FF e que sempre foram os pais e família, incluindo o próprio depoente, que fabricaram esse terreno. Agricultavam o terreno, punham lá animais a pastar, e tinham nele árvores de fruto, o que sempre fizeram à vista de toda a gente, até porque o terreno em causa confina com a Igreja ... e com a estrada e que, por isso, todas as pessoas que “iam ou vinham da missa” ou que circulassem na estrada sempre os viram lá a trabalhar.
Afirmou que, ao longo dos seus 52 anos de idade nunca apareceu quem quer que fosse a afirmar que o terreno não pertencesse aos pais. Os pais estavam convencidos de serem efetivos donos do terreno, dado que sempre ouviu o pai afirmar que o tinha comprado a FF e, desde que tem memória, foram sempre os pais, o depoente e os irmãos que lá trabalharam.
Confrontado com as áreas e confrontações dos prédios propriedade do recorrente e questionado sobre se o terreno do prédio justificado já antes era agricultado pelos pais antes de o terem comprado a FF, o Réu AA afirmou ser possível que assim fosse, mas não o saber, e também desconhecer se os pais foram caseiros desse terreno.
Afirmou que o terreno (objeto da escritura de justificação) tem quatro mil e tal m2 e confronta com a Igreja ... e  enunciou as demais confrontações deste. Confirmou que o recorrente é proprietário de um prédio confinante com o dito terreno, onde se encontrava edificada uma casa que, entretanto, foi demolida, e que entre ambos os prédios existia a demarcá-los marcos e rede, cujos vestígios ainda se encontram no local.
Confrontando com as duas ações que foram instauradas contra os pais, o Réu AA referiu que essas ações nada têm a ver com o prédio objeto da escritura de justificação e que, na sequência das transações nelas celebradas, os pais entregaram os terrenos aos autores dessas ações.
No mesmo sentido pronunciou-se o Réu EE, 1º sargento da GNR, que afirmou ter nascido em ../../1978 e não conhecer o recorrente, nem FF.
O Réu EE afirmou desconhecer quando os pais compraram o prédio objeto da escritura de justificação impugnada, mas o pai dizia “que fez o negócio com o FF; o que sabe é que tem 46 anos e desde que se lembra, pelo menos, há 43 anos, os pais agricultavam aquele terreno. Também punham lá vacas. Têm lá um barraco grande, onde armazenam erva para os animais, madeira e alfaias agrícolas. É lá que guardam as alfaias agrícolas. Sempre fizeram isto á vista de toda a gente”. “As pessoas que vão à missa e passam na estrada (não há árvores na confrontação do prédio justificado com a estrada, concretizou) viam-nos lá”. “Em 46 anos de vida nunca foi lá ninguém dizer que era dono do terreno, para saírem de lá. Se o pai comprou aquilo, é nosso”. Desconhece se FF faleceu em 1978, e se tinha ou não mulher, porque nunca o viu, nem ao recorrente; certamente que houve lapso na escritura de justificação notarial. No terreno dos pais (prédio justificado) nunca houve casa; no terreno do Senhor OOO da ... havia uma casa que, entretanto, foi demolida e as últimas pessoas que viveram nessa casa eram primos de sua mãe: a PPP. Entre ambos os prédios existem marcos e rede a delimitá-los; a rede foi-se degradando com o decurso do tempo, mas ainda existem, no local, restos de rede.
Confrontado com a primeira ação que foi instaurada contra os pais, o Réu EE referiu que o pai agricultava um campo, que denominava de “...”, e quando “o mandaram sair de lá, eles saíram. Certamente que os pais entregaram esse campo porque não se lembra de o agricultarem depois disso. Esse ... nada tem a ver com o terreno” objeto da escritura de justificação.
Questionado sobre a ação que o recorrente e mulher moveu os pais, afirmou não ter conhecimento da mesma.
Indagado sobre se os pais foram caseiros do prédio objeto da escritura de justificação, respondeu negativamente, dizendo que os seus avós falavam que eram caseiros da quinta – Quinta ... -, mas desconhecer se os terrenos de que os avós eram caseiros integrava ou não o prédio objeto da escritura de justificação impugnada.
Destarte, confrontado o depoimento e declarações de parte prestadas pelos Réus AA e EE, que se acabam de sumariar, constata-se terem sido concordante em afirmar que o seu falecido pai (o justificante EE) sempre afirmou ter comprado o terreno objeto da escritura de justificação notarial impugnada a FF, pessoa que afirmaram não conhecer, e que desde que têm memória, sempre foram os pais e família, incluindo os próprios depoentes, que agricultavam esse prédio, o qual confronta com a Igreja ..., e na confrontação oposta com um terreno onde existia uma casa que, entretanto, foi demolida, existindo entre ambos os prédios, a demarcá-los, marcos e rede, cujos vestígios (da rede) ainda se encontram no local. Sempre foram os pais e família que agricultaram o terreno objeto da escritura de justificação notarial impugnada e nele apascentaram gado e, na sequência dos pais lhes terem doado o terreno em causa, são os próprios recorrentes que agora assim procedem, o que sempre fizeram à vista de toda a gente (até porque era impossível que assim fosse, dado que o terreno em causa confronta com a igreja paroquial de ... e com a estrada, pelo que todos que se deslocassem à igreja ou circulassem na estrada viam-nos necessariamente a trabalhar o terreno), convictos que eram seus efetivos donos (dado o pai afirmar que o tinha comprado a FF e o modo como, desde que têm memória,  sobre ele atuavam, cultivando-o, apascentado nele gado, à frente de todos) e sem oposição de quem quer fosse (nunca apareceu lá ninguém dizendo-se dono daquele prédio).
O Réu AA nasceu em ../../1972, pelo que, em 1978, contava 5/6 anos, altura em que uma criança tem noção e lembrança dos factos que vivenciou e presenciou com aquela idade e, inclusivamente, afirma ter trabalhado no dito prédio, ajudando os pais no respetivo granjeio.
O Réu EE nasceu em ../../1978, pelo que naturalmente que não tem conhecimento direto se os pais agricultam o dito terreno já em 1978. Porém, uma criança a partir dos 3 ou 4 anos de idade passa a ter noção da realidade com que se depara e a ter lembranças dela. Ora, o Réu EE afirmou que, desde que tem memória, foram sempre os pais que agricultaram o prédio, fazendo-o convictos de serem seus donos, à frente de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse.
Salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se descortina motivo para as objeções suscitadas pelos recorrentes, as quais, na sua perspetiva, impediam que a 1ª Instância tivesse valorizado o depoimento e as declarações de parte dos Réus vindas a referir, apelando à idade dos últimos em 1978, tanto assim que a versão dos factos apresentada pelos Réus foi corroborada pelas testemunhas que se passam a enunciar e, como infra se demonstrará, é corroborada pela prova objetiva, que é a documental, quando submetida às regras do normal acontecer.
A testemunha GG, conta 85 anos de idade e interveio na escritura de justificação notarial impugnada enquanto testemunha.
GG afirmou residir em ..., local que fica perto de .... Conhecia muito bem o EE, marido da CC (justificantes), de quem era amigo. Quando se encontravam, o EE falava muito com ele e disse-lhe que tinha comprado um campo a um Senhor FF, da .... O referido terreno confronta com a igreja, fica perto da casa do falecido EE e tem cerca de meio hectare.
Afirmou ter visto, frequentes vezes, o EE, a mulher (a Ré CC) e filhos (Réus EE e AA) a lavrarem esse terreno e tinham lá animais. O EE também tinha lá um barracão, onde guardava as alfaias agrícolas. Tem 85 anos de idade “e passava ali (referindo-se ao prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada) muitas vezes e via lá o Sr. EE e eles (EE, mulher e filhos) a trabalhar há muitos anos – há para aí 30 anos. Só via lá o EE a trabalhar. Aquilo fica perto da estrada e confronta com a igreja. Quem fosse á igreja e passasse na estrada via-os lá a trabalhar”.
Questionado, confirmou que houve uma altura em que o EE lhe pediu para ir lá (concretizando, ao tribunal) para dizer que os via lá a trabalhar “e ele foi”, e o que declarou “corresponde à verdade”.
Confrontado pelo mandatário do recorrente de que ele não podia ter declarado que o EE comprou o terreno a FF, por desconhecer esse facto, a testemunha GG respondeu espontaneamente ter sido “o EE que lhe disse que tinha comprado ao FF da .... Não lhe disse em que ano, nem por que preço, nem ele lhe ia perguntar”.   
A testemunha HH, que também interveio na escritura de justificação notarial impugnada enquanto testemunha, afirmou contar 56 anos de idade. Disse ter nascido em ..., de onde regressou em agosto/setembro de 1975, onde viveu durante cerca de seis meses, na casa de uma tia, após o que foi residir para ... quando contava cinco ou seis anos de idade.
HH afirmou conhecer o EE, mulher e filhos desde 1979/1980, e já, na altura, via o EE e família a cultivar um campo, que se situa à beira (vindo a concretizar, confronta) da Igreja ..., com 40.000/50.000 m2 de área, onde agricultavam milho para os animais, com um trator. Tinham lá um barracão, onde guardavam o trator, alfaias agrícolas, fardos de milho e de erva para o gado. Nunca viu outras pessoas, para além do EE e família, a cultivar esse campo.
Questionado pelo Senhor Juiz a quo se o EE, em determinada altura, lhe pediu para fazer alguma coisa, a testemunha HH respondeu positivamente, dizendo que o falecido EE, a determinada altura, lhe pediu para ele ir para lá (para o prédio objeto da escritura de justificação notarial) trabalhar, e foi.
Confrontado pelo Senhor Juiz que não era a isso que se referia, se o EE lhe tinha pedido para vir ao notário, a testemunha HH afirmou positivamente, dizendo: “Veio com o EE ao notário para dizer que o via lá a trabalhar mais a família. Disse a verdade”.
Quando confrontado pelo mandatário do recorrente que, na escritura, declarou que o EE tinha comprado o terreno ao FF, o que não podia ter feito, por o desconhecer, HH respondeu, de modo espontâneo, que “não conhece o FF”, fez a declaração porque o “EE dizia ter comprado o terreno ao FF e ele estava lá (no prédio justificado) há muitos anos” (isto é, porque via o EE, mulher e filhos há já muitos anos a agricultar o prédio objeto da escritura de justificação notarial). “Não conhece o FF e desconhece se o EE era caseiro do terreno, mas ele dizia que era dono”.
A testemunha II também interveio na escritura de justificação notarial enquanto testemunha. Afirmou conhecer a Ré CC, o falecido marido (justificantes) e filhos desde 1978. Em 1978, mudou-se para a casa nova, que foi construída num terreno que o marido comprou a “pessoas de ...” e, nessa altura, conheceu o falecido EE, mulher e filhos e os mesmos já então agricultavam um campo, que confronta com a igreja e com a casa do EE e que tem cerca de meio hectare de área. Sempre viu o EE e família a agricultar aquele campo, onde semeavam milho e batatas. O EE agricultava o campo com um trator, que guardava num barraco, onde também guardava alfaias agrícolas e alimento para os animais. Esse campo confronta com um terreno onde existia uma casa que “hoje desistiu” (foi destruída), mas entre eles há um ribeiro a separá-los. Nunca viu ninguém mais a trabalhar naquele campo que não fosse o EE e família e “rapazes que o EE levava para trabalhar”. “Quem passa na estrada e quem vai para a igreja via quem andava a trabalhar” no campo (prédio objeto da escritura de justificação notarial). “Veio uma vez a ...”, a pedido do EE, que dizia ter comprado o campo ao FF da ... e “veio dizer que os via lá a trabalhar com os animais. Quem passava lá via”. Não conhece o FF porque foi o marido que comprou o terreno onde construíram a casa de que ela e o marido são proprietários e “foi o marido quem tratou de tudo”.
Aqui chegados, cumpre dizer não ter o mínimo de correspondência com a realidade acontecida em audiência final a alegação do recorrente de que as testemunhas GG, HH e II se limitaram a confirmar, conclusiva e imotivadamente, as declarações que tinham prestado na escritura de justificação notarial impugnada – reafirma-se, semelhante afirmação não é verdadeira e para assim se concluir basta a audição da gravação, conforme fizemos.
E não podemos deixar de reputar como particularmente injusta a acusação feita pelo recorrente segundo a qual o Senhor Juiz a quo teria feito perguntas sugestivas às identificadas testemunhas, que conteriam implícita a resposta que devia ser dada a essas perguntas – tal alegação/acusação não tem o mínimo de correspondência com a verdade.
Foi efetivamente o Senhor Juiz a quo quem inquiriu as testemunhas GG, HH e II, assim como todas as testemunhas que depuseram na sessão de audiência em que aquelas depuseram. Todavia, o Senhor Juiz a quo deu toda a margem de liberdade às testemunhas que inquiriu para apresentarem a sua versão dos factos, sem sugestões, nem artifícios ou perguntas sugestivas, e teve sempre o cuidado de, finda a inquirição, dar a palavra aos mandatários das partes para que fizessem as perguntas às testemunhas que entendessem por convenientes, que o fizeram sempre que assim o entenderam.
Avançando…
As testemunhas GG, HH e II (assim como os Réus AA e EE) não têm efetivamente conhecimento direto da compra que o falecido EE (justificante) declarou, na escritura de justificação impugnada ter feito a FF tendo por objeto o prédio,  mas salvo o devido respeito, a lei não exige que apenas possam intervir como testemunhas na escritura de justificação notarial, corroborando as declarações nela feitas pelos justificantes, quem tenha conhecimento direto do negócio de transmissão do prédio celebrado entre transmitente e transmissário - justificante (no caso, a compra do prédio, não titulada por escritura pública, que o justificante EE declarou ter feito a FF, alegadamente no ano de 1978).
Com efeito, se assim fosse, porque os negócios translativos de direito reais, sem observância da forma legalmente prescrita, se processam, em regra, apenas entre transmitente e transmissário, sem presença de terceiros, não existiriam, ou raramente existiriam terceiros que estivessem em condições de puder atestar o negócio de transmissão declarado pelos justificantes.
O conhecimento da compra e venda não titulada, celebrada entre o justificante EE e FF tendo por objeto o direito de propriedade nela justificado foi adquirido pelas testemunhas GG, HH e II e, bem assim, pelos Réus AA e EE por duas vias, sendo uma indireta e outra direta. Por via indireta: porque o justificante EE sempre lhes afirmou ter comprado o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada a FF. E por via direta, porque aquelas testemunhas sempre viram ser o justificante EE, mulher e filhos (os Réus AA e EE) a agricultar esse prédio, nele cultivando produtos agrícolas, apascentando gado, guardando no barraco nele existente o trator, alfaias agrícolas, lenha e alimento para animais, o que tudo faziam ao longo de várias décadas, à vista de toda a gente, afirmando-se e comportando-se como se fossem donos desse prédio, sem que nunca tivesse aparecido que quem quer que fosse (ou lhes constasse) que contestasse a afirmação do justificante EE e as condutas deste, mulher e filhos sobre o prédio.
O que se acaba de dizer, com o devido respeito, levou a que as testemunhas GG, HH e II (assim como os Réus AA e EE) tivessem legitimamente concluído que a afirmação que lhes era feita pelo falecido EE de que tinha comprado o prédio a FF correspondia à verdade e estivessem em condições de corroborar, na escritura de justificação impugnada as declarações que nela foram feitas por EE e mulher CC (justificantes), como fizeram.
 Acontece que, como bem diz o recorrente, na escritura de justificação notarial impugnada os nela justificantes, EE e Ré CC, declararam que a compra não titulada por escritura pública do prédio objeto dessa escritura foi realizada por EE a FF, solteiro, no ano de 1978, à data residente na freguesia e concelho ..., e cuja atual residência era por eles então  desconhecida, quando o identificado FF, em 1978 era já falecido, na medida em que faleceu em ../../1976, era pessoa casada, conhecida em ..., e foi sepultado, em capela de família, no cemitério de ..., em cujo parede frontal existe, inclusivamente, uma lápide anunciando que este se encontra nela sepultado (cfr. certidão de óbito e fotografias junta com a petição inicial).
Pretende o recorrente, a partir dos elementos que se acabam de referir que as declarações emanadas pelos justificantes EE e CC, na escritura de justificação notarial impugnada e, bem assim, as declarações que nela foram emitidas pelas testemunhas GG, HH e II (onde atestaram as declarações dos nela justificantes), reafirmadas em audiência final (assim, como a versão dos factos que nela foi apresentada pelos Réus AA e EE), são falsas, na medida em que, por um lado, sendo FF já falecido, em 1978, não podia naturalmente ter realizado a venda do terreno objeto da escritura de justificação impugnada a EE em 1978; e, por outro, sendo FF pessoa muito conhecida em ... e, inclusivamente, vizinho dos justificantes e filhos, naturalmente que estes, assim como as testemunhas GG, HH e II tinham perfeito conhecimento não só que aquele era já falecido em 29/07/2010 (data da celebração da escritura de justificação notarial impugnada), como, inclusivamente, tinham perfeito conhecimento que o mesmo falecera no ano de 1976, o que, adianta-se desde já, não podemos subscrever face à prova produzida.
Com efeito, as testemunhas GG, HH e II, assim como os Réus AA e EE foram perentórias em afirmar não conhecerem FF, pessoa que nunca viram, desconhecendo se era casado ou solteiro, se tinha ou não filhos, a data do seu falecimento, se era ou não falecido em 1978, desconhecendo, inclusivamente, a pessoa do recorrente.
A esse propósito diremos ser certo que toda a prova produzida é no sentido de que FF era pessoa de elevado estatuto social, económico e patrimonial em ..., onde era necessariamente pessoa conhecida, bastando para tanto atentar no estatuto profissional, social e patrimonial das testemunhas arroladas pelo recorrente e na versão dos factos que por elas foi apresentada em audiência final.
Acresce que, é igualmente certo que FF era proprietário da denominada “Quinta ...”, de que fez parte integrante o prédio em que os justificantes e filhos residiram, antes dos justificantes o terem comprado a FF, e de que também fazia parte o prédio objeto da escritura de justificação impugnada, além de outros terrenos que vendeu a terceiros, onde estes construíram as suas casas de habitação e onde passaram a residir, como é o caso da testemunha II e marido.
Daí que a casa de habitação de FF, na “Quinta ...”, teria de se situar nas proximidades da casa de habitação onde os justificantes e filhos (estes até se autonomizarem) residiam e também próxima da residência da testemunha II.
Porém, também é certo que o estatuto social, económico e patrimonial dos justificantes, EE e Ré QQQ, assim como dos seus filhos (os Réus AA e TT) e das testemunhas GG, HH e II em nada se assemelha com o do falecido FF.
Conforme resulta das regras do normal acontecer, atualmente, mas principalmente em tempos mais remotos, designadamente, na década de setenta do século passado, era usual as pessoas de condição social, económica e patrimonial distintos movimentarem-se em meios sociais distintos, que raramente se tocavam e/ou interagiam, indiferentes aos eventos envolvendo as pessoas que não integravam o seu meio social ou, mostrando-se indiferentes em relação a eles, mesmo que significativos, como é o caso do nascimento, casamento e morte.
O que se acaba de referir era (e é) especialmente fomentado quando as pessoas de estatuto social, económico e patrimonial elevado não residam, em permanência, em determinado local onde se situam as quintas de que são proprietárias (o que era - e ainda é - recorrentemente acontecer, em que, na maioria das vezes, os proprietários de quintas situadas no interior do país e respetivos filhos nelas não residem, mas sim nas grandes cidades, raramente a elas se deslocando e, quando o fazem, é no período de férias, onde raramente interagem com os residentes) ou quando mudam de local de residência, onde acabam por falecer, ainda que venham a ser sepultadas em jazigo de família, sito no local de onde é natural a sua família.
No contexto social, económico e patrimonial que se vem descrevendo, que ainda caracteriza o país na atualidade, mas que o caracterizava, principalmente, no passado, especialmente no período pós-revolução de 1974, não era inusual as pessoas de estatuto social, económico e patrimonial que não era o seu, ainda que vizinhas, não se aperceberem da mudança de residência e do falecimento das pessoas de estatuto social, económico e patrimonial superior ao seu, ainda que estas viessem a ser sepultadas no cemitério da localidade em que residiam.
Ora, no caso dos autos, conforme é evidenciado pelo teor da certidão de óbito de FF, este, à data do seu falecimento, em ../../1976, não residia em ..., mas sim no Lugar ..., casa ...0, ..., ....
O próprio recorrente não reside há longos anos em ..., mas em ..., conforme prova unânime produzida nesse sentido.
O meio social, económico e patrimonial em que se inseria FF, conforme antedito, em nada se relacionava com o dos justificantes, filhos e testemunhas GG, HH e II. 
Daí que, em face do contexto social, económico e patrimonial vindo a descrever, que caracterizou (e continua a caracterizar) o país, ainda que FF tivesse sido sepultado no cemitério de ... (como foi), salvo o devido respeito por opinião contrária, nada consente que se conclua que os justificantes EE e CC e/ou as testemunhas GG, HH e II, à data da celebração da escritura de justificação impugnada, em ../../2010, tivessem conhecimento que FF era então já falecido, e que falecera em ../../1976, antes a inversa é que é verdadeira.
Com efeito, tendo os justificantes (no que foram corroborados pelas testemunhas JJ, HH e II), declarado na escritura de justificação que o justificante EE tinha comprado o prédio a FF no ano de 1978, quando este falecera em ../../1976, tal evidencia que desconheciam que o último já era falecido em 1978 e que desconheciam a data do seu falecimento, na medida em que, caso assim não fosse e tivessem agido com intenções escusas, bastaria declararem que a compra foi feita por EE ao dito FF em data anterior a ../../1976.
 Em suma, a circunstância de FF ser falecido em 1978 e, por isso, não poder ter efetuado o negócio de venda do prédio objeto da escritura de justificação impugnada ao justificante RRR no ano de 1978, não só não coloca em crise as declarações que os justificantes e as testemunhas GG, HH e II emanaram naquela escritura, como também não coloca em causa a versão dos factos por elas, e pelos Réus AA e EE, apresentada em audiência final, mas apenas significa que o justificante EE errou quanto à data em que afirmava ter  comprado o prédio a FF, uma vez que essa compra teve necessariamente lugar em data anterior a ../../1976, data do falecimento de FF.
Na verdade, toda a prova produzida é concordante no sentido de que o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada integrava a “Quinta ...”, e que esta era propriedade de FF.
A versão dos factos apresentada pelas testemunhas GG, HH e II foi corroborada pela versão dos factos apresentada pelos Réus AA e EE. E a referida versão dos factos não foi contrariada pela prova documental supra identificada e analisada, nem pelas testemunhas TT, UU, XX, VV e SSS, as quais se limitaram a afirmar que o recorrente é proprietário de um prédio, onde tinha construído uma casa, onde residiu até vir, há muitos anos atrás, residir para ..., e que nela residiram outras pessoas, até que acabou por ficar desabitada e por ficar em ruínas, referindo umas que aquela casa foi, entretanto, demolida, enquanto outras referem que as ruínas continuam no local, o que em nada foi contrariado pelos Réus AA e EE ou pelas testemunhas GG, HH e II, que antes depuseram em igual sentido.
As testemunhas TT, UU, VV e SSS afirmaram desconhecer a área do prédio, propriedade do recorrente, onde se encontrava edificada a dita casa e, com exceção das testemunhas TT, UU e VV, afirmaram desconhecerem os limites desse prédio, pelo que o respetivo depoimento em nada contradisse a versão dos factos apresentados pelos Réus e pelas testemunhas JJ, HH e II.
A testemunha TT, sobrinho do recorrente, pretendeu que o prédio, propriedade do recorrente confronta com a Igreja ..., no que foi secundado pelas testemunhas UU e VV.
Acontece que, para além dessa afirmação de TT, UU e VV se ter mostrado titubeantes e ser afastada pela versão dos factos apresentada pelos Réus AA e EE e pelas testemunhas GG, HH e II, é afastada pelas circunstâncias (acima já enunciadas e analisadas) que levaram o recorrente a impugnar a escritura de justificação notarial, quando se verifica que esta foi outorgada em ../../2010 e que a presente ação foi instaurada em 28 de fevereiro 2024, na sequência do recorrente ter encomendado um estudo, em 2022, à testemunha TTT, cuja finalidade era verificar se os prédios de que é proprietário tinham, in loco, as áreas que figuravam nas respetivas descrições prediais e matriciais e de, na sequência desse estudo se ter concluído que as áreas inscritas naqueles documentos abrangiam o terreno do prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada, que fora outorgada doze anos antes.   
 Finalmente, a versão dos factos apresentada pelo recorrente e pelas testemunhas TT, UU e VV de que o prédio ou prédios do recorrente se estendiam até à Igreja ..., com quem confrontava, é liminarmente afastada pela prova objetiva junta aos autos, que é a documental.
Com efeito, conforme resulta das certidões a juntas aos autos pelo recorrente, o sobrinho do último, MM, em 06/02/1978, instaurou contra EE e mulher, CC (justificantes), ação de reivindicação, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... sob o n.º 7/1978, em que arrogando-se comproprietário do prédio rústico denominado “Campo ... ou ...” (atualmente propriedade do recorrente) e que este estaria a ser abusivamente ocupado pelos justificantes, pediu que os últimos fossem condenados a restituir-lho.
No âmbito dessa ação, foi lavrada transação, homologada por sentença proferida em 08/03/1978, transitada em julgado, em que os nela réus (justificantes) se obrigaram a entregar o prédio ao reivindicante até ao final do mês de maio de 1978.
Dir-se-á que, caso os justificantes EE e CC não tivessem entregue o prédio ao reivindicante, naturalmente que o último não deixaria de lhes mover a competente ação executiva, a fim de que lho entregassem coercivamente, o que não fez, o que impõe que se conclua que, contrariamente à tese propugnada pelo recorrente, o terreno que integra o prédio justificado não faz parte do prédio rústico denominado “Campo ... ou ...”, atualmente sua propriedade.
Acresce que, em 09/01/1984, o recorrente e a então sua mulher instauraram ação de reivindicação contra EE e CC (justificantes), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... sob o n.º 5/194, em que pediram a condenação destes a entregar-lhe uma parcela de terreno, com a área de 1.963 m2, alegando ser sua propriedade e estar a ser ocupada abusivamente pelos últimos.
Os nela réus (justificantes) contestaram a ação, alegando serem arrendatários da parcela de terreno reivindicada, há cerca de 14 anos.
Acontece que, em 24/10/1984, acabou por ser lavrada transação, homologada por sentença de 26/10/1984, transitada em julgado, em que os nela réus (os justificantes) se obrigaram a entregar ao recorrente e mulher a parcela de terreno reivindicada em ../../1987.
Mais uma vez, à luz das regras da experiência comum, não se antolha como razoável aceitar que os réus (justificantes EE e CC) não tivessem entregue a parcela de terreno aos reivindicantes (recorrente e mulher) nos termos que foram acordados, sem que os últimos lhe tivessem movido ação executiva a fim de obter a entrega coerciva daquela parcela de terreno, o que não fizeram, o que impõe que se conclua que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a parcela de terreno reivindicada na identificada ação, de que os justificantes se afirmaram arrendatários, não integra o prédio objeto da escritura de justificação impugnada.
Por último, o facto de, em 09/01/1984, o recorrente e a então sua mulher terem instaurado a ação de reivindicação acabada de identificar contra os justificantes EE e CC, leva a que se tenha de concluir que, caso o terreno que integra o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada não tivesse sido comprado pelo justificante EE ao falecido pai do recorrente, FF, em data anterior ao seu falecimento, em ../../1976, mas antes integrasse prédios propriedade do recorrente ou de seu falecido pai (de quem era herdeiro), aquele, quando em 1984, moveu aquela ação não deixaria de também de nela reivindicar esse terreno.
Aqui chegados, em face dos elementos de prova que vimos identificando e analisado, não é certa a ilação do recorrente de que a prova produzida não consentia que a 1ª Instância tivesse julgado provada a facticidade vertida no ponto 27º, mas tal como decidido pelo Senhor Juiz a quo, a conclusão que dela se impõe extrair é precisamente a inversa, salvo a modificação que se passa a enunciar.
O teor da certidão matricial e da participação à matriz do prédio objeto da escritura de justificação, juntas em anexo à petição inicial, fazem prova plena de que aquele prédio apenas foi participado à matriz pelo justificante EE em 28/04/2010, ano a partir do qual os justificantes, e na sequência da doação, os Réus AA e EE, passaram a pagar os impostos devidos pelo direito de propriedade que detêm sobre o mesmo.

Destarte, na parcial procedência da impugnação da matéria de facto, ordena-se a alteração da facticidade julgada provada no ponto 27º, que passa a constar dos seguintes factos, que se julgam provados:
“27- Desde, pelo menos 1978, os réus utilizam o prédio identificado em 17 para apascentar gado, cultivar milho e erva, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, procedendo à sua limpeza, sempre à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, inclusivamente do autor, de forma ininterrupta, com a convicção de serem os seus únicos proprietários, pagando, desde o ano de 2010 os respetivos impostos, na sequência da participação do prédio justificado às Finanças em 28/04/2010”. 
No mais, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto.

B- Mérito
B.1- Da ineficácia da escritura de justificação impugnada
Advoga o recorrente que a escritura de justificação notarial impugnada é juridicamente ineficaz, isto porque demonstrou que todos “os documentos que a instruíram foram obtidos mediante forjamento de requerimento e de requisição”. O recorrente invocou, na fundamentação de direito, nos artigos 57º, 58º, 60º e 61º da petição inicial”, a violação dos arts. 54º, n.ºs 1 e 6, 57º, n.ºs 1 e 2, 92º, n.º 1, 98º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2, todos do Cód. Notariado, “para sustentar a procedência desta ação. A sentença recorrida, todavia, sobre a sua aplicação à escritura de justificação notarial do dia ../../2010, nada disse, apesar de elas constituírem específico fundamento da impugnação dessa escritura. Acontece que todas estas normas são de ordem pública, que têm por fim, e, in casu, de escritura de justificação notarial, prevista no n.º 1 do art. 116º do CRP, garantir a segurança do comércio jurídico e proteger terceiro, e sem cujo cumprimento é inadmissível que a escritura de justificação notarial seja celebrada. E, posteriormente, verificados que estas normas foram cumpridas, mediante a obtenção forjada dos necessários documentos, a escritura de justificação notarial, prevista no n.º 1 do art. 116º do CRP, cai na alçada do disposto no n.º 2 do art. 280º e do disposto no art. 294º, ambos do Cód. Civil, que geram a sua nulidade e a sua ineficácia e que conduzem a procedência da ação judicial intentada para a sua impugnação”.
Em abono da tese jurídica acabada de sintetizar invoca os ensinamentos Manuel de Andrade e o teor do AUJ n.º 1/2008, os quais propugnariam que os vícios que invoca, a verificarem-se, afeta a escritura de justificação notarial de per se, determinando a sua nulidade e que esses vícios teriam de ser suscitados na ação de impugnação da escritura de justificação.
Quid inde?  
Se bem interpretamos a alegação do recorrente, o mesmo pretende atacar a escritura de justificação notarial impugnada em si mesmo considerada, isto é, enquanto título que permitiu aos justificantes registarem o direito de propriedade sobre o prédio na sua titularidade, decorrente de, aquando da sua celebração, em ../../2010, não terem sido observados os comandos legais constantes das normas legais que identifica, o que, na sua perspetiva, geraria, nos termos do disposto nos arts. 280º a 290º do CC, a nulidade desse título e, como consequência dela, determinaria a procedência da presente ação de impugnação.
Pretende o recorrente ter alegado os fundamentos de nulidade que assaca à própria escritura de justificação notarial impugnada na petição inicial como fundamento autónomo de procedência da presente ação de impugnação e acusa a 1ª Instância de na sentença ter omitido qualquer apreciação de tais fundamentos, o que, antecipe-se desde já, caso assista razão ao recorrente, determinará a sua nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º.
Compulsada a petição inicial nela o recorrente alegou, além do mais, o seguinte:
«44º- A primeira Ré e a aquele seu marido, EE, conheciam o FF e a sua mulher, LL, que faleceu no dia ../../1978, e cujo cadáver foi sepultado no cemitério de ..., conforme consta do registo do assento do seu óbito, de que se junta certidão, cujos dizeres, aqui e por brevidade, se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais [Doc. nº 23].
45º - No dia ../../2010, tinham os mesmos conhecimento que ao FF não tinham adquirido, por compra, no ano de 1978, o terreno mencionado no artigo 1º desta petição inicial.
 46º - Nesse dia ../../2010, e referente a esse terreno, tinham conhecimento que até esse ano de 2010 não tinham pago qualquer imposto, nomeadamente, contribuição predial ou autárquica, e imposto municipal sobre imóveis.
47º- E sabiam que desse terreno tinham sido caseiros agrícolas do FF.
48º- Tinham conhecimento da existência, até que foi demolida, da casa de morada, respetivos quintal e rocio, construída pelo Autor em parte desse terreno.
49º-  Sabiam que, relativamente a esse terreno, apenas se arrogaram caseiros até outubro do ano de 1984, mediante a renda anual de seiscentos escudos, e que até 31 de outubro de 1987 ficaram sem a pagar.
50º- O EE, no dia 28 de abril de 2010, em que assinou o requerimento do documento número quatro, junto com esta petição inicial, tinha conhecimento que as declarações do seu texto, transcrito no antecedente artigo 14º desta petição inicial, não reproduziam as realidades nele por si declaradas.
51º-  Assinou-o e entregou-o na Repartição de Finanças ... para conseguir na matriz rústica da freguesia ... a inscrição do terreno com área de 4.778 m2, mencionado no artigo 1º desta petição inicial, em seu nome, para obter um artigo matricial para esse terreno, e, ainda, para obter a respetiva caderneta predial rústica.
52º- Que permitisse preencher a requisição da certidão do documento número dois, junto com esta petição inicial, com as declarações constantes do seu texto, transcrito no artigo 12º desta petição inicial, que sabia não corresponderem à realidade, e que fosse apresentada no dia ../../2010 na Conservatória do Registo Predial ... para desta obter certidão que certificasse que nenhum prédio igual em situação, composição e confrontações, nela existia descrito e registado.
53º- Documentos esses, os dos números dois e três, juntos com esta petição inicial, que conseguiu obter para instruir, no dia ../../2010, a escritura do documento número um, junto com esta petição inicial, e que à respetiva Notária apresentaram.
 54º- O EE, e a primeira Ré, sua mulher, tinham conhecimento, no dia ../../2010, que as declarações, por ambos produzidas, perante a respetiva Notária, EEE, transcritas nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º desta petição inicial, e constantes do documento número um, junto com esta petição inicial, não tinham correspondência com as realidades por eles aí afirmadas.
55º - E fizeram essas afirmações para celebrar e assinar esse documento número um, para conseguirem a justificação da aquisição, por usucapião, do prédio, mencionado no artigo 1º desta petição inicial, para que fosse descrito na Conservatória do Registo Predial ..., e nela registada, a sua aquisição, em seus nomes.
56º-  No dia 8 de Novembro de 2020, o Autor celebrou, sob o regime imperativo da separação de bens e na ... Conservatória do Registo Civil ..., casamento civil com GGG, conforme consta do assento do registo desse casamento, de que se junta certidão, cujos dizeres, aqui e por brevidade, se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais [Doc. nº 2 ]».
De seguida, já em sede de «Direito», o recorrente transcreveu o teor dos arts. 54º, n.ºs 1 e 2, 57º, n.ºs 1 e 2, 89º, n.ºs 1 e 2, 92º, n.º 1, 98º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2, e 116º, n.º 1, todos do Cód. do Notariado.
Analisada a alegação do recorrente que se acaba de transcrever, não se descortina que tivesse alegado como fundamento de procedência da presente ação de impugnação da escritura de justificação notarial o incumprimento pela Senhora Notária dos comandos enunciados nas normas legais que identifica, posto que não alegou, designadamente que, na escritura de justificação tivesse sido omitida as formalidades legais prescritas nessas normas, mas antes que a documentação nela prevista e que levou a que a Senhora Notária a tivesse celebrado foi obtida de má-fé pelos justificantes, que bem sabiam nada terem comprado a FF em 1978, que o terreno do prédio objeto da escritura integrava prédios propriedade do último, etc..
A referida alegação é bem distinta da alegação de que, na celebração da escritura de justificação notarial que impugna, não tivessem sido observadas (pela Senhora Notária) as exigências documentais e processuais enunciadas naquelas normas: o que vem alegado pelo recorrente é que aquelas exigências documentais e formais foram observadas pela Senhora Notária quando outorgou a escritura de justificação, mas apenas porque pretensamente os justificantes se socorreram de meios fraudulentos (desconhecidos por aquela) que viabilizaram a sua celebração.
Em suma, contrariamente ao por si pretendido, o recorrente não alegou, na petição inicial, como causa de procedência autónoma da presente ação de impugnação da escritura de justificação notarial de ../../2010, a inobservância, na sua outorga, do disposto nos arts. 54º, n.ºs 1 e 2, 57º, n.ºs 1 e 2, 89º, n.ºs 1 e 2, 92º, n.º 1, 98º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2, e 116º, n.º 1, todos do Cód. do Notariado, pelo que, ao deles não conhecer na sentença, a 1ª Instância não incorreu em qualquer vício, nomeadamente, em nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se concluir pela improcedência desse fundamento de recurso.
No entanto, ainda que, na petição inicial o recorrente tivesse efetivamente alegado ocorrer violação das ditas normas na celebração da escritura de justificação impugnada (o que, reafirma-se, não é o caso), nunca esses fundamentos podiam ser conhecidos na presente ação de impugnação da escritura e levar à procedência desta, por respeitarem a vícios ocorridos ao nível da criação da própria escritura de justificação e, consequentemente, contenderem com a validade jurídica desta enquanto título, que permitiu aos justificantes inscreverem o direito de propriedade a que nela se arrogam titulares sobre o prédio na sua titularidade.    
Com efeito, à data da celebração da escritura de justificação notarial impugnada, em ../../2010, data da celebração da escritura de justificação notarial impugnada, encontrava-se em vigor o Código do Notariado, aprovado pelo DL. n.º 207/95, de 14/8, na sua 22ª versão, introduzida pelo DL. n.º 116/2008, de 04/07.
Nos arts. 70º e 71º desse diploma prevê-se, de modo taxativo, as situações determinativas de nulidade do ato notarial (no caso, da escritura de justificação notarial impugnada). E nos seus arts. 73º a 78º prevê-se as situações em que o ato notarial nulo pode ser revalidado e o modo como se processa essa revalidação.
Da conjugação do regime jurídico constante das normas que se acabam de identificar resulta que qualquer vício formal que tivesse ocorrido ao nível da celebração do ato notarial em si mesmo considerado ou no processo que culminou com a sua celebração, que determine a sua invalidade (do ato notarial) tem de ser suscitada perante o notário que o lavrou, cuja decisão é recorrível para o tribunal de 1ª instância competente na área da circunscrição a que pertence o cartório em que o processo se encontra pendente.
Por conseguinte, as irregularidades respeitantes ao processo de justificação e que fossem suscetíveis de  determinar a invalidade da escritura de justificação notarial justificação impugnada (o título), nunca podiam ser invocadas ou, sendo-o, serem conhecidas na ação de impugnação dessa escritura, em que o impugnante apenas pode impugnar os factos constitutivos do direito (no caso, do direito de propriedade) a que os justificantes se arrogam titulares sobre o prédio e que nela declararam[24].
Sem mais, por desnecessários, considerandos, improcede o fundamento de recurso acabado de apreciar.

B.2- Da violação do disposto no art. 89º, n.º 1 do Cód. Not.
Sustenta o recorrente que a escritura de justificação notarial impugnada é juridicamente ineficaz atenta à circunstância do art. 89º, n.º 1 do Cód. Not. exigir que nela seja especificada, além do mais, a causa de aquisição do direito e as razões que impossibilitam o justificante de a comprovar pelos meios normais. Sucede que, no ano de 1978, em que os justificantes declararam terem comprado o prédio objeto da escritura de justificação impugnada a FF, este não era solteiro, nem vivo, mas já falecido. Adianta que, competindo aos recorridos fazerem prova da veracidade das declarações emanadas pelos justificantes, aqueles não só não fizeram essa prova, como, porque os “mortos nada vendem”, os factos constitutivos do direito de propriedade dos justificantes sobre o prédio nela declarados “é de verificação impossível”, pelo que, na sua perspetiva, ser “evidente que nem se consegue contar o início da posse que conduza à aquisição por usucapião, prevista no art. 1287º do Cód. Civil, porque é da compra que se inicia a contagem daquele prazo, uma vez que ela pressupõe a entrega da causa. Sem a causa inexiste a causa para o corpus da posse”.
Antecipe-se, desde já, sem razão.
O recorrente continua a confundir as exigências que têm de ser observadas/cumpridas no âmbito da escritura de justificação notarial (título), com os factos constitutivos do direito de propriedade nela justificado (no caso, o direito de propriedade) que nela foram declarados pelos justificantes (e testemunhas) e, bem assim, a desconsiderar que são esses factos constitutivos do direito, eventualmente complementados e concretizados na contestação, que os recorridos têm de fazer prova com vista à improcedência da presente ação de impugnação, na sua vertente de ação de mera declaração negativa.
O art. 89º, n.º 2 do Cód. Not. exige que, quando seja invocada pelo justificante a aquisição originária de direito real sobre o prédio de que se arroga titular, isto é, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, e a posse não seja titulada, tenha de mencionar “expressamente as circunstâncias de facto que determinaram o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião”.
 As exigências formais acabadas de enunciar mostram-se integralmente observadas/cumpridas na escritura de justificação notarial impugnada.
Nos termos do art. 1251º do CC «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantido por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”.
A usucapião é, portanto, uma forma de aquisição originária de direitos reais que se funda na posse e no decurso do tempo, este variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa.
Embora o instituto da usucapião pressuponha uma atitude de inércia do titular do direito real, o seu fundamento reside numa atitude positiva (ativa) do possuidor sobre a coisa, praticando sobre ela, de modo público, contínuo ou reiterado no tempo, certos poderes de facto[25].
Para conduzir à usucapião, a posse tem sempre de revestir duas características: ser pública e pacífica.
Os restantes carateres da posse (boa ou má fé, titulada ou não) influem apenas no prazo necessário à aquisição do direito real por usucapião.
Por sua vez, a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real - art. 1251º do CC.
Sendo largamente dominante o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o conceito de posse, acolhido nos arts. 1251º e ss., deve ser entendido de acordo com a conceção subjetivista, analisando-se, por isso, numa situação jurídica que tem como ingredientes necessários o corpus e o animus possidendi, para haver posse é necessária a verificação de dois elementos: o corpus e o animus.
O corpus traduz-se no poder de facto manifestado pela atividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Esse poder de facto não carece de ser sempre efetivo, pois, uma vez adquirida a posse, o corpus permanece como que espiritualizado, enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer (art. 1257º, n.º 1 do CC).
O corpus não pode assim ser entendido como uma situação material porque, por um lado, não se protege só quem está em contacto com a coisa e, por outro, nem sequer tem de se traduzir em atos materiais quando tenha sido iniciada por outrem que a transmitiu ao atual possuidor, que a continua – posse derivada.
Para que exista corpus “basta uma relação de pessoa e coisa que exprima a subordinação da coisa à vontade da pessoa – expressa na possibilidade de continuar o gozo”[26].
O animus é a intenção específica do agente de agir sobre a coisa como titular do direito a que o exercício do poder de facto se refere.
O referido elemento não se confunde assim com a convicção do possuidor de que exerce o poder de facto sobre a coisa (corpus) por ser efetivamente o titular desse direito correspondente à sua atuação: é possuidor quem age com a intenção específica de exercer sobre a coisa o direito real correspondente à sua atuação ainda que o faça de má fé, bem sabendo não ser titular desse direito e que está a lesar o direito de outrem.
Posto isto, para dar resposta à questão suscitada pelo recorrente, impõe-se chamar à colação, conforme infra melhor se demonstrará, os dois meios de aquisição da posse que se encontram enunciados nas als. a) e b) do art. 1263º do CC.
A al. a) respeita à aquisição originária da posse, a qual se processa pela “prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito”.
O agente adquire a posse sobre determinada coisa por via originária quando essa aquisição se processa sem intervenção do antigo possuidor, em virtude de entre aquele e a coisa se ter estabelecido uma relação de facto que contenha todos os elementos inerentes ao conceito de posse, ou seja: corpus e animus possidendi.
Porque assim é, tal como defendem Pires de Lima e Antunes Varela, para que o agente adquira a posse por via originária não é suficiente que pratique sobre ela atos materiais que exprimam a subordinação da coisa à sua vontade (corpus) e que o faça com a intenção específica de agir como titular do direito a que o exercício desses atos se refere (animus), mas é necessário que pratique os ditos atos materiais de forma reiterada e com publicidade. “Esses atos, de per si, podem não conduzir à posse se faltar o animus possidendi; mas sem eles é que a posse não existe, nem se constitui”[27].
Na al. b) encontra-se prevista a aquisição derivada da posse, a qual ocorre quando a posse é transferida de um possuidor para outro, operando-se a transferência “pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor”.
Dito por outras palavras, contrariamente ao que acontece na aquisição originária, na derivada não se exige a prática reiterada de atos materiais correspondentes ao exercício do direito. “Para a existência do corpus bastará, na verdade, a traditio, a entrega da coisa, material ou simbólica. A tradição simbólica, (…), tem lugar, por exemplo, quando se entrega a chave de uma casa vendida ou se entregam documentos de venda. (…). Entre as formas de aquisição derivada deve incluir-se a traditio brevi manu – conversão da detenção em posse, por acordo entre o detentor e o possuidor. O proprietário-possuidor vende, por exemplo, a coisa depositada ao depositário, o prédio arrendado ao arrendatário, etc. A tradição material está feita em consequência de um negócio anterior, juntando-se agora no novo possuidor os elementos característicos da posse”[28].
Acresce referir que, nos arts. 1255º, n.º 2 e 1257º do CC, encontram-se estabelecidas duas presunções a propósito do animus possidendi, com relevantes consequências jurídicas ao nível das duas formas aquisitivas da posse vindas a tratar: originária e derivada.
 No n.º 2 do art. 1255º estabelece-se que: “Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257º”.
E no n.º 2 do art. 1257º que: “Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou”; estatuindo o n.º 1 que: “A posse mantêm-se enquanto durar a atuação correspondente ao exercício da posse”.
Da conjugação das duas presunções acabadas de referir resulta que, no caso de posse originária, basta ao possuidor fazer prova dos concretos atos possessórios que exerce sobre a coisa - corpus – para que se presuma ser detentor de animus possidendi, encontrando-se, consequentemente, dispensado do ónus da prova do animus, em virtude deste se presumir.
Já na aquisição derivada da posse, apesar do atual “possuidor” ver transferida para ele a posse que era exercida pelo anterior possuidor em consequência do anterior negócio que celebraram (compra e venda, doação, etc.) e, consequentemente, independentemente de sobre ela exercer atos materiais, ainda que com publicidade, correspondentes ao exercício do direito que lhe foi transferido, deter corpus possessório, nos termos do n.º 2 do art. 1257º, presume-se ser mero continuador da posse de quem a começou, ou seja, do transmitente, que a mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, e que, consequentemente, é mero detentor ou possuidor precário da coisa que lhe foi transmitida[29].
Revertendo ao caso dos autos, na escritura de justificação notarial de ../../2010, os justificantes EE e CC (no que foram corroborados pelas três testemunhas que nela intervieram) declararam serem “donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico, denominado “X...”, composto por terreno de pasto, com a área de 4.778 m2, sito no Lugar ..., da freguesia e concelho ..., a confrontar do norte com Igreja Paroquial de ..., do sul com JJ e outro, do nascente com BB e do poente com KK, não descrito na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz respetiva, em nome do justificante marido, sob o artigo ...65, com o valor patrimonial tributário de € 180,00 e o atribuído de cento e oitenta euros. Que os justificantes não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do referido prédio, porquanto o mesmo foi por eles adquirido por compra, não titulada por escritura pública, que fizeram no ano de ... a FF, solteiro, ao tempo residente na freguesia e concelho ..., cuja atual residência desconhecem”.
Ao emanaram as declarações acabadas de referir os justificantes (e testemunhas) estão a invocar a seu favor serem detentores de posse sobre o prédio que descrevem em virtude da compra, não titulada por escritura pública, que dele fizeram a FF, no ano de 1978, com o que pretendem terem acedido à posse que sobre esse prédio era exercida pelo vendedor FF, e que este lhes transferiu/transmitiu mediante o contrato de compra e venda celebrado, com omissão da forma legalmente prescrita e, por isso, inválido.
Logo, alegam declaram deter uma posse derivada sobre o prédio, iniciada por FF e que este lhes transmitiu simbolicamente mediante contrato de compra e venda inválido, em 1978 (art. 1263º, al. b) do CC).
Acontece que os recorridos (Réus) não fizeram prova em como os justificantes EE e CC tivessem efetivamente adquirido, por compra, o direito de propriedade sobre o dito prédio, a FF, no ano de 1978, e que, consequentemente, este lhes tivesse transferido a posse que exercia sobre o prédio e que sejam continuadores da posse iniciada pelo identificado FF.
Aliás, como bem refere o recorrente, sendo FF já falecido em 1978, não era só ontologicamente impossível os justificantes terem comprado o prédio a FF no ano de 1978, como também era impossível que lhes tivesse transferido a posse que exercia sobre o dito prédio.
Em suma, os recorridos não provaram que os justificantes exercessem a posse sobre o prédio objeto da escritura de justificação impugnada por via derivada, em virtude de FF lhes ter vendido aquele prédio e com isso lhes ter transferido a posse que exercia sobre o mesmo.
Acontece que, para além da posse derivada, na escritura de justificação os justificantes declararam exercerem sobre o mesmo prédio uma posse originária, isto é, por eles iniciada, e que exerceram com corpus e animus possidendi, ao nela declararem que: “Não obstante isso, têm os justificantes usufruído o dito prédio, designadamente, utilizando-o para apascentar o seu gado, colhendo os seus frutos e gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando os respetivos impostos, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém – e tudo isto por um lapso de tempo superior a vinte anos”.
Note-se que, não se tendo provado que os justificantes UUU e CC tivessem adquirido o direito de propriedade justificado sobre o prédio objeto da escritura de compra e venda, por compra não titulada por escritura pública, em 1978, a FF, os recorridos não estavam impedidos de provar a veracidade das declarações emanadas na escritura de justificação notarial impugnada pelos justificantes (e testemunhas), segundo as quais, independentemente - “não obstante” - da compra do prédio a FF que declararam ter sido feita pelos justificantes, no ano de 1978, ao referido indivíduo, no ano de 1978, passaram a exercer uma posse em nome próprio sobre o mesmo prédio, com corpus e animus possidendi, pública e pacificamente, como efetivamente provaram.
Com efeito, apurou-se que, pelo menos desde 1978, os réus utilizam o prédio identificado na escritura de justificação impugnada para apascentar gado, cultivar milho e erva, colhendo os seus frutos, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, procedendo à sua limpeza, sempre à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, inclusivamente do autor, de forma ininterrupta, com a convicção de serem os seus únicos proprietários, pagando, desde o ano de 2010, os respetivos impostos, na sequência da participação do prédio justificado às Finanças em 28/04/2010.
 Daí que se provou que, pelo menos desde 1978, os justificantes exerceram os concretos atos possessórios acabados de referir sobre o prédio (apascentando nele gado, cultivando milho e erva, colhendo frutos, limpando-o, etc.) - corpus possessório -, com intenção de exercerem um direito próprio e na convicção de serem os seus únicos proprietários - animus possessório próprio.
A posse própria assim exercida pelos justificantes sobre o prédio é pública, dado se ter apurado que os mesmos exerceram aqueles atos materiais, desde pelo menos 1978, à vista de toda a gente e, por isso, de modo a poderem (os atos materiais correspondentes ao corpus) ser conhecidos por toda a gente (art. 1262º do CC).
E é pacífica, uma vez que, pelo menos desde 1978, os justificantes praticaram os referidos atos materiais, à vista de toda a gente, incluindo do recorrente, sem qualquer oposição, inclusivamente, do último (art. 1261º do CC).
Daí que a posse pessoal e originária que os justificantes iniciaram e vêm exercendo sobre o prédio, pelo menos desde 1978, com corpus e animus possessórios, pública e pacificamente, seja apta à aquisição pelos mesmos do direito de propriedade sobre o prédio objeto da escritura de justificação notarial impugnada (arts. 1257º, 1288º e 1297º do CC).
Sendo a posse que os justificantes exerceram a título originário sobre o prédio não titulada, presume-se de má fé (arts. 1259º e 1260º, n.º 2 do CC).
Por outro lado, não havendo título nem registo da mera posse que os justificantes exerceram sobre o prédio, tratando-se de posse presuntivamente de má fé, nos termos do art. 1296º, bastava-lhes exercerem aqueles atos possessórios vindos a descrever ao longo de vinte anos para adquirirem o direito de propriedade sobre o prédio, por usucapião.
Estando apurado que os justificantes praticaram aqueles atos materiais, a título pessoal, com corpus e animus possidendi, pública e pacificamente e com as demais características acabas de referir, pelo menos desde 1978, em 29 de julho de 20010, data em que outorgaram a escritura de justificação notarial impugnada, há muito que tinham adquirido o direito de propriedade sobre o prédio, ex novo, na esfera jurídico-patrimonial, por usucapião.
Decorre do excurso antecedente que a alegação do recorrente ignora ou desconsidera que as exigências do art. 89º do CN mostram-se integralmente observadas/cumpridas na escritura de justificação notarial impugnada e que nela, os justificantes declaram terem adquirido o direito de propriedade sobre o prédio fundada em duas posses distintas: na posse derivada, por via da aquisição, por compra não titulada em escritura pública, que declararam ter-lhes sido feito por FF, no ano de 1978; e na posse originária, que declararam exercer sobre o mesmo prédio, a título pessoal, desde 1978, com corpus e animus possessório, pública e pacificamente e que, por isso, era apta (como foi), a que nascesse, por via originária, ex novo, o direito de propriedade sobre o prédio, por usucapião, na sua esfera jurídico-patrimonial, sem que a essa posse (por isso, é que a adquiriram a título originário), esteja subjacente qualquer causa, designadamente, a compra que declararam terem feito a FF, em 1978.
Decorre do excurso antecedente, improceder o fundamento de recurso invocado pelo recorrente.

B.3- Da violação do disposto nos arts. 1253º, al. a), 1290º, 1263º, al. d) e 1265º do CC
Advoga o recorrente que a decisão de mérito constante da sentença padece de erro de direito em virtude da área do prédio objeto da escritura de justificação integrar “área do terreno do prédio inscrito no art. ...49 da anterior matriz rústica da freguesia ... e descrito no n.º ...2.714 da Conservatória do Registo Predial ..., que foi objeto da ação sumária n.º 7/1978”, em que, por sentença homologatória da transação nela celebrada, transitada em julgado, os nela réus (justificantes) foram condenados a restituir o prédio aí reivindicado ao reivindicante até ao final de maio de 1978, e, bem assim, a parcela de terreno de 1.963 m2, propriedade do recorrente, que foi objeto da ação n.º 5/1984, que ele e a então mulher instauraram contra os justificantes, em que os últimos alegaram ser arrendatários dessa parcela de terreno, em que, por sentença homologatória da transação que aí acabou por ser celebrada, transitada em julgado, os justificantes foram condenados a restituir aquela parcela ao recorrente e mulher em 31/10/1997.
Sustenta o recorrente que, “defronte àquela ação, os Réus no seu articulado desta ação, nenhum facto material, posterior àquele dia ../../1987, e ostensivo e de oposição direta contra o recorrente alegaram para inverter o título da posse do terreno com a área de 1.63 m2, de caseiros agrícolas dela, e cuja prova por isto não provaram. Falta, em consequência, o animus ao corpus para o EE e a CC terem adquirido, por usucapião, no dia ../../2010, o terreno com a área de 1.693 m2 do terreno declarado com a área de 4.778 m2, e cujo prazo, por usucapião, por inverificação da inversão desse título, nem sequer se iniciou”.
Conforme decorre da alegação do recorrente, o erro de direito que assaca à decisão de mérito constante da sentença recorrida funda-se no pressuposto de que o terreno do prédio objeto da escritura de justificação impugnada integra os prédios que foram reivindicados aos justificantes nas duas ações acabadas de identificar, o que se quedou por provar, por se mostrar totalmente em desconformidade com as regras do normal acontecer (vide o que a esse propósito se escreveu supra a propósito da impugnação da facticidade julgada provada no ponto 27º).
Termos em que, sem maiores, por desnecessárias, delongas, improcede este fundamento de recurso.

B.4- Da violação dos arts. 1252º, 1258º a 1262º, 1263º, al. a), 1268º, n.º 1, 1287º, 1294º a 1296º do CC
Finalmente, sustenta o recorrente que a decisão de mérito proferida na sentença, ao julgar a ação improcedente e a reconvenção procedente, é violadora das normas jurídicas enunciadas em epígrafe, o que não é certo, conforme supra já se analisou e demonstrou. Aliás, os erros de direito que o recorrente assaca à sentença a propósito da violação das normas que refere tinha como pressuposto que tivesse êxito na impugnação da facticidade julgada provada no ponto 27º, o que não foi o caso, dado que a modificação que a ela se introduziu nenhuma interferência tem na decisão de mérito nela consignada, tudo conforme acima já demonstrado.
Deverá, assim, improceder este fundamento de recurso.
Decorre do exposto que, sem prejuízo da alteração introduzida ao julgamento da matéria de facto, improcedem todos os fundamentos de recurso invocados pelo recorrente, impondo-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

C- Das custas
Nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso, com exceção da parcial procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto, improcederam todos os restantes fundamentos de recurso invocados pelo recorrente, sem que a alteração introduzida ao julgamento de facto tivesse interferido na decisão de mérito constante da sentença recorrida. O recorrente ficou assim totalmente vencido, pelo que lhe cabe suportar as custas do recurso.
*
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida, sem prejuízo das alterações supra identificadas introduzidas ao julgamento de facto nela realizado.
*
As custas do recurso são a cargo do recorrente, dado ter ficado vencido.
*
Notifique.
*
Guimarães, 09 de outubro de 2025
                       
José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Alexandra Maria Viana Parente Lopes – 2ª Adjunta



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, em que salientam ser “objeto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso”. Adiantam: “O Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (STJ 9/6/16, 6617/07, STJ 31/05/16, 1572/12, STJ 28/04/16, 10006/12, STJ 11/04/16, 449/410, STJ 19/02/15, 299/05 e STJ. 27/01-15, 1060/07). O STJ. tem afirmado que na verificação do cumprimento dos ónus de legação previstos no artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ. 03/10/19, 77/06, STJ 12/07/18, Proc. 167/11 e STJ 21/03/18, 5074/15)” (sublinhado e destacado nosso”.
No mesmo sentido: Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 147, em que se lê: “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. (…). As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, n.º 3.” E fls. 152 a 159, em que conclui: A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 3 e 641º, n.º 2, al. b); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); c- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d- Falta de especificação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e- Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação” (sublinhado e destacado nosso).
Precise-se que o principal pomo da controvérsia jurisprudencial existente ao nível do Supremo Tribunal de Justiça prendia-se em saber se, a par dos concretos pontos da matéria de facto, o recorrente tem também de incluir nas conclusões de recurso o resultado pretendido relativamente a cada um desses pontos que impugna. Essa polémica jurisprudencial encontra-se atualmente, pelo menos, parcialmente ultrapassada pelo acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) n.º 12/2023, de 17/10/2023, Proc. 8344/16.6T8STB.E1-A.S1, publicado no D.R., n.º 220/2023, Série I, de 14/11/2029, em que se uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
[4] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem menção em contrário.
[5] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário.
[6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 797, nota 4.
[7]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
[8] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, págs. 320 a 323.
[9] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 293 a 295.
[10] Ac. STJ. de 09/03/2003, Proc. 03B1816.
[11] Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 190 a 191 e 208.
[12] Ac. STJ, de 25/03/2010, Proc. 186/1999.P1.S1, em que se expendeu que: “Os documentos não são factos, mas meros meios de prova, constituindo, portanto, prática incorreta, na decisão sobre a matéria de facto, remeter para o teor dos documentos. Dar por reproduzidos documentos ou o seu conteúdo é bem diferente de dizer qual ou quais os factos que, deles constando, se consideram provados – provados quer por força do próprio documento em si, quer por outra causa (v.g. acordo sobre um facto nele indicado, embora o documento não gozasse de força suficiente para o dar como provado)”; Ac. R.G., e 26/03/2015, proc. 82170/12.2YIPT.G1.
[13] Acs. STJ., de 28/09/2017, Proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1; de 01/10/2019, Proc. 109/17.1T8ACB.C1.S1; de 07/05/2014, Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1; de 11/07/2012, Proc. 3360/14.0TTLSB.L1.S1; e de 14/11/2006, Proc. 06A2992.
[14] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 70 a 73.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 72 a 73; Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 278; Ac. RL., de 12/05/2016, Proc. 272/13.0YXLSB.L1-2, em que se lê: “Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes. Desempenham pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa. Os factos a discriminar em sede e fundamentação da sentença, nos termos do art. 607º, n.º 3 do CPC, são somente os factos essenciais. O campo privilegiado dos factos instrumentais é o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais” constante do n.º 4 do art. 607º”.
[16] Borges Araújo, “Prática Notarial”, Almedina, 4ª ed., pág. 399.
Acs. do STJ. de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1, R.G., de 07/06/2018, Proc. 309/16.1T8VRL.G1, em que se pondera que: “A escritura de justificação notarial tem por escopo providenciar aos interessados um meio de titulação de factos relativos a imóveis que, ou não possam ser provados pela forma original, ou cuja eficácia desencadeia legalmente, sem necessidade de observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão”.
[17] Ac. R.C., de 26/05/2009, Proc. 84/2001.C1.
[18] Acs. STJ., de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1; RG., de 17/09/2020, Proc. 6145/17.0T8GMR.G1
[19] Ac. STJ., de 12/05/2016, Proc. 9950/11.8TBVNG.P1.S1.
No mesmo sentido Acs. STJ., de 09/07/2015, proc. 448/09.5TCFUN.L1.S1; de 07/04/2011, Proc. 569/04.0TCSNT.L1.S1; RG., de 29/09/2022, Proc. 81/20.0T8VFL.G1; de 21/04/2022, Proc. 51/21.1T8PTB.G1; de 23/05/2019, Proc. 1473/17.8T8BGC.G1,
[20] Neste sentido, ac. R.G., de 07/03/2024, Proc. 3177/17.7T8BRG.G1, em que se decidiu: “Revestindo a ação de impugnação de justificação notarial a natureza de simples apreciação negativa, cabe ao réu a prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga. O ato notarial de justificação não constitui um repositório de todos os factos suscetíveis de invocação pelo justificante, pois, no caso de o direito ser justificado por usucapião, o que é necessário levar à escritura é a exposição resumida dos factos que revelam o início concreto da invocada posse e aqueles que integram os seus caracteres. A descrição sumária dos factos essenciais declarados pelo justificante carece de posterior desenvolvimento e concretização na ação de simples apreciação negativa. Nenhuma disposição legal ou princípio geral impede que o réu de aduzir na ação de impugnação outros factos em reforço da sua posição. Além dos factos declarados na escritura de justificação notarial, pode alegar outros factos que sejam constitutivos do direito invocado. Desde que respeitantes ao facto justificado, pode alegar factos concretizadores da posse invocada e dos seus carateres, factos complementares desses elementos, etc.. Carece de qualquer apoio legal a tese de que o tribunal apenas pode considerar factos que tenham sido declarados na escritura de justificação notarial”.
[21] Acs. STJ., de 20/04/2022, Proc. 549/19.1T8PVZ.P1.s1; de 28/01/2003, Proc. 03A2672; R.G., de 20/01/2022, Proc. 7105/19.2T8GMR.G1; de 15/05/2001, Proc. 2900/2000.
[22] Acs. STJ., de 12/01/2021, Proc. 6612/18.9T8GMR.S1; de 17/12/2014, Proc. 971/12.4TCBBR.C1.S1; R.L., de 29/04/2025, Proc. 18114/23.7T8SNT.L1-7.
[23] Oliveira Ascensão, “Efeitos Substantivos do Registos Predial na Ordem Jurídica Portuguesa”, R.O.A., ano 34, págs. 43 a 46.
[24] Ac. STJ., de 05/11/2019, Proc. 9494/16.1T8ALM-B.L1.S1, em que se decidiu: “Na ação de impugnação de escritura notarial a autora pode, apenas, impugnar judicialmente o direito que subjaz ao registo, mas não já irregularidades cometidas na processo de criação do título”.
No mesmo sentido, Ac. R.L., de 15/11/2011, Proc. 884/07.1TBLNH.L1-7: “No recurso da decisão do conservador ataca-se a criação do título, em si mesmo; através da ação judicial vai impugnar-se o próprio direito que lhe subjaz e que aquela decisão não constitui. As irregularidades respeitantes ao processo de justificação na conservatória não podem ser invocadas através da ação judicial em que se impugne o direito que subjaz ao registo”.
[25] Antunes Varela, R.L.J., 121º, pág. 127.
[26] José Oliveira Ascensão, “Direitos Civil Reais”, 3º ed., Coimbra Editora, 1993, págs. 83 e 84.
[27] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 25 e 26.
[28] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 27 e 28.
[29] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 15 e 16, em que esquecem que nos casos em que seja celebrado negócio translativo de propriedade ou de outro direito real menor, o problema da conservação da posse, quanto ao seu elemento corpus, foi resolvido pelo n.º 1 do art. 1257º. “É o exercício efetivo dos poderes correspondentes ao direito que marca a existência e a duração da posse. Porém, para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar”. (…). A propósito da presunção do n.º 2, do art. 1257º expendem: “Desde que se prescindiu, para a manutenção da posse, de atos efetivos de atuação sobre a coisa, correspondentes ao corpus da posse, por se entender que a prática pode não os exigir do possuidor, tal como nem sempre os exige do verdadeiro titular do direito sobre a coisa, não podia o legislador deixar de admitir, em qualquer caso, a presunção da continuidade da posse da parte de quem a começou. Foi por esta razão mantida a doutrina tradicional, que tem importantes reflexos de ordem prática. Uma ação possessória, por exemplo, não havendo prova em contrário, não precisa de fundar-se senão no ato de constituição da posse. A posse futura presume-se” (destacado nosso).