Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
848/25.3T9BRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
PRAZO DO RECURSO
ERRO DE SECRETARIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO ATENDIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Decisão Texto Integral:
I - Relatório

Reclamante: AA
 (arguido);
Reclamado: MINISTÉRIO PÚBLICO;                      
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BB, veio reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., datado de 25.06.2025, que lhe não admitiu o recurso por si interposto, por intempestividade e cujo teor é o seguinte:
«Através de requerimento remetido a este processo no dia 17 de junho de 2025, o arguido interpôs recurso do despacho judicial proferido no dia 13 de maio de 2025, o qual foi notificado pessoalmente ao arguido no dia 16 de maio de 2025 e ao seu ilustre mandatário no dia 15 de maio de 2025.

Conforme estatui o artigo 74.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal da Relação no processo de contraordenação é de 10 (dez) dias.
  Tal prazo de recurso é aplicável face ao disposto no artigo 186.º do Código da Estrada.
  Relembra-se que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2009 do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de dezembro de 2008, publicado no Diário da República, I Série, de 16 de janeiro de 2009, fixou jurisprudência no sentido de que “em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respectiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime Geral de Contra- -Ordenações (RGCO).” (o texto integral poderá ser consultado online no endereço https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2009/01/01100/0038900396.pdf).
  Neste mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal de Relação de Guimarães no âmbito do acórdão datado de 25 de maio de 2015 e proferido no processo  n.º 2013/14.6T8BRG.G1, o qual correu termos na Instância Local de Braga – Secção Criminal – J....
  Ora, o recurso interposto pelo arguido foi apresentado muito após o decurso do prazo legal de dez dias, pelo que se impõe rejeitar o mesmo por manifesta extemporaneidade, nos termos do artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
Pelo exposto, decido rejeitar o recurso por intempestivo e condenar o recorrente em 02 (duas) Unidades de Conta.
  Notifique».

Segundo o reclamante, o recurso não deveria ter sido rejeitado, argumentando que o recurso foi interposto dentro do prazo que lhe foi concedido para o efeito no acto de notificação da sentença, sendo que, a haver erro da entidade notificante, tal não o deve prejudicar.
Pede que seja alterada a decisão reclamanda, vindo a ser admitido o recurso.

II - Fundamentação

As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda o seguinte:

1- Por sentença proferida em 13.03.2025, na sua parte dispositiva, o arguido, aqui reclamante, foi condenado nos seguintes termos:
«Tendo em conta as considerações de facto e de Direito supra expostas, julgo totalmente improcedente a presente impugnação judicial, mantendo nos seus precisos termos a decisão administrativa de fls. 04.       
Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 02 (duas) Unidades de Conta.  
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Notifique o arguido para, no prazo de quinze dias úteis após o termo do prazo de recurso, proceder à entrega da carta de condução no Gabinete de Atendimento ao Cidadão do Comando Distrital da Polícia de Segurança de Pública da área da sua residência, sob pena de incorrer num crime de desobediência (cfr. o artigo 160.º, n.º 3, do C.E.).  
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Após trânsito comunique, nos termos do artigo 70.º, n.º 4, do  Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro».
2- Esta sentença foi notificada ao mandatário do arguido em 15.05.2025 e ao arguido através da autoridade policial em 26.05.2025.
3- Da certidão de notificação respectiva ao arguido consta o prazo de 30 dias para o mesmo exercer o direito de recurso, fixando-se ainda nela o termo de tal prazo em 25.06.2025.
4- O requerimento de interposição de recurso deu entrada em juízo em 17.06.2025.
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Na presente reclamação discute-se a extemporaneidade ou não do recurso interposto da sentença.
O tribunal reclamado para rejeitar o recurso escuda-se na contagem do prazo de recurso, quanto ao seu termo inicial, unicamente no acto de notificação da sentença ao ilustre mandatário do arguido.
Porém, parece olvidar as implicações processuais do concreto acto de notificação para o efeito ao arguido, sujeito processual destinatário da condenação, ao ser fixado expressamente nesse acto e como data do termo final do prazo de 30 dias atribuído para recorrer o dia 25.06.2025 pela entidade notificante.
Dúvidas não restam que esta entidade - autoridade policial – procedeu à notificação do arguido para efeitos de recurso por determinação da secretaria judicial, para além de ter notificado o respectivo mandatário.
Daí que, tendo havido um erro na indicação ao arguido do prazo e seu termo (30 dias em vez de 10 dias) para recorrer, fixando-se em 25.06.2025, com a concessão de um prazo superior ao legal, tal erro não pode em qualquer caso prejudicar o arguido.
É o que resulta, desde logo, do disposto no artº 157º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artº 4º, do Código de Processo Penal (CPP).
Até porque se existe tal protecção no âmbito da lei processual civil, mais se justifica essa salvaguarda em sede processual criminal.
Tal erro na indicação do prazo para recorrer é assim imputável exclusivamente à entidade notificante, o qual, em qualquer caso, não pode prejudicar o arguido.
Com efeito, está em causa o direito de recurso, cujo exercício constitui um dos direitos constitucionais de defesa no âmbito do direito criminal – artº 32°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
Logo, a premência de se acautelar a sua tutela efectiva não se coaduna com a irrelevância dos termos da notificação do arguido, designadamente para efeitos de impugnação, por via de recurso, no que tange ao termo final do prazo para esse efeito, independentemente de ter havido a notificação ao seu mandatário.
Com a ordenada e realizada notificação ao arguido criou-se neste, em termos de homem médio, a expectativa e a confiança jurídicas de que, não sendo um acto inócuo ou inútil, os efeitos processuais daí decorrentes, como seja o prazo de reacção à decisão judicial comunicada, aproveitariam ao notificado, o arguido.
Estão em causa os princípios da confiança e da boa-fé processual.
Quer os actos jurisdicionais, quer os actos da secretaria judicial não podem ter natureza facultativa, virtual ou inofensiva, mormente em sede de notificações aos sujeitos processuais, já que tais comunicações e suas consequências estão dependentes de normas legais e são susceptíveis de criar nos seus destinatários legítimas expectativas jurídicas, como seja, no caso em apreço, o direito ao recurso.
E in casu não é pelo facto de ter havido também a notificação da sentença ao seu mandatário, com indicação de prazo distinto para o recurso que tal acto preclude os efeitos jurídicos da contagem desse prazo de recurso nos precisos termos mencionados no acto de notificação ao arguido, aqui reclamante – sendo que é este o directo destinatário da sentença condenatória e o verdadeiro titular desse direito ao recurso e não o seu mandatário.
A necessidade de boa ou má diligência processual deste, ante tal notificação, jamais pode prejudicar o arguido.
Como releva o reclamante, é este também o entendimento generalizado da jurisprudência como se depreende dos seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 14/15.6GAPTL-A.G1, de 21/03/2017: “Acresce que, a considerar-se que o acto de notificação à arguida traduz um erro de secretaria, o mesmo não a pode prejudicar - cfr. artº 157º, nº 6, do Código de Processo Civil ex vi artº 4º do Código de Processo Penal (CPP)–beneficiando do prazo mais longo para efeitos de recurso.”.

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 2825/08.0TAFAR-A.E1, de 04/11/2010: “Nestes termos e considerando que, in casu, foi expressamente indicado pela secretaria à notificanda na nota de notificação uma data para o início do prazo para requerer a abertura da instrução e constituição de assistente mais favorável (ou seja, posterior) à data da efectiva notificação, deve ser aquela levada em conta em detrimento desta.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 88/16.2PASTS-A.S1, de 30/11/2017: “A regra estabelecida pelo n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, aplicável no processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, como ocorre com o estabelecido no n.º 3 do artigo 191.º do CPC”,
- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2019 de 26/09/2019, relativo ao processo n.º 1150/2017: “O n.º 6 do artigo 157.º estabelece uma cláusula geral impeditiva do cerceamento dos direitos processuais das partes por conta de erros imputáveis à secretaria. Aliás, para que possa dizer-se equitativo e modelado para garantir uma tutela jurisdicional efetiva, nenhum processo pode prescindir do respeito pelos princípios da boa fé e da leal cooperação na relação entre as partes, e entre estas e o tribunal (v. os artigos 7.º e 8.º do Código do Processo Civil e o Acórdão n.º 183/2006). À luz desses padrões de conduta, é razoável exigir ao Estado que se iniba de retirar consequências dos vícios ou irregularidades que,  sendo inteiramente imputáveis  ao        seu      braço administrativo, determinam a eliminação de oportunidades ou vantagens processuais”.

Pelas razões aduzidas, o dies ad quem do prazo de interposição de recurso ocorre na data fixada para esse efeito na certidão de notificação da sentença recorrida ao arguido através da autoridade policial, ou seja, em 25.06.2025.
Como tal, o recurso é tempestivo.

III. Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão de recurso, se não houver outros fundamentos que obstem a tal.

Sem custas.
Guimarães, 02 de Outubro de 2025.

O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,

António Júlio Costa Sobrinho