Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | LUÍS MIGUEL MARTINS | ||
| Descritores: | INVENTÁRIO PARTILHA ANTERIOR BEM PRÓPRIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | Um bem adjudicado a um dos ex-cônjuges na sequência de processo de partilha em divórcio, em que a partilha apenas se concretiza na constância de subsequente casamento é um bem próprio por virtude do disposto no art. 1622.º, n.º 1, al c) e 1622.º, n.º 2, al. a) do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - RELATÓRIO No âmbito do presente processo de inventário, instaurado na sequência do falecimento de AA, em que desempenha as funções de cabeça de casal BB, que foi cônjuge do inventariado em segundas núpcias e em que são interessados os filhos daquele, CC e DD, veio a mesma apresentar relação de bens, da qual, na parte que ora importa considerar, consta o seguinte: “Bens Imóveis Verba Nº 5 Prédio urbano sito na Rua ..., ..., ... da freguesia ..., inscrito na matriz urbana ...57, e na descrição predial ...16, conforme caderneta predial urbana e certidão permanente a Conservatória do Registo Predial ..., que se juntam, com o valor patrimonial de € 90.211,68.”. Foi apresentada pelo interessado DD reclamação à relação de bens, mas que não incidiu sobre o imóvel supra descrito. Decidida a reclamação à relação de bens, foi proferido despacho a dar forma à partilha, nos seguintes termos: “Forma à partilha Nos presentes autos, procede-se ao inventário por óbito de AA, cfr. fls. 10. O inventariado faleceu em ../../2019, no estado de casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com BB, cfr. fls. 13, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros, além da sua cônjuge, os seus 2 filhos, a saber: 1. CC, casado no regime de comunhão geral de bens com EE, 2. DD, solteiro. O inventariado deixou testamento, cfr. fls. 18 e ss., onde legou à sua cônjuge, BB, por conta da quota disponível, o usufruto vitalício de toda a sua herança, bem como instituiu herdeira do remanescente da quota disponível da sua herança, a sua cônjuge, BB. * Assim, proceder-se-á à partilha dos bens da mencionada herança do seguinte modo:A herança é composta pelos bens descritos na relação de bens de fls. 5verso e ss., decisão de fls. 172. Somam-se os valores de todos os bens relacionados, com os eventuais aumentos provenientes do acordo dos interessados ou das licitações se às mesmas houver lugar. # O valor da herança do inventariado, dividir-se-á em duas partes iguais, constituindo uma delas a meação da sua cônjuge, BB, cfr. artigo 1730.º do CC. A meação do inventariado, divide-se, por sua vez, em três partes iguais, sendo uma, correspondente a 1/3, respeitante à quota disponível, e da qual integra o usufruto vitalício de toda a sua herança e que pertence à sua cônjuge, BB, e o remanescente da quota disponível pertence à sua cônjuge, BB, e o remanescente correspondente a 2/3, será, por sua vez, dividido em três partes iguais, correspondendo uma destas à cônjuge sobreviva, BB, sendo que a parte restante dividir-se-á em duas partes iguais, tantas quantos os filhos do inventariado, adjudicando-se cada uma dessas partes a cada um deles, cfr. artigo 2133.º, 2139.º, 2156.º, 2157.º, 2159.º do Código Civil. *** No preenchimento dos respetivos quinhões ter-se-á em consideração oacordado/licitado/sorteado em sede de conferência de interessados.”. * Inconformados, os interessados DD e CC, interpuseram recurso do segmento decisório em que considerou o descrito imóvel como bem comum, apresentando as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:“A – Dos bens do inventariado a partilhar, o bem imóvel (verba n.º 5) foi adquirido na constância de matrimónio anterior; B – Os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem à data de propositura da acção; C – Na pendência da acção de partilha dos bens do casal, o inventariado voltou a celebrar novo matrimónio com BB, tendo o referido imóvel sido adjudicado ao inventariado; D – Tal imóvel constitui património próprio do inventariado (e não património comum do casal), na medida em que resulta de direito próprio anterior (art.º 1722º, 1 – c) e 2 – a) do CC); E – Sendo bem próprio do inventariado e tendo os cônjuges casado no regime de comunhão de adquiridos, não há lugar à meação; F – Como tal deve o imóvel ser “dividido” em 3 partes, no que respeita à quota indisponível, cabendo uma terça parte a cada um dos herdeiros. G – Entendimento absolutamente pacifico e corroborado quer pelo Acórdão do douto Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.11.2010, que refere: (…) É a regra do casamento sob um regime de comunhão de bens a funcionar: sendo o casamento uma comunhão de vida, a comunhão tende a estender-se a todos os bens adquiridos na constância do matrimónio. Daí que as mencionadas alíneas do n.º 2 do artigo 1722.º do Código Civil, devam ser interpretadas à luz deste princípio, pois a unidade do ordenamento jurídico reclama a coerência entre as diversas leis pelo que, pressupõe-se que aquelas que vigoram cumprem esta regra. Nas mencionadas quatro alíneas o legislador dá-nos exemplos de casos por ele valorados em que os bens, apesar de serem adquiridos na constância do casamento, são próprios de um dos cônjuges. Estamos perante situações que preenchem o conceito de direito próprio anterior justificador, para o legislador, na natureza própria em vez de comum, cumprindo, por isso, verificar que propriedades estes exemplos têm em comum, de forma a chegar ao conteúdo que define o conceito «direito próprio anterior». Na al. a) alude-se a bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele, como é o caso, por exemplo, da herança indivisa atribuída antes do casamento, mas partilhada depois dele. Nas palavras dos Profs. Pires de Lima/Antunes Varela, «Trata-se, aliás, de solução que rigorosamente se coaduna com a retroactividade da partilha, prescrita no artigo 2119.º». Alude-se nesta alínea à existência de direitos que uma vez exercidos conduzem à aquisição de bens fazendo retroagir os efeitos da aquisição a um momento temporal pretérito. O que significa, então, que se trata de direitos totalmente gerados e formados antes do casamento, mas que, por qualquer razão particular, apenas se exercem já durante o casamento (…). H – Quer pelo Acórdão de 12 de outubro de 2010 do douto Tribunal da Relação de Guimarães, do qual se transcreve o seguinte: (…) O divórcio dissolve o casamento e faz cessar as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges (cfr. art.ºs 1688.º e 1788.º do CC). No entanto, apesar dos efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que o decretou, a consequente cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges retroage à data da propositura da acção de divórcio, salvo se, a pedido de qualquer dos cônjuges, a sentença declarar data anterior como da ocorrência da separação de facto entre eles, caso em que os efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges retroagem a esta data (cfr. n.ºs 1 e 2 do art.º 1789.º do CC). Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, cada um deles, ou os respetivos herdeiros, recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património, bem como o que dever ao outro cônjuge (cfr. art.º 1689.º, n.ºs 1 a 3, do CC). A partilha dos bens do casal desdobra-se na subsequente ordem de operações: entrega dos bens próprios; conferência das dívidas dos cônjuges à massa comum; partilha dos bens comuns (cfr. Antunes Varela, em Código Civil Anotado, em anotação ao art.º 1689.º, Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, Almedina, 1980, vol. III, pág.396, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em Curso de Direito de Família, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2003, vol. I, pág. 469 a 490). No inventário para partilha dos bens do casal não se relacionam os bens próprios de cada cônjuge (cfr. Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, Almedina, 1980, vol. III, pág.372, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em Curso de Direito de Família, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2003, vol. I, pág. 470, e Eduardo dos Santos, em Direito da Família, Almedina, 1999, pág. 398 e 399). Sobre a partilha dos bens dos cônjuges, ensinam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em obra e local citados, que, em primeiro lugar, tem de fazer-se a separação dos bens próprios de cada cônjuge. Estes pertencem individualmente aos seus titulares e não carecem, em rigor, de qualquer intervenção; separam-se para que as operações subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim, carecem de divisão. A separação de bens próprios é, portanto, um simples pressuposto, uma operação ideal de exclusão, que não se documenta, nem deixa rasto. Ela só serve para que a atenção dos interessados na partilha se concentre apenas no activo e no passivo comuns, que precisam de ser partilhados (…). I – Ainda que se entenda que a “aquisição” da metade do imóvel por parte do inventariado resultou de um esforço patrimonial comum do casal, só e apenas essa metade poderia ser sujeita a meação; J – Sem prejuízo, também aqui seria de aplicar o disposto no art.º 1727ª do CC, adquirindo aquela também a qualidade de bem próprio. K – O douto despacho recorrido viola, pois, o legalmente estatuído, concretamente, o disposto nos artigos 1722 e 1727 ambos do Código Civil, que se deixa expressamente alegado para os devidos efeitos e legais consequências. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que dê nova forma à partilha, considerando o bem imóvel como bem próprio do inventariado e, como tal, não sendo sujeito a meação, assim se fazendo inteira e sã justiça.”. * A recorrida cabeça de casal apresentou contra-alegações, sendo que a rematar as mesmas formulou as seguintes conclusões:[…] * O recurso foi admitido como de apelação a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II - QUESTÕES A DECIDIRTendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil), a questão a decidir no presente recurso de apelação é a de saber qual natureza do bem imóvel relacionado sob a verba n.º 5, isto é se era bem comum do extinto matrimónio constituído pelo inventariado e pela cabeça de casal ou se era bem próprio do inventariado. * III - FUNDAMENTAÇÃOOs factos a considerar, que resultam dos documentos juntos e constam dos autos, para os presentes efeitos, são os seguintes: 1 - A ../../2019 faleceu inventariado AA, no estado de casado com a cabeça de casal BB; 2 – O inventariado casou com BB, em segundas núpcias dele e primeiras núpcias da aqui requerente, em 13/5/2006, sem convenção antenupcial; 3 - deixou como herdeiros, o seu cônjuge e dois filhos do seu primeiro casamento, CC, casado sob o regime da comunhão geral de bens com EE, e DD, solteiro; 4 - O inventariado deixou testamento, em que legou ao seu cônjuge, BB, por conta da quota disponível, o usufruto vitalício de toda a sua herança, bem como a instituiu herdeira do remanescente da quota disponível da sua herança; 5 - Em primeiras núpcias, o inventariado foi casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio; 6 - Na partilha subsequente ao divórcio, na constância do casamento com a cabeça de casal foi adjudicado ao inventariado o seguinte bem imóvel descrito como a verba n.º 5 da relação de bens (registado a seu favor desde ../../2010): Prédio urbano sito na Rua ..., ..., ... da freguesia ..., inscrito na matriz urbana ...57, e na descrição predial ...16, conforme caderneta predial urbana e certidão permanente a Conservatória do Registo Predial ..., que se juntam, com o valor patrimonial de € 90.211,68. * IV - DO OBJETO DO RECURSODe acordo com o art. 1698.º do Código Civil que estabelece o princípio da liberdade de escolha do regime de bens do casamento: “Os esposados podem fixar, na convenção antenupcial, dentro dos limites da lei, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos na lei, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver.”. Porém, podem nada convencionar quanto ao regime de bem do casamento, valendo neste caso o 1717.º do Código Civil, que supletivamente fixa que também neste caso que vigora o regime da comunhão de adquiridos. O inventariado e a cabeça de casal casaram sem convenção antenupcial, pelo que casaram no regime da comunhão de adquiridos, conforme consta da decisão recorrida. Neste regime há ou pode haver bens comuns e bens próprios de cada um dos cônjuges. Este regime distingue-se do da comunhão geral, porque enquanto neste regime, em princípio são comuns todos os bens dos cônjuges, presentes e futuros (cfr. art. 1732.º do Código Civil), no regime da comunhão de adquiridos a regra geral é que nem os bens levados para o casal nem os adquiridos a título gratuito se comunicam, nem tão pouco os adquiridos por virtude de direito próprio anterior (cfr. art. 1722.º, n.º 1 do Código Civil). Já são considerados bens comuns o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei e que por regra serão os bens adquiridos a título oneroso, desde que se reconduzam à regra geral de não se mostrarem excetuados legalmente. (cfr. o art. 1724.º do Código Civil). No caso, temos que o inventariado, estando já casado com a cabeça de casal, após partilha na sequência de divórcio dum anterior casamento foi-lhe adjudicado o imóvel relacionado nos presentes autos como a verba n.º 5, estando tal imóvel registado apenas a seu favor e muito bem porque se trata de um bem que era próprio do inventariado, como a seguir se passa a explicar. De acordo com art. 1722.º, n.º 1, al. c) do Código Civil, consideram-se bens próprios os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude do direito próprio anterior, esclarecendo o n.º 2, al a), que ora importa considerar, que consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum, os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele. Interpretando este segmento normativo, dizem Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, volume I, 5ª edição, pág. 603 que: “Consideram -se adquiridos por virtude de direito próprio anterior os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele. Na verdade, o que releva é o direito adquirido sobre o património ilíquido, e é no momento da aquisição deste direito que se fixa o seu conteúdo; a partilha não passa de uma concretização do direito anterior, que não acrescenta nem diminui a posição jurídica que o titular já detinha. Assim, o bem concreto que aparece de novo, depois do casamento, não é mais do que uma representação do valor que já estava no património do cônjuge adquirente antes do casamento e que, portanto, deve continuar no seu património exclusivo. Por outras palavras, pode dizer -se que o bem concreto fica sub-rogado no lugar da quota anterior, através da substituição mais direta e patente que se pode congeminar.”. Note-se que a lei salvaguarda a possibilidade de compensação ao património comum, ou seja nos casos em que de alguma forma a aquisição do bem na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior, implica um esforço patrimonial do património conjugal. Ora, os bens comuns dum casamento dissolvido pelo divórcio entram nesta categoria de património ilíquido a partilhar por virtude do termo das relações patrimoniais, sendo que cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges por virtude do divórcio cada um deles recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo cada um deles o que dever a este património bem como o que dever ao outro cônjuge (cfr. arts. 1688.º e 1689.º, ambos do Código Civil). Note-se ainda que os efeitos do divórcio retroagem, pelo menos à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo, ademais, que se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado (cfr. art. 1789.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil). Revertendo o exposto à situação dos autos temos que com o divórcio termina a comunhão conjugal, passando a existir uma comunhão pós-conjugal até à partilha dos bens, deixando neste ínterim designadamente de se aplicar as regras do casamento quanto à administração dos bens ou da ilegitimidade, sendo antes aplicáveis as regras da compropriedade por virtude do art. 1404.º do Código Civil, sendo ainda que não podem dispor da metade em concreto de cada um dos bens que eram comuns, pois antes da partilha não se sabe com que bens virá a ser integrada a meação de coda um dos ex-cônjuges (cfr. a este respeito, Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 1ª ed. págs. 286 e 287). Tais asserções mostram-se intimamente conexionadas com a regra da metade plasmada no art. 1730.º do Código Civil que atribui a cada cônjuge o direito a metade do valor do património comum, do ativo e do passivo, considerando-se nulas todas as estipulações em sentido diverso. O direito a metade é, assim, o direito ao valor de metade e não a metade de cada bem em concreto. A situação em causa é para os presentes efeitos àquela em que existe uma herança indivisa, também aqui existe um património ilíquido, sendo que por virtude do já referido art. 1722.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, al. a) se trata de um bem próprio do cônjuge quando um dos cônjuges foi chamado à sucessão antes do casamento, mas a partilha foi realizada após o casamento (cfr. neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado e Comentado, 2ª ed., pág. 423, Maria Margarida Silva Ferreira, Direito da Família, 4.ª ed., 2023, págs. 549 e 550 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/11/2010, processo n.º 2347/08.9TJCBR.C1, relator Alberto Ruço, consultável em www.dgsi.pt). Por outo lado, ainda que para a adjudicação do bem em causa pertencente ao que foi património comum do primeiro casamento do inventariado tivesse sido utilizado património comum do segundo casamento celebrado com a cabeça de casal tal não tem de todo o condão de tornar o bem em causa património comum, pois que só constitui património comum, para além do produto do trabalho dos cônjuges, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (art. 1724.º do Código Civil) e no caso o art. 1722.º, n.º 1 al. c) e n.º 2, al. a) considera como património próprio os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior, nomeadamente como, sucede o caso vertente, os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele). O direito que o património comum poderá ter será o direito a uma compensação, naturalmente, desde que devidamente reclamada pelos meios próprios e provada, conforme se giza no proémio do n.º 2 do art. 1722.º do Código Civil. Note-se, ainda, que ao caso é evidentemente inaplicável o art. 1724.º, al a) do Código Civil que considera bem comum o produto do trabalho dos cônjuges, ao contrário do que defende a recorrida nas suas contra-alegações de recurso, em que refere que os 50% do bem em causa (que não existia mas sim uma quota ideal, como vimos) foram adquiridos com o produto do trabalho dos cônjuges. O produto do trabalho dos cônjuges não é o que se adquire com esse produto, mas antes os rendimentos derivados desse labor. Assim o vencimento é produto do trabalho, mas já não é produto do trabalho o que se adquire com esse vencimento, pelo que a situação em apreço cairia na al. b) do art. 1724.º, mas, como já deixámos dito e explicado, esses bens assim adquiridos na constância mostram-se excecionados pelo art. 1722.º, n.º 1 al. c) e n.º 2 al. a) do Código Civil, sendo por isso bens próprios, sem prejuízo da compensação que haja de ter lugar ao património comum. Mas ainda que assim não fosse e se considerasse, como também pretende a recorrida, que o imóvel objeto de litígio fosse em parte considerado bem próprio do inventariado e em parte bem comum, por na versão (errada, como vimos) 50% do mesmo ter sido adquirido com vencimentos no casal, a verdade é que então teríamos de chamar à colação o art. 1727.º do Código Civil, que dispõe que: “A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respetiva aquisição.”. Efetivamente, apesar de o património comum não ser compropriedade, ao património comum pós-conjugal aplicam-se, como já deixámos dito, as regras da compropriedade, pelo que também por esta via de raciocínio, assente nas premissas incorretas esgrimidas pela cabeça de casal, sempre o imóvel em causa seria próprio. Por todo o exposto, o imóvel em causa era um bem próprio do inventariado e assim deve ser considerado na forma à partilha que deverá ser reformulada em conformidade. Assim, o recurso procede totalmente. A recorrida suportará as custas, sem prejuízo do poio judiciário de que beneficie – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. * V - DISPOSITIVOPelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que considerou o imóvel relacionado sob a verba n.º 5 como bem comum, devendo ser considerado que o mesmo era próprio do inventariado, assim se reformulando a forma à partilha. As custas serão suportadas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. * Guimarães, 9/10/2025 Relator: Luís Miguel Martins Primeira Adjunta: Margarida Pinto Gomes Segunda Adjunta: Anizabel Sousa Pereira |