Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
| Descritores: | APELAÇÃO AUTÓNOMA TRÂNSITO EM JULGADO NULIDADE PROCESSUAL PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO PATRIMÓNIO COMUM DO CASAL OBRAS EM BEM COMUM | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - Quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal. II – O processo integra um conjunto de atos, que podem ser vistos sob dois prismas: como trâmite, isto é, como ato pertencente a uma tramitação processual e como ato do tribunal, enquanto expressão de uma decisão judicial. A violação do primeiro consubstancia uma nulidade processual, ao passo que o segundo traduz uma nulidade da sentença, e um e outro comportam regimes, meios de arguição e consequências diferentes. III - Se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso; a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial (mantém-se a atualidade do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”). IV- O princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito a incidir ativamente no desenvolvimento do processo. V - Não ocorre ofensa a tal princípio, materializado numa efetiva tutela jurisdicional, quando ao recorrente foi assegurada em pleno, a dedução da ação e exercício na mesma dos seus direitos e faculdades, como disso é exemplo a possibilidade de requerer os meios de prova que entender, na certeza de que tal conclusão não é infirmada, minimamente, pelo indeferimento desses ou algum desses meios de prova, consequência que não atenta, nem colide, com o direito a um processo equitativo. VI - A nossa lei civil não regula especificamente o regime aplicável ao património comum do casal no período entre a dissolução do casamento e a partilha, podendo admitir-se que as regras da compropriedade são adequadas para resolver a generalidade dos problemas que a comunhão pós-conjugal apresenta. VII - O ex-cônjuge não tem o direito a realizar obras num bem comum entregue a título de casa de morada de família ao outro ex-cônjuge, a não ser que se trate de obras urgentes e necessárias e se obtenha o consentimento (ou suprimento deste). | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I- RELATÓRIO AA propôs a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo a condenação da ré no pagamento de obras de reparação e reabilitação urgentes e necessárias realizar em moradia, disponibilizando-se o autor, desde já, a efetuá-las. Para tanto, alega que é dono de uma moradia, que está entregue por decisão judicial à ré, mas que esta abandonou e que não conserva nem faz manutenção, ocorrendo deterioração grave e dispendiosa da sua estrutura e equipamentos e, consequentemente, a sua desvalorização. * A ré contestou pugnando pela improcedência do peticionado.Para tanto, alega que esta ação reproduz o procedimento cautelar que se encontra apenso e que foi julgado improcedente; reflete a má fé processual do autor – cuja condenação peticiona -, por omitir e alterar factos com propósito de obter decisão favorável ao seu interesse verdadeiro: recuperar a posse da moradia e continuar a persecução que faz à ré desde o divórcio. Mais impugna os factos alegados sobre o abandono e falta de manutenção, bem como os estragos identificados na estrutura e equipamentos da moradia, assim como o valor, a urgência e a essencialidade das obras invocadas. * Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:* «Pelo exposto, julga-se improcedente a presente ação proposta por AA e, consequentemente, decide-se absolver a Ré, BB, do peticionado. Mais se decide condenar o Autor, AA, como litigante de má fé: a. no pagamento de multa no valor de 8UC’s, ao Estado; b. no pagamento de indemnização, à Ré, no valor das custas processuais que a Ré tenha despendido com os autos e no valor de € 1.500,00 a título de honorários devidos a Il. Causídico para a representação desta em juízo. Decide-se ainda condenar o Autor no pagamento das custas processuais que sejam devidas, atenta a proporção do seu decaimento (100%) (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possa beneficiar).» * Inconformado com a sentença, dela vem o autor interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:[…] NN. Acima de tudo, e independentemente da viciação dos relatórios técnicos apresentados pelos Peritos, perante todo o supra exposto houve cerceamento efetivo do direito de defesa ao recusar-se meio probatório fundamental (ART.º 3.º e ART.º 201.º do CPC) e isso gerou prejuízo na formação da convicção (ART.º 203.º, N.º 2, do CPC). OO. Ora, o indeferimento da prova por inspecção judicial por se traduzir na omissão de um ato ou formalidade legal que influiu no exame ou na decisão da causa consubstancia uma nulidade de sentença nos termos do ART.615. º, N.º 1, al. d) do CPC, ou mediante conclusões de recurso invocando tal vício. PP. Além disso, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula também por via da aplicação do N.º 1 do ART.195. º do CPC”, não configurando uma nulidade específica da sentença. QQ. A própria decisão é nula ainda por violação dos limites da pronúncia do tribunal, ou seja, ao decidir sem contraditório, o juiz conhece de questões que não podia apreciar ab initio (por não terem sido submetidas a debate), incorrendo em nulidade da sentença por excesso de pronúncia (ART.º 615.º, N.º 1, al.d) in fine, do CPC RR. Contudo, se o Colendo Tribunal assim não o entender, e subsidiariamente deve ainda o Venerando Tribunal da Relação anular a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos à primeira instância para renovação da produção de prova omitida. SS. Nomeadamente, requer-se que seja realizada inspeção judicial ao local (imóvel comum), complementada com as demais diligências probatórias que se afigurem necessárias, seguindo-se repetição ou reabertura da audiência final e prolação de nova sentença que supra as nulidades identificadas e decida a causa com pleno conhecimento de todos os factos juridicamente relevantes. Pugna o recorrente pela procedência do recurso e, consequentemente, seja declarada nula a sentença recorrida, ordenando-se a realização das diligências probatórias indicadas. * A Recorrida não apresentou contra alegações.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOAs questões a decidir que ressaltam das conclusões do recurso interposto são as seguintes: - admissibilidade de recurso de decisão interlocutória, sujeito a apelação autónoma, com a sentença final; - se ocorre nulidade processual, nulidade da sentença e violação do principio do contraditório e do processo equitativo; - se foram observados os requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto e se a mesma deve ser modificada; - saber qual o regime legal aplicável ao património comum do casal entre a dissolução do casamento e a partilha; - se o autor litigou de má fé. * III- FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. O Autor, conjuntamente com a Ré, são donos, por compra titulada por escritura pública datada de 27.05.2010, de uma realidade predial, composta de casa de ..., andar e logradouro, sita Rua ..., ..., freguesia ..., concelho .... 2. A realidade predial id. em 1 foi, outrora, a casa de morada de família do Autor e Ré, enquanto casal. 3. No âmbito do processo de divórcio do casal (n.º 1765/16.3T8BRG), foi proferida decisão judicial transitada em julgado que atribuiu à Ré a realidade predial id. em 1., para aí viver até à partilha dos bens do casal. 4. Não obstante 3, o Autor não procedeu à entrega voluntária da referida casa, tendo a Ré instaurado processo de execução para entrega da mesma. 5. Após o divórcio (3.), o Autor intentou incidente de alteração da atribuição da casa de morada de família (Proc 1765/16.3T8BRG – Apenso I), alegando, em síntese, que a Ré não a habitava e que precisava da mesma para habitar, por não dispor de condições económicas para pagar uma renda. 6. Neste incidente foi proferida decisão a 03.07.2019, que julgou improcedente o incidente e determinou que o Autor entregasse a casa à Ré para que esta efetivamente pudesse ali viver. 7. O Autor recorreu desta decisão, tendo o Tribunal da Relação proferido decisão a 14.11.2019, julgando improcedente o recurso e mantendo a decisão da 1.ª instância. 8. No âmbito do processo executivo referido em 4., a entrega da moradia à Ré concretizou-se a 24.02.2020. 9. A 06.05.2020, o Autor intentou novo incidente para alteração da atribuição da casa de morada de família (Proc 1765/16.3T8BRG – Apenso K), 10. No âmbito deste incidente (Apenso K), foi proferida sentença, a 01.2.2021, donde constam dados como provados, entre outros, os seguintes factos: «1 - Na sentença proferida em 03/07/2019 no apenso I, já transitada em julgado, foi decidido julgar improcedente o presente incidente e determinar que o requerido proceda à entrega da casa de morada de família à requerida para esta aí residir com os filhos até à partilha, no prazo de 10 dias, daí retirando todas as suas pertenças; 5 - A entrega da casa foi concretizada em 24.02.2020. 6 - Desde então, a Requerida não ocupou a casa de morada de família; (…) 11 - No dia 05 de Maio de 2020, o Requerido deslocou-se a casa dos pais da Requerida e, quando estava à porta dessa casa, na presença dos filhos, verbalizou para a mãe da Requerida, que se encontrava no jardim, da residência, “está a ver este camião? Ela vai ficar debaixo dele”, “essa vaca”, “essa puta”, “és uma puta, uma vaca, és uma ladra”, “é mentira o que estou a dizer, sua puta, sua vaca? 12 - A Requerida ouviu o que foi dito pelo Requerido e ficou com receio de ficar sozinha em casa, designadamente na casa de morada de família, em ...; (…) 17 - A casa de morada de família necessita de reparações no tecto da sala, bem como no deck, designadamente no de acesso aos quartos, pois a tela está rebentada e levantada; 18 - É igualmente necessário que se proceda ao corte da vegetação, à manutenção da água da piscina e à reparação da cobertura da piscina que não ficou a funcionar bem. (…) 21 - Apesar das reparações de que necessita, a casa de morada de família oferece condições de habitabilidade; 22 - Desde o Verão de 2020, a Requerida tem passado os fins-de-semana na casa de morada de família, em .... (…) 27 - A Requerida declarou na audiência de julgamento que pretende ocupar a casa de morada de família dentro de poucos meses, quando as obras estiverem realizadas.» … E não provados os seguintes factos: b. A requerida não se desloca sequer à casa de morada de família para proceder aos atos tendentes à conservação e limpeza da mesma.» 11. No âmbito deste incidente (Apenso K), a sentença de 01.2.2021 foi confirmada pelo STJ, por acórdão de 20.05.2021, que julgou improcedente o incidente e decidiu não alterar a atribuição da casa de morada de família à Requerida para esta viver com os filhos até à partilha. 12. No âmbito deste incidente (Apenso K), na sentença proferida a 01.02.2021, fundamentou-se a aplicação do direito aos factos do seguinte modo (e no que ora releva): «mas os factos apurados não nos permitem concluir que se trata de uma situação permanente e que a Requerida não tem o propósito de residir naquela casa. Muito pelo contrário. O que resulta da materialidade apurada, que o Requerente não infirmou, é que a situação em que se encontra a Requerida e que não lhe permitiu até ao momento ocupar a casa de família é conjuntural. Com efeito, a Requerida ainda não ocupou a referida casa por três motivos: por ter receio do Requerente (a Requerida – com razão – tem medo de ficar sozinha em casa, o que bem se compreende atentas as ameaças de morte e os insultos que o Requerente lhe dirige (…); por ser necessário realizar algumas obras, não obstante não afectarem a sua habitabilidade, impedem o uso de todas as funcionalidades (o que pode ser mais difícil no contexto de pandemia da doença Covid-19); por ter sido confrontada com a necessidade de prestar apoio aos seus pais, em virtude das doenças graves que acometeram a sua mãe.» 13. Em set/2021, o Autor intentou novo incidente para alteração da atribuição da casa de morada de Família, dando origem aos autos n.º 1765/16.3T8BRG- Apenso M. 14. No âmbito do Proc. n.º 1765/16.3T8BRG- M, foi proferida sentença, a 04.12.2021, na qual se julgou «…verificada a excepção dilatória de caso julgado, decide-se absolver a requerida da instância - cfr. art.º 576.º, n.º 2 do C.P.Civil». 15. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 21.04.2022. 16. A 05.07.2022, o Autor propôs procedimento cautelar comum contra a Ré, com o n.º 3679/22.9T8GMR (apenso agora aos presentes autos), requerendo o decretamento de providencia para «a realização de obras urgentes de modo a salvaguardar o património e o contínuo avolumar de danos e prejuízos, (…) prontificando-se a efetua-las, desde já.» e «no valor de € 155.336,53.» 17. Neste procedimento, com contraditório prévio, foi dado como indiciariamente não provado que: «a) a casa de morada de família está inabitada há mais de 2 anos; b) e porque abandonada nos cuidados excepcionais de manutenção periódicos de que carece, pelas suas próprias caraterísticas e equipamentos, impõe-se a reabilitação urgente do interior e exterior da moradia. c) Destaca-se desde já aqui: as graves infiltrações de águas pelos telhados, afetando os tectos onde não se consegue sequer saber a origem das insidiosas infiltrações. d) Estas infiltrações estão a degradar toda a habitação de uma forma destruidora. e) O teto da sala que à data de saída do Requerente tinha tão somente iniciado os primórdios da sua reparação, tendo de ser refeito na sua completude, por infiltração decorrida desde fevereiro de 2020, estava àquela data orçamentada em alguns milhares de Euros, para eficaz reparação, refazendo o teto, com consequente reposição e envernizamento do regoado de madeira no pavimento da sala em madeira nobre. f) Devido ao perpassar do tempo, mais de 2 anos sem a casa ser limpa e arejada diariamente, induziu a agravar essas condições de manifesta degradação. g) Ar condicionados necessitando de urgentemente substituir os filtros e efetuar a manutenção regular com um custo estimado na ordem de centenas de euros no mínimo. h) Pintura geral interior devido a retenção de humidades por condensação, induzidas pelo não arejamento necessário da habitação, e seu abandono fechada. i) Pintura e conservação de todos os muros exteriores envolventes, totalmente degradados. j) Manutenção regular do jardim e quintal compreendendo poda e tratamento de árvores, manutenção reposição e corte das relvas, eliminação de vegetação parasita. k) Sevilhana gravemente danificada por não ter sido acautelado o seu fechamento, induzindo a que o vento a destruísse irremediavelmente, esta, com um custo aproximado expresso em largas centenas de euros. l) Churrasqueira partida, gravemente danificada, mas assinalando-se aqui que foram furtadas as grelhas e outos acessórios da mesma, com um custo de reparação estimado em largas centenas de euros. m) Mesa, 6 cadeiras e um conjunto de sofás de jardim completamente danificados por estarem expostos às intempéries sem qualquer protecção, mormente por não terem sido cobertos com as capas que o Requerente, mandou fazer por medida e que, no devido tempo, não foram aplicadas acautelando a sua conservação. n) Piscina: a água da piscina teria de ser vazada, efectuada a sua integral limpeza e desinfecção, substituir ainda a areia do filtro e manutenção da maquinaria da piscina, sempre na casa de milhares de euros. o) Os painéis solares teriam de efectuar revisão e manutenção por estarem sem qualquer uso, pesquisando-se eventuais avarias, manutenção esta sempre com um custo sempre elevado. p) DEC à volta da piscina e escadas todo danificado por empeno e degradação, devido a falta de manutenção, este equipamento orça em alguns milhares de euros para ser refeito. q) As intervenções mais urgentes e que salvaguardam a componente estrutural do edifício está plasmada no orçamento apresentado, como Doc. n. 3. (…)» 18. No procedimento cautelar n.º 3679/22.9T8GMR, motivou-se assim a matéria de facto não provada: «Em traço grosso, a materialidade factual carreada pelo Requerente com vista a suportar a sua pretensão divide-se em duas partes: (i) os danos graves sofridos pela moradia em consequência da falta de manutenção da Requerida; e (ii) as obras necessárias e urgentes à reparação de tais danos. Ora, quanto ao primeiro daqueles pontos, o Tribunal viu-se confrontado com duas versões substancialmente distintas – e incompatíveis - dos factos. Na ponderação de ambas à luz dos elementos probatórios disponíveis, tornou-se indispensável efectuar uma valoração que, a final, viesse a reflectir a verdade mais provável, permitindo validar uma das teses, ou uma tese mitigada ou até nenhuma delas. (…) No caso vertente, em relação à existência dos danos, a prova apresentada pelo Requerente fundou-se única e exclusivamente nas suas próprias declarações de parte. Ora, sobre o valor probatório das declarações de parte dispõe o n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C., que o “tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. Naturalmente, apesar de sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, a valoração deste meio deverá sempre revestir-se de algumas cautelas. (…) No caso vertente, as declarações de parte do Requerente AA apresentaram-se pouco merecedoras de credibilidade e, sobretudo, não surgiram apoiadas por qualquer outro elemento de prova. Com efeito, o discurso daquele afigurou-se incoerente e até algo desajustado, assumindo uma postura vitimizadora, mas pontuada por acusações agressivas à Requerida. Foi notória a falta de suporte relativamente ao conhecimento dos apontados danos na moradia, pois o Requerente declarou não ter lá entrado depois da sua entrega à Requerida, em Fevereiro de 2020. Embora tenha aludido vagamente a umas imagens colhidas por drone e a umas fotografias, ficou por esclarecer quem as colheu, quando e como. Em todo o caso, tais imagens ou fotografias não foram juntas aos autos, pelo que o seu valor probatório é nulo. Foi ainda afirmado pelo Requerente que o mau estado da casa e dos electrodomésticos lhe havia sido comunicado pelo seu filho. Porém, já na parte final das suas declarações, referiu, em passagem, que não tinha qualquer relação com o seu filho em virtude de este “ter mentido” num outro processo judicial, numa manifestação da incoerência do seu discurso. De resto, a prova dos danos apontados pelo Requerente assentou muito em suposições e hipotéticos processos de degradação dos materiais e equipamentos, sem que se lograsse descortinar, em concreto, qualquer dano efectivo e actual na moradia.(…) » 19. A 06.10.2022 foi proferida decisão neste procedimento cautelar n.º 3679/22.9T8GMR, que julgou improcedente o procedimento e absolveu a aqui Ré do pedido. 20. Esta decisão transitou em julgado a 25.10.2022. 21. Na moradia, verifica-se que: a. O toldo da sevilhana encontra-se rasgado e necessita de ser substituído. b. A churrasqueira tem a chaminé partida e não está em funcionamento. c. o deck precisa de ser tratado, por apresentar juntas dilatadas e tábuas deformadas, d. a relva do jardim deve ser cortada, eliminando-se vegetação parasita. 22. A manutenção/reparação do supra referido terá um custo de cerca de € 8.000,00. 23. A Ré encontra-se a residir no imóvel. 24. Em janeiro de 2021, a Ré contratou um picheleiro para resolver o problema de infiltração na casa de banho e que gerou humidade num canto da sala, que resolveu aparentemente o problema em setembro de 2021. 25. Em maio de 2022 voltaram a aparecer umas manchas no tecto da sala. 26. O tecto da sala já não apresenta sinais de humidades. 27. A Ré adjudicou a CC a reparação do pavimento da sala junto à janelas e do deck. 28. Os equipamentos da piscina foram reparados e estão em funcionamento. 29. Os painéis solares têm manutenção e estão em funcionamento. 30. Os ares condicionados têm manutenção e funcionam. 31. O muro traseiro da casa apresenta algumas fissuras, tendo havido obras com movimentação de terras em terreno vizinho. 32. A Ré já diligenciou junto do proprietário vizinho pela reparação do muro e churrasqueira. 33. Os eletrodomésticos estão em funcionamento. 34. A estrutura da sevilhana está integra. (Má Fé processual:) 35. A 15.11.2022 foi proposta a presente ação proferiu-se decisão, transitada em julgado, que julgou improcedente o procedimento e absolveu a aqui Ré do pedido. 36. Antes, o Autor propusera já os três incidentes de alteração da atribuição da casa de morada de família supra referidos, que improcederam por decisões judiciais, transitadas em julgado e proferidas nos apensos I, K, M dos autos de Divórcio n.º Proc. n.º 1765/16.3T8BRG– JFM – Juiz 1. 37. No processo de inventário por divórcio (n.º 1570/17 – Notário), o Autor, enquanto cabeça de casal, não relacionou a moradia supra referida como bem comum do casal, tendo as partes sido remetidas para os meios comuns. 38. Neste seguimento, a 15.07.2020, a Ré propôs ação para reconhecimento de bens incluso a realidade predial id. supra, como comuns ao ex-casal, que correu termos por este ...1 com o n.º 3424/20.3T8BRG. 39. Nesta ação, foi proferida decisão a 04.02.2022, declarando que a moradia supra id. é bem comum do casal. 40. Esta decisão foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.09.2022, e transitada em julgado a 04.12.2023. 41. A 05.07.2022, o Autor intentou o procedimento cautelar não especificado contra a Ré id. supra. 42. O pedido formulado no id. procedimento cautelar é em tudo semelhante ao peticionado na atual ação. 43. O Autor não olvida, tal como já dado por provado, que a Requerida, desde o ano de 2016 (data do divórcio), suporta a prestação do empréstimo bancário que o ex-casal contraiu para terminar de pagar a casa de morada de família, bem como seguros, IMI e demais despesas que aquele bem imóvel acarreta. 44. Bem como, tem sido a Ré quem igualmente e sozinha provem ao sustento dos seus filhos, pois o Autor não pagou a pensão de alimentos devida a estes, pelo menos, até outubro de 2021 e no valor global de €13.087,00. 45. E que o Autor também não pagou atempadamente a indemnização fixada à Ré pelos danos emergentes dos crimes que praticou sobre esta e que era condição para a suspensão da execução da pena de prisão. 46. Com efeito, por via da condenação nos processos comuns singulares n.ºs 227/16.3PAVNF e 258/18.9T9VNF, pela prática de dois crimes de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, cometidos na pessoa da Ré, e, em cúmulo jurídico, por decisão proferida a 02.03.2021 no âmbito do proc. n.º 672/21.5T8BRG-JCCrim ... – Juiz ..., na pena principal única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e, além de outros, ao dever de proceder ao pagamento da quantia global de € 15.000, e na pena acessória de proibição de contactos com a vitima , com afastamento da respetiva residência e local de trabalho, com a duração de 4 anos e 6 meses e com fiscalização do seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. 47. Na decisão que aferiu do incumprimento da pena única, a 16.11.2022, nomeadamente da condição de pagamento da indemnização à vitima (a aqui Ré), foi escrito que o Autor (aí arguido), «Intentou uma providência cautelar contra a ofendida onde manifestou dispor de meios para a realização de obras urgentes à casa de morada de família. Apesar de alegar que não tem meios financeiros para o pagamento à ofendida da quantia de 15.000 €, condição da suspensão da execução da pena de prisão, o certo é que foi pagando outras despesas relacionadas com a sua empresa e não cuidou de efetuar o pagamento dessa quantia à ofendida. Acresce que, do seu discurso retira-se que o condenado atribuí (muito) pouca relevância à condição que lhe foi imposta. Tal como refere o Ministério Público (cuja argumentação vimos a acompanhar) o comportamento global do condenado, demonstra total falta de empenhamento e disposição para cumprir a condição fixada na decisão condenatória, condição imposta para a suspensão da execução da pena, que assume contornos graves de molde a poder ser qualificado como infração grosseira. (…) Atento o teor do artigo 55.º do Código Penal julgo adequado prorrogar o período de suspensão, por mais 1 (um) ano, nos termos previstos na al. d) desse preceito.» 48. Ou seja, à data da propositura da presente ação, o Autor não tinha satisfeito a indemnização devida à Ré, por vítima de crimes, nem podia aproximar-se da residência e local de trabalho desta pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses prorrogado por mais um ano. 49. Na presente ação, o Autor altera a verdade por si sabida e conhecida, inventa, omite e deturpa factos essenciais com o evidente propósito de obter de decisão a que sabe não ter direito. 50. Com a presente ação, o Autor tenta, pela quinta vez, entrar na posse e fruição da moradia supra id., pois não se conforma com as várias decisões judiciais proferidas. * 3.1.2. Factos Não ProvadosInversamente, foi dada como não provada a seguinte factualidade: A. A casa de morada de família apesar de atribuída à Ré está inabitada desde ../../2020. B. A Ré nunca lá residiu com os seus filhos. C. À data em que saiu da moradia, o Autor procedia à reparação de uma infiltração de água pelos telhados com origem difusa e de difícil reparação. D. Na sequência de participação à seguradora da respectiva infiltração. E. A moradia supra id. precisa, pelas suas próprias características e equipamentos instalados, de cuidados excepcionais de manutenção periódicos. F. Na id. moradia existem equipamentos menos comuns mas indutores à realização de cuidados imprescindíveis e regulares de manutenção, obrigatórios ao seu bom funcionamento e durabilidade. G. Existe uma infiltração de água, oriunda do telhado e com manifestação nos tectos e pavimentos da sala. H. O tecto e pavimento da sala, este em madeira nobre, tem de ser totalmente refeito. I. A casa está há mais de 03 anos sem ser limpa e arejada. J. Verifica-se retenção de humidades por condensação, o que determina a pintura geral do interior da moradia. K. O toldo e estrutura da sevilhana encontram-se inutilizados e por não ter sido acautelado o seu fechamento e exposição a fenómenos de vento. L. O custo da reparação do toldo da sevilhana ascende a 3.308,70. M. O jardim e o quintal não têm manutenção regular, compreendendo esta poda e tratamento de árvores, manutenção e reposição de pavimento e revestimentos envolventes. N. Foram furtadas as grelhas e outros acessórios da churrasqueira. O. O custo da reparação da chaminé da churrasqueira e colocação de grelhas e outros acessórios ascende a € 2.841,05. P. Encontram-se inutilizadas uma mesa, seis cadeiras e um conjunto de sofás de jardim, por expostos a intempéries e não terem sido cobertos com as capas que o Autor mandou fazer por medida. Q. O frigorifico, a placa forno, o micro-ondas, a máquina de secar roupa, e outros, não funcionam ou estão inutilizados. R. O equipamento hidráulico de apoio à piscina (circulação de água) não funciona, nem foi reparado. S. A água deposta na piscina tem de ser vazada, tem de se fazer a integral limpeza e desinfecção da piscina, substituindo-se a areia do filtro e adequada manutenção da maquinaria, o que tem um custo de € 18.045,00 + iva. T. O equipamento de ar condicionado necessita urgentemente de manutenção regular, para aferir de fugas e para a mudança de filtros, com um custo sempre estimado na ordem de centenas de euros no mínimo. U. Os painéis solares têm de efectuar revisão e manutenção por estarem sem qualquer uso, limpeza e testes de funcionamento, o que acarreta um custo de € 10.665,00 ou a este aproximado. V. O empeno do deck à volta da piscina é devido à falta de limpeza especializada e regular manutenção, tendo esta um custo de € 12.079,40. W. As obras são urgentes e estruturantes. X. A moradia aqui em apreço, está avaliada em cerca € 300.000,00 (Euros trezentos mil), mas no estado em que se encontra atualmente, está expressivamente desvalorizada, sendo o seu valor inferior € 200.000, (Euros duzentos mil), tanto mais que, Y. Para colocar o imóvel no estado em que se encontrava em plena condição de conservação, terá o proprietário de despender mais de € 110.000,00 (Euros cento e cinquenta mil). Z. A Ré, apesar de ter cabal conhecimento e mais objectivo das condições em que se encontra o imóvel, manifesta e conscientemente alheou-se e abstraiu qualquer responsabilidade, nada acautelando ou obviando nesta matéria. * 3.2. O Direito3.2.1. Admissibilidade de recurso de decisão interlocutória, sujeito a apelação autónoma, com a sentença final. Com o presente recurso pretende o recorrente, além do mais, reagir contra o despacho que indeferiu a inspeção judicial ao local. Estamos, portanto, perante um despacho de rejeição de meio de prova. Só no caso das apelações que não sobem autonomamente, as decisões interlocutórias podem ser atacadas (desde que recorríveis), nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, mediante recurso interposto com a decisão final ou daquela que conheça parcialmente do mérito de alguns pedidos ou que determine a absolvição da instância de algum ou alguns réus, por não se encontrarem cobertas pelo efeito de caso julgado formal. Como ensina Lebre de Freitas “dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida.” [1] Assim, como se escreveu no Acórdão do STJ de 09.11.2015 “quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal.”[2] Consequentemente: Por despacho proferido em 13 de março 2025 foi indeferido o requerimento de inspeção judicial ao local. Por força do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, cabe recurso de apelação autónoma do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova. O prazo para a interposição do recurso é 15 dias, como prescreve o artigo 638.º, n.º 1. Discordando da decisão que rejeitou o meio de prova, teria o autor que atacar essa decisão, como decorre do disposto no artigo 644.º, do CPC, mediante recurso autónomo, a interpor no prazo geral de 15 dias e com subida imediata e em separado – artigos 638.º, n.º 1 e 645.º, n.º 2, do CPC. Logo, a impugnação daquela decisão, neste momento e no presente recurso é inadmissível, dela não podendo este Tribunal conhecer, o que se decide. Em face do assim decidido, soçobra o que vem invocado nas conclusões de recurso A a S e JJ a NN por os apontados vícios contenderam com a apreciação do indeferimento do meio de prova. * 3.2.2. Das invocadas nulidades Sustenta o recorrente que o indeferimento da prova por inspeção judicial traduz a omissão de um ato ou formalidade legal que influiu no exame ou na decisão da causa e consubstancia uma nulidade de sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC. Acrescenta que, além disso, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula também por via da aplicação do n.º 1 do art. 195.º do CPC, não configurando uma nulidade específica da sentença. Argumenta, ainda, que a própria decisão é nula por violação dos limites da pronúncia do tribunal, ou seja, ao decidir sem contraditório, o juiz conhece de questões que não podia apreciar ab initio (por não terem sido submetidas a debate), incorrendo em nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615.º,n.º 1, al. d) in fine, do CPC. E, finalmente, considera que a decisão incorre ainda na constituição de um vício autónomo da decisão judicial, distinto da nulidade processual comum, decorrente da ofensa ao direito ao contraditório e ao processo equitativo consagrado no art.º 20.º da CRP (sic). Apreciemos. Na apreciação das questões postas em recurso haverá que apreender e diferenciar as nulidades suscitadas, distinguindo o que são nulidades processuais e nulidades da sentença. O Prof. Miguel Teixeira de Sousa de uma forma clara e elucidativa explica em que consiste uma nulidade processual para a distinguir das nulidades da sentença: “Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas: -Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual; -Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte. No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação. Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte. É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar: - A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC); - As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art.ºs 186.º a 202.º CPC.”[3]. A primeira questão, como o próprio recorrente a conforma, consubstancia nulidade processual, à luz do preceito normativo do art. 195º, do CPC, isto é, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, suscetíveis de influir no exame ou na decisão da causa. A nulidade arguida engloba-se nas nulidades secundárias, abrangida pelo dispositivo do art. 195.º do CPC, segundo o qual a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Consagra-se um sistema que remete para uma análise casuística, em que se invalida apenas o ato que não possa ser aproveitado, sendo que invalidado um ato tal acarreta que se invalidem todos os subsequentes que se lhe sigam que daquele dependam absolutamente. Quanto ao regime e meio de arguição, a regra é a de que o juiz só conhece destas nulidades mediante arguição da parte e o meio processual próprio para o fazer é a reclamação (arts. 196.º e 197.º, do CPC). A reclamação deve ser apresentada, no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário e, no caso de o não estar, no prazo de dez dias, a contar da intervenção em algum ato praticado no processo ou notificação para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1, do CPC). Mantém-se, pois, a atualidade do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente; a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial.[4] O recurso não serve ou não é o meio próprio para conhecer da infração às regras do processo não sendo lícito à parte colocar a questão diretamente ao tribunal superior enxertando-a no recurso de uma outra decisão. A jurisprudência tem sido uniforme neste sentido, citando-se a título de exemplo o acórdão da Relação Lisboa de 10/5/2018 de que se transcreve o seguinte trecho: (…) compulsados os autos, constata-se que a apelante, apesar de considerar que a montante da decisão apelada foram cometidas nulidades processuais, maxime relacionadas com actos cuja prática estava vedada ao tribunal a quo, não as suscitou/reclamou porém junto da primeira instância, antes só agora as vem arguir (qual arguição/reclamação per saltum) junto do tribunal ad quem e já em sede de instância recursória de apelação. Ora, ao enveredar pela referida estratégia como forma de erradicar eventuais nulidades processuais pretensamente cometidas em sede de tramitação dos autos em primeira instância, e não tendo junto do tribunal a quo do respectivo cometimento reclamado, ao fim ao cabo coloca o apelante ao tribunal ad quem uma questão nova, maxime porque não submetida à apreciação do tribunal da primeira instância , e , portanto, que por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão/despacho. De resto, e a terem-se cometido v.g. efectivas nulidade decorrentes da omissão de acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, estar-se-ia sempre perante uma nulidade secundária de conhecimento não oficioso, estando a mesma dependente de arguição da parte interessada (cfr. artigo 197º,nº1, in fine do CPC), razão porque se impunha que tivesse sido ela arguida (…) perante o tribunal a quo (que in casu não foi) e, após, do despacho que a apreciasse/decidisse, negando-a, então sim justificava-se interposição do competente recurso de apelação. É que, em causa está a conhecida doutrina tradicional corporizada na velha máxima "dos despachos recorre-se; das nulidades reclama-se”. Ao assim não agir/diligenciar, não apenas impede a recorrente que o próprio tribunal a quo, ao conhecer da reclamação de vício de nulidade que só agora aduz directamente junto do ad quem, a pudesse reparar, como, ademais, e por via oblíqua e/ou indirecta, age ainda de forma a suprimir um grau de jurisdição."[5] Por outro lado, o recurso como meio impugnatório de decisões judiciais visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo, sem prejuízo do conhecimento oficioso que se imponha relativamente a alguma questão. Como se afirma no acórdão do STJ de 07/07/2016 “não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”.[6] Tendo a parte requerido um meio de prova, que lhe veio a ser indeferido, sem que a parte contra ele reagisse, a questão mostra-se definitivamente decidida. Assim sendo, neste recurso, a única decisão recorrida cujo mérito se poderá sindicar é a decisão final que julgou a ação improcedente, à qual o recorrente imputa, por contaminação, o vício da nulidade, por omissão de pronúncia e, simultaneamente, por excesso de pronúncia. As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615.º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece na alínea d) que «é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». O vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no artigo 608.º, nº2 do Código de Processo Civil «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1 e 2, do mesmo diploma legal. Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. Todavia, importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade. É pacífico o entendimento de que a nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verifica quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do Tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. Recorrendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art.º 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”[7] No caso presente, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o requerimento de inspeção judicial ao local. Fê-lo foi num sentido que o recorrente não concorda. Vejamos. O recorrente veio pedir que fosse realizada uma inspeção judicial ao imóvel. Sobre esse requerimento, foi proferido o seguinte despacho: «Considerando o objeto dos autos e dado o que se sustenta, o pedido é suportado em juízos de valores e de uma análise da prova realizada. Considerando que o Tribunal não tem que sentir, antes tem que verificar, o facto de o Tribunal se dirigir ao local não logra perceber se é um chão “caríssimo” e “com madeiras nobres”, por que, não tem qualquer especialização a esse nível. Sobre se houve uma deficiente manutenção, ou uma deficiente instalação dos materiais, isso já responderam as perícias realizadas, que, por sinal foram duas. Há fotografias nos autos e estas são claras. Se o Tribunal não as conseguir visualizasse bem, cabe-lhe tal aferir e tomar providencias para que estejam mais legíveis, na qualidade de pessoa que vai presidir e analisar as provas, não suprir tal visualização com outro meio de prova. Até ao momento, aliás, não se deu conta o tribunal desse dificuldade. Para ver se as fotografias são pequenas, ou se são grandes, não é indo ao local que se irá esclarecer isso, até porque, tinha que fazer tal reparo e esclarecimento aquando da receção aos autos dos respetivos relatórios periciais. Sem prejuízo, realçando-se, novamente, o aferir da necessidade de execução de obras foi matéria devidamente abordada na prova pericial, foi, inclusive, abordada e questionada à prova testemunhal oferecida, e foi inclusive, falada pelo próprio Autor em sede de declarações de parte. Razões pelas quais não se vê pertinência na deslocação/inspeção pretendida, pelo que se indefere o requerido.» Daqui decorre que o Tribunal a quo conheceu da questão que lhe foi colocada, e fê-lo dentro dos estritos limites do que lhe foi pedido, ocorrendo apenas que o recorrente discorda da decisão. À sentença final que veio a ser proferida não se comunicou, por esta via, o alegado vicio da nulidade processual (inexistente) não ocorrendo omissão ou excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC. Enxerta, ainda, o recorrente um “vicio autónomo da decisão judicial, distinto da nulidade processual comum, decorrente da ofensa ao direito ao contraditório e ao processo equitativo consagrado no art.º 20.º da CRP”. Embora a questão substantivamente mais não seja que um desdobramento artificial da nulidade processual antes invocada, vindo agora configurada à luz da violação do principio do contraditório e do processo equitativo, de modo a transmutá-la num vício que afeta a decisão em si e não um vício de procedimento, dir-se-á o seguinte. O principio do contraditório tem expressão constitucional, emanando do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º, da CRP), e no ordenamento processual civil tem concretização nos artigos 3º e 4º, do CPC. O direito de acesso à justiça é densificado, entre outras dimensões, com o direito a um processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º), já que, como defende Miguel Teixeira de Sousa, de nada serve ao particular aceder à justiça se a sua posição em juízo não se encontrar igualmente protegida.[8] No quadro do direito ao processo equitativo, exige-se a estruturação processual de modo a garantir uma efetiva tutela jurisdicional, o que vem sendo materializado através de outros princípios, entre os quais o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas. O princípio do contraditório está assim incindivelmente ligado ao direito a um processo justo e à tutela jurisdicional efetiva (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 675/2018). O Tribunal Constitucional vem edificando o princípio do contraditório, mais do que o mero direito de contraditar a versão da contraparte, como uma garantia de participação efetiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.[9] A participação efetiva, enquanto concretização do principio do contraditório, manifesta-se com essencialidade em três dimensões: impõe, em primeiro lugar, que a todas as partes seja dada a mesma oportunidade de se pronunciar no processo, através de uma «proibição de estabelecimento de qualquer discriminação arbitrária e materialmente infundamentada no que ao estatuto dos sujeitos processuais se reporta[10]; depois, relaciona-se diretamente com o principio da proibição da indefesa, materializado na possibilidade de a parte ver apresentada a argumentação antes de uma decisão judicial ser tomada, isto é, liga-se à regra fundamental da proibição da indefesa, de sorte que nenhuma decisão pode ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada a efetiva possibilidade ao sujeito demandado de a discutir, contestar e valorar; por fim, uma dimensão de influência no juízo, o poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras. Vem o Tribunal Constitucional assinalando que o escopo do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito a incidir ativamente no desenvolvimento do processo e, por essa razão, o princípio opor-se-á, em regra, à adoção de decisões judiciais com fundamentos sobre os quais as partes não tenham oportunidade de se pronunciar.[11] No campo processual civil o principio do contraditório vem revelado em diversas disposições, encontrando-se genericamente concretizado no artigo 3.º, sob a epígrafe «Necessidade do pedido e da contradição». Esta norma estatui que: «1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.». A norma pode ser divida em dois segmentos: um, em que se atribui à parte o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, dando-se-lhe oportunidade de defesa; o outro, um direito de pronuncia e participação efetiva e de influência no juízo. O primeiro dos segmentos correspondia a um sentido mais restrito do contraditório, o direito ao conhecimento e pronuncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal), constituindo o segundo uma reivindicação antiga que na reforma de 1995 obteve consagração legal, assente no direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical). O campo de atuação do princípio do contraditório deixou de se restringir à defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si. E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos. O normativo consagrado no artigo 3º, nº3, ao dispor expressamente que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, encerra a atual conceção mais ampla do princípio do contraditório, assente numa participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão. Esta maior amplitude está em sintonia com a crescente tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual mais justo e socialmente mais aberto, arredando a ultrapassada linha de orientação adjetiva e formalista, passando o juiz a ser visto não como um mero garante das regras do jogo honesto mas, antes, empenhado na solução concreta do conflito e mais aberto na consideração das consequências das soluções, tendo sempre o dever de fundamentar a sua decisão e deixando-se às partes o direito de a influenciar.[12] O âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, tem agora um campo mais vasto de discussão participada alargada e que visa prevenir as “decisões surpresa”. Em suma, o princípio do contraditório é hoje entendido como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.[13] Revertendo ao caso em apreciação, a questão foi posta ao tribunal a quo pelo próprio autor, que requereu um meio de prova. O tribunal, despois de ouvir a parte contrária, decidiu fundamentando o sentido da sua decisão. Não se alcança, de todo, onde se mostra violado o principio do contraditório. De igual modo, não se alcança em que assenta a invocação da violação do princípio constitucional ao processo equitativo. Se é certo que a CRP consagra no seu artigo 20º o direito à tutela jurisdicional efetiva postulando que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, temos que a definição dos meios de tutela jurisdicional desses direitos e interesses, daquilo que são as suas regras de tramitação, os poderes e os ónus que recaem sobre as partes e poderes do julgador, carecem de consagração e concretização legal, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos cidadãos de um direito a livremente poderem socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem que estejam isentos ou desonerados do respeito de regras contendo deveres e ónus/faculdades processuais e/ou das consequências que derivem do seu incumprimento ou da sujeição às decorrências resultantes dos comportamentos desenvolvidos no ou fazendo uso de ónus/faculdades. O legislador, atendendo a outros bens e valores jurídicos que importa que sejam igualmente considerados, procede à definição dos meios ao dispor dos cidadãos para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, disciplina as suas regras e pressupostos, institui deveres, poderes e ónus para as partes, cientes de que o direito a um processo equitativo só se considera violado quando for impossível o estabelecimento de uma relação mínima de equilíbrio ou proporção entre a justificação da exigência processual em causa e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento de tal exigência.[14] Ora, no caso não ocorre ofensa a tais direitos ou princípios, porquanto ao recorrente foi assegurada em pleno, com a dedução da ação e exercício na mesma dos seus direitos e faculdades, o seu direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, como disso é exemplo a possibilidade de requerer os meios de prova que entender, na certeza de que tal conclusão não é infirmada, minimamente, pelo indeferimento desses ou algum desses meios de prova, consequência que não atenta, nem colide, com o direito a um processo equitativo. Daqui resulta necessariamente que não ocorreu a violação dos princípios do contraditório, do conhecimento efetivo do litígio ou dos princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, na perspetiva que lhe concedeu o recorrente como geradora da nulidade da sentença. Nestes termos, improcedem as invocadas nulidades. * 3.2.3. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de factoExistem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados conduzem à sua rejeição. Assim, o artigo 640.º, CPC impõe ao recorrente o ónus de: a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretende que a matéria de facto provada seja alterada. No caso, o recorrente faz constar das suas conclusões o seguinte: «T. Para além do vício anulatório apontado, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao ignorar prova documental e testemunhal relevante que demonstrava que a Recorrida não residia no imóvel comum (casa de morada de família) desde data anterior à sua acentuada degradação. U. Ao desconsiderar esses elementos probatórios – decisivos para se apurar a falta de utilização e manutenção do prédio pela Recorrida – o Tribunal a quo” isentou-a indevidamente do seu dever legal de conservar o bem comum, quando na realidade a Recorrida havia votado ao abandono a moradia de casa de família, deixando do mesmo modo de zelar quer pela manutenção dos equipamentos a isso obrigados periodicamente, quer à conservação e reparações no edificado sempre que imperativas ou tecnicamente exigíveis». No corpo das alegações, o recorrente transcreve o depoimento da testemunha DD, irmão da ré, (DD, sessão de 13.03.2025, minuto 03:12 até 04:54 e ainda do minuto 17:28 até 19:09, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal com início às 11 Horas, 54 minutos e 3 segundos e o seu termo pelas 12 horas, 16 minutos e 56 segundos). E refere que os próprios relatórios técnicos apresentados pelos Peritos nomeados pelo Tribunal “a quo”, ainda que padeçam de vícios de apreciação e omissões grosseiras ou deturpação dos factos, ainda assim atestam anomalias e deterioração grave nas diversas estruturas, quer interiores, quer exteriores. O recorrente, manifestamente, não observa o ónus de impugnação. O recorrente não concretiza os pontos de facto que considera incorretamente julgados, não especifica os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e não enuncia a decisão alternativa que propõe. Dos 50 factos provados e 26 não provados não se sabe, concretamente, contra que factos se insurge o impugnante. Evidencia-se, ainda, que o regime legal não acolhe a impugnação genérica e imotivada. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis. Nestes termos, por incumprimento do disposto no art. 640º, nº 1, do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto. * 3.2.4. Subsunção jurídica dos factos ao direitoO autor interpôs recurso de apelação, pretendendo ver declarada a nulidade do processo e da sentença, alterada a matéria de facto e consequentemente alterado o mérito da decisão no sentido da procedência da ação. As nulidades foram julgadas inverificadas. Tendo sido rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o quadro factual relevante com vista à subsunção jurídica é o mesmo que serviu de base à prolação da sentença recorrida. Assim, as questões jurídicas postas em recurso são: - saber qual o regime jurídico aplicável ao património comum do casal entre a dissolução do casamento e a partilha; - a litigância de má fé do autor. Pretende o autor a condenação da ré no pagamento do custo das obras a realizar na moradia e casa de morada de família, que ele se prontifica a realizar, de modo a salvaguardar o seu património evitando o agravar dos prejuízos. E funda a sua pretensão na circunstância de a moradia, bem comum do ex-casal, estar entregue até à partilha à ré que a tem votado ao abandono, levando à sua degradação e à sua desvalorização comercial. Os termos em que o autor assenta a sua pretensão, convocaria, numa primeira aproximação, o instituto da responsabilidade civil, por reconduzir o caso a uma ação indemnizatória por facto ilícito, visando repor a coisa comum no estado anterior à prática do facto danoso. Sendo proibido a qualquer dos ex-cônjuges danificar a coisa comum, a invocação de existência de um dano intencional transcende o quadro da regulação da administração da coisa, situando o problema na esfera já da responsabilidade civil (como bem nota a sentença recorrida). O quadro fáctico apurado afasta, todavia, a prática de atos ilícitos pela ré, prejudiciais ao património comum, arredando, consequentemente, a aplicação do regime específico e geral de responsabilidade civil. Está em causa um bem imóvel pertencente ao acervo patrimonial do ex-casal ainda não partilhado. A solução deverá, então, ser encontra no âmbito do regime jurídico aplicável ao património comum do casal, no tempo que medeia entre a dissolução do casamento e a partilha. Como lembra Rita Lobo Xavier, o divórcio dissolve o casamento, fazendo cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo a partilha a forma de divisão do património, sempre que o regime de bens foi um regime de comunhão.[15] Entre o divórcio e a partilha pode mediar um intervalo temporal, atingindo em alguns casos um longo período de duração. Em tal situação, evidencia Esperança Pereira Mealha que o regime deste património comum não é idêntico ao anterior à dissolução do casamento, tendo os ex-cônjuges um direito irrenunciável à partilha e a possibilidade de dispor da sua meação, que pode agora ser alienada ou objeto de penhora. Por outro lado, também não têm aplicação as regras relativas à administração dos bens do casal previstas para os regimes de comunhão.[16] A nossa lei civil não regula especificamente o regime aplicável ao património comum do casal no período entre a dissolução do casamento e a partilha. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[17] avançam que esta omissão talvez se justifique pelo facto de a chamada comunhão pós‑conjugal tender para a extinção, na medida que, mais tarde ou mais cedo, algum interessado vai requerer partilha que desfaz a comunhão. Por essa razão, existe alguma indefinição na jurisprudência e na doutrina propendendo as soluções jurídicas para o quadro das regras que valem para o regime geral da compropriedade e a ideia de que se devem aplicar as regras da comunhão hereditária. A aplicação das regras da compropriedade a outras formas de comunhão, encontra-se expressamente prevista na norma do artigo 1404.º do Código Civil. Por outro lado, há semelhanças nítidas entre a comunhão pós‑conjugal e a comunhão hereditária, resultantes da circunstância de que, depois da dissolução do casamento, os bens continuam “unidos” a integrar quotas e não pertencem individualizadamente a cada cônjuge, além de que continuam a servir de garantia prioritária para as dívidas que responsabilizaram ambos os cônjuges. Aceita Guilherme de Oliveira que as regras da compropriedade são adequadas para resolver a generalidade dos problemas que a comunhão pós-conjugal apresenta, exemplificando as situações de saber quem administra, quais são os poderes do administrador, qual é a medida do direito de cada contitular, se há um direito à divisão, se há um direito de preferência na alienação de cada quota, etc..[18] No mesmo sentido, Rita Lobo Xavier admite não existirem objeções de princípio à aproximação de certos aspetos do regime da compropriedade e da comunhão, ambas situações de contitularidade de direitos.[19] Também Eva Dias Costa defende que em causa está uma forma de comunhão de direitos, explicando que muito embora a decisão que decrete o divórcio faça cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges, o certo é que até à partilha continua a existir uma forma de comunhão de direitos, e apesar de não se figurar como um caso de compropriedade a lei permite expressamente a aplicação subsidiária das normas que regem este instituto à comunhão de quaisquer outros direitos, com as devidas adaptações.[20] Esta é, ainda, a posição de Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação que fazem ao artigo 1404º do Código Civil, referindo que entre os casos de comunhão assumem especial relevo a contitularidade de direitos reais, a chamada comunhão de mão comum (Gemeinschaft zur gesaten Hand) ou propriedade coletiva e ainda a comunhão que se estabelece entre cônjuges, após dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha, nos regimes de comunhão.[21] Após este excurso pela posição da doutrina, podemos assentar que estamos perante uma forma de comunhão que ainda não se encontra extinta, a que se pode aplicar as regras da compropriedade, respeitando a sua subsidiariedade prevista na lei. Sendo os direitos qualitativa e quantitativamente iguais no património de mão comum, tal implica uma autolimitação, na medida em que o exercício de cada um terá de ser feito sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais. Assim, deve equacionar-se se o ex-cônjuge tem o direito de realizar obras num bem comum entregue a título de casa de morada de família ao outro ex-cônjuge. A atribuição da casa de morada de família assenta numa decisão (judicial ou acordo) que concede a um dos membros do casal o direito de residir na habitação onde a família vivia. Concomitante e naturalmente, é-lhe provisoriamente concedido o direito de a utilizar com exclusão do outro. Daí a necessidade de se fazer um juízo concreto, em que o regime aplicável a tal situação dependerá do problema que, em concreto, se colocar. É que à comunhão pós‑conjugal não é alheia a natureza de provisoriedade, por um lado, e, por outro, dá-se a especificidade de a lei prever o uso exclusivo por uma das partes, quando atribuí a casa de morada de família. Dadas estas duas circunstâncias, para a licitude da atuação do interessado sobre o bem de cujo uso está provisoriamente excluído, relevará a ponderação de se estar diante de um ato de administração urgente e necessário. Para a conformação de uma tal intervenção impor-se-ia a necessidade imperiosa de realização de obras indispensáveis e não adiáveis que visassem reparar danos ou corrigir vícios que colocassem em risco a segurança de pessoas e bens, a estrutura do edifício ou a sua habitabilidade. Não é o que sucede no caso, por manifestamente não carecer o bem de obras urgentes e necessárias. Daqui resulta não estar o ex-cônjuge autorizado a realizar, por si só, as obras pretendidas num bem comum, entregue a título de casa de morada de família ao outro ex-cônjuge, para o que sempre seria necessário que o tribunal suprisse a oposição da outra parte. * 3.2.5. Da litigância de má-féFoi o autor condenado como litigante de má fé, por se ter considerado que apresentou uma causa cuja falta de fundamento não devia ignorar e que fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal. O recorrente discorda desta condenação, defendendo que se limitou a exercer o seu direito de ação de forma legítima, formulando pedido indemnizatório baseado em factos verídicos e em entendimento jurídico defendido pela doutrina e jurisprudência e não agiu com malícia, deslealdade ou temeridade processual. Acrescenta que não houve da sua parte qualquer intuito doloso de prejudicar a Recorrida nem uso abusivo do processo com fins ilegítimos. Apreciemos. Para a correta compreensão do caso, atente-se nos factos. Antes da propositura da presente ação, o autor propôs um procedimento cautelar que foi julgou improcedente, por decisão transitada em julgado. Antes, o autor propusera três incidentes de alteração da atribuição da casa de morada de família que improcederam por decisões judiciais, transitadas em julgado. No processo de inventário por divórcio, o autor, enquanto cabeça de casal, não relacionou a moradia como bem comum do casal, tendo as partes sido remetidas para os meios comuns. Neste seguimento, a ré propôs ação para reconhecimento de bens incluso a casa, como comuns ao ex-casal, vindo a ser proferida decisão, a 04.02.2022, declarando que a moradia é bem comum do casal. Esta decisão foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.09.2022, e transitada em julgado a 04.12.2023. O autor sabe que a requerida, desde o ano de 2016 (data do divórcio), suporta a prestação do empréstimo bancário que o ex-casal contraiu para terminar de pagar a casa de morada de família, bem como seguros, IMI e demais despesas que aquele bem imóvel acarreta. Sabe, também, que tem sido a ré quem, sozinha, provem ao sustento dos seus filhos, pois o autor não pagou a pensão de alimentos devida a estes, pelo menos, até outubro de 2021, no valor global de €13.087,00. O autor também não pagou atempadamente a indemnização fixada à ré pelos danos emergentes dos crimes que praticou sobre esta e que era condição para a suspensão da execução da pena de prisão. Com efeito, por via da condenação nos processos comuns singulares n.ºs 227/16.3PAVNF e 258/18.9T9VNF, pela prática de dois crimes de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, cometidos na pessoa da Ré, e, em cúmulo jurídico, por decisão proferida a 02.03.2021 no âmbito do proc. n.º 672/21.5T8BRG-JCCrim ... – Juiz ..., na pena principal única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e, além de outros, ao dever de proceder ao pagamento da quantia global de € 15.000, e na pena acessória de proibição de contactos com a vitima , com afastamento da respetiva residência e local de trabalho, com a duração de 4 anos e 6 meses e com fiscalização do seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. Na decisão que aferiu do incumprimento da pena única, a 16.11.2022, nomeadamente da condição de pagamento da indemnização à vitima (a aqui Ré), foi escrito que o Autor (aí arguido), «Intentou uma providência cautelar contra a ofendida onde manifestou dispor de meios para a realização de obras urgentes à casa de morada de família. Apesar de alegar que não tem meios financeiros para o pagamento à ofendida da quantia de 15.000 €, condição da suspensão da execução da pena de prisão, o certo é que foi pagando outras despesas relacionadas com a sua empresa e não cuidou de efetuar o pagamento dessa quantia à ofendida. Acresce que, do seu discurso retira-se que o condenado atribuí (muito) pouca relevância à condição que lhe foi imposta. Tal como refere o Ministério Público (cuja argumentação vimos a acompanhar) o comportamento global do condenado, demonstra total falta de empenhamento e disposição para cumprir a condição fixada na decisão condenatória, condição imposta para a suspensão da execução da pena, que assume contornos graves de molde a poder ser qualificado como infração grosseira. (…) Atento o teor do artigo 55.º do Código Penal julgo adequado prorrogar o período de suspensão, por mais 1 (um) ano, nos termos previstos na al. d) desse preceito.» Ou seja, à data da propositura da presente ação, o autor não tinha satisfeito a indemnização devida à ré, por vítima de crimes, nem podia aproximar-se da residência e local de trabalho desta pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses prorrogado por mais um ano. Com esta ação o autor tenta, pela quinta vez, entrar na posse e fruição da moradia, pois não se conforma com as várias decisões judiciais proferidas. Isto posto. A lei atribui aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao Tribunal uma determinada pretensão, todavia esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à sua responsabilização (princípio da auto-responsabilidade das partes). É nestes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542.º e seguintes do Código Processo Civil o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta. Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na negligência grave ou dolo do litigante. Se a parte atuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é lícita e é condenada apenas no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua atuação. Se a parte procedeu de má-fé, na medida em que sabia ou devia saber que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais. Nos termos do disposto no art. 542.º, n.º 1 do CPC, tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária. E nos termos do n.º 2 diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Enquanto as alíneas a) e b) do citado normativo legal se reportam à chamada má fé material ou substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas têm a ver com a má fé processual ou instrumental - neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º., 3ª edição, pag. 457. Resulta desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis. O legislador deixou ainda clara a desnecessidade, quanto à prova, da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade.[22] No entanto, não deve confundir-se litigância de má-fé com: - a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; - a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; - discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; - a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer; ou - a ousadia de apresentação de determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada. Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do art. 542º do CPC. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade.[23] Conformemente, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave. Exige-se, pois, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem fiscalizar a moralidade de determinada conduta praticada no exercício de um direito processual, se houver manifesto abuso, traduzindo-se esse exercício em termos clamorosamente ofensivos da boa fé e da cooperação. Revela um desajustamento evidente e insuportável a estes princípios a invocação de argumentos cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar, mas de tal modo que estes sejam repelidos pelo sistema jurídico globalmente apreciado à luz das regras da boa fé. Daí que a conclusão no sentido da litigância de má fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas da norma legal. A delimitação dessa responsabilização impõe uma apreciação casuística. No caso, o autor apresentou uma causa cuja falta de fundamento não devia ignorar, alegando factos que sabe não serem verdadeiros, pois que não houve abandono da casa, o bem está conservado e não se justificam minimamente as obras que indicou serem necessárias, por estruturais e urgentes. Acima de tudo fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, que é importunar a ré e entrar na moradia, que é casa de morada de família da ré e dos filhos. Está em causa o respeito devido aos Tribunais e às suas decisões transitadas em julgado, assim como à parte contrária. Numa tentativa de camuflar a sua verdadeira pretensão, que é entrar na casa que foi atribuída como morada da família, a alegação de que atuou de forma procedimentalmente adequada para garantir os seus direitos sobre o bem, que diz ser próprio quando está já decidido que é comum, não colhe, na medida em que vem utilizando, reiteradamente, ações e incidentes com o mero propósito de importunar e prejudicar a ré. Considera-se, assim, que, em face da lei, o autor deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava (artigo 542.º, n.º 2, al. a), do CPC), alterou a verdade dos factos (artigo 542.º, n.º 2, al. b), do CPC) e fez do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal (a al. d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC). Impõe-se, nestes termos, a confirmação do decidido. Por todo o exposto, improcede o recurso. * IV - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº1, do CPC). Guimarães, 9 de Outubro de 2025 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves 2º Adj. - Des. João Paulo Dias Pereira [1] In “Um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, pág. 691. [2] Disponível em www.dgsi.pt. [3] O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual. [4] Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, in Comentário do Código de Processo Civil, vol. 2.º, pág. 507. [5] Disponível em www.dgsi.pt. [6] Disponível em www.dgsi.pt. [7] In CPC Anotado, Vol. V, pág. 143. [8] Miguel Teixeira de Sousa, «A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil», XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 69. [9] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 675/2018, citando Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª Edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 127). [10] Lopes do Rego, «Acesso ao direito e aos tribunais», Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas, 1993, p. 44 [11] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 510/2015. [12] Neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 19 de abril de 2018, disponível em www.dgsi.pt. [13] Neste sentido, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pag. 124-125. [14] Neste sentido, Acórdão do STA de 11.07.2019, disponível em www.dgsi.pt. [15] O divórcio, o regime de bens e a partilha do património conjugal, in III Jornadas de Direito da Família e das Crianças, pag. 37. [16] In “Acordos Conjugais Para Partilha de Bens Comuns”, Almedina 2005, pag.77. [17] In Curso de Direito da Família, Vol. I – Introdução ao Direito Matrimonial, 5.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 746. [18] Disposição mortis causa de um bem certo e determinado do património comum, Lex Familiae, Ano 10, N.º 19 (2013), pag. 23. [19] Ob. cit. pag 43. [20] in “Breves considerações acerca do regime transitório aplicável às relações patrimoniais dos ex-cônjuges entre a dissolução do casamento e a liquidação do património do casal”, pág.7, disponível in http://repositorio.uportu.pt/jspui/bitstream/11328/ [21] In Código Civil Anotado, volume III, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.350. [22] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol., 3ª edição, pag. 341. [23] Abrantes Geraldes, ob. cit, pag. 341. |