Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2906/25.5YIPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 266.º, 299.º, 530.º, 583.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
ARTIGO 3.º, B), 10.º, DO DECRETO-LEI N.º 62/2013, DE 10 DE MAIO.
ARTIGOS 1 A 6, 7.º A 21.º DO DECRETO-LEI Nº 269/98, DE 1 DE SETEMBRO.
Sumário: Tendo o Requerido na Oposição à Injunção deduzido reconvenção, o valor processual a atender para efeitos de determinação da forma de processo a seguir – e, inerentemente, com a decisão sobre a admissibilidade da reconvenção! – é o resultante da soma do pedido do Requerente com o pedido reconvencional (deduzido pelo Requerido).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

 Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

A... UNIPESSOAL, LDA.” intentou procedimento injuntivo contra “B... UNIPESSOAL, LDA. solicitando a sua notificação para proceder ao pagamento da quantia de € 8 458,50, sendo € 8 140,39 a título de capital, € 216,11 a título de juros de mora vencidos e € 102,00 a título de taxa de justiça paga.

Alegou, muito em síntese, que no âmbito da sua atividade comercial de construção civil celebrou com a Requerida um contrato para remodelação de um imóvel propriedade desta, tendo cumprido a sua obrigação de execução dos trabalhos determinados pela Requerida, o que não se pode dizer desta última, na medida em que mantém em dívida para consigo o valor referente a uma fatura por alegados serviços prestados e não pagos, acrescidos de juros de mora e custas (cfr. Fatura 4 88/31).

De referir que no preenchimento do requerimento de injunção a Requerente consignou à frente da indagação “Obrigação emergente de transação comercial (DL n.º 62/2013, de 10 de maio)?” a expressão “Sim”.

A requerida deduziu Oposição onde sustentou que a fatura em causa diz respeito a trabalhos não realizados ou realizados com defeitos, no contexto de um contrato de empreitada celebrado entre as então Requerente e Requerida (mais concretamente atinente à obra realizada na Quinta ..., ...), o qual não foi integralmente cumprido pela Requerente, e em que esta prestou serviços de forma defeituosa, o que levou a Requerida a incorrer em diversos custos, a saber, (i) Custos para trocar fechaduras e chaves, (ii) Custos para o levantamento dos trabalhos efetuados, incluindo um auto de medição por entidade terceira independente para a emissão de um memorando pericial, e (iii) Custos com mão de obra e materiais necessários para terminar os trabalhos (nessa Obra ...), corrigindo e refazendo trabalhos mal feitos pela Requerente, sendo face a este quadro factual, que a Requerida, nos termos dos artigos 266.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 583.º do CPC, deduziu pedido reconvencional, peticionando que a Requerente fosse condenada no pagamento dos custos em causa que totalizavam, à data, pelo menos, € 5.519,50, sem prejuízo dos demais custos a liquidar ulteriormente, nos termos do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) do CPC, e 569.º do CC, ao que ainda acresceu o pedido de pagamento do valor de € 1.535,05, correspondentes à diferença entre as prestações pagas pelos serviços, termos em que concluiu no sentido de requerer que fosse julgada procedente, por provada, a reconvenção deduzida, com a consequente condenação da Requerente a pagar-lhe o valor total de € 7.054,55, pelo incumprimento parcial e cumprimento defeituoso do Contrato, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de notificação da Oposição até integral pagamento e, em montante a liquidar, pelos demais prejuízos que a Requerida sofreu com esse incumprimento parcial e cumprimento defeituoso.

                                                           *

Na sequência, por despacho proferido em 18.03.2025, a Exma. Juiz de 1ª instância cuidou de se pronunciar sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, vindo a considerá-lo inadmissível, mais concretamente proferindo o seguinte concreto “Despacho”:

«Da (in)admissibilidade da Reconvenção

A requerida, na sua oposição, formula pedido reconvencional contra a requerente.

Cumpre apreciar a admissibilidade da reconvenção.

Em primeiro lugar importa realçar que a Ré não aceita nem reconhece os créditos cujo pagamento é peticionado pela Autora nos autos.

Adicionalmente, deduz pedido reconvencional, invocando para o efeito os artigos 266.º, n.os 1 e 2, alínea a) e 583.º do Código de Processo Civil, peticionado a condenação da Requerente a pagar à Requerida 7.054,55 €, pelo incumprimento parcial e cumprimento defeituoso do Contrato, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de notificação da presente Oposição até integral pagamento e, em montante a liquidar, pelos demais prejuízos que a Requerida sofreu com esse incumprimento parcial e cumprimento defeituoso.

Cumpre apreciar e decidir:

A este respeito, comece-se por salientar que a ação declarativa regulada no Decreto-Lei nº 269/98 de 01/09 apenas contempla dois articulados, uma petição inicial e uma contestação, não se encontrando expressamente prevista a possibilidade de uma reconvenção.

Todavia, suscita-se a questão de saber se a mesma será admissível com fundamento das regras gerais constantes do Código de Processo Civil.

A este respeito, os Tribunais superiores têm vindo a negar a possibilidade de dedução de uma reconvenção nas ações reguladas no Decreto-Lei nº 269/98 de 01/09 que não sejam de valor superior à alçada do Tribunal da Relação (cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/10/2024, p. 92804/23.8YIPRT-A.L1-6; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/09/2024, p. 80995/23.2YIPRT-A.P1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2025, p. 22695/24.0YIPRT-A.E1).

Seguimos esta corrente jurisprudencial. Com efeito, o artigo 7.º nº 2 do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17/02 manda seguir os termos do processo comum de declaração quando for deduzida oposição nas ações de valor superior à alçada do Tribunal da Relação. Nestes casos, como a ação seguirá os termos previstos no artigo 552.º e ss do Código de Processo Civil, a admissibilidade da reconvenção encontra-se sujeita às regras gerais.

Por outro lado, na medida em que a reconvenção admite a existência de um terceiro articulado – artigo 584.º nº 1 do Código de Processo Civil – este articulado encontra-se em desarmonia com os propósitos do processo regulado no Decreto-Lei nº 269/98 de 01/09 de limitar ao máximo o número de articulados admissíveis a dois – petição inicial e contestação – e de simplificar a tramitação processual.

No caso, nem sequer se coloca a questão da admissibilidade da compensação enquanto exceção perentória uma vez que, tendo a Ré negado o crédito da Autora, não pode pretender a extinção da obrigação por via da compensação (a qual reveste a natureza material de exceção perentória - facto extintivo).

Termos em que, por falta de fundamento legal, não se admite o pedido reconvencional.

Sem custas do incidente, atenta a sua simplicidade.»

                                                           *

Inconformada com essa decisão, apresentou a Requerida/Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 18.03.2025, por meio do qual o pedido reconvencional da Recorrente, enxertado na sua oposição deduzida na sequência de procedimento de injunção, não foi admitida por suposta falta de fundamento legal.

B. No referido pedido reconvencional, deduzido nos termos dos artigos 266.º, n.os 1 e 2, alínea a) e 583.º do CPC, a Recorrente peticionou a condenação da Recorrida no pagamento de € 7.054,55 (sete mil e cinquenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), pelo incumprimento parcial e cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado em fevereiro de 2024, relativo aos trabalhos de remodelação da Obra ... (cfr. cfr. artigos 14.º a 28.º, 30.º a 62.º, 63.º a 65.º, 71.º a 97.º todos da Oposição).

C. O despacho recorrido considerou a reconvenção inadmissível por entender que a ação declarativa regulada no Decreto-Lei nº 269/98 de 01/09 apenas contempla dois articulados, não se encontrando expressamente prevista a possibilidade de deduzir reconvenção nas ações de montante inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação (3).

(3) Por lapso, o Tribunal refere-se a “ações de valor superior à alçada do Tribunal da Relação”, quando a lei dispõe no seguinte sentido: “valores superiores a metade da alçada do Tribunal da Relação”.

D. O despacho a quo alicerça a sua posição em jurisprudência equivocada quanto às razões de fundo da discussão sobre a admissibilidade da reconvenção, em especial, que desconsidera a orientação da praxis jurisprudencial que tem admitido a reconvenção nestas situações, mesmo que não relacionada com a compensação de créditos, como era o caso (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.06.2017, Proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt).

E. Na verdade, estando em causa na instância reconvencional um pedido de condenação da Recorrida pelo pagamento dos custos em que a Recorrente incorreu, na sequência do incumprimento e cumprimento defeituoso por parte da primeira, ao abrigo do artigo 266.º, n.º 1, alínea a), do CPC, apesar de não estar em causa um pedido de compensação de créditos, sempre se deveria equacionar, à luz dos restantes requisitos, da admissibilidade, ou não, da reconvenção.

F. O despacho a quo invoca ainda para suportar a sua posição jurisprudência cuja base factual é distinta daquela que está presente nos autos, desde logo, considerando o valor da ação, resultante da soma dos valores do pedido principal e do pedido reconvencional, nos termos do artigo 299.º, n.º 2, do CPC (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.10.2024, Proc. n.º 92804/23.8YIPRT—A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).

G. O Tribunal desconsiderou que, quando na oposição à injunção o requerido deduz reconvenção, o valor processual a atender para efeitos de determinação da forma de processo a seguir é o resultante da soma do pedido do requerente com o pedido reconvencional.

H. No caso dos autos, considerando que a transmutação da injunção em ação jurisdicional impunha a soma dos valores do pedido principal e do pedido reconvencional, o valor da ação é superior a metade da alçada da Relação (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.06.2017, Proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2).

I. Não havendo razão para concluir da leitura do artigo 10.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013 que o mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.06.2017, Proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2).

J. Assim, nos termos do artigo 299.º, n.º 2, do CPC, tendo sido deduzido pedido reconvencional e sendo este distinto do pedido principal da Recorrida, impunha-se ao Tribunal recorrido que determinasse que, ao valor da ação tal como inicialmente configurada pela então Requerente no valor de € 8.140,39 (oito mil cento e quarenta euros e trinta e nove cêntimos), acrescesse o valor de € 7.054,55 (sete mil e cinquenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), referentes ao valor da instância reconvencional.

K. O que perfazeria um total de € 15.194,94 (quinze mil cento e noventa e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), valor este que é superior a metade da alçada do Tribunal de recurso.

L. Com a dedução da Oposição, convertendo-se o procedimento de injunção em procedimento jurisdicional, seguindo a forma de processo comum, nos termos do artigo 10.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, deveria o Tribunal a quo ter julgado admissível a reconvenção, considerando que o valor da ação é superior a metade da alçada do tribunal de recurso, nos termos conjugados dos artigos 299.º, n.º 2 e 530.º, n.º 3 do CPC.

M. Ainda que assim não se entenda – no que não se concede –, uma corrente jurisprudencial de relevo tem vindo a sustentar que devem os Tribunais admitir a reconvenção, nos termos do artigo 266.º do CPC, quer o valor da ação seja igual ou inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros).

N. É materialmente injusto e violador do princípio da igualdade, não permitir que a requerida, invocando factos que podem ser até base de exceções (pense-se na exceção de não cumprimento) e que, portanto, serão necessariamente conhecidos na corrente ação, fosse obrigada a propor ação posterior para ver reconhecido eventual crédito que daí resultasse para si com base nos mesmos factos (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.07.2022, proferido no âmbito do processo n.º 86718/21.3YIPRT.L1-A-7).

O. O disposto no artigo 10.º, n.º 2, do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, interpretado no sentido de que deve ser negada a possibilidade de dedução de reconvenção nas ações reguladas no DL n.º 62/2013, de 10 de maio, que não sejam de valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

P. O disposto nos artigos 1.º do Anexo ao Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do DL n.º 269/98, de 01 de setembro, 10.º, n.º 2, do DL n.º  62/2013, de 10 de maio, e 266.º do Código de Processo Civil, interpretados isolada ou conjuntamente no sentido de que deve ser negada a possibilidade de dedução de reconvenção nas ações reguladas no DL n.º 62/2013, de 10 de maio, que não sejam de valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

Q. Pelo exposto, impõe-se também por estes motivos a procedência da apelação, com a revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, determinando que o juiz a quo, fazendo uso dos poderes de gestão e adequação processual previstos nos arts. 6º e 547º do CPC, proceda à análise

dos requisitos constantes do art. 266º do CPC e, verificados estes, julgar o pedido reconvencional integralmente procedente por provado.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada, devendo ser proferida decisão que analise a admissibilidade da Reconvenção, nos termos do artigo 266.º, do CPC, e, nessa sequência, ser o pedido reconvencional julgado integralmente procedente por provado.»

                                                                       *

Foram apresentadas contra-alegações pela Requerente/Autora, a qual delas extraiu as seguintes “conclusões”:

«A. Decidiu bem o despacho recorrido ao determinar a inadmissibilidade da reconvenção deduzida pela Recorrente, uma vez que os presentes autos emergem de um procedimento de injunção sujeito ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, que apenas admite dois articulados.

B. Tendo a Recorrida consubstanciado a sua pretensão ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, o valor da ação, de acordo com o artigo 18º desse diploma legal corresponde ao valor do pedido formulado, que neste caso é de 8.458,50€.

C. Consequentemente, de acordo com o artigo 10º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, a forma de processo a adotar nos presentes autos é a de ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária, uma vez que, nos termos deste preceito legal, o que releva é o valor do pedido constante no requerimento de injunção.

D. A decisão sub judice fez jus à jurisprudência recente dos Tribunais Superiores que, no seguimento da melhor doutrina, consideram que a dedução da reconvenção é inadmissível nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, relevando o valor do crédito do Autor, ora Recorrida, para efeitos de aplicação da forma de processo.

E. Tendo em consideração que nos processos em que se aplica o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o que releva é o valor do pedido, tal qual está formulado no requerimento de injunção, o procedimento só poderia ser transmutado para ação especial de cumprimento de obrigação pecuniária pelo facto de o valor ser inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação.

F. Também em face do objeto da reconvenção deduzida não poderia ser a mesma admitida dado que o pedido formulado pela Recorrida tem natureza indemnizatória, o que é incompatível com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro.

G. Sem prescindir, admitir a reconvenção obrigaria a adotar uma forma de processo distinto, motivo pelo qual a reconvenção nunca poderia ser admitida ao abrigo do disposto no referido artigo 266º, n.º 3, do CPC, por falta de verificação dos requisitos processuais.

H. Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-01-2025, proferido no âmbito do processo n.º 22695/24.0YIPRTA.E1, não há qualquer inconstitucionalidade no que respeita à inadmissibilidade da reconvenção, dado que esta justifica-se na especificidade da ação em que foi deduzida, sem que tal ofenda o princípio da igualdade, podendo a Recorrente optar por outra ação para reclamar o direito à indemnização que peticiona.

Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá

o recurso interposto ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, manter-se o despacho recorrido, assim se fazendo

JUSTIÇA!»

                                                                      *

            Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                     *

           2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, a questão fulcral a decidir consiste em determinar se é processualmente admissível a reconvenção deduzida pela Requerida/recorrente.

                                                                      *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão são, essencialmente, os que decorrem do Relatório que antecede.

*

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar na apreciação da questão supra enunciada, a saber, determinar se é processualmente admissível a reconvenção deduzida pela Requerida/recorrente:

Que dizer?

Em nosso entender – e ressalve-se o juízo antecipatório! – assiste efetivamente razão à Requerida/recorrente no recurso que deduziu.

Isto porque atento o valor da causa a considerar se impõe uma solução distinta da recorrida.

Senão vejamos.

Debate-se nos autos um crédito reclamado pela Requerida/Ré/recorrente, no montante de € 7.054,55, sendo que a injunção deduzida pela Requerente/Autora era ab initio do valor de € 8.458,50.

Consabidamente, estando como estava em causa uma “transação comercial” – para efeitos da aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, a saber, «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração» [cf. al. b) do art. 3º do citado DL nº 62/2013, de 10/05] – a escolha dessa forma [“injunção”] foi a correta, na medida em que dispõe o art. 10º, nº 1 desse mesmo diploma, que o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.

Contudo, temos que o Regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000, aprovado em anexo do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, compreende uma ação declarativa (arts. 1º a 6º) e o procedimento de injunção (arts. 7º a 21º), sendo a utilização deste meramente facultativa (o autor pode escolher a injunção ou a ação) e a tramitação daquela igualmente aplicável a este no caso de ser apresentada oposição ao procedimento e este se convolar em ação judicial.

Sucede que a ação declarativa destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 apenas compreende dois articulados, a petição inicial e a contestação, razão pela qual esta forma de processo especial (não comum) não parece compatível com a dedução da “reconvenção”[2]...

Por outro lado, o art. 10º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 62/2013, estabelece que «para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum».

Ora se assim é, importa antes de mais saber como se determina esse valor.

Preceitua-se no art. 18º do Decreto-Lei nº 269/98, que o valor processual da injunção e da ação declarativa que se lhe seguir é o do pedido, atendendo-se, quanto aos juros, apenas aos vencidos até à data da apresentação do requerimento.

Mas de que pedido estamos a falar, quando na Oposição o Requerido deduz “reconvenção”?

Sobre esta temática, foi sustentado o entendimento de que «[N]ão obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso»[3].

Já no que respeita às injunções de valor superior a €15.000,00, era diverso o entendimento formulado: «Nessa hipótese (…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum»[4].

De referir que, neste quadro, a jurisprudência distinguia as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitiam a dedução de reconvenção pelo Requerido que, entretanto, com a Oposição, passou a Réu.

Sendo certo que, complementarmente, era entendido que para efeitos de determinação da forma de processo a seguir, não havia que atender ao valor do pedido reconvencional (ainda que este relevasse quanto à fixação do valor da ação), pelo que, sendo o pedido injuntivo inferior a metade do valor da alçada da Relação, seguia-se a tramitação das ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o que impedia a invocação da compensação de créditos por via de reconvenção ou de excepção perentória, por ser isso o que resultava da intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional nessa espécie processual e estava em consonância com a simplificação e celeridade que lhe eram inerentes.[5]

Mas em sentido contrário perfilou-se entretanto uma outra corrente jurisprudencial, segundo a qual se deve fixar o valor da causa em função da soma de ambos os pedidos [pedido inicial com o do pedido reconvencional], de acordo com o qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais, sustentando-o com o seguinte:

«Na verdade, a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação: (i) a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade; (ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parece só pode ser deduzida por reconvenção; (iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional.»[6]

De referir que a questão foi apreciada em primeiro lugar pelo nosso mais alto Tribunal através de douto aresto onde se decidiu não haver «(…) razão para concluir da leitura do artigo 10.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013 que o mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma acção. É natural que primeiro se tenha em conta o valor do pedido – aliás nesse momento não há sequer uma acção – mas com a dedução de oposição, e convertendo-se então a medida em procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras dos artigos 299.º e seguintes do CPC. Assim, atende-se ao momento em que o procedimento se converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma acção) “excepto quando haja reconvenção” (n.º 1 do artigo 299.º do CPC), sendo que, então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor quando os pedidos sejam distintos (n.º 2 do artigo 299.º)».[7]

Também perfilhamos este entendimento que, pelo que é dado perceber, no presente momento é largamente maioritário.

E é por assim ser que, revertendo-o ao caso ajuizado, resulta que a totalidade do valor da causa resultará da soma do valor do pedido com o valor da reconvenção, ou seja, é de € 15.513,05 [= € 8.458,50 + € 7.054,55].

Sendo o valor da ação superior a € 15.000[8], esta deve seguir a forma de processo comum (cf. art. 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 62/2013) e, em consequência, não existe obstáculo de natureza processual à admissibilidade da reconvenção – considerando que o valor da ação é superior a metade da alçada do tribunal de recurso, nos termos conjugados dos arts. 299º, nº 2 e 530º, nº 3 do n.C.PCivil.

Está, assim, encontrada a solução para o caso vertente, a saber, no sentido de que tendo o Requerido na Oposição à Injunção deduzido reconvenção, o valor processual a atender para efeitos de determinação da forma de processo a seguir – e, inerentemente, com a decisão sobre a admissibilidade da reconvenção! – é o resultante da soma do pedido do Requerente com o pedido reconvencional (deduzido pelo Requerido).

Pelo que nos dispensamos de apreciar e decidir a questão à luz da argumentação subsidiária apresentada no recurso, qual seja, a que é de questionar que a reconvenção seja admitida quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da relação (por força da sua transmutação em processo comum), e não o seja quando o seu valor é inferior àquele marco, ocorrendo que seria materialmente injusto e violador do princípio da igualdade não o permitir, pelo que deviam os Tribunais admitir a reconvenção, nos termos do art. 266º do n.C.P.Civil, quer o valor da ação seja igual ou inferior a € 15.000,00.[9]

Acresce ainda e para finalizar – agora também em rebatimento do argumento expresso nas contra-alegações recursivas! – que será em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), que se definirá a viabilidade material/substancial da reconvenção, pelo que nada vislumbramos para questionar que tal articulado, pelos pressupostos invocados, é viável na circunstância ajuizada.

Com efeito, a Requerida ora recorrente deduziu pedido reconvencional nos termos dos arts. 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 583.º do n.C.P.Civil, mais concretamente invocando o incumprimento parcial e cumprimento defeituoso do contrato – factos que serviram de fundamento à sua defesa.

Como, aliás, se reconheceu na decisão recorrida, em coerência e sintonia com esta posição processual, a Requerida/Ré não aceita nem reconhece os créditos cujo pagamento é peticionado pela Autora nos autos, pelo que nem sequer está em causa uma “compensação”.

Sendo a dedução da reconvenção um direito potestativo de natureza processual do Réu, a concreta opção pela al.a) do nº2 do art. 266º do n.C.P.Civil é um ato livre da Requerida/Ré, a que não pode o juiz opor qualquer entrave ou obstáculo [quando é  certo, como já visto, não haver diferença da forma de processo a ponderar à luz do nº3 do mesmo preceito].

Sendo certo que também não é manifestamente o caso previsto nos nos 5 e 6 do mesmo art. 266º do n.C.P.Civil, de apesar de se verificarem os requisitos da reconvenção, poder entender-se que havia inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos…

O que tudo serve para dizer que importa concluir pela revogação do despacho recorrido, substituindo-o pela admissão da reconvenção.

Nestes termos procedendo as alegações recursivas e o recurso.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a pela decisão de admissão da reconvenção.

Custas da apelação a cargo do vencido a final (art. 527º, nº1 do n.C.P.Civil).

Coimbra, 16 de Setembro de 2025  

                                                     Luís Filipe Cravo

                                                        Alberto Ruço

                                                João Moreira do Carmo  


[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Alberto Ruço
   2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
[2] Recorde-se que a dedução da reconvenção exigirá sempre que o reconvindo disponha de um (terceiro) articulado para contestar a pretensão que lhe é dirigida!
[3] Assim SALVADOR DA COSTA, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, Livª Almedina, 6ª edição, 2008, a págs. 88.
[4] Expresso pelo autor citado na precedente nota, na mesma obra e local referidos, ora a págs. 88-89.
[5] Isto face ao entendimento de que a forma de processo, no caso de o pedido injuntivo ser inferior a metade do valor da alçada da Relação, seria a da ação declarativa especial, pois que era em função do valor do pedido injuntivo ou da injunção inicial (e não do valor da ação) que se definia o regime processual aplicável, remetendo para o disposto no art. 10.º, n.º 4, do DL 62/2013, de 10 de Maio, pelo que não haveria que adicionar para esse efeito o valor da reconvenção, que em nada alteraria a regra da competência do Tribunal – nesse sentido o acórdão do TRG de 17-12-2018, proferido no proc. n.º 107776/18.0YIPRT-C.G1, acessível em www.dgsi.pt/jtrg.
[6] Citámos, agora, o acórdão do TRP de 4-06-2019, proferido no proc. nº  58534/18.0YIPRT.P1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[7] Trata-se do acórdão do STJ de 06-06-2017, proferido no proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt/jstj; no mesmo sentido, inter alia, os acórdãos do TRP de 10-07-2024 (proferido no proc. n.º 27994/21.0YIPRT-A.P1), de 10-09-2024 (proferido no proc. n.º 80995/23.2YIPRT-A.P1) e de 10-10-2024 (proferido no proc. nº 19382/24.2YIPRT-A.P1), todos eles acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp
[8] Donde superior a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00), tal como prevê o art. 44º, nº 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (“LOSJ”).
[9] Neste sentido, para além da jurisprudência invocada nas alegações recursivas, vide o acórdão do TRP de 24.01.2018, proferido no proc. nº 200879/11.8YIPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp