Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | PROCESSO EXECUTIVO VENDA ANULAÇÃO DIREITO À RESTITUIÇÃO DO BEM DIREITO DE RETENÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 754.º, 758.º E 759.º, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGO 839.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. O procedimento (para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva) previsto no art.º 839º, n.º 3, do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.
2. Revestindo natureza executiva, deve ser deduzido contra aquele comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra. 3. Importa atuar as consequências do efeito anulatório da venda executiva, sendo que, em princípio, quaisquer outras eventuais questões sobre tais bens que envolvam interesses e direitos de terceiros têm de ser tratadas em ação própria, que não a executiva. 4. O comprador goza do direito de retenção sobre os bens restituendos até ser reembolsado do preço da compra e das despesas desta e poderá invocar o mesmo direito por (outras) despesas e benfeitorias. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Relator: Fonte Ramos * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Na execução para pagamento de quantia certa movida por Condomínio do Prédio sito na Quinta ... - Lote ... contra AA e BB[1], e sendo terceiro/interveniente acidental/adquirente, A..., Lda., em 09.10.2024, foi proferido o seguinte despacho: «Do Pedido de Entrega às executadas da fração autónoma designada pela letra “B” do prédio sito no Bairro ..., ..., .../Requerimento datado de 27/05/2024: As executadas, na sequência do acórdão proferido pela RC de 09/4/2024[2], notificado às partes por ofícios de 10/4/2024 e posteriormente retificado, quanto a custas, por decisão datada de 18/6/2024 (...) e que, em resumo, julgou o recurso improcedente mantendo, ainda que com distinto argumento, a decisão recorrida datada de 04/10/2022[3] - que anulou a penhora do imóvel identificado e a venda executiva[4] - requereram, em 27/5/2024, a entrega imediata da fração acima identificada. Por requerimento datado de 31/5/2024 a sociedade “A..., Lda.”, na qualidade de compradora e possuidora do imóvel acima identificado, opôs-se ao pedido formulado porquanto, como diz, o pedido de restituição não ter sido efetuado dentro do prazo de 30 dias previsto no art.º 839º, n.º 3 do Código de Processo Civil, concluindo pela preclusão do direito à restituição do bem, sem prejuízo das executadas receberem o preço pago pela aquisição do bem. Mais disse ter despendido valores no prédio em causa, que ascendem a mais de € 10 000 e que qualificou de benfeitorias e que, a ser perfilhado o entendimento das executadas, levará ao exercício do direito de retenção sobre o prédio em causa, para pagamento dos valores despendidos. Em resposta as executadas pronunciaram-se nos termos vertidos no seu requerimento datado de 13/6/2024, que posteriormente mereceu a posição da adquirente/compradora acima identificada, por requerimento datado de 01.8.2024[5] (...). Apreciando: A primeira questão a tratar consiste em aferir da tempestividade do pedido de entrega do prédio formulado pelas executadas, tendo-se aqui em mente que o mesmo o deve ser, nos termos do art.º 839º, n.º 3, por referência à al. b) do seu n.º 1, do Código de Processo Civil no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva. (...) na medida em que o pedido de restituição foi formulado em 27/5/2024, foi-o pois em data bem anterior à do trânsito em julgado do acórdão proferido pela RC e, por conseguinte, dentro do prazo de 30 dias previsto no referido art.º 839º, n.º 3 do Código de Processo Civil, concluindo-se pela sua tempestividade e absoluta ausência de razão da compradora na parte em que defende quer a extemporaneidade do pedido de entrega quer a subsequente preclusão do direito das executadas requererem a sua entrega. Procederá, pois, o pedido de restituição formulado, mas já não nos exatos termos em que o foi, isto é, determinando-se a entrega do prédio não se determinará já, como pretendido pelas executadas, que essa entrega opere de imediato porquanto, como emerge do n.º 3 do art.º 839º do Código de Processo Civil, o comprador deve ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra. No que à aventada possibilidade do exercício do direito de retenção dir-se-á, tão somente, que se trata de matéria que não nos incumbe, nesta sede, aferir e sem que tal anúncio configure obstáculo à previsão legal enunciada. Nestes termos, e tudo ponderado a pretensão das executadas será julgada parcialmente procedente, determinando-se a pretendida restituição do prédio acima identificado, mediante prévio embolso à compradora “A..., Lda.” do preço pago e das despesas da compra pela mesma suportadas, embolso este que deverá ser efetuado pelo Sr. Agente de Execução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado do presente despacho; fixando-se o prazo de entrega pela compradora às executadas em 10 dias, contados da data do embolso do preço e despesas da compra, sob pena de oportunamente ser autorizado o já pedido auxilio policial, que por ora se mostra prematuro e que, com esta razão, se indefere neste momento. Pelo exposto, e sem necessidade de outros considerandos, o Tribunal decide: a) Determinar a restituição do prédio acima identificado às executadas. b) Determinar o prévio embolso à compradora “A..., Lda.” do preço pago e das despesas da compra pela mesma suportadas, a realizar pelo Sr. Agente de Execução. c) Fixar em 10 dias o prazo para a realização do embolso mencionado em b), comprovando-se nos autos a sua data. d) Fixar em 10 dias, contados a partir do efetivo embolso dos valores mencionados em c), o prazo para a compradora “A..., Lda.” proceder à restituição referida em a). Notifique e comunique ao Exmo. Sr. Agente de Execução, com a menção de que, após trânsito, deverá proceder ao embolso nos termos acima determinados, exarando nos autos a data em que procedeu ao embolso. / * / Oportunamente deverá o Exmo. Sr. Agente de Execução providenciar pelas citações das executadas relevando para tanto as direções exaradas no ponto 1. do requerimento datado de 27.5.2024. (...)» Dizendo-se inconformada, a adquirente/compradora apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - De boa fé, a Recorrente adquiriu o imóvel (loja para fins comerciais) penhorado às Executadas/Recorridas, tendo pago o preço da aquisição, dos impostos e do registo predial. 2ª - A Recorrente tinha por objetivo afetar o imóvel à sua atividade comercial. 3ª - Porque o imóvel estava degradado, procedeu a obras de conservação e de restauro, cujo valor ascendeu a 11 173,98€. 4ª - Ao longo do tempo em que possui o imóvel, de boa fé, a Recorrente satisfez as inerentes despesas do imóvel, perante a administração do condomínio (quotas), e perante a autoridade tributária (IMI), no valor de 4 907,65€. 5ª - Identicamente, a Recorrente suportou despesas com a alteração da sede social, no valor de 624,10€. 6ª - Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 09.4.2024, foi confirmada a decisão de 1ª instância de acordo com a qual se julgou procedente a nulidade da citação, por verificação de erro na forma de processo e, consequentemente, anulou-se “a penhora da fração A e todos os atos processuais subsequentes praticados na execução, onde se inclui, naturalmente, a venda executiva, com cancelamento dos respetivos registos”. 7ª - Após terem entendido estar o Acórdão transitado em julgado, as Executadas/Requeridas requereram, ao tribunal “a quo”, a imediata entrega do imóvel. 8ª - Em 01.8.2024 a Recorrente apresentou requerimento, fundamentado e documentado, opondo-se à entrega imediata do imóvel que, de boa fé, tinha legalmente adquirido e benfeitorizado, tendo expressamente peticionado o reconhecimento do direito de retenção, pela adquirente, do imóvel que se encontra na sua legítima posse, até ao momento de satisfação integral dos seus créditos sobre as executadas. 9ª - O despacho recorrido, para além de ter determinado a entrega do imóvel às Executadas, quanto à questão do direito de retenção, apenas referiu que não lhe caberia pronunciar-se naquela “sede”, isto é, não se pronunciou sobre tal questão jurídica. 10ª - O despacho recorrido é também omisso quanto à existência e exigibilidade do valor das benfeitorias, que enroupariam o crédito da Recorrente, a ressarcir pelas Executadas/Recorridas. 11ª - O direito de crédito da Recorrente, com as realizadas benfeitorias (necessárias e úteis) emergiu quando lhe foi exigida a entrega do imóvel. 12ª - Com a emergência do crédito da Recorrente, igualmente se firmaram o direito a indemnização pelas benfeitorias e, bem assim, o direito a reter o imóvel até ao momento da integral satisfação do seu crédito pelas Executadas/Recorridas. 13ª - Ao determinar a entrega do imóvel sem conhecer do reconhecimento e deferimento do direito de retenção (e, necessária e previamente da existência do crédito que o sustenta), afastando-o para outra “sede” (não identificada sequer) e para outro tempo futuro, o despacho recorrido denegou à Recorrente o seu direito de retenção. 14ª - Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido fê-lo sem qualquer fundamentação fáctico-jurídica, em violação do n.º 1 do art.º 205º da Constituição da República Portuguesa e do art.º 154º do Código do Processo Civil (CPC). 15ª - De harmonia com o n.º 3 do art.º 613º do CPC, aos despachos judiciais aplicam-se as regras referentes aos vícios das sentenças, nomeadamente no que tange às suas eventuais nulidades. 16ª - Nos termos do disposto na al.ª d) do n.º 1, do art.º 615º do CPC, é nula a sentença (ou o despacho) quando, entre outras causas ali previstas, “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” 17ª - É igualmente ferida de nulidade a decisão carecida de fundamentação factual ou jurídica, como resulta da alínea b) do n.º 1, do mesmo art.º 615º, isto é, quando a decisão “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. 18ª - Em suma, na parte em que relegou para outra “sede”, e outro momento, a submetida questão do crédito por benfeitorias e jacente direito de retenção, o despacho recorrido violou o dever de fundamentação e de pronúncia, estabelecidos no citado art.º 615º do CPC, gerando a sua nulidade. 19ª - O despacho recorrido violou e fez uma incorreta interpretação e aplicação, entre outras normas legais, dos art.ºs 154º, 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, al. d) do CPC e art.ºs 473º, 1273º, 754º e 759º do Código Civil. Remata pedindo que seja declarada a nulidade do despacho judicial proferido pelo Tribunal “a quo” em 09/10/2024, na parte que decidiu ser outra a “sede” para julgamento e decisão do direito de retenção, e subjacente direito de crédito por benfeitorias, contrariamente ao que se encontrava invocado e peticionado pela Recorrente, anulando-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. As executadas responderam concluindo que deve ser mantida a decisão proferida em 1ª instância, e julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pela terceira adquirente do imóvel. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso[6], importa apreciar e decidir: a) nulidade da decisão; b) se se deverá proceder à entrega da fração autónoma (decorrente da anulação da venda executiva) ou se o invocado direito de retenção (baseado em “crédito” por alegadas despesas e benfeitorias) poderá obstar ou paralisar aquele procedimento da ação executiva. * II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede - nenhuma dúvida se suscita sobre a realidade/factualidade (e a tramitação) mencionada no despacho recorrido, bem como relativamente aos demais fundamentos aludidos pelas partes, quer nas ditas “conclusões”, quer nos sucessivos requerimentos que antecederam aquele despacho.[7] 2. Cumpre apreciar e decidir. a) A apelante diz que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo não fundamentou a decisão recorrida e deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar. A sentença é nula quando, nomeadamente, o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento - art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC. b) Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis, é recorrente a afirmação de que o vício da mencionada alínea b) apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.[8] No entanto, no atual quadro constitucional (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, para que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[9]. c) E a previsão da referida alínea d) relaciona-se com o art.° 608°, n.º 2 - “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” - e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade (omissão de pronúncia) tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda (excesso de pronúncia) reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, devendo a palavra “questões” ser tomada em sentido amplo: compreenderá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Contudo, é incorreto inferir-se que a sentença deverá examinar toda a matéria controvertida, ainda que o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável - neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “excetuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.[10] A apontada nulidade só abrange a total omissão de alguma das questões levantadas (seja pelo autor como fundamento da ação, seja pelo réu como fundamento das exceções ou do pedido reconvencional) mas já não compreende a necessidade de apreciar todas as razões ou argumentos em que as partes fundamentam a sua posição perante cada uma das questões debatidas.[11] d) Analisada a decisão recorrida verifica-se que não enferma das invocadas nulidades, na medida em que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo pronunciou-se sobre as questões que devia apreciar; conheceu das questões em discussão nos autos - ainda que de forma sucinta - e decidiu em conformidade com a fundamentação que teve por adequada, sendo que o “vício” em causa (enquanto mero erro de atividade ou de construção) não se confunde com o eventual “erro de julgamento”. 3. Estatuindo sobre os “casos em que a venda fica sem efeito” - para além dos casos previstos no art.º 838º[12] (anulação da venda executiva) -, estabelece o art.º 839º, do CPC (de 2013): Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito: a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo[13]; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195º; d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono (n.º 1). Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra (n.º 2). Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço (n.º 3).[14] 4. O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (art.º 754º do CC) Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de, nos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor, ser pago com preferência aos demais credores do devedor (art.º 759º, n.º 1, na redação conferida pelo DL n.º 48/2024, de 25.7). Nos casos previstos na parte final do número anterior, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (n.º 2). Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações (n.º 3).[15] 5. Em sentido próprio, consignado no art.º 754º do CC, o direito de retenção traduz-se na faculdade de alguém, que está obrigado a entregar certa coisa, a poder manter em seu poder enquanto, por seu turno, não for pago de um crédito que tem sobre o titular dessa coisa, resultante de despesas feitas com ela ou de danos por ela causados - direito, que tem o devedor, de diferir a entrega de uma coisa na sua posse, como meio de levar o credor a cumprir uma obrigação em que se encontra para com ele -, existindo, assim, uma relação de conexão entre o crédito à restituição da coisa e o crédito garantido (não bastando a simples comunhão de fonte). Para além disso, o credor titular do direito de retenção pode pagar-se à custa dela com preferência sobre os demais credores - constitui assim um verdadeiro direito real de garantia (dotado das caraterísticas do caráter absoluto, da inerência, da sequela e da prevalência).[16] Também se considera que, em princípio, quem efetua benfeitorias numa coisa (art.º 1273º do CC), tem o direito de a reter até ser reembolsado das mesmas.[17] 6. O ius retentionis não constitui apenas uma garantia do crédito do retentor (com os poderes dimanados dos art.ºs 754º, 758º e 759º, do CC) mas funciona também como uma causa legitimadora do não cumprimento da obrigação de entrega da coisa.[18] 7. A situação dos autos não é isenta de dificuldades. Não obstante as conhecidas vicissitudes da ação executiva em análise, a pretensão de restituição do bem às executadas/recorridas encontra acolhimento no referido acórdão desta Relação de 09.4.2024 conjugado com o disposto no art.º 839º, n.º 3 do CPC. Contudo, importa providenciar pela concordância prática e/ou compatibilização dos direitos e interesses em presença, sabendo-se que, no presente enquadramento, as executadas e a compradora são as únicas interessadas na decisão da questão em apreço, tendo sido observado o prazo fixado no referido preceito (ligado a exigências de certeza e segurança jurídicas - necessidade de assegurar a proteção e a estabilidade das vendas em execução, bem como a proteção da confiança, da segurança jurídica e da boa fé dos terceiros adquirentes).[19] 8. A venda executiva poderá ser caracterizada como um contrato especial de compra e venda com características de ato de direito público ou como um ato de direito público de transmissão onerosa de direitos privados penhorados em ordem ao pagamento da obrigação exequenda. A anulação/ineficácia da venda decorre do assinalado e confirmado no aludido aresto, sendo que os fundamentos das referidas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 839º visam tutelar o executado, funcionam em seu benefício - a venda fica sem efeito para que o executado possa pedir a restituição dos bens vendidos. Pedida a restituição, em regra, o comprador, depois de embolsado do preço e das despesas da compra, tem de restituir o bem vendido. O direito à restituição deve ser exercido no próprio processo de execução, no prazo legal, e o juiz determinará/ordenará a restituição dos bens pelo comprador quando embolsado previamente do preço e das despesas da compra.[20] 9. O procedimento para o exercício deste direito, integrado no próprio processo executivo, não prevê que se estabeleça qualquer audiência contraditória nem qualquer fase de proposição e de produção de provas, pois que a decisão meramente trata de extrair, de ordenar, um mero efeito que a lei consagra e que decorre do que já resulta dos autos, se encontra sedimentado e é de todos os interessados conhecido. A decisão que declara sem efeito as vendas constitui caso julgado em relação aos compradores, embora estes tenham sido estranhos aos factos e ao processo de reclamação de que a decisão emana. Os compradores sofrem o efeito reflexo do caso julgado.[21] 10. O procedimento (para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva) previsto no art.º 839º, n.º 3, do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória. Revestindo natureza executiva, deve ser deduzido contra aquele comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra. 11. Porém, na situação em análise, dado o emaranhado de que nos dá conta, por exemplo, o citado acórdão desta Relação de 09.4.2024[22] (e a decisão da 1ª instância por ele confirmada, de 04.10.2022) - imbróglio que aqui não se poderá/deverá dilucidar... -, podemos dizer que deixaram de estar em causa, apenas, as consequências do efeito anulatório da venda executiva. E se, em princípio, quaisquer outras eventuais questões que envolvam interesses e direitos de terceiros têm de ser tratadas em ação própria, que não a executiva e no âmbito do dito incidente[23], verifica-se, ainda, que as circunstâncias do presente caso aconselham que a restituição só deva ter lugar depois de acauteladas e pagas as despesas (com a coisa) que a recorrente/compradora, muito provavelmente, deverá embolsar (além dos valores mencionados na decisão sob censura). 12. No requerimento de 01.8.2024, a recorrente indicou despesas com a aquisição no valor global de € 20 906,07 (art.º 6º e 18º), benfeitorias introduzidas no imóvel (materiais e mão de obra) no valor global de € 11 173,98€ (art.ºs 12º a 14º e 18º), despesas de Instalação e de Funcionamento do Imóvel (prestação anuais de IMI e quotizações condominiais) no valor de € 4 907,65 (art.º 17º e 18º) e despesas com alteração da sede social (taxas, emolumentos e honorários de solicitador havidas com a instalação de sua sede) no montante de € 624,10 (art.ºs 17º e 18º). Afirmou que a restituição do prédio às executadas sempre estará condicionada à prévia satisfação do seu invocado crédito - a soma de todos aqueles valores (art.º 18º)[24] -, o que vemos retomado na alegação de recurso (cf., sobretudo, “conclusões 3ª a 5ª”, ponto I., supra). Face ao estabelecido no art.º 754º do CC (“quando existe” o direito de retenção), dir-se-á que o crédito por benfeitorias (alegado pela recorrente) não será uma realidade idêntica ao crédito por despesas feitas com a coisa a que alude aquele normativo. O crédito por despesas feitas com a coisa, em princípio, deverá ser pago na sua totalidade[25]; o crédito por benfeitorias pode não coincidir com o montante das despesas feitas com a realização das benfeitorias, pois no caso das benfeitorias importará indagar as circunstância da sua realização[26] e sabemos que o (eventual) crédito obedece ao critério do enriquecimento sem causa [cf., designadamente, art.ºs 756º, alínea b) e 1273º do CC]. Por conseguinte, não será matéria a dilucidar em incidente sequente à anulação da venda executiva - as vicissitudes, o imbróglio e a delonga do caso apontam para a necessidade de adequada ponderação, obviamente, não compatível com a indagação e decisão no contexto de um mero incidente. [27] 13. Na verdade, na situação em análise há que levar em atenção: No processo executivo o art.º 839º, n.º 3 do CPC, ordena a restituição se ela for pedida. Foi pedida; daí, o tribunal devia ordená-la. O comprador invoca o direito de retenção [“(...) do imóvel que se encontra na sua legítima posse, até ao momento de satisfação integral dos seus créditos sobre as executadas” - cf. “conclusão 8ª”, ponto I., supra] e, ao que tudo indica, dele gozará e poderá exercitá-lo, mas isso impede a restituição. Se se procede à entrega inutiliza-se o direito de retenção (no pressuposto de que existe, independentemente do juízo sobre a razão de ser/justificação de cada uma das parcelas discriminadas no requerimento de 01.8.2024). Ora, se o comprador goza deste direito a lei processual tem de admitir o seu exercício. Por isso, poder-se-ia equacionar a abertura de um incidente no processo executivo para discutir e decidir esta questão. Contudo, porque a complexidade da matéria implicará alegação dos factos, adequado exercício do contraditório, produção de prova e ampla discussão da causa - a correspondente fase processual da execução não comporta este procedimento -, e afigurando-se, pois, que o invocado direito de retenção obsta à entrega, resta e importa remeter os «interessados para os meios comuns» para conhecimento da matéria em ação autónoma (a intentar para o efeito). 14. Concluindo: justificar-se-á a recusa da restituição [sem prejuízo do determinado embolso à compradora do preço pago e das despesas da compra/venda executiva que foi anulada - alíneas “b)” e “c)” da decisão]; a concreta questão indicada no ponto anterior deverá ser decidida em ação (autónoma) que envolva todos os «interessados». Sendo assim possível fazer valer o invocado direito de retenção, que obsta ou paralisa aquele procedimento da ação executiva (no que concerne à entrega do bem), a decisão recorrida será revogada no tocante às alíneas “a)” e “d)” do segmento injuntivo. 15. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, procedendo a apelação, revoga-se o despacho recorrido na parte impugnada e nos termos indicados em II. 14., supra. Custas pelas executadas/apeladas. * 05.6.2025
[1] Instaurada em 31.3.2015 (data da apresentação do requerimento executivo). [2] Publicado no “site” da dgsi (processo 2298/15.0T8VIS-B.C1). [3] Concretizada a venda e sequente transmissão da propriedade em dezembro/2021, por requerimento de 09.5.2022 vieram as executadas, ao abrigo do disposto no art.º 851º do CPC, invocar a falta de citação das mesmas, pedindo: «Nestes termos (...), ao abrigo do disposto no artigo 851º do CPC, deverá ser conhecida e declarada a nulidade da execução por falta de citação, nos termos dos artigos 188º nº 1, als. a) e c), 191º e 195º do mesmo diploma legal (...). Mais se requerendo, nos termos do artigo 839º, n.º 1, al. b) do CPC, que seja anulada a venda da fração designada pela letra B do prédio sito no Bairro ..., ..., em ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...10 e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o registo n.º ...10, e sejam anulados todos os registos prediais efetuados na sequência desta ação executiva, incluindo o próprio registo de penhora, com a consequente restituição do imóvel às executadas.” [6] Admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. [7] Reportamo-nos aos requerimentos apresentados pelas executadas/recorridas em 27/5/2024 (inicial de Entrega do Imóvel), 13/6/2024, 10/7/2024 e 10/9/2024 e pela recorrente em 31/5/2024 (Oposição à Entrega) e em 01/8/2024, todos juntos aos autos de execução e reproduzidos nestes autos de recurso (fls. 20, 21, 23, 28, 31 e 68). [12] Que preceitua: «Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906º do Código Civil (n.º 1, sob a epígrafe “anulação da venda e indemnização do comprador”). A questão prevista no número anterior é decidida pelo juiz, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem (n.º 2). Feito o pedido de anulação do negócio e de indemnização do comprador antes de ser levantado o produto da venda, este não é entregue sem a prestação de caução; sendo o comprador remetido para a ação competente, a caução é levantada, se a ação não for proposta dentro de 30 dias ou estiver parada, por negligência do autor, durante três meses (n.º 3).» O referido preceito na sua redação primitiva reproduz o art.º 921º do CPC de 1961 (na redação do DL n.º 226/2008, de 20.11). A Lei n.º 117/2019 de 13.9, alterou a epígrafe e o n.º 1 deste artigo, sendo a epígrafe e o n.º 1 anteriores do seguinte teor: «Anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado / 1 — Se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo.» [14] A redação primitiva do preceito era idêntica ao art.º 909º do CPC de 1961 (na redação conferida pelo DL n.º 38/2003, de 08.3), com atualização das remissões constantes das alíneas b) e c) do n.º 1 e correção da remissão que era feita na alínea b) do n.º 1 do art.º 909º do CPC. A Lei n.º 117/2019, de 13.9, alterou a alínea b) do n.º 1, sendo a redação anterior a seguinte: «b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do artigo 851º.» [15] Sabendo-se que com a atual redação do art.º 759º do CC, conferida pelo DL n.º 48/2024, de 25.7, o legislador teve em vista «condicionar a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca anteriormente registada à circunstância de o crédito garantido assegurar o reembolso de despesas feitas com o imóvel que tenham contribuído para o conservar ou para aumentar o respetivo valor» (cf. preâmbulo do referido diploma), dir-se-á que em matéria de contrato de arrendamento, e no domínio de aplicação da anterior redação ou de anteriores codificações, perspetiva similar já seria então defendida por, nomeadamente, Vaz Serra, Direito de Retenção, BMJ 65º, pág. 104; F. M. Pereira Coelho, Arrendamento, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano letivo de 1986/87, pág. 141 e L. M. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 4ª edição, Almedina, 2010, pág. 87. [16] Vide, nomeadamente, L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris-Sociedade Editora, Lisboa, 2010, págs. 163 e seguinte; Vaz Serra, Estudo cit., págs. 103, 108, 138, 143 e 153; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I., 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 741 e seguintes [comenta-se a págs. 742: «Para que exista direito de retenção, nos termos deste artigo 754º, é necessário, em primeiro lugar, que o respetivo titular detenha (licitamente: cf. art.º 756º, ´a)`) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar, que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição; por último, que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (´debitum cum rei junctum`), nas condições definidas naquele artigo – despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados. Como exemplo do primeiro caso, pode citar-se o do crédito por benfeitorias feitas pelo possuidor de boa fé (cf. art.ºs 1273º e 1275º; vide também o caso decidido pelo ac. do STJ, de 18 de dezembro de 1970, no BMJ, n.º 202, págs. 202 e segs.)»] e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II., Reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, pág. 579 e seguintes. Na jurisprudência, caracterizando o direito de retenção, cf., de entre vários, acórdãos do STJ de 04.10.2005-processo 05A2158 e 16.5.2019-processo 61/11.7TBAVV-B.G1.S1, publicados no “site” da dgsi. [19] Cf., por exemplo, acórdão do STJ de 20.12.2017-processo 3018/14.2TBVFX.L1.S1 (considerando-se, nomeadamente, que “A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução na base do estabelecimento de um tão curto prazo destinar-se-á, justamente, a evitar situações como a dos autos – em que o comprador do bem na execução proceda a negócios com terceiros que tenham aquele como objecto, maxime, realizando a respetiva venda - e que obstaculizem a restituição do bem ao executado.”), publicado no “site” da dgsi. [20] Vide J. Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 398 e seguintes; Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 923 e seguintes e J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2º (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, págs. 434 e seguintes, referindo este autor (comentando idêntica norma do CPC de 1939/art.º 909º) que as consequências produzidas pela execução são “apagadas” “restituindo o executado ao estado anterior à penhora e portanto entregando-lhe, livres do vínculo jurídico que a penhora criara, os bens que haviam sido apreendidos e vendidos” (pág. 434) e que “o credor tem direito a ´reter` os bens enquanto não receber o que lhe é devido: preço e despesas” (pág. 436) (sublinhado nosso), problemática a respeito da qual suscita depois a dúvida (atento o teor do art.º 909º do CPC de 1939) indicada a págs. 447 e seguinte. Sobre esta matéria e em idêntico sentido, à luz do regime estatuído pelo CPC 1961, vide E. Lopes Cardoso, Manual da ação executiva, IMCM, 1987, pág. 645 - “(...) o comprador (...) tem direito de retenção sobre os bens restituendos até ser reembolsado do preço da compra e das despesas desta.” [23] Cf., nomeadamente, o cit. acórdão do STJ de 20.12.2017-processo 3018/14.2TBVFX.L1.S1 [com o sumário: «(...) V. O procedimento para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva, nos termos dos artigos 909º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, correspondente ao atual art.º 839º do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória. VI. Tal procedimento reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra o comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra àquele comprador. VII. Já a pretensão de restituição dos bens contra terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva, deverá ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório da venda executiva àquele terceiro que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, não se afigurando que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no indicado artigo 909º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura dessa ação. VIII. Além disso, nos casos em que, como o dos autos, no momento da decisão anulatória definitiva da venda executiva, o comprador já tenha alienado a terceiro os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrará em condições de proceder à restituição desses bens, não se sendo lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda, nos termos do art.º 909º, n.º 3, do CPC.»] e o acórdão da RP de 07.02.2022-processo 4494/17.7T8ENT-D.P1 [sumariando-se: «I - Ficando a venda executiva “sem efeito” nascem, para o executado/vencedor, como efeitos opcionais da ineficácia superveniente da venda, direitos (conferidos pelo n.º 3 do art.º 839º, do CPC): ´i) - à restituição dos bens; ii) ao preço da venda`, a exercer, na ação executiva, dentro de 30 dias a contar da decisão definitiva. (...) III - Não obstante a lei, ao consagrar os referidos efeitos, tutelar interesses do executado, o legislador estatuiu, para a opção pela restituição, um prazo curto, por razões de certeza e segurança jurídicas, com vista à, proporcional, defesa, dos interesses do comprador, também merecedores de tutela. IV - E, na ação executiva, não é permitido o exercício de outros direitos, sequer o exercício do direito de restituição fora do referido prazo, sendo que pretensões nesse sentido, das partes ou de terceiros, designadamente decorrentes de responsabilidade civil, por ação ou omissão, têm, a poder ser exercidas, de o ser em ação própria. V - De nenhuma inconstitucionalidade material padece a interpretação conferida ao n.º 3, do art.º 839º, do CPC, que consagra meros efeitos das vicissitudes que o processo executivo revela, habilitando, desde logo, à decisão, meramente materializadora de estatuição legal, a decretar efeitos consagrados como os justos e adequados, que proporcionais são ao caso de a venda ficar sem efeito e aos vários interesses a tutelar – os dos executados e os dos compradores -, sendo que outros direitos, das partes ou de terceiros, que porventura possam ser configurados, não ficando sem tutela têm, contudo, de ser exercidos em meio próprio.»], publicado no “site” da dgsi. [26] Cf. por exemplo, o requerimento da compradora de 01.8.2024 e documentos anexos (impugnados pelas executadas). [27] Ante a descrita configuração do caso em análise, não será de atuar e reconhecer o direito de retenção na forma indicada no cit. acórdão do STJ de 16.5.2019-processo 61/11.7TBAVV-B.G1.S1 [onde conclui: «(...) V. O direito de retenção, na medida em que configura um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, direito não tem, necessariamente, que ser declarado, ou reconhecido, previamente pelo tribunal, podendo ser reconhecido, para efeitos de concurso e graduação de créditos, no processo de execução, por via da reclamação do crédito e invocação da respetiva garantia decorrente do direito de retenção.»]. |