Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/23.5T8TCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONCEITO DE PRÉDIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
LOGRADOURO
BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – TRANCOSO – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 204.º, 216.º, 479.º, 1273.º, N.º 2, 1380.º, N.º 1, A) E 1382.º, N.º 1, 1380.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1 - O Código Civil não incluiu na definição/conceito de prédio a sua inscrição na matriz predial.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1380.º do Código Civil, um prédio rústico é uma área de solo delimitada, com as construções nele existentes que não tenham autonomia económica; um prédio urbano é um edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro – artigo 204.º do Código Civil –, podendo qualquer deles ser composto por um ou mais artigos matriciais.

3 - A carência de autonomia das construções e a afetação de terrenos como logradouro determinam-se de acordo com a perceção apreensível por qualquer pessoa dotada de mediana informação e inteligência

4 - A medida da restituição do enriquecimento – artigo 479.º, n.º 1, do Código Civil – tem dois limites: o do enriquecimento e o do empobrecimento. Se o credor das benfeitorias gastou na sua execução 20, mas a coisa ficou só valorizada em 10, o devedor só se locupletaria com estes 10 e, por isso, só tem de restituir os 10 com que se enriqueceria; mas se na sua execução gastou 20 e a coisa só ficou valorizada em 10, o devedor só se locupletaria com estes 10 e, por isso, só tem de restituir os 10 com que se enriqueceria.

5 – Provando-se que foram feitas despesas com a coisa, mas não existindo elementos factuais para saber se existiu ou não existiu algum enriquecimento, o pedido de indemnização por benfeitorias improcede.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto……… Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

2.º Juiz adjunto………. Carlos António Paula Moreira


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Sumário: (…)

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Recorrente…………………..AA;

Recorridos…………………..BB e CC,

Todos melhor identificados nos autos.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pelo réu AA e é dirigido à sentença que julgou a ação procedente, ação esta através da qual os Autores exercem um direito de preferência relativamente ao prédio identificado nos autos, comprado pelo réu ora recorrente, o qual se vê obrigado, pela sentença, a abrir mão dele a favor dos recorridos.

Nos autos debateram-se várias questões, entre elas saber da natureza rústica ou não rústica do prédio do artigo matricial ...24 pertencente ao recorrente, o qual sustenta que tem natureza rústica e que tal item inviabiliza o direito de preferência exercido pelos recorridos; outra questão respeita aos trabalhos que foram realizados no prédio do artigo ...25, por parte do recorrente, e respetivo valor para efeitos de indemnização por benfeitorias, questão relevante na hipótese do recorrente ser obrigado a abrir mão do prédio.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Em face de todo o exposto, julga-se a ação procedente e, em consequência, decide-se:

a) Declarar que o preço acordado e pago pelo negócio de compra e venda mencionado no ponto 3. dos factos provados foi pelo valor de €10.000,00;

b) Declarar procedente a ação de preferência, ficando BB e DD investidos na posição de compradores na escritura de compra e venda mencionado no ponto 3. dos factos provados e, em consequência, de haver para si o prédio objeto da mesma, declarando-se estes como seus proprietários plenos;

c) Determinar a atualização da AP. ...39 com a substituição do Réu AA pelos Autores BB e DD;

d) Condicionar a eficácia das alíneas a) e b) deste dispositivo ao depósito por parte dos Autores, dentro de 10 dias após trânsito desta sentença, da quantia de €10.000,00 e da quantia correspondente aos custos acrescidos por força do decidido na alínea a) deste dispositivo;

e) Ordenar que, após 10 dias do cumprimento da alínea d) deste dispositivo, a quantia depositada nestes autos seja transferida para AA;

f) Absolver o Réu AA do pedido de condenação como litigante de má-fé;

g) Condenar os Réus em custas processuais.»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do réu AA, cujas conclusões são as seguintes:

« I Afigura-se ao Recorrente que o pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência atribuído pelo artigo 1380º do C.C. aos proprietários de terrenos confinantes é de estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que eles sejam efectivamente agricultados.

II É sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos estes requisitos, nos termos do disposto no artigo 342º, nº1 do Código Civil, impendendo sobre aqueles contra quem é invocado este direito, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do citado artigo 342º, e 1381º, alíneas a) e b), do mesmo código, o ónus de provar factos dos quais se possa concluir pela verificação de alguma das exceções contidas nestas duas alíneas”.

III No entanto, a discussão in casu centra-se, pois, na eventual existência de factos impeditivos, mais precisamente na possibilidade de o terreno do Réu, ora Recorrente se destinar a fim que não seja a cultura [cfr. artigo 1381.º, al. a), in fine].

IV O Recorrente adquiriu os prédios rústicos com os nºs matriciais ...23 e ...24 por escrituras lavradas no Cartório Notarial ..., ambas em 16/08/1984 (Cfr. Docs. de fls.. juntos aos autos, que na p.i., quer na contestação/Reconvenção e nºs. 3 e 7 dos factos provados).

V Ora tais prédios rústicos considerados terrenos aptos para cultura, mormente, terra de pinhal e pastagem e terra de cultura, pastagem e videiras Cfr. Docs. juntos à p.i. e factos provados nºs. 3 e 7).

VI Portanto, há mais de 20, 30, 40 anos, que os prédios identificados nos pontos 4., 7. e 11. são utilizados indistintamente, pelo menos desde 1984, pelo Réu AA e por CC, sem qualquer marco, sinal, delimitação física ou separação (Cfr. Nº 13 dos factos provados)

VII Sendo certo que os documentos juntos (caderneta predial, certidão permanente predial e escrituras não foram impugnadas pelos AA./Recorridos, nem a finalidade dos prédios ali identificados e ora em apreciação nos presentes autos (cfr. Factos provados nº. 13, 15, 17 e 18).

VIII Posição defendida já pelo douto acórdão do STJ, 06/07/2023, Procº 249/19.2T8TVR.E1.S1, e douto acórdão do TRE: “Para que o direito de preferência tenha êxito não se torna necessário que deparemos com um efetivo cultivo dos terrenos confinantes, bastando a mera aptidão para a cultura”- Ac. TRE Évora, 20-09-2007, P. 575/07-2, in www.dgsi.pt.

IX Por conseguinte, os prédios confinantes devem ser aptos para cultura, sem o que o direito de preferência não deverá ser reconhecido.

IX Ora, precisamente, o Recorrente demonstrou todos os pressupostos legais do direito de preferência, ou seja, que os seus prédios confinantes com o prédio preferente são aptos para cultura e sempre foram cultivados e lavrados (existe cultivo de couves e árvores de fruto), sendo certo que a isso não estava obrigado, até ao presente.

X Fazendo uma interpretação do artigo 1381.º do CC à luz da teleologia do instituto do direito de preferência (propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, com vista a alcançar-se uma exploração agrícola tecnicamente rentável e evitar-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente) e na senda daquilo que vem sendo decidido neste Supremo Tribunal de Justiça, deve entender-se que basta a aptidão do terreno para cultura para não poder ser afastado o direito de preferência.

Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2011 (Proc. 7712/05.0TBBRG.G2.S1) “Pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência atribuído pelo art.1380º do Código Civil aos proprietários de terrenos confinantes, é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura”.

XI Quer isto dizer que, na óptica do ora Recorrente, a existência ou não de efectiva exploração agrícola do terreno não é necessária para este efeito.

XII Por conseguinte, o Recorrente não só demonstrou à saciedade que os seus dois prédios são aptos para cultura, mas que efectivamente os mesmos se encontram lavrados e afectos à agricultura (existe cultivo de couves e árvores de fruto e no patamar inferior, existe um poço, uma zona com árvores de fruto e edificações), sendo certo que a isso não estava obrigado (Cfr. Factos provados nºs. 3, 4, 7, 13, 15, 17 e 18).

XIII Por aplicação conjugada dos artigos 1381.º e 342.º, n.º 2, do CC, o ónus da prova dos factos impeditivos do direito de preferência recai sobre aqueles contra quem o direito é invocado, ou seja, aqui os Recorridos.

XIV Ora, O Recorrente logrou demonstrar e provar factos de que nos seus prédios encontram-se cultivados e plantados e que existem ali construções, as quais não têm qualquer autonomia económica, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 204º, nº 2 do Código Civil [cfr. factos provados 3, 4, 7, 13, 15, 17 e 18.

XV Não obstante ali existir um armazém que, aliás, serve para guardar instrumentos destinados à agricultura, uma piscina e uma casa de máquinas, tais factos não contrariam a aptidão do prédio para a cultura – e, como tal, os Recorridos não demonstraram que está precludida a possibilidade de, no futuro, vir a ser efectivamente desenvolvida a cultura em toda a sua plenitude.

XVI Não tendo os Autores/Recorridos logrado provar qualquer facto relevante neste plano, a questão da existência do direito de preferência deve ser decidida contra eles.

XVII O facto de, no terreno do Réu Recorrente ter sido edificado uma construção, piscina e casa de máquinas, não é, só por si, demonstrativo de que o Recorrente não possa conjugar essa infraestrutura com uma exploração de cultura se não mesmo de retirar aquela construção a todo o tempo».

XVIII Não é possível, em suma, ter certezas quanto ao destino que, no futuro, será dado ao prédio. O que é certo é que se propiciem as condições ideais para que no prédio passe a ser efectivamente desenvolvida cultura o que, aliás, o Recorrente faz, ou seja, desenvolve agricultura.

XIX Ante o exposto, não se encontra demonstrada qualquer causa impeditiva do direito de preferência do prédio ...24 em relação ao prédio ...25, nos termos do art. 1381.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte do CC, uma vez que tem de se considerar que ambos os prédios são terrenos aptos para cultura e encontram-se efectivamente cultivados.

Sem prescindir,

XX  A existir ou a prever-se uma alteração do fim a que se destinam os prédios, a nova finalidade invocada teria de ser juridicamente admissível à data da aquisição do prédio a preferir.

XXI Sendo que, sempre tal alteração teria de ser coadunável com o determinado pelo Plano Director Municipal (PDM) e resultante de licença da entidade administrativa loca (Câmara Municipal), o que não se verificava à data de aquisição e tampouco se verifica actualmente.

XXII Na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2013, Procº Nº 01146/12 «Um prédio rústico transforma-se em terreno urbano (apto a construção) apenas com o acto administrativo que concede a licença para lotear ou construir.

XXIII Por conseguinte, a construção existente nos prédios do Recorrente, para além de não terem autonomia económica, são ilegais, por não terem qualquer licença de construção, sendo, pois, absolutamente irrelevantes para os presentes autos.

XXIV Nesta sequência, a controvérsia incide em saber se os prédios do Recorrente devem ou não ser classificados como rústicos ou urbanos.

XXV À data de aquisição do prédio preferente pelo Recorrente, os prédios tinham e têm natureza rústica e, em consequência, não podem ser qualificados como urbanos, uma vez que nunca existiu ou sequer existe a concessão de qualquer licença para construir.

XXVI Assim, considerando as normas aplicáveis, é evidente que a modificação da natureza dos prédios rústicos só poderá ocorrer com o acto que concede a licença para se construir ou urbanizar.

XXVII- Nos termos do disposto no artº 6º, nº 3 do CIMI, «os terrenos para construção são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção…)».

XXVIII- Ante o exposto, para efeitos de IMT o conceito de prédio é o definido pelo CIMI (artº 1º, nº 2), tem que se considerar que na data da aquisição do prédio preferente pelo Recorrente, os seus prédios confinantes com aquele eram classificados como prédios rústicos.

XXIX- Pelo supra exposto, também por esta via, o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu, ao alterar a finalidade dos prédios do Recorrente de rústicos, para urbanos (artº 3º, 4º, al c), 6º, nºs 1 e 3 e 17º, nº 1, al. c) do CIMT.

XXX- Resulta igualmente dos Temas de Prova fixados no douto despacho Saneador em vii. Determinar os concretos trabalhos de terraplanagem realizados pelo 1º Réu no prédio descrito em 10º da Petição Inicial, respectivo valor e impacto no trânsito. Assim como do Objecto do Litígio, na al. F) Do direito do 1º Réu a exigir dos Autores o pagamento das benfeitorias realizadas no imóvel adquirido.

XXXI-Em súmula,

O Tribunal a quo decidiu que «No caso, resulta que o Réu procedeu a trabalhos de preparação de terraplanagem e de remoção de pedra que importaram o pagamento de € 5.500,00.

Contudo, não se tratando de benfeitorias que tivessem por finalidade evitar a perda, a destruição ou deteriorização do prédio – para serem consideradas benfeitorias necessárias –, teria de ter sido alegado e demonstrado que, tais trabalhos, apesar de não serem indispensáveis para a sua conservação lhe aumentaram o valor para que pudessem ser consideradas benfeitorias úteis.

Refira-se que, não foi alegado qualquer facto demonstrativo do concreto aumento do valor do prédio ...25 com os trabalhos realizados, para se puder concluir de que maneira é que o mesmo ficou valorizado.

Por conseguinte, os Réus ao não terem logrado provar que, em resultado da sua intervenção, o prédio saiu valorizado, tem-se de concluir pela improcedência do pedido reconvencional».

XXXII- O ora Recorrente não se conforma, antes se insurge contra estra conclusão porque, para além de injusta, é contrária ao Direito e à Justiça.

XXXII- O Ré alegou, no seu articulado de contestação/Reconvenção diversas benfeitorias realizadas no prédio preferente, com o artigo matricial (Cfr. Artºs 94º a 101º).

XXXIII- São os próprios AA./Recorridos que reconhecem e confessam expressamente que foram realizados trabalhos de terraplanagem (Cfr. Artºs 94º e 95º da p.i.).

XXXIV- Logrou o Recorrente provar que procedeu a trabalhos de preparação de terraplanagem e de remoção de pedra no referido prédio preferente.

XXXV- Mais logrou o Recorrente demonstrar e provar, inequivocamente, que tais benfeitorias importaram o pagamento de € 5.500,00.

XXXVI- Contudo, ao invés do decidido em 1ª instância, o Recorrente alegou efctivamente factos demonstrativos do concreto aumento do valor do prédio ...25.

XXXVII- Veja-se o alegado no artº 103º do seu articulado de contestação/Reconvenção: «só agora que o terreno está todo terraplanado, nivelado e apetecível é que vieram os AA. exercer um pretenso direito de preferência». Daqui se conclui, de forma inequívoca, que o Recorrente logrou provar que, em resultado da sua intervenção, o prédio ...25 saiu valorizado.

XXXVII- Verifica-se na factualidade apurada a evidência no entanto a manifestação de um poder de facto do Recorrente - traduzido, na execução das obras e trabalhos de preparação de terraplanagem e de remoção de pedra no referido prédio preferente. Ora,

XXXVIII- Cabe ao possuidor, de boa ou má fé, o direito ao levantamento das benfeitorias úteis, ou ao seu valor, este apurado segundo as regras do enriquecimento sem causa, de harmonia como o estatuído nos nºs 1 e 2 do art.º 1273º do CC. É que estruturalmente as benfeitorias integram uma despesa - art.º 216, nº 1 do CC - e como tal terão de ser calculadas sempre que não possam ser reavidas em espécie.

XXXIX- Sendo incontroverso que as obras alegadas pelo Recorrente não podem ser recuperadas, sem destruição do prédio, somos por essa via remetidos para a disciplina específica do enriquecimento, especialmente constante dos art.ºs 479 e seguintes do CC.

XXXX- Face ao que se mostra exigido pelos art.ºs 479º e 480º e ss. do C.C o objecto da restituição: a expressão restituição afigura-se-nos, de resto, mais consentânea ou adequada à ideia de reposição de um desvio ou deslocação patrimonial injustificados, como é aquela que explica o direito do possuidor ao valor das benfeitorias.

XXXXI- O Recorrente descreveu todas as obras que efectuou, designadmente, procedeu a trabalhos de preparação de terraplanagem e de remoção de pedra no referido prédio preferente (cfr. O seu articulado de contestação/Reconvenção, nos Artºs 94º a 101º). Por outro lado,

XXXXII- São os próprios AA./Recorridos que reconhecem e confessam expressamente que foram realizados trabalhos de terraplanagem (Cfr. Artºs 94º e 95º da p.i.). Ademais,

XXXXIII- Alegou igualmente o Recorrente no artº 103º do seu articulado de contestação/reconvenção «só agora que o terreno está todo terraplanado, nivelado e apetecível, é que vieram os AA. exercer um pretenso direito de preferência». Ora,

XXXXIV- Se é verdade que este ponto não atribui uma quantia específica sobre o valor do prédio, o que é certo é que demonstra que o prédio foi valorizado com as benfeitorias realizadas pelo Recorrente, uma vez que o prédio ficou apto para a plantação de um olival.

XXXXV- E com esta factualidade apurada e com o depoimento da testemunha EE, que realizou as obras, é viável saber que o Recorrente despendeu mais de 5.500,00€ no prédio valorizando-o, ou seja, aumentaram o valor objectivo do prédio, como resultado efectivo da intervenção efectuada pelo Recorrente. Por conseguinte,

XXXXVI- Por conseguinte, existem inequivocamente elementos para determinar a medida do exacta do empobrecimento do Recorrente, e o enriquecimento dos Recorridos.

XXXXVII- Não se suscitam pois quaisquer dúvidas que cabe ao possuidor, de boa ou má-fé, o direito ao levantamento das benfeitorias úteis ou, quando haja detrimento da coisa objecto da posse, ao seu valor, este apurado segundo as regras do enriquecimento sem causa. E perante o direito à restituição do valor de uma benfeitoria, são elementos tipicamente constitutivos do direito atribuído ao empobrecido a alegação e prova dos factos que consubstanciem o montante despendido ou perdido pelo autor da benfeitoria, ou seja, a medida do empobrecimento, o que foi alegado, demonstrado e provado pelo Recorrente.

XXXXVIII- E, sendo as benfeitorias úteis aquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam o valor, tendo sido eliminada a pedra existente no prédio, feita a terraplanagem e tendo em vista a plantação de um olival, o que sem aquela intervenção, teria menos valor.

XXXXIX- Foram violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 1380º, 1381º, 204º, nº 2, 216º, nº 3, 342º, 1273º 1324º, 1381º, nº 1, todos do Código Civil e artigos q1º, nº 2, 6º, nº 3 do CIMI e artºs. 3º, 4º, al) c), 6º, nºs 1 e 3 e 17º, nº 1, al c) do CIMT.

termos em que e nos melhores de direito, que V/EX.ªS doutamente suprirão, devem dar provimento ao presente recurso e em consequência, serem alterados os factos provados e os não provados resultantes da prova produzida, designadamente o ponto 3), bem como, ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo, proferindo acórdão a absolver o réu, ora recorrente, da totalidade dos pedidos formulados assim, se fazendo a acostumada justiça!!!

c) Foram produzidas contra-alegações, cujas conclusões são estas:

«1.º - O recorrente permite-se produzir afirmações e factos que não foram alegados e provados e constam como pressupostos adquiridos na argumentação desenvolvida no recurso que inquinam as suas conclusões;

2.º - Desde logo o recorrente não é proprietário do prédio inscrito na matriz sob o art....23.º, não está provado que o armazém se destina a guardar instrumentos destinados à agricultura, que as edificações não têm licença de construção e que o prédio (...25.º) está apto para a plantação de um olival.

3.º - Acresce que o recorrente confunde factos com conclusões. Não é verdade que o recorrente alegou benfeitorias (alegou trabalhos) e que o alegado no art. 103.º da contestação/reconvenção demonstra o concreto aumento do valor do prédio ...25;

4.º - Os recorridos demonstraram nos autos que o prédio inscrito na matriz sob o art. ...24 é um prédio urbano que constitui o logradouro da casa de habitação do recorrido e que o mesmo se encontra afeto a lazer (piscina, fontanário, pavimento em pedra), arrumações (edificações) e passagem (caminho de terra batida);

5.º - Na inspeção ao local, o Tribunal a quo verificou que no prédio inscrito na matriz com o art. ...24, além da piscina, pavimento com pedras em granito e edificações, localiza-se o caminho de acesso à casa de habitação com o art. matricial ...32 (facto provado em 11 e 12) e tem apenas uma fiada de videiras!

6.º- Na peritagem realizada, à pergunta “Qual a afetação principal atual dos prédios referidos no ponto 9?”:

A resposta foi:

“Com base no observado no local as principais utilizações dos prédios referidos no ponto 9, são de arrecadações e arrumos, existência de um armazém para esse efeito, e lazer, pela existência de uma piscina, anexo em pedra (casa das máquinas de apoio à piscina), fontanário e parte do logradouro com lajetas em granito. “

À pergunta:

- Se os prédios identificados nos artigos 22.º ( art. ...24) e 30.º ( art. ...23) da p.i. e art. 45.º da contestação/reconvenção, correspondem atualmente ao logradouro da casa de habitação situada a poente destes prédios.

A resposta foi: “Sim.”

7.º - Provado que se encontra a natureza urbana do prédio inscrito na matriz sob o art. ...24, propriedade do recorrente, não tem aplicação o disposto no art. 1380.º n.º 1 e o direito de preferência encontra-se excluído por aplicação do disposto no art. 1381.º n.º 1 ambos do Código Civil, uma vez que o referido prédio é parte integrante de um prédio urbano;

8.º - Alega o recorrente que não é possível alterar a finalidade do prédio do recorrente (art. ...24) de rústico para urbano por falta de licenciamento para as construções nele implantadas (pág. 14 e 15 do recurso);

9.º - Escrutinando-se os articulados e os factos provados, não consta que as edificações referidas no ponto 15. I, ii. e iii., 16 e 18 dos fatos provados não tenham sido objeto de licenciamento;

10.º - Pelo que quod non est in actis non est in mundo;

11.º - É jurisprudência e doutrina pacífica que o reconhecimento de um crédito a título de benfeitorias exige a alegação e prova de factos que permitam classificar as obras como benfeitorias necessárias ou úteis, o custo de cada uma delas, o valor que as despesas acrescentaram à coisa e a medida do seu benefício no momento atual;

12.º - Na contestação/reconvenção não foi alegado qualquer facto demonstrativo do concreto aumento do valor do prédio inscrito na matriz sob o art. ...25 com os trabalhos realizados, para se poder concluir de que maneira é que o mesmo ficou valorizado;

13.º - Com efeito e ao contrário do que afirma o recorrente, o alegado no art. 103.º da contestação/reconvenção é matéria conclusiva que não permite fazer essa demonstração.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se a douta de decisão do Tribunal a quo, assim se fazendo, JUSTIÇA.»

II. Objeto do recurso.

As questões que o recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira respeita à impugnação da matéria de facto. O recorrente pretende que sejam declarados provados os factos alegados nos artigos 94.º a 101.º da contestação/reconvenção.

 Isto para efeitos de ser indemnizado por benfeitorias, caso o recurso improceda na parte relativa à aquisição, por si, da propriedade do prédio.

2 – A segunda consiste em saber se o prédio do réu AA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...24, está abrangido, ou não está, pela exceção prevista na al. a) do artigo 1381.º do Código Civil, isto é, se esse terreno constitui parte componente de um prédio urbano ou se é, em si, um prédio rústico, caso em que, nesta última hipótese, inviabilizaria o direito de preferência invocado pelos Autores.

3 – Em terceiro lugar, cumpre verificar se o recorrente tem direito a ser indemnizado por benfeitorias.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

1 – Como se disse, o recorrente pretende que os factos alegados nos artigos 94.º a 101.º da contestação/reconvenção sejam declarados provados e indicou, para o efeito, o depoimento da testemunha FF, tendo transcrito algumas passagens do respetivo depoimento.

Os factos são os seguintes:

«94º Executou naquele prédio rústico trabalhos de terraplanagem. Na verdade,

95º O 1º Réu (AA) contratou a empresa A..., Unipessoal, Lda. para a realização de tais trabalhos, conforme orçamento que se junta (Doc. nº 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos),

96º Assim, naquele prédio rústico o 1º Réu/Reconvinte procedeu ao alargamento de passagem, nivelamento de terreno e respectiva drenagem.

97º Bem como a construção de um muro de suporte de terras e muro de vedação. Aliás,

98º Tais trabalhos e terraplanagem são expressamente reconhecidos e confessados pelos AA. nos artºs. 94º e 95º da p.i., confissão que se aceita, para não mais ser retirada.

99º Ora, tais trabalhos foram orçamentados em 19.800,00€ (dezanove mil e oitocentos euros),

100º Valor a que acresce o IVA, à taxa legal em vigor, no montante de 4.554,00€ (quatro mil quinhentos e cinquenta e quatro euros).

101º Ascendendo assim a um montante global de 24.354,00€ (vinte e quatro mil trezentos e cinquenta e quatro euros).

102º Valor que o 1º Réu irá pagar àquela empresa, após a conclusão dos trabalhos.

103º Só agora que o terreno está todo terraplanado, nivelado e apetecível é que vieram os AA. exercer um pretenso direito de preferência.»

Sobre esta matéria o tribunal declarou provados os seguintes factos

«24. O Réu AA acordou com a empresa A..., Unipessoal, Lda. executar trabalhos no prédio rústico ...25 que consistiram em preparação do terreno para terraplanagem e remoção de pedras.

25. Tais trabalhos importaram o pagamento pelo Réu AA da quantia de € 5.500,00.»

E justificou a convicção deste modo:

«A prova dos factos n.ºs 24 e 25 adveio das declarações prestadas quer pelo Réu AA, quer pela testemunha GG, pois da conjugação destes depoimentos, foi possível apurar que não estão executados todos os trabalhos alegados, mas apenas os trabalhos que se circunscreveram à preparação do terreno para terraplanagem, com a remoção de pedras e que tais trabalhos importaram o pagamento pelo Réu da quantia de € 5.500,00.»

E declarou não provado:

«d. Foram executados trabalhos no prédio rústico ...25 de alargamento de passagem, nivelamento de terreno e drenagem, construção de um muro de suporte de terras e muro de vedação, que importaram o valor total de €19.800,00, acrescido do IVA.»

Com a seguinte justificação:

«O ponto d. adveio da confissão do Réu AA, durante a prestação do seu depoimento de parte, o qual confessou que não se encontram realizados os trabalhos de alargamento de passagem, nivelamento de terreno e drenagem, construção de um muro de suporte de terras e muro de vedação.

Tal confissão foi ainda certificada pela testemunha GG que descreveu que apenas procedeu a trabalhos de preparação para posterior terraplanagem e remoção de pedras, acrescentando que o Réu AA já lhe entregou a quantia de € 5.500,00.»

Vejamos então.

Não assiste razão ao Recorrente.

O tribunal declarou provados os factos relevantes para a questão da indemnização por benfeitorias, ou seja, os trabalhos efetivamente realizados e o preço pago.

Nada mais havia a declarar provado ou não provado.

O tribunal não deu como provado que foram feitos trabalhos relativos à terraplanagem, isto é, ao nivelamento do terreno, mas apenas trabalhos de preparação do terreno para, de seguida, se proceder ao nivelamento.

O Recorrente diz que os Autores mencionaram tais factos nos artigos 94.º e 95.º da petição inicial.

Estes artigos da petição inicial têm a seguinte reação:

« 94.º Sucede que, após comprar o prédio identificado no art. 10.º, o 1.º Réu executou nele trabalhos de terraplanagem. (Doc. 32 e 33).

95.º Escavando parte da passagem supra identificada e nela colocando montes de terra ao longo de cerca de 27 metros junto do portão de acesso para o prédio dos AA. identificado no art. 75.º. (Doc. 34, 35, 36 e 37)».

Esta questão, relativa à terraplanagem, presta-se a equívocos porque não é fácil indicar quando terminam os trabalhos de preparação e começam os trabalhos de terraplanagem.

Deste modo, os Autores podem estar a usar o termo «terraplanagem», quererem e estarem a referir-se apenas a trabalhos de preparação.

Destes artigos da petição apenas se pode concluir que o Réu fez trabalhos no prédio relacionados com a terraplanagem.

Sabe-se, porém, que ainda não tinham começado os trabalhos dos quais resultaria de imediato o nivelamento do terreno.

A testemunha FF referiu que deu um orçamento de 19.800.00 euros e que o Réu lhe pagou pelo trabalho feito 5.500,00 euros, faltando ainda pagar, segundo a testemunha, 680,00 euros.

Face ao montante do orçamento e ao montante do pagamento pelo trabalho já feito, verifica-se que o nivelamento não estava ainda realizado, ainda que em parte, pelo que se deve manter a resposta relativamente aos trabalhos realizados como «trabalhos de preparação».

Não estão em dúvida os trabalhos realizados, mas sim a respetiva qualificação, seja dizendo-se que são «trabalhos preparatórios da terraplanagem», seja «terraplanagem propriamente dita».

Na sentença qualificaram-se como «preparatórios» e assim se manterão qualificados.

Por conseguinte, nada se acrescenta, aos factos provados, retirados dos artigos 94.º a 98.º da contestação («94º Executou naquele prédio rústico trabalhos de terraplanagem. Na verdade, 95º O 1º Réu (AA) contratou a empresa A..., Unipessoal, Lda. para a realização de tais trabalhos, conforme orçamento que se junta (Doc. nº 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos), 96º Assim, naquele prédio rústico o 1º Réu/Reconvinte procedeu ao alargamento de passagem, nivelamento de terreno e respectiva drenagem. 97º Bem como a construção de um muro de suporte de terras e muro de vedação. Aliás,

98º Tais trabalhos e terraplanagem são expressamente reconhecidos e confessados pelos AA. nos artºs. 94º e 95º da p.i., confissão que se aceita, para não mais ser retirada.»


*

E o mesmo se diga em relação aos montantes pagos.

Alegou-se que «99º Ora, tais trabalhos foram orçamentados em 19.800,00€ (dezanove mil e oitocentos euros),

100º Valor a que acresce o IVA, à taxa legal em vigor, no montante de 4.554,00€ (quatro mil quinhentos e cinquenta e quatro euros).

101º Ascendendo assim a um montante global de 24.354,00€ (vinte e quatro mil trezentos e cinquenta e quatro euros).

102º Valor que o 1º Réu irá pagar àquela empresa, após a conclusão dos trabalhos.»

Esta factualidade só é relevante no que respeita aos trabalhos feitos e respetivo pagamento. Em relação aos trabalhos previstos nada há a exarar nos factos provados porque não relevam para efeitos de benfeitorias, pois estas respeitam a algo que foi feito e não àquilo que foi previsto fazer.

Os factos são os seguintes:

«99º Ora, tais trabalhos foram orçamentados em 19.800,00€ (dezanove mil e oitocentos euros),

100º Valor a que acresce o IVA, à taxa legal em vigor, no montante de 4.554,00€ (quatro mil quinhentos e cinquenta e quatro euros).

101º Ascendendo assim a um montante global de 24.354,00€ (vinte e quatro mil trezentos e cinquenta e quatro euros).

102º Valor que o 1º Réu irá pagar àquela empresa, após a conclusão dos trabalhos.

103º Só agora que o terreno está todo terraplanado, nivelado e apetecível é que vieram os AA. exercer um pretenso direito de preferência.»

Esta factualidade refere-se apenas aos termos do contrato e não releva, pelas razões acabadas de referir, para efeitos de apuramento do valor das benfeitorias.

Por conseguinte, nada há a retirar destes artigos da contestação para ser colocado nos factos provados.

Improcede, pois, a impugnação.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. Os Autores são proprietários do prédio rústico, composto por terra de pinhal e cultura, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...20, tendo a área de 2.114 m2.

2. Os Autores são ainda proprietários do prédio urbano, sito em Travessa ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana. sob o artigo ...00.

3. Os réus HH, II, JJ e KK eram proprietários do prédio rústico, composto por terra de cultura, pinhal e videiras em cordão, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...79, tendo a área de 6.932 m2.

4. O Réu AA é proprietário do prédio inscrito como rústico, composto por terra de cultura, pastagem e videiras, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...68, tendo a área de 340 m2.

5. Por escritura outorgada no Cartório Notarial ..., no dia 09/08/2022, os 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª Réus declararam vender e o 5.º Réu declarou comprar “[…] pelo preço de cinco mil euros, […], o prédio rústico sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., composto de terra de cultura, pinhal e videiras em cordão […]”, correspondente ao prédio referido no ponto 2.

6. No documento referido no ponto 5., declararam os Réus que “[…] o prédio atrás identificado não confina com qualquer outro da mesma natureza deles vendedores”.

7. O prédio identificado no ponto 3. confina a sul com o prédio inscrito como rústico, composto por pinhal e pastagem, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...23 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...96, inscrito a favor de CC, tendo a área de 344,00 m2.

8. No prédio ...20 existem pinheiros, oliveiras, ameixoeiras e abrunheiros.

9. Em tal prédio, os Autores cultivam centeio e trigo.

10. O terreno vendido pelos 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª Réus ao 5.º Réu, confina com os prédios identificados nos pontos 1., 2., 4. e 7.

11. O prédio identificado no ponto 4. confina a poente com o prédio urbano, sito em Bairro ... ou ..., composto por casa, destinada a habitação de rés-do-chão, andar e logradouro, da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...32 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...8, inscrito a favor de CC.

12. O prédio referido no ponto 11. é utilizado pelo Réu AA e pela sua cônjuge, CC, como casa de habitação.

13. Os prédios identificados nos pontos 4., 7. e 11. são utilizados indistintamente, pelo menos desde 1984, pelo Réu AA e por CC, sem qualquer marco, sinal, delimitação física ou separação.

14. As construções existentes nos prédios ...23 e ...24 estão implantadas em ambos os prédios.

15. Os prédios mencionados nos pontos 4. e 7. possuem um caminho de terra batida por toda a extensão e desenvolvem-se em três patamares:

i. No patamar superior (ao nível da casa de habitação do Réu AA), existe uma piscina em betão, ladeada por pedras de granito e um fontanário;

ii. No patamar intermédio (abaixo do nível do primeiro patamar) existe cultivo de couves e árvores de fruto e um anexo que contém as máquinas da piscina e

iii. No patamar inferior, existe um poço, uma zona com árvores de fruto e edificações.

16. Nas edificações constantes no patamar inferior são guardados veículos automóveis, componentes de motores, sacos de cimento, entre outros.

17. Os prédios ...23 e ...24 têm a área conjunta de 804.00 m2.

18. As construções e o caminho de terra batida nos prédios ...23 e ...24 ocupam a área total de 408.00 m2.

19. Os Autores recusaram comprar o prédio mencionado no ponto 3. pelo valor de € 15.000,00.

20. Os Autores transmitiram, em junho de 2022, à 1.ª Ré que pretendiam adquirir o prédio inscrito sob o artigo ...25, pelo preço de € 5.000,00.

21. Apesar do mencionado na escritura outorgada pelos Réus, não foi intenção da 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª Réus vender por €5.000,00, nem foi intenção do 5.º Réu comprar por €5.000,00.

22. Com base num acordo prévio entre as partes outorgantes da escritura, os Réus, com o fim de enganar terceiro, concretamente a Autoridade Tributária e Aduaneira para reduzir os encargos que ambos teriam de pagar por força da escritura celebrada (imposto de selo e imposto municipal de transmissão, bem como mais-valias), fizeram constar da escritura o valor de €5.000,00, quando o preço de aquisição acordado foi de €10.000,00.

23. Nessa sequência, o Réu AA entregou aos demais Réus:

i. a quantia de €2.500,00, em numerário, aquando da assinatura do documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”;

ii. a quantia de €2.500,00, em numerário, em data não concretamente apurada, mas antes da outorga da escritura pública de compra e venda;

iii. a quantia de €5.000,00, através de transferência bancária da conta ordenante  ...51 do Banco 1... para a conta beneficiária  ...27 da Banco 2....

24. O Réu AA acordou com a empresa A..., Unipessoal, Lda. executar trabalhos no prédio rústico ...25 que consistiram em preparação do terreno para terraplanagem e remoção de pedras.

25. Tais trabalhos importaram o pagamento pelo Réu AA da quantia de €5.500,00.

26. O teor do contrato promessa junto com a contestação, que aqui se dá como reproduzido.

27. Desde data que não conseguem precisar, mas seguramente há mais de 25 anos, que os Autores acedem ao prédio descrito em 2., a pé ou com máquinas agrícolas, por um caminho que perpassa o prédio descrito em 3.

28. O que fazem à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, inclusivamente dos Réus, na convicção de exercer um direito próprio e sem lesar direitos de terceiros.

29. Esse caminho tem início a partir do caminho público da ..., localizado a sul dos prédios acima referidos, em direção a norte, descrevendo uma curva para poente e termina no prédio referido em 2., numa extensão de 57 metros de comprimento, por cerca de 3,30 metros de largura.

30. Desde dezembro de 2022 e, em consequência dos trabalhos mencionados no ponto 24., os Autores ficaram impedidos de transitar na passagem identificada no ponto 27. e acederem ao seu prédio a partir dela.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a. As Rés informaram verbalmente os Autores das condições do acordo alcançado com o Réu AA, relativo ao prédio identificado no ponto 3.

b. Os Autores recusaram adquirir o prédio mencionado no ponto 3. pelo valor de € 10.000,00.

c. O Réu AA destina o prédio identificado no ponto 4. para cultivo.

d. Foram executados trabalhos no prédio rústico ...25 de alargamento de passagem, nivelamento de terreno e drenagem, construção de um muro de suporte de terras e muro de vedação, que importaram o valor total de €19.800,00, acrescido do IVA.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

(I) - Nos termos do n.º 1 do artigo 1380.º (Direito de preferência) do Código Civil, «1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante».

Como o réu é proprietário de um prédio confinante, o do artigo matricial ...24, os Autores só terão direito de preferência se este prédio do réu não for qualificável com um prédio rústico.

Vejamos, então, se o prédio do réu AA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...24, está abrangido, ou não está, pela exceção prevista na al. a), do artigo 1381.º do Código Civil, onde se diz que «Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura».

Se o prédio a que corresponde o artigo matricial ...24 for qualificado como rústico, tal qualificação inviabiliza o direito de preferência invocado pelos Autores; se se concluir que é parte componente de um prédio urbano, os Autores são titulares do direito de preferência que fazem valer nos autos.

1 – Uma vez que a norma acabada de indicar se refere a parte componente de um prédio urbano, cumpre começar por definir o conceito de prédio aqui relevante, ou seja, o conceito operante no Código Civil, desde logo determinar se a identidade ou individualidade de um prédio se estabelece, ou não, face à existência de um artigo matricial.

O conceito fiscal de prédio urbano ou rústico não é relevante em direito civil, como resultado do exposto.

O conceito fiscal faz depender a natureza do prédio da afetação a que se encontra sujeito pelo seu titular - artigo 3.º do Código da Contribuição Autárquica (Decreto-Lei n.º 442-C/88 de 30-11).

Por sua vez, o conceito de prédio rústico e urbano para efeitos do direito registral, é decalcado do direito fiscal.

O artigo 79.º, n.º 1 do Código do Registo Predial adota para a descrição a identificação fiscal dos prédios que é feita em termos de urbanos e rústicos.

E o artigo 28.º do Código do Registo Predial determina que haja harmonização entre o registo e as matrizes prediais, pelo que, não pode na matriz constar um mesmo prédio como urbano e no registo como rústico.

Voltando à pergunta inicial, a resposta que logo ocorre é negativa, pois é sabido que há prédios omissos na matriz. Então, se existem prédios que não têm artigo matricial, isso mostra que a atribuição de um artigo matricial não faz parte do conceito de prédio.

Assim é, o Código Civil não incluiu na definição/conceito de prédio a sua inscrição na matriz.

O n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil, dispõe:

«Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro».

Um prédio rústico consiste, por conseguinte, em algo físico, com fronteiras, ainda que em parte imprecisas, ou seja, numa porção delimitada de terreno identificada através das confrontações ou extremas; porção circunscrita por determinadas linhas, físicas ou idealmente traçadas no terreno entre marcos, compreendendo ainda subsolo e espaço aéreo.

O que ocorre, porém, é que a existência de prédios não inscritos na matriz é excecional, é rara, e daí a associação entre artigo matricial e prédio, como sinónimos.

Continuando.

A noção de prédio urbano pressupõe um edifício, mas não constitui edifício toda e qualquer construção, como, por exemplo, um muro ou uma cerca, mas apenas aquela construção que possa denominar-se como uma «casa» incorporada no solo, um espaço fechado, quaisquer que sejam os materiais.

2 - Coloca-se, com frequência, a questão de saber se um terreno é rústico ou urbano quando contém construções.

O critério indicado no mencionado n.º 2, do artigo 204.º do Código Civil, é o da afetação económica, isto é, verificamos se o conjunto visa o aproveitamento do terreno ou o da construção: no primeiro caso concluímos que prédio é rústico, no segundo que é urbano.

Porém, bem se vê que qualquer edifício tem autonomia económica e também é certo que o destino económico de um prédio depende da vontade do seu dono, pelo que o critério da afetação perde alguma base de sustentação, mas este critério ganha segurança considerando que a base da distinção deve ser objetiva, isto é, a determinação da afetação obtém-se pela observação exterior do conjunto e pela perspetiva do homem médio (bonus pater familias) e não do proprietário.

Depois, perante os casos concretos, cumpre proceder a duas especificações:

(a) Uma delas consiste em ter presente que, para efeitos de qualificação de um prédio em direito civil, é insuficiente o tipo de inscrição matricial na qual o prédio se encontra inserido, rústica ou urbana.

Assim como é insuficiente o tipo de descrição predial, devendo ter-se em conta que o direito civil não admite a qualificação de «prédio misto».

Com efeito, a lei civil não se refere, em parte alguma, a uma dupla natureza do mesmo prédio; pelo contrário, o artigo 204.º do Código Civil, como se viu, estabelece que os prédios ou são rústicos ou urbanos, não sendo admitida, para efeitos civil, a categoria de prédios mistos, simultaneamente rústicos e urbanos.

(b) A outra, manda atender ao núcleo inderrogável dos conceitos: um terreno totalmente coberto por um edifício é urbano; um terreno sem construções não pode deixar de ser rústico, salvo no caso do prédio se encontrar já vinculado segundo as normas administrativas à construção urbana.

3 - Face ao texto do n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil, a definição de logradouro será a chave da questão.

Porém, o conceito de «logradouro» é indeterminado, só podendo concretizar-se em relação a cada caso concreto.

Nas palavras de Menezes Cordeiro, «O logradouro está afecto ao edifício, normalmente para habitação: dá apoio aos moradores. Mas pode, também, apoiar um edifício industrial ou comercial: parque de estacionamento, área de depósito de materiais, jardim de resguardo ecológico, campos de desporto, pistas de ensaios, ou simplesmente área verde exigida pelos planos de urbanização, como anexo às edificações» - Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II (coisas), 2.ª Edição. Coimbra, 2002, pág. 124.

Para os autores Pires de Lima/Antunes Varela, «Deve entender-se que se está perante uma unidade predial ou, inversamente, perante uma pluralidade, conforme o conjunto em causa apresente ou não uma unidade estrutural – unidade esta que há-de aferir-se através dos seus elementos essenciais, designadamente através das paredes mestras, dos pilares e vigas de sustentação, da cobertura (telhado ou terraço), das instalações de água, de electricidade, etc.

Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios urbanos, mas partes componentes dos prédios rústicos, as construções que não tenham autonomia económica, tais como as adegas, os celeiros, as edificações destinadas às alfaias agrícolas, etc., assim como não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos, como os jardins, pátios e quintais. Ao logradouro deve ser atribuída a mesma natureza do edifício a que está ligado, designadamente para efeitos de determinação do seu valor, em caso de expropriação por utilidade pública (…), e para efeitos de averiguar se, em caso de alienação, se verificam os pressupostos do direito de algum dos direitos de preferência previstos na lei (…)» - Código Civil Anotado, Vol. I. 3.ª Edição, pág.195/196.

Como referiu também Oliveira Ascensão, «Se alguém é titular de um terreno e de uma habitação, mas o terreno serve de logradouro à habitação, e a habitação não serve de apoio à lavoura, há uma pluralidade de prédios, e não um prédio único, porque ambos têm autonomia económica. Por isso se diz que os prédios mistos são uma realidade de facto, que não jurídica, porque a lei não autonomiza a categoria do prédio misto» - Direito Civil, Teoria Geral, Vol. I (Introdução, as pessoas, os bens), 2.ª Edição. Coimbra Editora, 2000, pág. 344.

Concluindo esta parte:

O conceito de prédio face ao disposto no artigo 204.º do Código Civil não coincide com o conceito de prédio para efeitos de direito fiscal. O direito fiscal faz corresponder um prédio a um artigo matricial, não assim no direito civil, podendo aqui um prédio integrar mais que um artigo matricial.

Por conseguinte, considerando a unidade e coerência dos conceitos que informam (ou devem informar) um diploma legislativo, então, para efeitos do disposto no artigo 1380.º do Código Civil, um prédio rústico é uma área de solo delimitada e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica e um prédio urbano é um edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro, podendo qualquer deles ser composto por um ou mais artigos matriciais.

A autonomia das construções e a afetação de terrenos como logradouro determinam-se de modo objetivo, isto é, de acordo com a perceção apreensível exteriormente por qualquer pessoa medianamente informada e sagaz (bonus pater familias).

O que implica que, no caso dos autos, os artigos matriciais ...23 e ...24, em análise nestes autos, possam ser tratados, se for o caso, para efeitos de direito de preferência, como um único prédio e não como dois prédios distintos, como resultaria da respetiva qualificação segundo o direito fiscal.

4 –  Nos termos do n.º 1 artigo 1380.º (Direito de preferência) do Código Civil, «Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.»

Como referiram os Profs. P. de Lima/A. Varela, são os seguintes «... os pressupostos do direito real de preferência atribuídos por este preceito:

a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;

b ) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;

c ) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;

d ) que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio confinante.» - Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 270/271.

Porém, na al. a), do artigo 1381.º (Casos em que não existe o direito de preferência), do mesmo código, determina-se que «Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura».

No caso dos autos, na sequência do que já foi referido, o que releva é saber se o terreno do réu AA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...24, está abrangido ou não está na previsão da al. a), do artigo 1381.º do Código Civil, isto é, se tal terreno constitui «parte componente» do terreno adjacente que, segundo o direito fiscal, é o prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...23, no qual o réu tem a sua residência, ou melhor, se ambos os terrenos constituem um prédio para efeitos de direito de preferência e qual a sua natureza, se rústica ou urbana.

5 – Antes de prosseguir, vejamos, brevemente, os interesses que a lei tutela ao criar este direito legal de preferência.

Como se ponderou no Acórdão do STJ de 4 de janeiro de 2021 no processo 892/18.7T8BJA.E1.S1 (Rosa Tching): « (…) VI. A razão de ser do direito de preferência atribuído aos proprietários de prédios rústicos confinantes, nos termos do artigo 1380º, nº 1, do Código Civil, radica no propósito do legislador de propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, com vista a alcançar-se uma exploração agrícola tecnicamente rentável e evitar-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente.

VII. O artigo 1380º, nº 1, do Código Civil vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura.

VIII. Resultando dos factos provados que os autores utilizam o prédio de que são proprietários essencialmente para a sua habitação e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola, impõe-se concluir que a destinação e afetação deste prédio são próprias de um prédio urbano, não sendo, por isso, os autores titulares do direito de preferência consagrado no artigo 1380º, nº 1 do C. Civil (Sumário) – in wwwdgsi.pt.

No Acórdão to Tribunal da Relação do Porto de 31 de outubro de 1985 in Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo IV, pág. 253, considerou-se que «No caso do art.1380.º fundamentalmente o que interessa é a contiguidade dos terrenos partindo da elementar evidência que é muito mais fácil cultivar uma unidade agrícola cujos terrenos sejam contínuos, do que explorar outra área igual dispersa por várias parcelas descontínuas.

Daí que o legislador não se tenha preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial. Aliás o conceito do prédio para estes casos, tem de se ir buscar ao nº 2 do art. 204 do C. Civil e não a outro local.»

E conclui este Acórdão que, «Desde que exista um terreno nas condições indicadas não interessa que a sua extensão, desde que contínua, seja abrangida por mais do que um artigo matricial.

Conclui-se, por conseguinte, que a razão de ser deste direito de preferência radica na conveniência em formar propriedades rústicas com uma área mínima de cultura, por se saber que a partir de determinada área se conseguem obter melhores produções em termos quantitativos e qualitativos e com o menor dispêndio de meios.

Daí que se exija que os prédios sejam confinantes, com área inferior à unidade de cultura e destinados de facto à cultura.

6 – Elaborado este cenário jurídico, vejamos então, tendo em conta a exceção prevista na al. a), do artigo 1381.º do Código Civil, se os terrenos que correspondem aos artigos matriciais ...23 e ...24 constituem, para efeitos de direito de preferência, um único prédio e respetiva natureza, rústica ou urbana.

A resposta consiste em afirmar que ambos os artigos matriciais constituem um único prédio e a sua natureza é urbana, pelas seguintes razões:

a) Resultou provado que «13. Os prédios identificados nos pontos 4., 7. e 11. são utilizados indistintamente, pelo menos desde 1984, pelo Réu AA e por CC, sem qualquer marco, sinal, delimitação física ou separação»

Estes prédios são os prédios dos artigos matriciais ...23 e ...24, estando a casa de habitação implantada no prédio do artigo matricial ...23.

Verifica-se que ambos os prédios são utilizados sem que se vislumbre qualquer separação física, como um muro, uma rede, uma sebe viva ou mesmo um espaço habitualmente cultivado e com uma morfologia distinta do resto, de modo a parecer, após a observação de qualquer pessoa, como um terreno diverso daquele onde se encontra implantada a casa de habitação.

Mais se provou que «14. As construções existentes nos prédios ...23 e ...24 estão implantadas em ambos os prédios».

Esta circunstância reforça a indiferenciação entre o terreno do prédio do artigo matricial ...24 em relação ao terreno do artigo matricial ...23, onde se encontra implantada a casa de habitação.

Ou seja, não fosse a existência de dois artigos matriciais distintos, um observador comum não concluiria que no local existiam dois prédios distintos em termos fiscais.

Esta conclusão manifesta-se e reforça-se nos factos provados sob os n.º 15 e 16, isto é:

«15. Os prédios mencionados nos pontos 4. e 7. possuem um caminho de terra batida por toda a extensão e desenvolvem-se em três patamares:

i. No patamar superior (ao nível da casa de habitação do Réu AA), existe uma piscina em betão, ladeada por pedras de granito e um fontanário;

ii. No patamar intermédio (abaixo do nível do primeiro patamar) existe cultivo de couves e árvores de fruto e um anexo que contém as máquinas da piscina e

iii. No patamar inferior, existe um poço, uma zona com árvores de fruto e edificações».

«16. Nas edificações constantes no patamar inferior são guardados veículos automóveis, componentes de motores, sacos de cimento, entre outros».

Face a esta factualidade afigura-se manifesto que os terrenos dos artigos matriciais ...23 e ...24 estão unificados sob um desígnio comum do seu proprietário que é o de servirem como espaços físicos de implantação e fruição da vida familiar e doméstica do proprietário, ou seja, um espaço privado onde os membros da família convivem (descansam, dormem, comem, permanecem, recebem amigos, etc.).

Afigura-se claro que estamos perante um prédio urbano, constituído pela casa de habitação do Réu e respetivo logradouro.

b) A circunstância do prédio conter algumas plantações não assume relevo porque não são suficientes para desvirtuar a natureza urbana do prédio.

Como se referiu no Acórdão do S.T.J. de 28 de fevereiro de 2008, no processo 08A075 (Fonseca Ramos) «Porque os fins para que o legislador consagrou o emparcelamento e o direito de preferência – arts. 1380.º, n.º 1, a) e 1382.º do Código Civil – não se alcançam quando o prédio confinante não se destina a cultura agrícola, e não relevando o facto de ter logradouro ou terrenos ainda que possam ser cultivados – dado que não estão afectos à rusticidade do prédio por ele se destinar a habitação – não existe o direito de preferência.»

(II) Indemnização por benfeitorias.

A este respeito provou-se apenas que «24. O Réu AA acordou com a empresa A..., Unipessoal, Lda., executar trabalhos no prédio rústico ...25 que consistiram em preparação do terreno para terraplanagem e remoção de pedras.» e, na sequência deste acordo, foram realizados alguns trabalhos e «25. Tais trabalhos importaram o pagamento pelo Réu AA da quantia de €5.500,00».

Nos termos do artigo 216.º do Código Civil, «1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante»

A restituição do valor da benfeitoria, quando não pode ser levantada, faz-se de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, como dispõe o artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil, onde se dispõe que «Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa».

Como se vê pelo disposto no artigo 479.º do Código Civil, «1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte».

Desta forma, a medida da restituição tem dois limites: o do enriquecimento e o do empobrecimento.

Assim, recorrendo a um exemplo dado pelo Prof. Antunes Varela, se o credor das benfeitorias gastou na sua execução 20, mas a coisa ficou só valorizada em 10, o devedor só se locupletaria com estes 10 e, por isso, só tem de restituir os 10 com que se enriqueceria.

Ao invés, se as benfeitorias custaram 10 e a coisa ficou beneficiada em 20, o credor só tem direito a receber os 10 que gastou, que são a medida do seu empobrecimento e será esse o valor com que normalmente se enriquecerá à custa do possuidor, pois, em regra, os fatores de valorização têm a ver com a localização, natureza e qualidade da coisa, fatores que pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor (Cfr. Das Obrigações em Geral, Vol. 1, 2.ª Edição, pág. 395/396).

O momento a que se reporta a avaliação é um dos previstos no artigo 480.º do Código Civil, ou seja, o da citação judicial para a restituição ou o do conhecimento da falta de causa do enriquecimento ou falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.

Ora, no presente caso não temos elementos factuais para saber se existiu ou não existiu algum enriquecimento do Réu e, sendo assim, o pedido não pode proceder. Nem mesmo em termos de liquidação futura porque para isso teria de se provar que existiu um mínimo de enriquecimento e esse mínimo não se encontra provado.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente.


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Coimbra, …