Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/20.5PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: CRIME DE BURLA QUALIFICADA
CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
DOLO ESPECÍFICO
FALTA DE CONFISSÃO - PROVA INDIRETA
REGIME DA PERDA ALARGADA
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 368º-A, N.ºS 1 A 3, DO CÓDIGO PENAL (REDACÇÃO DA LEI N. º 83/2017, DE 18.08); ARTIGOS 217º E 218º, N.º2, ALÍNEA B), DO CÓDIGO PENAL; LEI 5/2002 DE 11.01.
Sumário: 1 - O crime de branqueamento, nas modalidades tipificadas nos nº 2 e 3 do artigo 368-A do Código Penal, é um crime de intenção a exigir o dolo específico – que acresce à consciência e vontade relativa aos elementos objetivos do crime – de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens obtidas e/ou de evitar que o autor das infrações subjacentes seja criminalmente punido.

2 - Estando em causa a intenção na atuação, que se processa a nível psicológico, na falta de confissão, o tribunal tem de socorrer-se de prova indireta, cuja capacidade demonstrativa não é necessariamente menor, por força da pluralidade de indícios concordantes e convergentes, que permitem alcançar a suficiência probatória de tal prova no processo penal.

3 - A factualidade apurada não permite que se conclua que o arguido se limitou a depositar o dinheiro ilicitamente obtido em contas da sua titularidade e que não disfarçou a sua atuação, pois transferiu dinheiro ilicitamente obtido para contas de familiares e a partir daí o geriu, assim o distanciando das fontes de onde provieram as quantias ilícitas.

4 - Sendo certo não se tratar no presente caso de branqueamento ao nível de operações internacionais ou sofisticadas, ainda assim percebe-se no comportamento adotado pelo arguido uma forma de tornar menos visível e detetável a fonte e origem do dinheiro obtido.

5 - O regime da Perda Alargada, estabelecido pela Lei 5/2002 de 11.01, pressupõe um catálogo de crimes em que está previsto o branqueamento de capitais (artigo 1º, nº 1, alínea i)).

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam, em conferência, no tribunal da Relação de Coimbra.

            I.

            No processo comum com intervenção de tribunal coletivo que, com o nº 246/20.5PCCBR, corre termos pelo juízo central criminal de Viseu foi decidido (transcrição):

I) Julgar totalmente procedente a acusação deduzida contra o arguido AA e consequentemente condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de:

- Seis crimes de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217º e 218º, n.º2, alínea b), do Código Penal, cada um deles na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º- A, n.ºs 1 a 3, do Código Penal (na redação dada pela Lei n.º 83/2017, de 18.08), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;

II) Declaro perdoado 1 (um) ano à pena de 5 anos e 2 meses aplicada ao arguido AA, sob as condições resolutivas de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 02.08, e de pagamento da indemnização a que será condenado, nos 90 dias imediatos à notificação para o efeito – artigo 8º, n.ºs 2 e 3. ao abrigo dos artigos 2º, n.º1, 3º, n.ºs 1 e 4, 7º a contrario e 8º, da Lei 38-A/2023, de 02.08;

III) Ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1, al. b) e n.º4, do Código Penal, declarar a perda a favor do Estado da quantia de € 10.315,00, condenando o arguido no respetivo pagamento ao Estado, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos;

IV) Julgar procedente por provado o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro e, em consequência, declarar a perda (alargada) a favor do Estado a quantia de € 77.800,43 (setenta e sete mil oitocentos euros e quarenta e três cêntimos), condenando-se o arguido AA a pagar este valor ao Estado;

V) Relativamente aos pedidos de indemnização cível:

V1. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela ofendida BB e, consequentemente, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de € 145,00;

V2. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela ofendida CC e, consequentemente, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de € 1.202,00, acrescida de juros de mora vincendos desde a notificação até efetivo e integral pagamento;

V3. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo ofendido DD e, consequentemente, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de € 500,00, quantia acrescida de juros vincendos desde a notificação até integral pagamento;

            V4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo ofendido EE e, consequentemente, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de € 200,00;

VI) Custas:

- Condena-se o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça devida e nos demais encargos do processo (artigos 374º, n.º4, 513º, n.º1 e 514º, n.º1, do Código de Processo Penal, e artigos 3º e 8º, n.º5, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela III anexa ao mesmo);

- As custas do pedido cível formulado pelo ofendido EE serão suportadas pelo demandado e pelo demandante na proporção do respetivo decaimento (artigos 523º, do Código de Processo Penal e 446º, do Código de Processo Civil);

- Os demais pedidos cíveis não dão lugar ao pagamento de custas (artigo 4º, n.º1, al.n), do Regulamento das Custas Processuais).

*

(…)     

*

            Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este tribunal, concluindo o seu recurso do seguinte modo (transcrição):

1º - O Arguido / Recorrente foi condenado pela prática, em concurso efetivo, de seis crimes de burla qualificada e um crime de branqueamento, em cúmulo jurídico, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão.

            2º - Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida nos autos por se entender, que se impõe a modificação da decisão do tribunal a quo sobre um concreto ponto da matéria de facto e, consequentemente, da interpretação do direito aplicado.

3º - O tribunal a quo julgou provado o propósito de o Arguido dissimular a sua identidade e esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias.

4º - Há elementos de prova nos autos (que até foram considerados pelas Meritíssimas Juízes a quo na motivação) que determinam decisão em sentido contrário.

5º - A conta bancária utilizada pelo Arguido / Recorrente para receber os valores pagos pelas vítimas era uma conta bancária titulada por si.

6º - Como pode o tribunal a quo concluir á luz das regras de experiência comum, que o Arguido agiu com o propósito, entre outros, de evitar vir a ser implicado na prática dos factos que estiveram na génese da obtenção do dinheiro, se a conta para onde foram efetuados os pagamentos das vítimas era conta titulada pelo Arguido?

7º - Não há qualquer propósito de ocultação. Não há qualquer intenção de dissimulação. Tudo foi feito através de conta devidamente identificada do Arguido / Recorrente.

8º - Tomando em atenção as circunstâncias em que ocorreram os factos em julgamento, a conclusão das Meritíssimas Juízes a quo de que: “foi provado o propósito de o Arguido dissimular a sua identidade e esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias” padece de erro de julgamento.

9º - Deverão ser julgados NÃO PROVADOS os pontos 139 e 140, quanto ao propósito de o Arguido / Recorrente dissimular a sua identidade e esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias.

10º - Ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concebe, resulta da prova produzida em julgamento (e da falta dela) factos conducentes a decisão diversa da proferida.

11º - A prática do de crime de branqueamento de capitais pressupõe que o seu autor tenha praticado pelo menos uma das condutas previstas no n.º 2 do artigo 368º-A do Código Penal: “converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.”

12º - Dos factos dados como provados relativamente ao Arguido/ Recorrente não resulta provada a prática de qualquer operação capaz de ocultar ou dissimular a origem das quantias em causa ou evitar a punição do Arguido ou de terceiros pela prática dos factos descritos no n.º 2 do artigo 368.º - A do Código Penal.

13º - Pelo que deve o Arguido/ Recorrente ser absolvido do crime de branqueamento de capitais por não se terem provado os factos de que depende o preenchimento do tipo de ilícito em causa.

14º - Por consequência, deverá ser descontado o período correspondente da condenação do Arguido / Recorrente, sendo revisto o cúmulo jurídico.

15º - Concomitantemente, será forçoso concluir pela improcedência do incidente da liquidação com vista à perda alargada de bens.

16º - Porquanto, o Regime da Perda Alargada previsto nos artigos 7º e 8º da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, pressupõe a condenação por um dos crimes previstos no n.º 1.

17º - No caso sub judice, caindo a condenação do Arguido / Recorrente pelo crime de branqueamento de capitais, nos termos acima expostos, deixa de ser aplicável o regime da perda alargada.

18º - Razão pelo qual, deverá ser julgado improcedente o incidente de liquidação com vista à perda alargada de bens e, nessa medida, ser o Arguido / Recorrente Absolvido do mesmo.

19º - Em consequência da alteração da decisão nos termos acima expostos (absolvição do crime de branqueamento e do incidente de liquidação com vista à perda alargada), a pena concreta a aplicar ao Arguido / Recorrente, com o perdão já aplicado na decisão a quo, passará a cair no campo de aplicação da possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão.

20º - Não se olvida o elevado número de condenações da Arguido / Recorrente pelo mesmo tipo de crime nem os demais fatores ponderados (em desfavor do Arguido) na decisão a quo.

21º - Porém, também terá de ser valorado o facto de esta série de acontecimentos ter decorrido num período limitado na vida do Arguido. Desde 2022, não há mais notícia da prática de factos do mesmo tipo pelo Arguido.

22º - Não há notícia da prática de factos do mesmo tipo pelo Arguido em data posterior às condenações do Arguido / Recorrente.

23º - Nessa medida, entendemos haver evidências nos autos que a Justiça está a cumprir a sua função punitiva de forma exemplar para o Arguido / Recorrente.

24º - A forma como se afastou da prática destes factos, o início do tratamento à adição do jogo e ao consumo de estupefacientes demonstram a vontade firme de o Arguido / Recorrente arrepiar caminho.

25º - A reparação às vitimas será efetuada e por isso não contesta a aplicação do perdão parcial da pena condicionada ao pagamento da indemnização às vitimas (em que foi condenado).

26º - Assim se entende ser ainda possível cumprir as finalidades da punição mediante a aplicação ao Arguido / Recorrente de pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que condicionada ao cumprimento de deveres e /ou regime de prova.

Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão sobre a matéria de facto da primeira instância e, em consequência, alterar-se a decisão recorrida, por forma a concluir-se pela absolvição do Arguido / Recorrente na parte do crime de branqueamento de capitais e a consequente absolvição do Arguido / Recorrente do Incidente de Liquidação com vista à perda alargada, com a respetiva redução na pena de prisão aplicada e a suspensão da sua execução, ainda que condicionada ao cumprimento de deveres e/ou regime de prova, conforme o acima exposto e como é de JUSTIÇA!

*

            Recebido o recurso a ele respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência, resposta que concluiu assim (transcrição):

            1. O arguido não impugna, da forma legalmente prevista, a decisão recorrida quanto à matéria de facto, pese embora invoque erro de julgamento, concretamente quanto aos pontos 139 e 140 da matéria de facto provada;

2. O arguido não indicou as provas que impunham decisão diversa, nem dado cumprimento ao ónus de impugnação especificada, correlacionando tais provas com os factos que pretendia ver como não provados e explicitando como é que as mesmas impunham decisão diversa;

3. Não invocando qualquer um dos vícios da decisão previstos no artigo 410º,nº2 do Código de Processo Penal, parece pretender-se invocar a existência de erro notório na apreciação da prova, ao afirmar-se que à luz das regras da experiência comum não podia o Tribunal a quo concluir como fez nos pontos 139 e 140 da factualidade provada.

4. Tal vicio não resulta da decisão recorrida, o mesmo sucedendo com qualquer outro previsto no artigo 410º, nº 2 citado;

5. A convicção alcançada pelo Tribunal quanto aos referidos pontos de facto não é contrária às regras da experiência comum ou da lógica como o arguido procura fazer crer.

6. O próprio arguido, em sede de inquérito (declarações validamente valoradas em sede de julgamento), admitiu ter agido daquela forma, afastando qualquer participação da mãe, da companheira e da irmã, titulares de contas para onde foram transferidos alguns dos valores, apenas negando o propósito, alegando que o fez “para poder usar cartão, pois que não dispunha de cartão da sua conta”

            7. Tal versão é contrariada pela prova documental dos autos (vg. elementos bancários de fls. 54 e ss.) e pelas demais circunstâncias apuradas

            8. Já que o arguido, depois de depois de transferir o dinheiro para as contas bancárias da mãe e da FF (provenientes da sua conta), utiliza-o em sites de apostas de jogo, transferência, o que poderia fazer diretamente da sua conta,

9. Constituindo a realização das apostas de jogo online uma forma de reintroduzir nas contas bancárias, como prémios de jogo, o dinheiro obtido ilicitamente, dando-lhe uma  aparência lícita e obstando a que se relacionassem aquelas quantias com os factos ilícitos que estavam na origem da sua transferência patrimonial para a esfera do arguido

10. Conclusão que se alcança quer pela forma como o arguido age logo imediatamente após a entrada das quantias em dinheiro provenientes das burlas na sua esfera patrimonial (no próprio dia ou no dia a seguir), movimentando imediatamente o dinheiro que caía na sua conta para outras contas bancárias - que, formalmente, tinham outras pessoas como titulares, mas que estavam no domínio e disponibilidade do arguido, como a da sua mãe GG, ou para a conta da sua irmã FF;

11. E quer ainda pela natureza de tais operações (transferências, pagamentos, fazendo apostas on line, seja através da sua conta ou das que detinha o efectivo controlo e recebendoemmomentoposteriorodinheirodosprémiosdejogonessasmesmascontas),

12. Condutas idóneas a evitar que o arguido fosse detetado, bem como a dissimular a origem do dinheiro ou a dar-lhe uma nova aparência lícita, pela reintrodução do dinheiro no sistema bancário, na economia regular;

13. Nem se compreendendo a razão para tais movimentações, a não ser por esse motivo e finalidade: de evitar, por um lado, que se estabelecesse uma relação direta com a sua proveniência e, por outro lado, que viesse a ser implicado na prática dos factos que estiveram na sua génese, introduzindo na economia legal, activos financeiros ilícitos, sob aparência de licitude;

14. O que é conforme às regras da experiência, tanto mais que foi afastada a explicação dada pelo arguido para tal actuação.

15. Inexistem outros motivos válidos para a movimentação imediata dos valores/vantagens obtidas com as burlas, para a sua movimentação para contas de terceiros (irmã, mãe e companheira), para a sua reintrodução na sua esfera patrimonial (mormente com os prémios de jogo),para a efectivação de apostas através de tais contas e com esses valores,

16. São disso exemplo os factos provados nos pontos 23, 40, 41, 52, 68, 69, 81, 82, 93, 94 e 95, bem assim como nos pontos 108, 111, 114, 115, 118, 119, 122, 125, 126 e 128 a 130

17. Os actos acima descritos e resultantes da factualidade dada como provada são de molde a concluir que o arguido actuou de forma a disseminar tais depósitos e transferências para a sua conta bancária por diversas operações bancárias e aplicações financeiras (pagamentos, transferências, levantamentos, carregamentos de contas de jogo, etc…) que, a final, pudessem dar uma imagem de licitude quanto à proveniência de tais valores

18. Não se tendo o arguido limitado a depositar os valores na sua conta bancária, mas antes:

            - procedendo à movimentação imediata dos valores obtidos/vantagens obtidas -dissipandotaisvaloresevantagensporcontasdeterceiros(trêspessoasdiferentes)eporcontas de que tinha a real disponibilidade de movimentação

- dividindo e dissipando tais vantages através de várias operações seguidas, de diferentes natureza e com diversos valores não inteiramente coincidentes com os obtidos

- aplicando tais vantagens em apostas de jogo on line, utilizando contas de terceiros, e ali recebendo os respectivos prémios, bem assim como conseguindo o carregamento de tais contas através de pagamento de referência Multibanco

            19. A actuação do arguido apenas se coaduna com a intencionalidade especifica subjacente ao crime de branqueamento de capitais: dissimular a origem ilícita de tais vantagens, do mesmo passo que procurava, naturalmente, evitar que fosse criminalmente perseguido por tais factos

20. Pelo que não foram violadas as regras da experiência comum, nem existe erro notório na apreciação da prova ou qualquer insuficiência quanto à matéria de facto dada como provada

21. Estão preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de branqueamento de capitais

22. No caso concreto, arguido não se limitou a depositar as vantagens do crime em conta própria, antes desenvolveu uma actividade de verdadeira dissimulação das vantagens através dasua repartição por váriascontas, suadeslocalização,movimentação eaplicação nos termos descritos na factualidade dada como provada…

23. Sendo certo que, ainda que assim fosse, a “a mera introdução de dinheiro proveniente da prática de crimes base, (…) através de um mero depósito bancário, ainda que menos grave e perigosa do que outras mais sofisticadas e engenhosas, é já branqueamento de capitais, sob pena de restrição ilegal do âmbito objectivo do tipo e de desarticulação funcional com o bem jurídico tutelado com a incriminação

24. A medida da pena única de prisão aplicada ao arguido não admite, nos termos do artigo 50º, nº 1 do Código Penal a suspensão da execução da pena única aplicada

25. Sendo certo que a aplicação do perdão só pode ser decidida depois de escolhida e fixada a medida da respectiva pena, pelo que a decisão sobre se deve ou não ser suspensa a execução da pena de prisão tem de ser proferida antes da aplicação do perdão, não sendo admissível no caso concreto.

Deve, pois, improceder o recurso do arguido.

Contudo, Vossas Excelências melhor decidirão.

                                                                       *

            Remetidos os autos a este Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer concordante com a posição expressa na primeira instância.

                                                                       *

            Foi cumprido o art.º 417.º nº 2 do Código de Processo Penal.

                                                                       *

            Após os vistos, realizou-se conferência.

*

            II.

            Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta que são as conclusões do recorrente que delimitam a apreciação a fazer por este Tribunal – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – e que, analisando a síntese conclusiva, se impõe apreciar:

- se os pontos 139 e 140 deveriam ser julgados não provados;

- se não se mostra praticado o crime de branqueamento de capitais;

- se deve ser julgado improcedente o incidente de liquidação com vista à perda alargada de bens e o arguido dela absolvido;

- se deve ser aplicada pena suspensa na sua execução.

*

            É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância (transcrição):

Discutida a causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:

Da parte criminal

I

            l . O arguido AA desde, pelo menos o ano de 2017, não exerce de forma permanente qualquer profissão ou atividade lícita remunerada.

2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a dezembro de 2018, AA concebeu um plano com o fito de obter quantias monetárias que lhe proporcionariam a subsistência.

3. Para tanto apresentaria aos ofendidos situações que sabia não corresponderem à realidade, levando-os a acreditar nelas e, por via disso, a entregar-lhes as quantias monetárias com que se pretendia locupletar.

4. A concretização do plano do arguido AA passava pelo aproveitamento das potencialidades proporcionadas pelos negócios celebrados através de internet — como o anonimato dos intervenientes, a transação não presencial, a grande procura de bens como telemóveis, consolas de jogos e artigos de puericultura, a possibilidade de envio diferido e pagamento por meios não presenciais — bem como pelo aproveitamento serviço de pagamento MBWAY — que permitia o anonimato decorrente do uso de contactos telefónicos realizados através de números de telemóvel pré-pagos (cuja aquisição não pressupõe qualquer identificação), e cujo correto modo de

funcionamento não era conhecido da generalidade das pessoas.

5. Com efeito, o serviço MBWAY é uma solução Multibanco que permite a realização de compras online e em lojas fisicas, a criação de cartões virtuais MB NET, o

envio e o pedido de quantias monetárias ou a divisão de uma conta, bem como a utilização e o levantamento de quantias monetárias através do smartphone, numa “app” (aplicação) própria criada para esse efeito ou nos canais da instituição de crédito associada ao cartão bancário de cada pessoa.

6. Em termos de funcionamento, o envio e o pedido de quantias monetárias através do serviço MBWAY, processam-se de forma idêntica:

- no envio de dinheiro, a pessoa escolha um dos cartões bancários que tem associado ao serviço MBWAY, seleciona a opção “Enviar dinheiro”, seleciona o contacto a quem vai enviar dinheiro, indica o valor e confirma a operação introduzindo o seu “pin” MBWAY — por sua vez, o destinatário recebe uma notificação de que alguém lhe enviou uma determinada quantia monetária, bastando clicar em “aceitar” para que a operação se conclua;

- no pedido de dinheiro, a pessoa seleciona a opção “Pedir dinheiro”, seleciona o contacto a quem vai pedir dinheiro, indica o valor e confirma a operação introduzindo o seu “pin” MBWAY — por sua vez, o destinatário recebe uma notificação de que alguém lhe pediu uma determinada quantia monetária, bastando clicar em “aceitar” para que a operação se concretize;

7. O plano do arguido AA passava sempre pela utilização de sítios de vendas na internet, atuado através de duas modalidades:

- como anunciante/vendedor de bens que despertavam o interesse dos visitantes daquelas páginas, convencendo as pessoas a transferir-lhe parte ou a totalidade do preço desses bens, sendo que não nem tinha qualquer intenção de os vender, tanto mais que nem sequer os detinha;

- como interessado na aquisição de bens, contactando os vendedores e aproveitando o desconhecimento sobre o funcionamento da aplicação MBWAY para os determinar a enviarem-lhe dinheiro, na convicção de que estavam a receber o valor dos bens que ele alegadamente estava a comprar.

8. Para ocultar a sua identificação e que fosse detetado, assim como para dissimular a origem do dinheiro e lhe dar uma nova aparência licita, logo após a sua receção, circulava as quantias, de forma fracionada, por algumas contas bancárias de que tinha a disponibilidade e faziam circular o dinheiro por sites de apostas de jogo, recebendo os prémios nessas contas.

Assim:

II

9. No dia 1.03.2020, a ofendida BB colocou no sítio de internet OLX um anúncio para venda de vários objetos, indicando para contacto o seu telemóvel com o n.º ...32.

10. O arguido AA viu o anúncio, logo decidindo contactar a anunciante com o objetivo de a fazerem crer que pretendiam adquirir um carrinho de bebé, levando-a a transferir dinheiro para a sua conta bancaria através da aplicação MBWAY.

11. Na concretização desse propósito, ainda nesse dia 1.03.2020, o arguido AA, através do telemóvel com o n.º ...08, enviou uma mensagem para o telemóvel com o n.º ...32, manifestando o seu interesse em adquirir um carrinho de bebé que estava anunciado para venda.

12. De modo a ludibriar a ofendida, o arguido AA transmitiu-lhe que para fazer o pagamento só podia utilizar a aplicação MBWAY, predispondo-se a efetuar

o pagamento, de imediato.

13. Como a ofendida lhe transmitiu que não tinha instalada a aplicação MBWAY, o arguido AA sugeriu-lhe que a fosse instalar, alegando que era simples e que pretendia ainda nesse dia tratar do transporte do carrinho.

14. No entanto, a ofendida BB não acedeu, pelo que não foi concretizada a transação.

15. Ainda assim, no dia 2.03.2020, BB deslocou-se a uma Caixa Multibanco do Banco 1..., no Largo ..., em Coimbra, onde, pelas 8h49, efetuou a adesão ao serviço MBWAY, associando a este serviço o seu n.º de telemóvel, ...32.

16. O arguido AA, percebendo que a ofendida BB não conhecia a aplicação MBWAY, o que facilitaria as suas intenções de a fazer dispor de dinheiro a seu favor, pelas 10h33 do dia 2.03.2020, remeteu-lhe nova mensagem, em que reafirmou o interesse na aquisição do caninho e em efetuar o pagamento através da

aplicação MBWAY.

17. Nessa sequência e uma vez que a ofendida lhe disse já ter a aplicação instalada, o arguido AA solicitou a indicação do telemóvel associado à aplicação e o valor a pagar, tendo BB indicado que o contacto era o do seu número de telemóvel e o valor 145,00 €.

18. O arguido AA, como era sua intenção, através da aplicação MBWAY (contacto ...08) efetuou um pedido de pagamento de 145,00 € e deu indicação a BB para que esta aceitasse o pedido no seu telemóvel, o que ela fez, convicta que estava a aceitar o pagamento de 145,00 € e não a efetuar um pagamento nesse valor.

19. Pouco depois a ofendida BB consultou o saldo da sua conta, verificando que tinham sido debitados da sua conta 145,00 €, enviando uma mensagem ao arguido AA a dar conta do erro e a solicitar que lhe fosse devolvido o dinheiro.

20. O arguido AA, com o objetivo de a continuar a enganar e de se apoderar de mais dinheiro, explicou à ofendida BB que era esse o funcionamento da aplicação e, através da aplicação MBWAY, remeteu novo pedido de

saldo a BB, bem como uma mensagem de texto a dar indicação para que aceitasse.

21. Com esta mensagem e pedido o arguido AA pretendia obter mais uma transferência para a conta por ele indicada, o que apenas não conseguiu porque BB percebeu que tinha sido enganada.

22. O valor de 145,00 € foi transferido da conta da Banco 2..., com o número ...00, titulada por BB, através da aplicação MBWAY, tendo como ordenante da operação o n.º de telemóvel ...32, pertença da ofendida para a conta com o IBAN  ...42, do Banco 3..., titulada e movimentada pelo arguido AA que, nessa data, tinha associado o telemóvel n. º ...08, pelo que as transferências que se realizavam para este número através da aplicação MBWAY eram creditadas nessa conta.

23. Depois de BB transferir o dinheiro para a conta bancária  ...42, do Banco 3..., esta conta passou a apresentar um saldo de 143,84 €, tendo o arguido AA, ainda nesse mesmo dia 2.03.2020, procedido às seguintes operações:

• transferiu, através da aplicação MBWay, para o n.º ...77, o montante de 30,00€; levantou em numerário a quantia de 50,00 €;

• transferiu, através da aplicação MBWay, para o n.º ...36, o montante de 10,00€ e de 70,00€, valores que foram creditados na conta do Banco 3... com o  ...09, titulada pela irmã do arguido, FF;

• Ao creditar a conta do Banco 3... com o  ...09, esta ficou com um saldo de 80,28 €, tendo FF, por indicação do arguido AA, procedido ainda nesse mesmo dia 2.03.2020 aos seguintes movimentos:

• levantou em numerário a quantia de 60,00 €;

• efetuou 2 transferências para A..., no valor de 10,00€, cada, vindo a receber um prémio de jogo de 200,00 € no dia 5.03.2020.

25. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir a ofendia BB em erro, fazendo-a crer que estava a receber uma transferência de dinheiro por conta da venda de um carrinho de bebé, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que, pelo contrário, ela estava a realizar, sem conhecimento, uma transferência de 145,00 € a seu favor, obtendo desta forma um beneficio patrimonial ilegítimo desse valor e causando à ofendida um prejuízo

patrimonial correspondente.

26. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de adquirir à ofendida o carrinho de bebé ou de lhe devolver o dinheiro que dela recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet e aproveitando o fraco conhecimento da ofendida sobre o modo de funcionamento da aplicação MBWAY, conseguiu determinar a ofendida à realização de transferência monetária a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

III

27. Em data próxima do dia 5.04.2020, a ofendida CC colocou no sítio de internet OLX um anúncio para venda de vários objetos, indicando para contacto o telemóvel com o n. ...91....

28. O arguido AA depois de ver o anúncio decidiu contactar o anunciante com o objetivo de o fazer crer que pretendia adquirir uma cama, levando-o a

transferir dinheiro para a sua conta bancária através da aplicação MBWAY.

29. Na concretização desse propósito, ao início da tarde do dia 5.04.2020, o arguido AA, através do telemóvel com o n. ...14, enviou uma mensagem para o telemóvel com o n.º ...91 , na qual manifestou o seu interesse em adquirir uma cama que estava anunciada para venda.

30. Nos contactos entretanto realizados por telefone com a ofendida CC e com HH, o arguido AA, que se identificou como II, informou que pretendia efetuar a compra com urgência, ficando acordado

o preço de 650,00 €.

31. A ofendida CC deu indicação ao arguido AA para fazer o pagamento através de transferência bancária.

32. O arguido percebendo que a ofendida CC não utilizava a aplicação MBWAY e com o fito de a enganar, insistiu para que a instalasse.

33. A ofendida CC, perante a insistência do arguido AA, acedeu a instalar a aplicação MBWAY, deslocando-se a uma caixa multibanco para o efeito, tendo, pelas 16h33 do dia 5.04.2020, efetuado a adesão ao serviço MBWAY, associando a este serviço o seu n. 0 de telemóvel, ...76....

34. Quando se encontrava a proceder à instalação da aplicação, CC recebeu nova chamada do arguido AA, que a questionou se já havia terminado e lhe solicitou a indicação do número de telemóvel associado à aplicação, avisando-a de que iria fazer o pagamento em duas parcelas e que ela quando recebesse a mensagem teria de aceitar para que o dinheiro fosse transferido para a sua conta.

35. CC, acreditando no que o arguido lhe transmitia, informou-o que número associado à aplicação fora o ...76....

36. Pelas 16h46 do dia 5.04.2020, o arguido AA, através da aplicação MBWAY e utilizando o número de telemóvel ...19, efetuou um pedido de pagamento de 300,00 € dirigido ao telemóvel de CC, que esta aceitou, convicta que estava a aceitar o pagamento de 300,00 € e não a efetuar um pagamento nesse valor.

37. O arguido de imediato, pelas 16h47, fez novo pedido de pagamento do valor de 350,00 €, que também foi aceite pela ofendida na mesma convicção de estar a aceitar dinheiro e não a transferir.

38. O arguido AA ainda efetuou mais pedidos de dinheiro, mas como CC percebeu que tinham sido debitados da sua conta 650,00 e, não aceitou os pedidos e contactou-o solicitando a sua devolução.

39. O valor de 650,00 € foi transferido da conta da Banco 4..., com o número ...47, titulada por CC, através da aplicação MBWAY, tendo como ordenante da operação o n.º de telemóvel ...79, pertença da ofendida, para a conta com o IBAN  ...42, do Banco 3..., titulada e movimentada pelo arguido AA que, nessa data, tinha associado o telemóvel n.º ...19, pelo que as transferências realizadas na aplicação MBWAY para este número, eram creditadas nessa conta.

40. Depois de CC transferir o dinheiro para conta bancária  ...42, do Banco 3..., esta conta passou a apresentar um saldo de 652,75 €, tendo o arguido AA, nesse mesmo dia 5.04.2020, procedido

às seguintes operações:

- transferiu, através da aplicação MBWay, para o n.º ...36, o montante de 400,00€, valor que foi creditado na conta do Banco 3... com o  ...09, titulada por FF;

- levantou em numerário a quantia de 50,00 €;

41. Ao creditar a conta do Banco 3... com o  ...09, esta ficou com um saldo de 400,16 €, tendo FF, por indicação do arguido AA, procedido ainda nesse mesmo dia 5.04.2020 aos seguintes movimentos:

- levantou em numerário a quantia de 360,00 €;

- efetuou 2 transferências para apostas on line A..., no valor de 20,00€, cada, vindo a receber um prémio de jogo de 50,00 € no dia 22.05.2020;

42. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir a ofendida CC em erro, fazendo-a crer que estava a receber uma transferência de dinheiro por conta da venda de uma cama, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que, pelo contrário, ela estava a realizar, sem conhecimento, duas transferências no valor total de 650,00 € a seu favor, obtendo desta forma um beneficio patrimonial ilegítimo desse valor e causando à ofendida um prejuízo patrimonial correspondente.

43. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de adquirir à ofendida a cama ou de lhe devolver o dinheiro que dela recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet e aproveitando o fraco conhecimento da ofendida sobre o modo de funcionamento da aplicação MBWAY, conseguiu determinar a ofendida à realização de duas transferências monetárias a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

IV

44. Em data anterior ao dia 11.12.2018, o arguido AA diligenciou pela colocação no sítio OLX de um anúncio com o ID ...78, em que publicitava a venda de uma PlayStation 4, pelo valor de € 150,00, identificando-se o vendedor como JJ e fornecendo para contacto o telemóvel ...31.

45. O ofendido DD, depois de efetuar uma pesquisa no sítio OLX em que visualizou o anúncio da PlayStation 4, no dia 11.12.2018, cerca das 20h00, contactou com AA, através do telemóvel ...31, tendo este afiançado ter a PlayStation para venda, acordando ambos na transação da mesma pelo valor de € 150,00.

46. O arguido deu indicação ao ofendido para que o pagamento do equipamento fosse efetuado através da aplicação MBWAY, utilizando o n.º de telemóvel ...31 como o destinatário do montante.

47. O ofendido, com o objetivo e convencido de que estava a pagar o equipamento que o arguido lhe ia enviar, acedeu à aplicação MBWAY e fez o envio de

150,00 € para o telemóvel ...31.

48. Depois de enviar o montante, o ofendido DD contactou o arguido AA para confirmar o pagamento, tendo este afirmado que não tinha recebido a quantia, que a indicação que tinha era a de que o movimento estava pendente, pelo que o ofendido deveria repetir a transferência.

49. Acreditando na explicação que o arguido AA lhe dava e que o pagamento não se tinha concretizado, o ofendido, utilizando a aplicação MBWAY, procedeu a novo envio de 150,00 € para o mesmo telemóvel ...31.

50. Depois de confirmar a transferência dos 300,00 €, o ofendido DD tentou contactar com o arguido AA pelo telemóvel, não tendo conseguido estabelecer ligação, pese embora as diversas tentativas que efetuou.

51. Os 300,00 € foram transferidos da conta do ofendido DD, através da aplicação MBWAY tendo como telemóvel destinatário o telemóvel n.º ...31, que estava associado à conta com o IBAN  ...42, do Banco 3..., a qual era titulada e movimentada pelo arguido AA (pelo que as transferências que se realizavam para este número através da aplicação MBWAY eram creditadas nesta conta).

52. Depois de creditada com o dinheiro transferido pelo ofendido DD a conta bancária  ...42, passou a apresentar um saldo de 311,20 €, tendo o arguido AA procedido às seguintes operações:

- levantou em numerário a quantia de 280,00 € no dia 11.12.2018;

- efetuou o pagamento de uma referência MB Generic Payment para a entidade ...20 com a referência ...50, no valor de 25,00€, no dia 13.12.2018 para apostas on line.

53. Não obstante ter recebido duas vezes o preço acordado pela venda da PlayStation 4, o arguido AA não procedeu ao envio do equipamento para o ofendido DD, antes se apoderando do valor de € 300,00, que o ofendido

transferiu para a sua conta bancária

54. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir o ofendido KK em erro, fazendo-o crer que tinha uma PlayStation 4 para vender, que mediante o pagamento do preço acordado lha enviaria, e que a primeira transferência não tinha sido bem sucedida, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que o ofendido apenas lhe fez as transferências por acreditar no que ele lhe transmitia, ou seja, que estava a adquirir a PlayStation 4 e que a primeira transferência tinha ficado sem efeito.

55. Mais sabia o arguido AA que com a descrita conduta obtinha um benefício patrimonial ilegítimo no valor de 300,00 €, causando ao ofendido um prejuízo patrimonial correspondente.

56. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de vender ou enviar ao ofendido qualquer objeto ou de lhe devolver o dinheiro que dele recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet e aproveitando o fraco conhecimento do ofendido sobre o modo de funcionamento da aplicação MBWAY, conseguiu determinar o ofendido à realização de duas transferências monetárias a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

V

57. Em data anterior ao dia 28.11.2019, o arguido AA diligenciou pela colocação no sítio OLX de um anúncio em que se publicitava a venda de um telemóvel da marca APPLE, modelo IPHONE XR, pelo valor de € 260,00, fornecendo para contacto o telemóvel ...84....

58. A ofendida LL, viu o anúncio publicitado pelo arguido AA, tendo, no dia 28.11.2019, estabelecido contacto com o mesmo, através de sms enviada para o telemóvel ...84....

59. Nas mensagens trocadas com LL, o arguido AA sempre afirmou ter o telemóvel para venda, pelo que acordaram na sua transação, pelo valor de € 260,00.

60. O arguido deu indicação à ofendida para que o pagamento fosse efetuado através da aplicação MBWAY, utilizando o n.º de telemóvel ...62 como o destinatário do montante.

61. No dia 28.11.2019, pelas 13h18, LL, com o objetivo e convencida de que estava a pagar o telemóvel que lhe ia ser enviado, procedeu ao envido de 260,00 € através da aplicação MBWAY para o número de telemóvel indicado

por AA.

62. Depois de LL confirmar a transferência do dinheiro, AA comunicou-lhe que faria o envio do equipamento através dos Banco 3....

63. A ofendida LL questionou ainda o arguido AA se tinha outros equipamentos para venda, tendo este visto aqui uma oportunidade para se apropriar de mais dinheiro, pelo que logo lhe referiu ter disponível o telemóvel IP HONE XS MAX, pelo preço de € 350,00.

64. LL manifestou interesse na aquisição deste segundo equipamento, mas referiu que só concretizaria a compra depois de receber o telemóvel que tinha adquirido momentos antes.

65. O arguido AA, com o objetivo de a levar a transferir-lhe mais dinheiro, insistiu várias vezes para que ela o adquirisse de imediato, propondo-se mesmo fazer um desconto de 50,00 € se ela comprasse o segundo telemóvel nesse momento.

66. A ofendida LL, acreditando que o arguido AA tinha para venda o telemóvel e que estava a propor-lhe um desconto no preço, acedeu comprar este segundo equipamento, procedendo de imediato ao pagamento do respetivo preço, no valor de 300,00 €, tendo para o efeito transferido aquela quantia, através da aplicação MBWAY, para telemóvel com o n.º ...62.

67. Os valores de 260,00 € e de 300,00 € foram transferidos da conta da ofendida LL, através da aplicação MBWAY tendo como telemóvel destinatário o telemóvel n.º ...62, que estava associado à conta com o IBAN  ...42, do Banco 3..., titulada e movimentada pelo arguido AA (pelo que as transferências que se realizavam para este número através da aplicação MBWAY eram creditadas nesta conta).

68. Depois de creditada com o dinheiro transferido por LL a conta bancária  ...42, passou a apresentar um saldo de 562,35 €, tendo o arguido AA procedido às seguintes operações:

- transferiu, através da aplicação MBWay, para o n.º ...99, o montante de 10,00€ e de 30,00€, valores que foram creditados na conta do Banco 3... com o  ...09, titulada pela sua irmã FF;

- levantou em numerário, no dia 28.11.2019, a quantia de 350,00 €, e, no dia 29.11.2019, a quantia de 80,00 €;

- efetuou 3 transferências para apostas on line A..., 2, no dia 28.11.2019, no valor de 30,00€ cada, e l, no dia 29.11.2019, no valor de 25,00 €, vindo a receber um prémio de jogo de 5.000,00 € no dia 5.12.2019;

69. Ao creditar a conta do Banco 3... com o  ...09, esta ficou com um saldo de 40,19 €, tendo FF, por indicação do arguido AA, procedido, ainda nesse mesmo dia 28.11.2019, aos seguintes movimentos:

- efetuou 2 transferências para apostas on line A..., no valor de 20,00€, cada, vindo a receber um prémio de jogo de 150,00 € no dia 3.12.2019.

70. Depois de confirmar o recebimento dos valores, o arguido AA garantiu à ofendida que os telemóveis seriam remetidos, nesse dia, via Banco 3..., sendo-lhes entregues no dia 29.11.2019.

71. Não tendo recebido os equipamentos, LL contactou com o arguido AA, que afiançou que chegariam na segunda-feira seguinte.

72. Não obstante ter recebido o preço acordado por cada um dos telemóveis, o arguido AA não procedeu ao seu envio para a ofendida LL, antes se tendo apoderado do valor de 560,00 €, que a ofendida transferiu para a sua conta.

73. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir a ofendida LL em erro, fazendo-a crer que tinha dois telemóveis para vender e que mediante o pagamento do preço acordado lhos enviaria, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que a ofendida apenas lhe fez as transferências por acreditar no que ele lhe transmitia, ou seja, que estava a adquirir 2 telemóveis.

74. Mais sabia o arguido AA que com a descrita conduta obtinha um benefício patrimonial ilegítimo no valor de 560,00 €, causando à ofendida um prejuízo patrimonial correspondente.

75. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de vender ou enviar à ofendida qualquer objeto ou de lhe devolver o dinheiro que dela recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet, conseguiu determinar a ofendida à realização de duas transferências monetárias a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

VI

76. Em data anterior ao dia 15.04.2020, o arguido AA colocou no sítio OLX o anúncio em que publicitava que tinha para venda uma PlayStation 4, pelo valor de € 220,00, fornecendo o telemóvel ...29... para contacto.

77. Como tinha interesse em adquirir uma consola com estas características, a ofendida MM, no dia 15.04.2020, cerca das 15h50, contactou com o arguido, através do telemóvel ...29....

78. Percebendo o interesse da MM na PlayStation e por forma a convencer a fazer-lhe um pagamento, o arguido AA sugeriu-lhe que fosse ver a consola a sua casa, que referiu ser em ....

79. Convencida que o arguido AA tinha efetivamente uma consola para vender e aproveitando o facto de ele afirmar que, no dia seguinte, se deslocava a ... e poderia entregar-lha em mão, aceitou a proposta do arguido, de adquirir a PlayStation, pelo valor de 220,00 €, fazendo o pagamento por transferência bancária, para a conta por ele indicada.

80. Nessa sequência, a ofendida MM, no dia 16.04.2020, procedeu à transferência de 220,00 € da conta por si titulada na Banco 2..., com 0 IBAN  ...75, para a conta do Banco 3..., com 0 IBAN  ...42, titulada e movimentada pelo arguido AA.

81. Depois de receber o dinheiro transferido pela ofendida MM na sua conta bancária  ...42, do Banco 3..., esta conta passou a apresentar um saldo de 220,13 €, tendo o arguido AA, nesse mesmo dia 16.04.2020, procedido às seguintes operações:

- efetuou o pagamento de duas referências MB Generic Payment para a entidade ...93, uma com a referência ...53 e a outra com a referência ...68, cada uma no valor de 20,00 € para apostas on line;

- transferiu para a conta do Banco 3... com o NIB  ...56, titulada por GG, mas movimentada pelo arguido AA, a quantia de 180,00 €.

82. Ao creditar na conta titulada por GG com 180,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 265,03 €, tendo o arguido AA movimentado a conta, nesse mesmo dia 16.04.2020, através de:

- 1 levantamento em numerário de 80,00 €;

- 3 transferências para apostas on line A..., 2 no valor de 20,00 € e I no valor de 10,00 €.

83. Depois de confirmar a transferência, a ofendida MM não voltou a conseguir contactar com o arguido AA.

84. Não obstante ter recebido o preço acordado pela venda da PlayStation 4, o arguido AA não procedeu ao envio do equipamento para a ofendida MM, antes se apoderando do valor de € 220,00, que a ofendida transferiu para a sua conta bancária

85. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir a ofendida MM em erro, fazendo-a crer que tinha uma PlayStation 4 para vender, que mediante o pagamento do preço acordado lha entregaria, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que a ofendida apenas lhe fez a transferência bancária por acreditar no que ele lhe transmitia, ou seja, que estava a adquirir a PlayStation 4.

86. Mais sabia o arguido AA que com a descrita conduta obtinha um beneficio patrimonial ilegítimo no valor de 220,00 €, causando à ofendida um prejuízo patrimonial correspondente.

87. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de vender ou enviar à ofendida qualquer objeto ou de lhe devolver o dinheiro que dela recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet, conseguiu determinar a ofendida à realização de uma transferência monetária a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

VII

88. Em data próxima do dia 17.04.2020, o ofendido EE efetuou uma pesquisa, via intemet, no sítio OLX, onde localizou e visualizou o anúncio que o arguido AA havia colocado, no qual era anunciada para venda PlayStation 4, pelo valor de € 220,00, fornecendo para contacto o telemóvel ...29....

89. Como tinha interesse em adquirir uma consola com estas características, o ofendido EE, no dia 17.04.2020, contactou com o arguido AA.

90. Percebendo o interesse de EE na consola de jogos e por forma a convencer a fazer-lhe um pagamento, o arguido AA sugeriu-lhe que o pagamento fosse feito por transferência bancária, indicando a conta de destino.

91. Nessa sequência e convencido da veracidade do que o arguido AA lhe transmitia, EE acordou na transação da PlayStation, pelo valor de 200,00 €.

92. EE, no dia 17.04.2020, procedeu à transferência de 200,00 € da conta por si titulada na Banco 5..., com o NIB  ...81, para a conta titulada pelo arguido no Banco 3... com o IBAN  ...42.

93. Depois de receber o dinheiro transferido por EE na sua conta bancária  ...42, do Banco 3..., esta conta passou a apresentar um saldo de 200,13 €, tendo o arguido AA, ainda no dia 17.04.2020, procedido às seguintes operações:

- efetuou o pagamento de uma referência MB Generic Payment para a entidade ...93, uma com a referência ...79, no valor de 30,00 €, para apostas on line;

- transferiu para a conta do Banco 3... com o NIB  ...56, titulada por GG, mas movimentada pelo arguido, as quantias de 120,00 C, no dia 17.04.2020, e de 50,00 €, no dia 18.04.2020.

94. Ao creditar na conta titulada por GG 120,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 220,03 €, tendo o arguido AA movimentado a conta, nesse mesmo dia 17.04.2020, através de:

- 1 levantamento em numerário de 100,00 €;

- 1 transferência para apostas on line A..., no valor de 20,00 €;

95. Ao creditar na mesma conta, no dia 18.04.2020, os 50,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 173,59 €, tendo o arguido AA movimentado a conta através de um levantamento em numerário no mesmo valor.

96. Não obstante ter recebido o preço acordado pela venda da PlayStation 4, o arguido AA não procedeu ao envio do equipamento para EE, antes se apoderando do valor de € 200,00, que o ofendido transferiu para a sua conta bancária

97. Com a conduta descrita o arguido AA queria e conseguiu induzir o ofendido EE em erro, fazendo-a crer que tinha uma PlayStation 4 para vender, que mediante o pagamento do preço acordado lha enviaria, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que o ofendido apenas lhe fez a transferência bancária por acreditar no que ele lhe transmitia, ou seja, que estava a adquirir a PlayStation 4.

98. Mais sabia o arguido AA que com a descrita conduta obtinha um benefício patrimonial ilegítimo no valor de 200,00 €, causando ao ofendido EE um prejuízo patrimonial correspondente.

99. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de vender ou enviar ao ofendido qualquer objeto ou de lhe devolver o dinheiro que dele recebesse, apenas tendo alcançado os seus objetivos porque, através do esquema ardiloso descrito, beneficiando do anonimato e dos contactos à distância com que se concretizam as vendas de internet, conseguiu determinar o ofendido à realização de uma transferência monetária a seu favor e à correspondente diminuição do seu património.

VIII

100. O arguido AA estava ciente que as suas condutas constituíam crimes e que o dinheiro que as vítimas lhe entregavam era resultado desses crimes, tendo concebido e executado um esquema para evitar ser detetado, bem como para dissimular a origem do dinheiro e para lhe dar uma nova aparência lícita.

101. Assim, logo que as vítimas transferiam o dinheiro para a conta bancária  ...42, do Banco 3..., o arguido movimentava-o, pelo menos em parte, para outras contas bancárias que, formalmente, tinha outras pessoas como titulares, mas que estavam no domínio e disponibilidade do arguido, ou para a conta da sua irmã FF.

102. O arguido, com o mesmo objetivo, fazia apostas de jogo on line, quer através da sua conta, quer das contas de que tinha controlo, recebendo em momento posterior o dinheiro dos prémios de jogo nessas mesmas contas.

103. Para o efeito o arguido AA utilizou a sua conta bancária supra indicada, bem com as contas bancárias da sua mãe, GG - conta do Banco 3... com o NIB  ...56, e a conta titulada pela sua irmã, FF, com o IBAN  ...09.

104. O arguido AA por si ou através da sua irmã FF, fez apostas de jogo, para além de outros, através do pagamento de referências multibanco MB Generic Payment ou diretamente para A..., para a B... — Terminal Internacional, para a STARS, entre outras, estando as referências associadas a uma conta de jogo do arguido na sociedade C..., e as apostas A... estavam associadas à KAIZEN.

105. Foi na execução deste esquema que o arguido AA movimentou a sua conta bancária  ...42, do Banco 3..., da forma descrita supra, nomeadamente:

-fazendo as apostas nos sites de jogo on line indicados nos pontos IV a VII;

- transferindo as quantias descritas nos pontos II, III e V para a conta titulada por FF, sua irmã, dando-lhe indicação para que ela fizesse as apostas de jogo on line descritas nos referidos pontos,

- transferindo as quantias descritas nos pontos VI a VII para a conta titulada por GG, sua mãe, mas que o mesmo movimentava em exclusivo, fazendo as apostas de jogo on line discriminadas nesses pontos da acusação.

106. O arguido AA procedeu de forma idênticas nas situações infra descritas, sendo que os valores com que a sua conta bancária  ...42, foi creditada foram transferidos porque o arguido AA, com o objetivo, conseguido, de se apoderar do dinheiro e mediante a utilização de vários expedientes enganosos, criou nos visados a convicção de estarem a receber dinheiro do arguido para pagar bens que ele lhes pretendia adquirir, ou a convicção de estarem a pagar ao arguido AA bens que ele anunciou na internet e que eles lhe haviam adquirido, mas que o arguido não tinha, nem nunca teve, qualquer intenção de lhes enviar.

Assim sucedeu:

107. Em 1.12.2018 e 3.12.2018, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com as quantias de 200,00 € e 70,00 €, transferidas por NN, na

convicção de que estaria a pagar ao arguido AA a consola de jogos que ele estava a publicitar para venda na internet e que NN acabara de adquirir.

108. Depois de receber aqueles valores na sua conta bancária o arguido procedeu, nesses dias 1 e 3.12.2018, às seguintes operações:

- 1 levantamento em numerário de 100,00 € cada;

- pagamento de várias referências MB Generic Payment, e transferências para

STARS, todas destinadas a apostas on line.

109. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 214/18...., da Secção de Nelas do DIAP de Viseu, sendo-lhe imputada a prática do crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, do Código Penal.

110. Em 23.01.2020, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com a quantia de 600,00 €, transferida por OO, na convicção de que estaria a receber aquela quantia do arguido AA para pagamento de um frigorifico que estava a publicitar para venda na internet.

111. Depois de receber aquele valor a sua conta bancária apresentou um saldo de 655,205 e, tendo o arguido procedido, ainda nesse dia 23.01.2020, às seguintes operações:

- 2 levantamento em numerário de 200,00 € cada;

- 3 transferências para apostas on line A... — Terminal

Internacional, no valor de 40,00 €, 50,00 € e 50,00 €;

- 1 transferência para apostas on line B... Terminal Internacional, no valor de 20,00 €;

112. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 243/20...., da 8. a Secção do DIAP de Lisboa, sendo-lhe imputada a prática do crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, do Código Penal.

113. Em 11.02.2020, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com a quantia de 250,00 €, transferida por PP, na convicção de que estaria a receber essa quantia do arguido AA, para pagamento de um carrinho de bebé que estava a publicitar para venda na internet.

114. Depois de receber aquele valor a sua conta bancária apresentou um saldo de 439,76 €, tendo o arguido procedido, ainda nesse dia 11.02.2020, às seguintes operações:

- 1 levantamento em numerário de 150,00 €;

- 1 transferência MBWAY para o número de telefone ...36 (que estava associado à conta do Banco 3...  ...09, titulada por FF), no valor de 20,00 €;

-1 transferência para apostas on line A..., no valor de 29,00 €.

115. Ao creditar na conta titulada por FF 20,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 370,03 €, tendo FF, por indicação do arguido AA, movimentado a conta, nesse mesmo dia ...20, através de:

- 1 transferência para apostas on line A..., no valor de 20,00 €, vindo a receber um prémio de jogo de 500,00 € no dia 13.02.2020.

116. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 243/20...., da 8. a Secção do DIAP de Lisboa, sendo-lhe imputada a prática do crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, do Código Penal.

117. Em 12.02.2020, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com a quantia de 300,00 €, transferida por QQ, na convicção de que estaria a receber essa quantia do arguido AA, para pagamento de uma cama que estava a publicitar para venda na internet.

118. Depois de receber aquele valor a sua conta bancária apresentou um saldo de 509,76 e, tendo o arguido procedido, ainda nesse dia 12.02.2020, às seguintes operações:

- 1 levantamento em numerário de 100,00 €;

- 2 transferências MBWAY para o número de telefone ...36 (que estava associado à conta do Banco 3...  ...09, titulada por FF), no valor de 20,00 € cada;

- 3 transferência para apostas on line A..., 2 no valor de 30,00 € e 1 no valor de 10,00 € vindo a receber um prémio de jogo de 400,00 € no dia 13.02.2020

119. Ao creditar na conta titulada por FF 40,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 240,03 €, tendo FF, por indicação do arguido AA, movimentado a conta, nesse mesmo dia ...20, através de 2 transferências para apostas on line A..., no valor de 20,00 € cada, vindo a receber um prémio de jogo de 250,00 € no dia 13.02.2020.

120. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 176/20...., da 2ª Secção do DIAP de Leiria, sendo-lhe imputada a prática do crime de apropriação ilegítima de coisa achada, previsto e punido pelo artigo 209º do Código Penal.

121. Em 27.03.2020, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com a quantia de 140,00 €, transferida por RR, na convicção de que estaria a receber do arguido AA a quantia de 140,00 € para pagamento de um carrinho de bebé que estava a publicitar para venda na internet.

122. Depois de receber aquele valor a sua conta bancária apresentou um saldo de 156,75 €, tendo o arguido procedido, ainda nesse dia 27.03.2020, às seguintes operações:

- 1 levantamento em numerário de 50,00 €;

- 3 transferências para apostas on line A..., no valor de 25,00 €, 30,00 € e 20,00 €;

- 1 transferência para apostas on line B... Terminal Internacional, no valor de 10,00 €;

123. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 253/20...., da l. a Secção do DIAP de Viana de Castelo, sendo-lhe imputada a prática do crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217. 0 do Código Penal.

124. Em 17.04.2020, quando a conta bancária  ...42, do Banco 3..., titulada pelo arguido AA foi creditada com a quantia de 30,00 €, transferida por SS, na convicção de que estaria a proceder ao pagamento dos

portes de uma playstation 4 que tinha acordado adquirir a AA.

125. Depois de receber aquele valor a sua conta bancária apresentou um saldo de 80,13 €, tendo o arguido procedido, ainda nesse dia 17.04.2020, às seguintes operações:

- 1 transferência para a conta do Banco 3...  ...56, titulada por GG, no valor de 20,00 €;

- pagamento da referência ...88 da entidade ...01, MB Generic Payment, no valor de 10,00 € para apostas on line.

126. Ao creditar na conta titulada por GG 20,00 €, esta passou a apresentar um saldo de 140,03 €, tendo o arguido AA movimentado a conta, nesse mesmo dia 17.04.2020, através de:

- 1 transferência para apostas on line A..., no valor de 10,00 €.

127. Por tais factos foi deduzida acusação contra o arguido AA no inquérito 399/20...., da 3. a Secção do DIAP de Sintra, sendo-lhe imputada a prática do crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, do Código Penal.

128. O arguido AA, com o objetivo de não ser relacionado com a autoria dos factos criminosos que praticava, utilizou também as contas de terceiros para receber e movimentar quantias provenientes dos crimes de burla que cometeu.

129. Foi com esse propósito que utilizou a conta bancária com o IBAN  ...56 titulada pela sua mãe, GG, que associou à conta cliente que detinha na Sociedade C..., SA, que servia também para receber os prémios de jogo.

130. A conta de jogo foi carregada, através do pagamento de uma referência multibanco, no valor de 100,00 €, em 15.07.2018, tendo esse pagamento sido efetuado por TT, na convicção de que estava a pagar o preço referente a um carrinho de bebé que o arguido publicitava na internet, tendo sido deduzida acusação por tais factos no processo 272/18...., da Secção de Ponte de Lima do DIAP de Viana de Castelo.

131. O arguido não tem, desde data não concretamente apurada, mas seguramente anterior ao início do ano de 2017, atividade profissional regular e remunerada, dedicando-se de forma reiterada à prática de factos idênticos aos descritos nesta acusação, por via dos quais obtém os meios económicos com que faz face a todos os seus gastos, sejam eles essenciais ou supérfluos. Com efeito:

132. O arguido AA foi já condenado, com sentença transitada em julgado, nos processos:

a) 35/19...., que correu termos no Juízo 2 do Juízo Criminal de Barcelos, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, onde lhe foi aplicada uma pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217. 0 do Código Penal, por factos idênticos aos aqui imputados, praticados em 17.01.2019, tendo a decisão condenatória transitado em julgado a 14.11.2019, sendo extinta a 21.07.2020;

b) 565/18...., que correu termos no Juízo 7 do Juízo Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, onde lhe foi aplicada uma pena de 140 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º do Código Penal, por factos semelhantes aos aqui imputados, praticados em 30.11.2018, tendo a decisão condenatória transitado em julgado a 3.02.2020, sendo extinta a 3.11.2021;

c) 351/19...., que correu termos no Juízo 1, do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo, onde lhe foi aplicada uma pena de 130 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal, por factos idênticos aos aqui imputados, praticados em março de 2019, tendo a decisão condenatória transitado em julgado a 15.09.2020, sendo extinta a 6.09.2021;

d) 1028/19...., que correu termos no Juízo 5, do Juízo Local Criminal de Setúbal, onde lhe foi aplicada uma pena de 135 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, do Código Penal, por factos idênticos aos aqui imputados, praticados em outubro de 2019, tendo a decisão condenatória transitado em julgado a 10.12.2020;

e) 389/17.... que correu termos no Juízo l, do Juízo Local Criminal de Santo Tirso, onde lhe foi aplicada uma pena de 1 ano de prisão, suspensa por 1 ano, sujeita ao dever de proceder ao pagamento da quantia de 1.000,00 € ao ofendido, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º do Código Penal, por factos praticados nos meses de junho a agosto de 2017, tendo a decisão condenatória transitado em julgado a 7.06.2021.

133. Contra o arguido foram deduzidas acusações nos processos adiante indicados:

a) 272/18...., acusado em 2.11.2020, pela Secção de Ponte de Lima do DIAP de Viana de Castelo, por factos subsumíveis no crime de burla qualificada, praticados a 15.07.2018, sendo ofendida TT, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita;

b) 253/20...., acusado em 20.10.2020, pela lª a Secção do DIAP de Viana

de Castelo, por factos subsumíveis no crime de burla simples, praticados a 27.03.2020, sendo ofendida RR, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita;

c) 399/20...., acusado em 29.01.2021, pela 3. a Secção de Sintra do DIAP de Lisboa Oeste, por factos subsumíveis no crime de burla simples, praticados em 17.04.2020, em que é ofendido SS, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita;

d) 176/20...., acusado em 26.11.2021, Secção do DIAP de Leiria, por factos subsumíveis no crime de apropriação ilegítima de acessão ou coisa achada, praticados em 12.02.2020, em que é ofendida QQ, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita;

e) 284/21...., acusado em 6.03.2022, pela Secção de Sesimbra do DIAP de Setúbal, por factos subsumíveis no crime de burla simples, praticados em 16.05.2021, em que é ofendido UU, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita.

134. Ao arguido foi aplicada a suspensão provisória do processo no inquérito 7/18...., que correu termos no DIAP do Porto, Secção de Santo Tirso, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º, n.º1, do Código Penal, reportado a factos ocorridos em 3.01.2018, sendo a atuação do arguido idêntica à supra descrita.

135. Contra o arguido AA, para além dos inquéritos, já referidos, foram ainda instaurados outros inquéritos por condutas idênticas às supra descritas nesta acusação, nomeadamente os inquéritos:

- 632/19....;

- 71/20....;

- 689/18....;

- 736/19....;

- 184/20....;

- 103/20.....

136. Contra o arguido foram ainda deduzidas acusações nos processos infra identificados, tendo os processos terminado com desistência de queixa, na sequência do pagamento, pelo arguido, aos ofendidos, dos valores indevidamente apropriados por via de condutas idênticas às supra descritas nesta acusação:

a) 19/19...., foi acusado em 10.12.2020, pela Secção de Águeda do DIAP de Aveiro, por factos subsumíveis na prática de um crime de burla simples, praticados a 2.01.2019, sendo ofendida VV;

b) 243/20...., foi acusado em 25.02.2021, pela 8ª Secção do DIAP de Lisboa, por factos subsumíveis na prática de dois crimes de burla simples,  praticados a 23.01.2020, sendo ofendido OO, e a 11.02.2020, sendo ofendido PP;

c) 214/18...., foi acusado em 27.11.2019, pela Secção de Nelas do DIAP de Viseu, por factos subsumíveis na prática de um crime de burla simples, praticados a 1.12.2018, sendo ofendido NN

            137. O arguido estava ciente de que as condutas que adotava perante os utilizadores de internet não correspondiam à verdade e eram aptas a criar, como criaram, nos seus interlocutores uma falsa perceção da realidade, que os determinou a abrir mão de quantias monetárias em seu favor, tendo o arguido agido sempre com o propósito de os ludibriar e de se apropriar do dinheiro que eles lhe viessem a entregar.

138. Tendo o arguido nessa atividade fraudulenta e apropriativa a sua principal forma de obtenção de rendimentos e de manter o modo de vida desafogado em que vivia.

139. O arguido agiu nos termos acima descritos em relação ao dinheiro que era depositado na sua conta pelas vítimas dos seus esquemas enganosos e que sabia não lhe pertencer, consciente que tais quantias tinham sido obtidas de forma fraudulenta, movimentando-as com o propósito de esconder a proveniência ilícita daquelas quantias monetárias e de dificultar a ação da justiça e vir a ser associado a tais factos.

140. Agiu o arguido com o propósito de dissimular a sua identidade e a origem do dinheiro de que se apropriou, impedindo que os ofendidos e as autoridades judiciárias o detetassem, por um lado e, por outro, visando ocultar essa origem e integrar no circuito bancário legítimo esses valores, que sabia provenientes de factos que constituíam a prática de crime, o que fez movimentando o dinheiro e gastando em proveito próprio, recorrendo a transferências para contas de outras pessoas, através das quais procedia à reintrodução do dinheiro no sistema bancário cortando a relação com os crimes de onde provinha.

141. Com o mesmo objetivo o arguido fazia apostas de jogo on line, assim procurando reintroduzir nas contas bancárias, como prémios de jogo, o dinheiro que obteve com a prática de crimes, dando-lhe uma aparência lícita, e obstando a que se relacionassem aquelas quantias com os factos ilícitos que estavam na origem da sua transferência patrimonial para a esfera do arguido.

142. Com esta conduta de transferências e apostas o arguido introduziu, como era sua vontade, as quantias indicadas supra, que era vantagem da sua conduta ilícita, na

economia regular, tendo-o feito de forma livre deliberada e consciente, com o propósito, conseguido, de evitar, por um lado, que se estabelecesse uma relação direta com a sua proveniência e, por outro lado, que viesse a ser implicado na prática dos factos que estiveram na sua génese, apesar de saber que com tal conduta estava a introduzir na economia legal ativos financeiros ilícitos, contaminando-a e dando a estes ativos a aparência de licitude.

143. O arguido praticou todos os factos acima descritos de forma consciente, livre e deliberada, bem sabendo que todas as condutas que adotava eram proibidas e punidas por lei penal.

Ainda se provou (dos pedidos de indemnização cível):

144. Como consequência da conduta do arguido descrita nos pontos 44 a 50, o ofendido DD sentiu-se perturbado e frustrado, por ter falhado a promessa ao neto de lhe oferecer no Natal uma playstation.

145. A conduta do arguido descrita nos pontos 17 a 39, deixou a ofendida CC preocupada e nervosa, casando-lhe angústia e transtorno, por ficar privada do valor de €650,00 e não poder contar com o produto da venda que pretendia efetuar.

Das condições pessoais do arguido

146. Para além das condenações supra referidas, o arguido foi ainda condenado:

. Por sentença de 27.02.2014, transitada em julgado em 22.04.2014, pela prática, em 17.04.2012, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (processo n.º 126/12...., do 2º Juízo Criminal de Santo Tirso);

. Por sentença de 10.09.2021, transitada em julgado em 02.12.2021, pela prática, em 16.07.2021, de um crime de burla qualificada, na pena de 90 dias de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (processo n.º 272/18...., do Juízo Local Criminal de Ponte de Lima);

. Por sentença de 25.04.2022, transitada em julgado em 13.05.2022, pela prática, em 12.02.2020, de um crime de apropriação ilegítima, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (processo n.º 176/20...., do Juízo Local Criminal de Leiria, J1);

. Por sentença de 06.07.2023, transitada em julgado em 02.10.2023, pela prática, em 09.09.2018, de um crime de burla simples, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (processo n.º 290/18...., do Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, J2);

. Por sentença de 06.10.2023, transitada em julgado em 13.11.2023, pela prática, em 25.01.2020, de um crime de burla informática e nas comunicações, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano (processo n.º 185/20...., do Juízo Local Criminal de Portimão, J2).

. Por sentença de 09.05.2022, transitada em julgado em 09.05.2022, pela prática, em 17.05.2021, de um crime de burla simples, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por igual período, na condição de pagamento ao ofendido (processo n.º 284/21...., do Juízo de Competência Genérica de Setúbal, J2);

. Por sentença de 08.09.2022, transitada em julgado em 13.10.2022, pela prática, em 09.10.2018, de um crime de burla simples, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 1 ano (processo n.º 689/18...., do Juízo Local Criminal de Guimarães, J4);

. Por sentença de 20.06.2023, transitada em julgado em 12.09.2023, pela prática, em 20.03.2020, de um crime de burla simples, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano (processo n.º 151/20...., do Juízo de Competência Genérica de Tavira).

. Por sentença de 10.07.2023, transitada em julgado em 25.09.2023, pela prática, em 2020, de dois crimes de burla simples, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período, com sujeição a deveres (processo n.º 702/20...., do Juízo Local Criminal de Braga, J3);

147. No processo de socialização de AA, destaque para a disfuncionalidade do grupo familiar de referência e exposição nos primeiros anos de vida a situações de negligência familiar.

148. Entre 2000/2005, face à incapacidade da progenitora para levar a cabo o necessário acompanhamento/supervisão do arguido e face à reclusão do progenitor, o menor foi judicialmente entregue aos cuidados de um tio paterno.

149. Naquele agregado terá beneficiado de uma integração adequada e supervisão satisfatória, não existindo informação de comportamentos desajustados ou de risco, durante aquele período.

150. Em julho de 2005 no contexto de reorganização pessoal e familiar da progenitora, o arguido reintegrou o agregado familiar desta. Neste período a dinâmica familiar ficou marcada pela disfuncionalidade, patenteada por uma prática educativa permissiva e desculpabilizadora.

151. O progenitor do arguido cumpriu pena de prisão entre outubro de 1997 e junho de 2007, sendo uma figura pouco interventiva no processo educativo de AA.

152. Embora AA tenha frequentado a escola até aos 16 anos, apenas concluiu o primeiro ciclo. Na transição para o segundo ciclo começou a evidenciar comportamentos problemáticos, de rebeldia e agressividade com os colegas e de elevado absentismo escolar, convivendo com grupo de pares desviantes e iniciando nesta fase o consumo de substâncias estupefacientes (haxixe). É também nesta fase que o arguido é sujeito a processo tutelar educativo, com implementação de medida de acompanhamento.

153. Apesar dos esforços das várias entidades envolvidas ao longo do processo de acompanhamento, AA nem sempre correspondeu de forma satisfatória, inviabilizando algumas intervenções destinadas a corrigir fragilidades na sua personalidade e alterar comportamentos.

154. Aos 16 anos começou a trabalhar numa padaria, onde se manteve apenas alguns meses. O seu percurso profissional, caracteriza-se pela irregularidade e desempenho de curta duração, com situações de desemprego prolongadas ou recurso a trabalhos temporários.

155. Há sete anos AA estabeleceu relação afetiva com companheira e tem dois filhos de 5 e 4 anos.

156. À data da prática dos factos (2019/ 2020), AA constituía agregado com companheira e dois filhos menores, coabitando com a mãe e irmão mais velho do arguido, no 1º andar de uma moradia. O espaço habitacional de tipologia 3, arrendado, apresenta-se subdimensionado para as necessidades do agregado, no entanto a família perceciona as condições habitacionais como satisfatórias.

157. A dinâmica relacional no grupo familiar, indicia sentido de entreajuda. Relativamente ao comportamento criminal do arguido a atitude da família é indiciadora de alguma minimização/desculpabilização.

158. Profissionalmente AA não apresenta atividade regular, tendo desenvolvido alguma atividade na área da restauração, nas reparações de computadores e telemóveis ou na construção civil, atividades que decorrem num registo informal e de forma ocasional.

159. É um indivíduo com rotinas pouco estruturadas, um quotidiano inoperante pela inatividade laboral, assumindo problemática aditiva ao jogo (apostas on line), com implicações a outros níveis, designadamente na sua autonomia e capacidade económica.

160. AA assume também ser consumidor de haxixe, substância que o mesmo refere ter influência no controlo das crises de ansiedade de que padece, existindo também intenção de controlar esta problemática.

161. Face a estas problemáticas aditivas, o arguido procurou apoio junto do centro de Respostas Integradas Porto Ocidental, tendo efetuado consultas.

162. A companheira do arguido é funcionária de um hipermercado.

163. O grupo familiar reside em casa arrendada suportando uma renda mensal de 300 euros. As despesas relacionadas com o espaço habitacional (luz, água, gás e comunicações) totalizam uma média mensal de 130/150 euros e são partilhadas pelos vários coabitantes.

164. O agregado requereu recentemente o rendimento social de inserção, tendo sido deferido o pagamento de uma prestação de 99,23 euros, face á existência de rendimentos de trabalho de um dos elementos do agregado (companheira do arguido).

165. De acordo com o relatório social, o arguido denota alguma irresponsabilidade e imaturidade, é caracterizado com um individuo permeável, com ligações familiares a elementos com comportamentos desviantes.

166. AA encontra-se em acompanhamento pela DGRSP, no âmbito de uma pena de prisão suspensa, aplicada no processo 689/18.... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, encontrando-se a cumprir de forma minimamente satisfatória as ações estabelecidas no plano.

167. O arguido não apresenta projeto laboral e revela fraca proatividade na sua integração no mercado de trabalho, sem um quotidiano estruturado.

****

Do incidente de liquidação resultaram provados os seguintes factos:

1- AA foi constituído arguido nos presentes autos no dia 17.02.2022.

2- À data dos factos, o arguido vivia em união de facto com WW e o casal residia com GG, a mãe do arguido AA.

3- No período compreendido entre 17 de fevereiro de 2017 e 31 de março de 2022, o arguido foi titular das contas bancárias infra indicadas, as quais eram por si movimentadas:

  • Conta com o IBAN  ...05 do Banco 6..., aberta a 24.09.2019 e encerrada a 6.07.2020;
  • Conta com o IBAN  ...42 do Banco 3..., aberta a 16.06.2017 e encerrada a 23.11.2021;
  • Conta com o IBAN  ...18 do Banco 7..., encerrada a 16.12.2019, mas inativa desde ../../2012;

4. No mesmo período o arguido movimentou quantias monetárias nas contas bancárias infra indicadas, contas que apesar de tituladas pela sua companheira, WW, e pela sua mãe, GG, eram por si acedidas e movimentadas no seu interesse, sem intervenção das titulares:
  • Conta com o IBAN  ...80 do Banco 3..., titulada por WW, mas movimentada por AA, aberta a 24.10.2018 e encerrada a 20.08.2021 (mas inativa desde 23.12.2020);
  • Conta com o IBAN nº  ...56 do Banco 3..., titulada por GG, mas movimentada pelo arguido AA, aberta a 7.03.2018 e encerrada a 23.11.2021.

            5. No período que mediou entre 17.02.2017 e 31.03.2022, as contas tituladas e/ou movimentadas pelo arguido AA (com exceção da conta com o IBAN  ...18 do Banco 7... que não teve qualquer movimentação no período) foram creditadas com diversos valores, assim:

- 5.1. A conta com o IBAN  ...05 do Banco 6... apresentou um total de créditos discriminados no quadro infra, em que o valor dos créditos não justificados corresponde à diferença entre os créditos totais e o valor do crédito que proveio de adiantamento de cartão:

Período/Ano17.02.2017 a 31.12.20172018201920202021Total
Créditos total

0,000,005.767,972.010,000,007.777,97
Cash advance cartão0,000,00450,00 0,00450,00
Créditos não justificados0,000,005.317,972.010,000,007.327,97

5.2. A conta com o IBAN nº ...42 do Banco 3..., apresentou um total de créditos discriminados no quadro infra, em que o valor dos créditos não justificados corresponde à diferença entre os créditos totais e a soma dos créditos que provinham das outras contas movimentadas pelo arguido (ainda que formalmente tituladas pela sua mãe e pela sua companheira), de devoluções e anulações de operações e de transferências realizadas pela sociedade de recursos humanos ocorridas no ano de 2021:

Período/Ano17.02.2017 a 31.12.20172018201920202021Total
Créditos total

3.861,7119.281,4024.392,3219.603,338.790,5875.929,34
Transf. da conta GG0,001.193,00570,000,000,001.763,00
Transf. da conta WW0,000,000,00534,200,00534,20
Devoluções e anulações0,002,205.433,325,470,005.440,99
Transf. Soc. Randstad Rec. Humanos0,000,000,000,00516,88516,88
Créditos não justificados 3.861,7118.086,2018.389,0019.063,668.273,7067.674,27

            5.3 A conta com o IBAN nº  ...80 do Banco 3..., titulada por WW, mas movimentada pelo arguido AA, apresentou um total de créditos discriminados no quadro infra, em que o valor dos créditos não justificados corresponde à diferença entre os créditos totais e a soma dos créditos que provinham da outra conta titulada pelo arguido no Banco 3... e de devoluções e anulações de operações:

Período/Ano17.02.2017 a 31.12.20172018201920202021Total
Créditos total

0,00220,001.572,123.623,000,005.415,19
Transf. da conta B. CTT AA0,000,00817,1252,000,00869,12
Devoluções e anulações0,000,000,004,070,004,07
Créditos não justificados0,00220,00755,003.567,000,004.542,00

5.4. A conta com o IBAN nº  ...56 do Banco 3..., titulada por de GG, mas movimentada pelo arguido AA, apresentou um total de créditos discriminados no quadro infra, em que o valor dos créditos não justificados corresponde à diferença entre os créditos totais e a soma dos créditos que provinham da Segurança Social (relativos ao rendimentos social de inserção de GG), de outras contas tituladas e/ou movimentadas pelo arguido (designadamente da conta titulada pelo arguido no Banco 3... e da conta por ele movimentada, mas formalmente titulada pela sua companheira WW), e de devoluções e anulações de operações:

Período/Ano17.02.2017 a 31.12.20172018201920202021Total
Créditos total

0,007.351,7413.516,337.517,956.634,1335.020,15
Inst. Seg Social

0,005.540,814.944,263.731,082.641,4016.857,55
Transf. da conta B CTT AA0,000,001.351,102.475,001.960,275.786,37
Transf. da conta B CTT WW0,000,000,000,00110,00110,00
Devoluções e anulações0,001,70126,5973,07115,57316,93
Créditos não justificados 0,001.809,237.094,381.238,801.806,8911.949,30

            6. No período compreendido entre 17 de fevereiro de 2017 e até ao final do mês de fevereiro de 2022 o arguido apenas apresentou uma declaração de IRS relativa ao ano de 2018, declarando um rendimento bruto total de 1.932,70 €.

            7. Para esse período de 2017 a 2022, foram declarados pelas entidades patronais do arguido à Segurança Social vencimentos para efeitos de cálculo de contribuição nos valores discriminados no quadro do ponto 13, dos quais resulta que o arguido teve uma atividade profissional esporádica (trabalhando apenas no período de agosto a novembro de 2018, 3 dias no mês de maio de 2019 e de setembro de 2021 em diante, encontrando-se em situação de inatividade entre dezembro de 2018 e setembro de 20221 – exceto os 3 dias de maio de 2019 já mencionados).

            8. Para além disso, o arguido foi também beneficiário de prestações sociais, pagas pela Segurança Social, correspondentes a proteção social no âmbito da maternidade e a prestações por doença, auferido os valores das prestações sociais discriminados no quadro infra:

AnoTrabalhoPrestação doençaPrestação maternidade
17.02.2017 a 31.12.20170,000,00281,00
20181.875,080,0045,76
2019 32,880,00244,02
2020 0,000,000,00
2021 1.804,69112,500,00
2022 305,50343,560,00
Total4.018,15456,06570,78
Total Global5.044,99

            9. No período entre 17 de fevereiro de 2017 e 31.03.2022 o arguido recorreu a adiantamento de crédito no valor de 450,00 €, que foi creditado na sua conta com o IBAN  ...05 do Banco 6....

10. Para além deste rendimento lícito, o arguido viu as contas por si tituladas e/ou movimentadas creditadas com o valor total de 9.062,69 €, proveniente de contas por si tituladas e/ou movimentadas.

11. As contas tituladas e movimentadas por AA foram ainda creditadas com o valor de 5.761,99 € de devoluções e anulações de operações.

            12. O arguido não obteve durante o referido período outros rendimentos lícitos.

              13. Acresce que, entre março de 2018 e outubro de 2021, a conta do Banco 3... com o IBAN nº  ...56 do Banco 3..., titulada por GG, mãe do arguido, foi creditada com o valor de 16.857,55 €, recebidos a título de prestação de rendimento social de inserção.

14. Computa-se em 5.494,99 € o rendimento lícito do arguido AA no período compreendido entre 17 de fevereiro de 2017 e 31 de março de 2022.

15. A soma de todos os valores creditados nas contas do arguido acima identificadas, entre 17 de fevereiro de 2017 e 31 de março de 2022, ascende a € 124.142,65.

                                                                      *                                                                     

2.2. Matéria de Facto Não Provada

Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.

*

2.3. Motivação da Decisão de Facto

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento em conjugação com os documentos juntos aos autos, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum, como determina o artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Valorou, além do mais, as declarações prestadas pelo arguido AA em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, assistido por defensor e advertido nos termos previstos no artigo 141º, n.º4, alínea b), do Código de Processo Penal (cfr. fls. 974 a 979), as quais estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal – artigo 357º, n.º1, al.b), do Código de Processo Penal.

Confrontado com as situações aqui em discussão, o arguido assumiu todos os comportamentos que lhe são imputados, justificando-os como forma de sustentar o vício do jogo. Nega, apenas, que tenha agido com o propósito de esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias e de dificultar a ação da justiça, escamoteando a sua associação aos factos - a esse propósito explica que procedeu às transferências para contas da titularidade de terceiros (concretamente, a mãe e a irmã) porque precisava de efetuar movimentos com cartão e não dispunha de cartão associado às suas contas.

Aquilo que o arguido admite resulta também dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento – que se afiguraram objetivos, coerentes e circunstanciados - em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos.

Assim, para além de se ter considerado o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente:

- De fls. 42 a 78 (informação do Banco 3..., relativa a conta titulada pelo arguido, de onde é possível extrair os movimentos, designadamente os valores creditados, bem como a origem);

- De fls. 89 e ss. (lista de faturação de chamadas e de mensagens);

- De fls. 162-164 (informação da SIBS, relacionada com telemóveis em nome de FF);

- De fls. 215 e ss. 305 e ss., 312 e ss., 323 e ss., 435 e ss., 651 e ss., 659, 713 e ss., 802 e 803 (informação do Banco 3...);

- De fls. 304 (informação do Banco de Portugal);

- De fls. 642 (informação do Banco 6...);

- De fls. 708 e ss. (informação da Vodafone);

- De fls. 717 a 721, 739 A a 743, 774 a 790, 797 a 799, 826 a 839, 865 e 866 (informação da Kaisen, que explora a Betano, antes A..., aludindo a transações para o IBAN do arguido, com origem em prémios de jogo);

- De fls. 792 a 796 (informação da Solverde, relativa a movimentos de jogo, com a identificação de conta titulada por FF);

- Elementos bancários constantes dos anexos 1, 2, 3, 4 e 5.

O Tribunal valorou, concretamente, em relação a cada uma das situações:

- Ponto II, factos 9 a 26, o depoimento prestado pela ofendida BB (localizou no tempo a situação ocorrida na sequência de ter colocado à venda um carrinho de bébé no OLX, confirmando que o seu número de telemóvel é o que consta do anúncio de fls. 118, explicando que a combinação da transação foi efetuada através de mensagem, e que foi seguindo os passos que lhe foram transmitidos pelo arguido na aplicação MBWAY que instalou para o efeito, até que se apercebeu que o dinheiro saiu da sua conta, o que transmitiu ao seu interlocutor que lhe sugeriu que repetisse o procedimento; disse que nunca recuperou o valor, nem voltou a ser contactada), em conjugação com os documentos de fls. 15 a 20 (print de mensagem telemóvel, sms), 40-41 (informação), 136 (adesão ao serviço MBWAY), bem como os elementos bancários de fls. 14 – consulta de movimento de conta da Banco 2..., no dia 02.03.2020 -, 70, 136 e ss. (informação da Banco 2...) e os comprovativos de movimentos de fls. 31 verso do Anexo e de fls. 3 e 16 verso do Anexo 5;

- Ponto III, factos 27 a 43, o depoimento prestado pela ofendida CC ((localizou no tempo a situação ocorrida na sequência de ter colocado à venda uma cama no OLX, colocando o seu número de telemóvel no anúncio, explicando que a pessoa que a contactou, interessada na aquisição, induziu-a a instalar a aplicação MBWAY, sugerindo o pagamento através de duas operações, que efetuou, satisfazendo os pedidos formulados pelo interlocutor na aplicação, tendo percebido, logo no mesmo dia, através do seu extrato bancário, que o dinheiro saiu da sua conta – da primeira vez, € 300,00 e da segunda vez € 350,00; tendo confrontado o interlocutor com isso, este disse que ia devolver o dinheiro mas continuou a efetuar pedidos através da aplicação, os quais já não aceitou por ter percebido que tinha sido enganada; identificou o número de telefone que colocou no anúncio do OLX e o número de telefone que associou à aplicação MBWAY que instalou; disse que nunca recuperou o valor, nem voltou a ser contactada), em conjugação com o auto de notícia de fls. 20, print de imagem de fls. 25, o comprovativo de adesão ao serviço MBWAY de fls. 65 do Apenso 140/20...., os elementos desta aplicação de fls. 25 e 66 a 69 do mesmo Apenso e de fls. 30 a 32 e 72-72, os elementos bancários de fls. 14, 59, 60, 66 a 69, 72 e 73 do Apenso, bem como a informação de fls. 74 dos autos principais (de onde resulta a ofendida como ordenante), os elementos bancários 44 e ss. dos autos principais e de fls. 33 verso, bem como as informações de fls. 30 a 32 e 72-73 (de onde resulta o arguido como destinatário), e os comprovativos de movimentos de fls. 33 verso do Anexo 1 e de fls. 3 e 17 verso do Anexo 5;

- Ponto IV, factos 44 a 56, o depoimento prestado pelo ofendido DD (localizou no tempo a situação em que contactou o anunciante no site do OLX, para o número de telefone aí indicado, da venda de uma Playstation 4, pelo valor de € 150,00 – explicando que era para oferecer no Natal -, na sequência do que fez, por indicação do interlocutor, o pagamento de € 150,00 através do MBWAY, operação que repetiu depois de o interlocutor lhe ter dado essa indicação, por não ter recebido o valor; conclui que efetuou, afinal, um pagamento de € 300,00, mas nunca recebeu a playstation, não mais tendo sido contactado pelo vendedor, nem tendo conseguido contactá-lo apesar de o ter tentado, para o mesmo telemóvel), em conjugação com o aditamento de fls. 11, cópia da consulta bancária de fls. 12, informação da Vodafone de fls. 28 a 32, os elementos bancários de fls. 44 e ss. dos autos principais e 15 verso do Anexo 1, para além dos comprovativos de operações de fls. 15 verso do Anexo 1, e a informação do Banco 3... de fls. 75 a 81;

- Ponto V, factos 57 a 75, o depoimento prestado pela ofendida LL

(localizou no tempo a situação em que contactou o anunciante no site do OLX, para o número de telefone aí indicado, da venda de um IPHONE, pelo valor de € 260,00, na sequência do que fez, por indicação do interlocutor, o pagamento desse valor através do MBWAY, após o que fez, pela mesma via, o pagamento de mais € 300,00, relativo a um outro IPHONE que o interlocutor referiu ter disponível e pelo qual manifestou interesse, explicando a conversa que a levou a aceitar o pagamento de imediato), em conjugação com as mensagens de correio eletrónico de fls. 66 e ss. e de fls. 123 ss., a informação da NOS de fls. 103, o anúncio OLX de fls. 83 e ss., os prints da aplicação MBWAY de fls. 23 verso do Anexo 1 e de fls. 81-82 do inquérito apenso, os elementos bancários de fls. 44 e ss. dos autos principais e de fls. 23 verso do Anexo 1, os comprovativos de operações de fls. 23 verso do Anexo 1, fls. 3 e 10 verso do Anexo 5, fls. 713;

- Ponto VI, factos 76 a 87, o depoimento prestado pela testemunha MM (localizou no tempo a situação em que contactou o anunciante no site do OLX, para o número de telefone aí indicado, da venda de uma Playstation, na sequência do que fez, por indicação do interlocutor, que se identificou como AA e que foi simpático e disponível, oferecendo-se até para passar em casa,, o pagamento do valor por transferência bancária para o IBAN que lhe foi indicado; embora não tenha conseguido precisar o valor que transferiu, confrontada com o extrato bancário da sua conta da Banco 2..., confirma o valor de € 220,00; disse que não recuperou o valor, nem recebeu o objeto), em conjugação com o print de mensagens de fls. 711-712, os elementos bancários de fls. 44 e ss. dos autos principais e 34 do Anexo 1, os comprovativos de operações de fls. 34 do Anexo 1, 652, 3 e 12 do Anexo 2 e a informação da Banco 2... de fls. 515;

- Ponto VII, factos 88 a 99, o depoimento prestado pela testemunha EE (localizou no tempo a situação em que contactou o anunciante no site do OLX, para o número de telefone aí indicado, da venda de uma Playstation, na sequência do que fez, por indicação do interlocutor, que se identificou como AA, o pagamento do valor por transferência bancária para o IBAN que lhe foi indicado; disse que a Playstation nunca lhe chegou, e que efetuou contactos para os números de telefone de que disponha, quer o indicado no anúncio, quer o outro através do qual comunicaram, nunca tendo sido atendido), em conjugação com os elementos bancários de fls. 44 e ss. dos autos principais e 34 do Anexo 1, os comprovativos de operações de fls. 34 do Anexo 1, 652, fls. 3 e 12 do Anexo 2, e a informação da Banco 5... de fls. 513. Refira-se que destes documentos apenas se extrai a transferência do valor de € 200,00, quando o anúncio de venda estipulava o preço de € 220,00, pelo que admitimos que possa ter havido um desconto no decurso das negociações; embora a testemunha tenha inicialmente referido o valor de € 250,00, confrontado com os referidos documentos, admitiu não ter sido exato no valor indicado; embora a testemunha tenha referido que fez duas transferências do mesmo valor, tal não tem respaldo documental, pelo que apenas se julga provado, com a segurança que se exige, que foi efetuada a transferência documentalmente comprovada, de € 200,00.

Relativamente às situações idênticas pelas quais o arguido foi acusado, o Tribunal valorou:

- Pontos 107 a 109, fls. 1017 a 1020 dos autos principais e fls. 14 verso e 15 do Anexo 1);

- Pontos 110 a 112, fls. 1037 a 1046 dos autos principais e fls. 27 verso e 28 do Anexo 1);

- Pontos 113 a 117, fls. 1037 a 1046 e fls. 29 verso do Anexo 1 e fls. 15 do Anexo 5;

- Pontos 117 a 120, fls. 29 verso e 30, 1004 a 1016, 29 verso do Anexo 1, 15 verso do Anexo 5;

- Pontos 121 a 123, fls. 280 a 297 dos autos principais e fls. 33 verso do Anexo 1;

- Pontos 124 a 127, fls. 531 a 538, 556 a 563 dos autos principais e fls. 34 do Anexo 1, fls. 12 do Anexo 2 e fls. 630 e resposta de fls. 652 dos autos principais;

- Pontos 128 a 130, fls. 262 e ss e 539 a 552.

A propósito das outras condenações de que foi objeto o arguido, o Tribunal valorou, para além do CRC junto aos autos, as certidões de fls. 182 a 187, fls. 635 a 637, 672 a 677, fls. 762 a 773, fls. 848 a 864 e a informação de fls. 565.

Da certidão junta a fls. 188 a 193 extrai-se a suspensão provisória de processo de que beneficiou o arguido.

As outras acusações deduzidas contra o arguido por factos idênticos resultam de fls. 262 a 279, 280 a 295, 296 a 302, 531 a 538, 539 e seguintes, 556 a 563, 1004 a 1016, 1017 a 1029 e 1028 a 1034.

Apurou-se a existência de outros inquéritos por condutas idênticas em face de fls. 336, 337 a 344, 444 a 452, 591 a 615, 654 e ss., 869 a 872 e 874 a 876.

Da análise conjugada da aludida prova declarativa e documental resulta o “modus operandi” descrito na acusação, bem como a autoria pelo arguido, designadamente por serem creditados valores em contas da sua titularidade, bem como serem transferidos valores através do MBWAY para telemóvel associado a contas da sua titularidade. O próprio arguido, em sede de inquérito, admitiu ter agido daquela forma, afastando qualquer participação da mãe, da companheira e da irmã, titulares de contas para onde foram transferidos alguns dos valores.

Resultando da informação da Segurança Social e da AT constante do Anexo 6), bem como da informação da AT de fls. 940 que o arguido AA desde, pelo menos o ano de 2017, não exerce de forma permanente qualquer profissão ou atividade lícita remunerada, em conjugação com toda a demais prova supra referida – designadamente, para além das seis situações aqui em discussão, as condenações de que foi objeto o arguido, bem como os demais processos que lhe foram instaurados por comportamentos idênticos, tudo abrangendo um considerável lapso temporal – concluímos que o arguido tinha na apurada forma de agir a atividade de obtenção de rendimentos que lhe permitia subsistir.

Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

O próprio arguido não põe em causa que agiu com o propósito de ludibriar os ofendidos e de se apropriar do dinheiro que lhe vieram a entregar, através da falsa perceção da realidade que criou, e que os determinou a abrir mão das quantias monetárias.

Contudo, o arguido já não admite que agiu com o propósito de esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias que foram depositadas nas suas contas, de dificultar a ação da justiça e vir a ser associado a tais factos. Para tal, invoca o arguido que movimentou o dinheiro, transferindo para as contas das suas familiares, para poder usar cartão, pois que não dispunha de cartão da sua conta. Ora, tal versão é contrariada pela prova documental dos autos e pelas demais circunstâncias apuradas, senão vejamos:

-  Desde logo, resulta dos elementos bancários de fls. 54 e ss. que a conta Banco 3... titulada pelo arguido era movimentada através do sistema Multibanco, pois que daí se extraem levantamentos efetuados no Multibanco;

- Além disso, apurou-se que, depois de transferir o dinheiro para as contas bancárias da mãe e da FF, o arguido utiliza-o em sites de apostas de jogo, transferência que poderia fazer diretamente da sua conta;

- A própria realização das apostas de jogo online constitui uma forma de reintroduzir nas contas bancárias, como prémios de jogo, o dinheiro obtido ilicitamente, dando-lhe uma aparência lícita e obstando a que se relacionassem aquelas quantias com os factos ilícitos que estavam na origem da sua transferência patrimonial para a esfera do arguido.

Assim, quer pela forma como o arguido age logo imediatamente após a entrada das quantias em dinheiro provenientes das burlas na sua esfera patrimonial (no próprio dia ou no dia a seguir), quer pela natureza das operações (movimentar imediatamente o dinheiro que caía na sua conta para outras contas bancárias - que, formalmente, tinha outras pessoas como titulares, mas que estavam no domínio e disponibilidade do arguido, como a da sua mãe GG, ou para a conta da sua irmã FF; fazer apostas de jogo on line, quer através da sua conta, quer das contas de que tinha controlo, recebendo em momento posterior o dinheiro dos prémios de jogo nessas mesmas contas) – idóneas a evitar que o arguido fosse detetado, bem como a dissimular a origem do dinheiro ou a dar-lhe uma nova aparência lícita, pela reintrodução do dinheiro no sistema bancário, na economia regular -, quer porque não se vislumbra que as mesmas tenham outra utilidade, designadamente a indicada pelo arguido, concluímos, à luz das regras da experiência comum, que arguido agiu com o propósito, de evitar, por um lado, que se estabelecesse uma relação direta com a sua proveniência e, por outro lado, que viesse a ser implicado na prática dos factos que estiveram na sua génese, apesar de saber que com tal conduta estava a introduzir na economia legal ativos financeiros ilícitos, contaminando-a e dando a estes ativos a aparência de licitude.

Em relação às condições pessoais e de vida do arguido, o Tribunal teve em conta o teor do relatório social junto aos autos, em conjugação com o resultado da pesquisa à base de dados da Segurança Social, junto aos autos no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Relativamente aos factos dos pedidos de indemnização cível, para além dos prejuízos materiais já supra aludidos, o Tribunal valorou ainda os depoimentos prestados pelos ofendidos DD e CC que, de uma forma sincera, explicaram as consequências sentidas pelo vivenciar da situação causada pelo arguido, o que se afigurou consonante com o padrão de pessoa média.

*

Dos factos referentes ao incidente de liquidação

Os seguintes pontos da matéria de facto retiram-se da análise de todos os documentos juntos ao apenso de liquidação, para além dos infra referidos documentos dos autos principais:

Ponto 1 - fls. 972 dos autos principais;

Ponto 2 – relatório social

Pontos 3 a 5 – para além da informação de fls. 660 dos autos principais, elementos juntos: no Anexo 4 dos autos e no Separador 7 do Apenso de Liquidação, no Anexo 1 e a fls. 4 a 14 do Separador 6 do Apenso de Liquidação, no Anexo 3 e a fls. 20 a 21 do Separador 6 do Apenso de Liquidação, no Anexo 2 e a fls. 15 a 19 do Separador 6 do Apenso de Liquidação, no Anexo 2 e a fls. 15 a 19 do Separador 6 do Apenso de Liquidação);

Ponto 6- informação de fls. 1 a 5 do Separador 2 do Apenso de liquidação;

Ponto 7- informação de fls. 2 a 4 do Separador 3 do Apenso de Liquidação;

Ponto 8 - informação de fls. 2 a 4 do Separador 3 do Apenso de Liquidação;

Ponto 13 - informação de fls. 2 do Separador 3 do Apenso de Liquidação.

Para além dos necessários cálculos aritméticos efetuados, foi tomada em consideração a presunção estabelecida no art. 7.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, notando-se que o arguido não veio demonstrar a existência de outros rendimentos lícitos no período em referência. Daí que, não tendo sido ilidida, nem existindo nos autos elementos probatórios que permitam afastá-la, a presunção estabelecida naquela disposição legal importa a comprovação dos factos em apreço.

(…)

*                    

            Apreciação do recurso.

            A primeira questão trazida à apreciação deste tribunal diz respeito aos factos 139 e 140 que o recorrente entende não terem ficado provados.

Recordemo-los:

139. O arguido agiu nos termos acima descritos em relação ao dinheiro que era depositado na sua conta pelas vítimas dos seus esquemas enganosos e que sabia não lhe pertencer, consciente que tais quantias tinham sido obtidas de forma fraudulenta, movimentando-as com o propósito de esconder a proveniência ilícita daquelas quantias monetárias e de dificultar a ação da justiça e vir a ser associado a tais factos.

140. Agiu o arguido com o propósito de dissimular a sua identidade e a origem do dinheiro de que se apropriou, impedindo que os ofendidos e as autoridades judiciárias o detetassem, por um lado e, por outro, visando ocultar essa origem e integrar no circuito bancário legítimo esses valores, que sabia provenientes de factos que constituíam a prática de crime, o que fez movimentando o dinheiro e gastando em proveito próprio, recorrendo a transferências para contas de outras pessoas, através das quais procedia à reintrodução do dinheiro no sistema bancário cortando a relação com os crimes de onde provinha.

           

            Como se constata da respetiva leitura, tais factos sustentam o crime de branqueamento de capitais pelo qual o arguido entende dever ser absolvido. Efetivamente, afirma o recorrente que não só não foi produzida qualquer prova de tais factos, como os elementos dos autos determinam decisão em sentido contrário.

            A decisão recorrida faz considerações corretas sobre o crime de branqueamento, pelo que não há que repeti-las. Deter-nos-emos, portanto, essencialmente, apenas, na situação sub iudice.

            Defende o recorrente que o facto de a conta bancária por si utilizada para receber os valores pagos pelas vítimas ser da sua titularidade, com plena identificação do destinatário pela associação do número de telefone, não permite concluir pelo propósito de dissimulação que o tipo de crime pressupõe. Entende, então, o recorrente que não basta o simples depósito, em conta própria, de vantagens provenientes dos crimes praticados para se poder concluir pela verificação do crime de branqueamento (Neste sentido também o Ac. RP de 07/02/2007 proferido no processo 0616509, merecedor da concordância do Professor Pedro Caeiro, neste particular aspeto, (embora já não noutros) Cfr. A consunção do branqueamento pelo facto precedente in STVDIA IVRIDICA 100 – AD HONOREM – 5 – UC, Coimbra Editora, 198,199).

            No entanto tal entendimento não é incontroverso. De facto, há também quem defenda que a simples introdução do capital no circuito bancário e/ou financeiro é já suscetível de integrar a prática do crime de branqueamento (cfr. por exemplo o Ac. STJ de 20/06/2002, proferido no processo 02P472 e o Ac Rel. Lisboa 18/07/2013 proferido no processo 1/05.2JFLSB.L1-3), não obstante não se perceber nesse comportamento um grau de elaboração, gravidade ou perigo que outras formas mais sofisticadas de dissimular dinheiro de origem criminosa evidenciam. Idêntica posição foi adotada no Acórdão da Relação de Guimarães de 27 de maio de 2019 proferido no processo 85/08.1 TAMCD.G2 ao afirmar “o preenchimento do crime de branqueamento basta-se com a mera operação de transferência de vantagens de crimes de catálogo, não sendo necessária a existência de retorno de vantagens ao agente do crime pré-existente, bastando-se com o simples depósito bancário da vantagem deste crime, desde que o autor desse depósito saiba a origem dela e aja com a vontade de a dissimular” (…) Aquele depósito da vantagem do crime faz o dinheiro entrar no sistema bancário, sendo à partida, retirado de qualquer relação com o crime e se tal não se considerar “…corria-se o risco de restringir excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica da incriminação por aquele crime”.

            Discordando de tais posições, a questão que o recorrente enfatiza é, então, a ausência de intenção de dissimulação no comportamento financeiro por si adotado quanto aos valores provenientes das burlas cometidas e, portanto, a discordância do arguido dirige-se, essencialmente, à intenção com que atuou, concluindo não ter havido qualquer propósito de ocultação ou de dissimulação.

            Vejamos se assim é.

            Numa definição simples, o branqueamento (de dinheiro ou outros bens) deve entender-se como o procedimento mediante o qual o produto de uma atividade criminosa e, portanto, ilícita é investido em atividades lícitas com dissimulação da origem ilícita. Por isso, é um crime autónomo da criminalidade que lhe está subjacente e com ele visa-se, além do mais, privar o agente dos produtos do crime.

Por outro lado, não há dúvida de que o crime de branqueamento, nas modalidades tipificadas nos nº 2 e 3 do artigo 368-A do Código Penal, é um crime de intenção a exigir o dolo específico – que acresce à consciência e vontade relativa aos elementos objetivos do crime – de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens obtidas e/ou de evitar que o autor das infrações subjacentes seja criminalmente punido.

            É esta intenção, a sua existência, ou não, que separa o entendimento do tribunal recorrido, do defendido pelo recorrente.

Como é evidente, estando em causa a intenção na atuação, está-se ao nível psicológico do agir humano, pelo que, na falta de confissão, o tribunal tem de socorrer-se de prova indireta, sendo certo que a capacidade demonstrativa da prova indireta não é necessariamente menor. Como é dito no acórdão da RL de 7.01.2009 proferido no processo10693/08- 3ª secção: A capacidade demonstrativa da prova indireta não é determinável de um modo apriorístico e meramente formal. “Só em sede de valoração final do manancial probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova direta em relação à prova indiciária e vice versa”. “Um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova direta ou demonstrativa”. (…) Embora se trate de uma prova de natureza indutiva que, como todo o conhecimento baseado em raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável, não é, por isso, e à partida, menos fiável que a prova direta que também pressupõe operações de natureza indutiva.

            Em geral a força probatória dos indícios resulta da sua independência, concordância e pluralidade.

            Ora, não tendo o arguido admitido a intenção de dissimular o dinheiro ilicitamente obtido, o tribunal a quo socorreu-se de dados objetivos constantes dos autos e deles retirou as ilações que expressou do seguinte modo (transcrição):

            O próprio arguido não põe em causa que agiu com o propósito de ludibriar os ofendidos e de se apropriar do dinheiro que lhe vieram a entregar, através da falsa perceção da realidade que criou, e que os determinou a abrir mão das quantias monetárias.

Contudo, o arguido já não admite que agiu com o propósito de esconder a proveniência ilícita das quantias monetárias que foram depositadas nas suas contas, de dificultar a ação da justiça e vir a ser associado a tais factos. Para tal, invoca o arguido que movimentou o dinheiro, transferindo para as contas das suas familiares, para poder usar cartão, pois que não dispunha de cartão da sua conta. Ora, tal versão é contrariada pela prova documental dos autos e pelas demais circunstâncias apuradas, senão vejamos:

-  Desde logo, resulta dos elementos bancários de fls. 54 e ss. que a conta Banco 3... titulada pelo arguido era movimentada através do sistema Multibanco, pois que daí se extraem levantamentos efetuados no Multibanco;

- Além disso, apurou-se que, depois de transferir o dinheiro para as contas bancárias da mãe e da FF, o arguido utiliza-o em sites de apostas de jogo, transferência que poderia fazer diretamente da sua conta;

- A própria realização das apostas de jogo online constitui uma forma de reintroduzir nas contas bancárias, como prémios de jogo, o dinheiro obtido ilicitamente, dando-lhe uma aparência lícita e obstando a que se relacionassem aquelas quantias com os factos ilícitos que estavam na origem da sua transferência patrimonial para a esfera do arguido.

Assim, quer pela forma como o arguido age logo imediatamente após a entrada das quantias em dinheiro provenientes das burlas na sua esfera patrimonial (no próprio dia ou no dia a seguir), quer pela natureza das operações (movimentar imediatamente o dinheiro que caía na sua conta para outras contas bancárias - que, formalmente, tinha outras pessoas como titulares, mas que estavam no domínio e disponibilidade do arguido, como a da sua mãe GG, ou para a conta da sua irmã FF; fazer apostas de jogo on line, quer através da sua conta, quer das contas de que tinha controlo, recebendo em momento posterior o dinheiro dos prémios de jogo nessas mesmas contas) – idóneas a evitar que o arguido fosse detetado, bem como a dissimular a origem do dinheiro ou a dar-lhe uma nova aparência lícita, pela reintrodução do dinheiro no sistema bancário, na economia regular -, quer porque não se vislumbra que as mesmas tenham outra utilidade, designadamente a indicada pelo arguido, concluímos, à luz das regras da experiência comum, que arguido agiu com o propósito, de evitar, por um lado, que se estabelecesse uma relação direta com a sua proveniência e, por outro lado, que viesse a ser implicado na prática dos factos que estiveram na sua génese, apesar de saber que com tal conduta estava a introduzir na economia legal ativos financeiros ilícitos, contaminando-a e dando a estes ativos a aparência de licitude.

            A análise acabada de expor feita pelo tribunal a quo é correta, razoável, respeita a experiência comum, pelo que não nos permite concordar com o recorrente quando diz que não teve, na sua atuação, qualquer propósito de ocultação ou dissimulação. É que, em face da factualidade apurada não se pode dizer que se limitou a depositar o dinheiro ilicitamente obtido em contas da sua titularidade e que não disfarçou a sua atuação, porquanto transferiu dinheiro ilicitamente obtido para contas de familiares e a partir daí o geriu, assim o distanciando das fontes de onde provieram as quantias ilícitas.

            É evidente que o comportamento adotado não projeta a complexidade de procedimento a que o recorrente faz apelo para sustentar a sua posição. Mas falar de money laundering não implica apenas e necessariamente falar de mecanismos complexos de atuação, porque a complexidade da atuação de cada um há-de ser proporcional ao estilo de vida e à atividade desenvolvida. É verdade que não se está a falar de branqueamento ao nível de operações internacionais ou sofisticadas, mas tal não invalida que se perceba no comportamento adotado pelo arguido uma forma de tornar menos visível e detetável a fonte e origem do dinheiro obtido.

            Assim ter-se-á de concluir que não há que alterar a matéria de facto por forma a considerar não provados os factos 139 e 140 - que assim se manterão na factualidade provada -, nem o arguido poderá ser absolvido do crime de branqueamento, ficando, por essa razão, prejudicadas as consequências ao nível da pena única por si pretendidas.

            Da reclamada absolvição relativamente ao crime de branqueamento retira ainda o recorrente a impossibilidade da consideração da perda alargada de bens decidida pelo tribunal a quo. Não discute o recorrente os termos em que o incidente da perda alargada foi instruído, nem o que ficou provado, nem o montante da perda alcançado. A discordância do recorrente assenta no seu entendimento de que, como não poderia ser condenado pelo crime de branqueamento, também não haveria lugar à aplicação do referido incidente. Só que, uma vez que o regime da Perda Alargada, estabelecido pela lei 5/2002 de 11.01, pressupõe um catálogo de crimes e que nele está previsto o branqueamento de capitais (artigo 1º, nº 1, alínea i)), mantendo-se, como se disse, a condenação do recorrente pelo crime de branqueamento, necessariamente ter-se-á de manter intocada a decisão quanto ao incidente de liquidação com vista à perda alargada de bens, pelo que também neste segmento o recurso improcede.

            Ainda como consequência da pretendida absolvição pelo crime de branqueamento, entende o recorrente que a pena imposta “passará a cair no campo da aplicação da possibilidade de suspender a execução da pena de prisão”.

            Isto é o recorrente não discute as penas parcelares impostas, nem a pena única, apenas entende que devendo ser retirada a punição pelo branqueamento e descontando-se o período correspondente na condenação do arguido (com a consequente revisão do cúmulo jurídico), a pena se quedaria numa dimensão inferior a 5 anos, suscetível de suspensão, a qual teria que ter em conta que, desde 2022, não há notícia de novos crimes para além de ter o arguido iniciado tratamento à adição ao jogo e ao consumo de estupefacientes.

            Ocorre que, como se disse, não havendo que absolver o recorrente do crime de branqueamento, terá de manter-se a pena única de 5 anos e 2 meses imposta – a qual é insuscetível de suspensão (artigo 50º do Código Penal a contrario sensu).

*

            III.

            DECISÃO

            Em face do exposto decide-se julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA e confirmar o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

            Notifique.

Coimbra, 14 de maio de 2025

Maria Teresa Coimbra

Helena Lamas

Fátima Sanches