| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
| Descritores: | INTERESSE EM AGIR CONCEITO | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL RECORRIDO: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 30.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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| Sumário: | Se a situação entre as partes não se alterar com a concessão da tutela judiciária pedida pelo Autor, falta o interesse processual; caso contrário, há interesse em agir. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Relator: Alberto Ruço Adjuntos: Fonte Ramos Luís Cravo * Recorrentes/Autores…………………..AA, BB e esposa CC, DD e esposa EE, FF, GG e esposa HH; Recorridos/Réus……………………II, JJ e marido KK. * I. Relatório a) O presente recurso vem interposto pelos autores e visa a decisão que julgou procedente a exceção invocada pelos réus recorridos relativa à falta de interesse em agir por parte dos autores. A decisão recorrida tem este teor: «Os Réus JJ e KK invocaram também na sua contestação a excepção dilatória de falta de interesse em agir dos Autores, alegando conclusivamente que estes não detêm qualquer direito ou interesse digno de tutela e que a presente acção é inútil. Os Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH pronunciaram-se também contra a referida excepção, com os mesmos argumentos atrás expostos. Independentemente do enquadramento jurídico conferido ao interesse em agir – seja como interesse incluído na noção de legitimidade (art.º 30.º do Código de Processo Civil; seja como condição de acção; finalmente, como pressuposto processual autónomo e inominado – a verdade é que o mesmo passa pelo direito do demandante em carecer de tutela jurisdicional para uma questão em concreto. “Consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece” (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, reimpressão, 1993, págs.79 e 80). Atento o breve trecho citado, subscreve-se o entendimento segundo o qual o interesse em agir não se confunde com o pressuposto processual da legitimidade, dado que pelo interesse em agir são determinadas as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, enquanto pela legitimidade se define qual o sujeito que pode ser parte (activa ou passiva) numa acção. Trata-se, na verdade, de uma e excepção dilatória inominada que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e que dá lugar à absolvição da instância [artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 577.º do Código de Processo Civil, retirando-se tal ilação também deste último normativo, na parte em que refere que “são dilatórias, entre outras (...):”, sendo o itálico da nossa responsabilidade]. Visam os Autores com a presente acção o reconhecimento de que dois imóveis objecto da escritura de justificação notarial de 22 de Outubro de 1990, que foram igualmente doados aos Autores GG e BB através do mesmo acto notarial, nunca pertenceram aos justificantes LL e JJ (progenitores de alguns dos Autores e dos Réus), assim impugnando as declarações ali prestadas e a validade dos registos efectuados com base naquela escritura, assim como o reconhecimento judicial de que um outro imóvel pelo mesmo acto doado à Ré II tem características diversas das apontadas na dita escritura. Antes de mais, não se vislumbra, nem os Autores verdadeiramente indicam na petição inicial, qual o respectivo direito ou interesse digno de tutela e que consideram conflituante com os factos que foram invocados na sobredita escritura de justificação notarial como conducentes à aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre os imóveis descritos no respectivo documento complementar sob os números 34, 36 e 24. Mais insólita é a consideração de que afinal, dois desses prédios (com os números 34 e 36) foram doados aos próprios Autores GG e BB pelos justificantes, do que resulta que não só não são titulares de um direito conflituante como até são potencialmente lesados com a declaração de ineficácia e de nulidade de um acto do qual acabaram por beneficiar, sendo ainda assim esses os efeitos jurídicos pretendidos. Para sustentar os pedidos e as causas de pedir invocaram singelamente os Autores nos artigos 33.º a 35.º da petição inicial que a presente lide visa evitar que aqueles dois Autores sejam prejudicados na partilha por morte de seus progenitores, com o recebimento de dois prédios que afinal não pertenceriam à herança destes e com o facto de à Ré II ter cabido um prédio que, à luz das suas reais características, teria valor superior. No entanto, decorre da certidão junta aos autos a fls. 472 e ss. (oferecida sob a referência n.º 11471700) que correu termos neste Juízo Local Cível de Pombal sob o n.º 259/21...., oriundo de cartório notarial, um inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária por óbito dos justificantes LL e de JJ. Emerge ainda de tal certidão que os sobreditos imóveis foram adjudicados aos respectivos donatários sem que no referido processo de inventário tivessem sido suscitadas, em tempo, as questões aqui trazidas a Juízo e, além disso, o que se revela decisivo, a sentença homologatória da partilha transitou já em julgado em 6 de Dezembro de 2023, ou seja, em momento posterior ao da instauração da presente acção (em 22 de Março desse ano). Ora, o interesse em agir respeita à utilidade da tutela processual e há dois sentidos possíveis para a mesma. Abstraindo-se aqui do primeiro deles, referente à necessidade de um meio processual concreto para a obtenção de determinado resultado, para o que ora releva, «a utilidade da tutela pode respeitar à utilidade do resultado a obter (“utilità sostanziale”); nesta situação, o interesse processual só falta se o resultado a obter for, em abstracto, inútil» para a parte que requer a tutela (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, “Manual de Processo Civil”, Volume I, 2022, pág. 367). E se assim é, tendo sido proferida sentença homologatória da partilha e os ditos prédios sido “adjudicados” aos respectivos donatários (desde logo, aos ditos Autores e à Ré II), não se vislumbra qualquer vantagem para os Autores no recurso à presente acção, sendo a mesma verdadeiramente inútil. E será também inútil para o Autor AA, para quem os Autores alegam ter sido doado um dos prédios (cfr. art.º 20.º da petição inicial), pois quanto ao mesmo reconhecem que também nunca o chegou a possuir… (art.º 21.º daquele articulado). Se é certo que a excepção dilatória em apreço e a referida vantagem devem ser aferidas, em princípio, no momento da propositura da acção, a verdade é que não está excluído que tal aferição possa ocorrer posteriormente. Na verdade, a decisão que aqui viesse a ser proferida – mesmo que fosse de mérito e favorável aos Autores – jamais constituirá fundamento para a emenda da partilha ou para a sua anulação, de acordo com os fundamentos exigidos nos artigos 1126.º e 1127.º do Código de Processo Civil, não tendo esta acção utilidade prática e não estando os Autores, afinal, carecidos de tutela judicial. Prejudicadas ficam, em consequência, as restantes questões suscitadas pelas partes nos respectivos articulados, assim como a extinção da instância por inutilidade superveniente, não se vislumbrando que alguma das partes tenha pleiteado de má fé. Pelo exposto, julgo procedente a invocada excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir por parte dos Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH e, em consequência, abstenho-me do conhecimento do mérito da causa e absolvo da instância os Réus MM, NN, OO, JJ, KK, PP, QQ e II.» b) As conclusões recursivas apresentadas pelos Recorrentes são as seguintes: «A- Ao contrário do Doutamente decidido, e sempre com o devido respeito, entendem os apelantes terem um interesse juridicamente tutelado, o de invocar a nulidade das doações de bens alheios, nos termos do disposto no artigo 956º do C.C. B- Sendo o objectivo da ação, de cuja a decisão se recorre, obter uma decisão judicial que julgue nulas as doações dos imóveis relacionados nas verbas 34.º e 36.º do documento complementar que faz parte integrante da escritura de Justificação e Doações lavrada no dia 22-10-1990 no Cartório Notarial ..., na qual outorgaram como doadores LL que também usou RR e à mulher SS que também usou JJ e SS, já falecidos, para poder ser requerido o cancelamento das inscrições de aquisição em vigor, em nome dos apelantes BB e AA, como preceitua o artigo 13º do C.Reg.Predial. C- Para tal, os apelantes nos artigos 6.º, 8.º, 9.º, 10. º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 19.º, 22.º, 23.º, 24.º, 27.º, 30.º, e 31.º, na Petição Iniciall aperfeiçoada , junta com o requerimento referência 11377374 de 29/11/2024, alegaram os factos conducentes aos pedidos que formularam e que que se transcrevem, que foram objecto de Decisão: a) Os imóveis identificados nas verbas 34.º e 36. º do documento complementar que faz parte integrante da escritura de Justificação e Doações lavrada no dia 22-10-1990 no Cartório Notarial ..., nunca pertenceram aos justificantes LL que também usou RR e à mulher SS que também usou JJ e SS; b) A doação dos imóveis identificados nas verbas 34.º e 36. º aos autores BB e GG é nula porque tais imóveis são alheios ao património dos doadores; c) Ser declarada a nulidade dos registos das inscrições 3939 e 3976 da freguesia ... nos termos da alínea a) do artigo 16º do C. Reg. Predial. D- Os apelantes não pedem a anulação ou a emenda da partilha judicial apesar de nela terem sido conferidos os bens pertencentes a terceiros. E- Os antecessores dos apelantes não compraram verbalmente a TT e mulher UU os imóveis descritos nas verbas 34.º e 36.º do documento complementar que faz parte da escritura de justificação e Doações, como consta a folhas 9 e 10 do documento 1 que é a fotocópia confirmada da certidão da escritura de Justificação e doações junta com a petição inicial, no dia 22/03/2023 referência 9591520; F - O prédio inscrito sob o artigo ...93 da freguesia ... descrito na ficha nº ...13 pela ap....9 de 1994/07/13, nunca pertenceu a TT e mulher, nem ao LL e mulher, antecessores de apelantes e apelados, mas a VV , estando no ano de 1957, inscrito matricialmente em nome dos legitimos possuidores , VV e WW, conforme certidão emitida pelo Serviço de Finanças ... ,junta com o requerimento de 5/12/2023 , sob a referência 1031348. G-Quanto ao prédio inscrito sob o artigo ...88, descrito na ficha ...79/ 1994/07/13, da freguesia ..., nunca pertenceu a TT e mulher, nem aos antecessores dos apelantes, mas a XX, titular em 1957 e seu possuidor até ao seu falecimento. H- Quer o VV quer o XX não venderam verbalmente aos antecessores dos apelantes aqueles identificados prédios, nem deixaram de exercer a posse, tendo a posse continuado, nos sucessivos e respectivos herdeiros que também não deixaram de exercer sobre os identificados prédios, actos materiais de posse na convicção de serem os seus legitimos donos e possuidores. I- Como alegam os apelantes, os seus antecessores não adquiriram a posse, nem os apelantes apesar de terem sido incluídos na escritura de doação, como reconhece a apelada PP nos artigos 4.º, 5º , 6º, 10 º e 11.º do requerimento referência 11589923 de 10-02-2025. J- Os então doadores, antecessores dos apelantes nunca foram possuidores dos imóveis inscritos sob os artigos ...93 e ...88 da freguesia ..., só por erro, como alegam tais imóveis foram incluídos no documento complementar que faz parte integrante da respectiva escritura de Justificação e Doações e doados aos apelantes BB e GG. L- E consequentemente, ficando registada, a aquisição do prédio inscrito sob o artigo ...88 pertencente a XX, em nome do apelante BB pela ap....9 de 1994/07/13 na ficha ...79/ 1994/07/13, da freguesia ..., conforme consta da certidão permanente referência 106341546 de 15-02-2024. M- Assim como, foi registada a aquisição do prédio inscrito matricialmente sob o artigo ...93 da freguesia ..., pela ap....67 de 2009/05/08, na ficha nº ...13, pertencente a YY, a favor do apelante GG e actualmente, inscrito em nome do apelante AA, conforme consta da certidão permanente referência 106341636 de 15-02-2024. N- Apelantes e apelados são os únicos herdeiros de RR e mulher SS que também usou JJ e SS falecidos respectivamente em ../../1996 e ../../2015. O- Em virtude do falecimento dos doadores, os apelantes não podem notarialmente rectificar por escritura as respectiva Doações, mas têm direito a obter uma decisão judicial que declare a nulidade das doações dos identificados imóveis bem como ordene o pedido de cancelamento das inscrições em vigor, como dispõe no artigo 13º do Código de Registo Predial, P- Face á presunção derivada do registo, nos termos do disposto no artigo 7º do C.Reg.Predial, presume-se que os apelantes BB e AA são os seus respectivos donos, porém , não são seus respectivos possuidores. Q- Mas sendo ilidível a presunção que o direito existe e pertence aos apelantes BB e AA, como titulares inscritos, necessário se torna ilidir pela prova, afim dos respectivos legítimos donos e possuidores procederem ao registo de aquisição a seu favor, cumprindo o que dispõe o artigo 1º do C.Reg.Predial. R- Para ilidir a presunção derivada do registo de aquisição a favor do apelante BB e AA, todos os apelantes alegaram factos conducentes aos pedidos formulados nas alineas a), b) e c), bem como se propuseram a fazer prova, por testemunhas. S- Os Apelantes como herdeiros de LL e de SS, intentaram contra os apelados, também herdeiros dos mesmos LL e SS a presente ação, para obtenção de uma decisão judicial que declare a nulidade das doações dos identificados imóveis e que consequentemente ordene o cancelamento das inscrições de aquisição, conforme certidões permanentes supra referidos nos pontos L) e M). T- Nos termos do disposto no artigo 286º do C.C a declaração de nulidade da doação, como negócio jurídico que é, pode ser invocado a qualquer tempo. U- Os apelantes, na qualidade de donatários podem requerer a declaração de nulidade de bens alheios, bem como, consequentemente obter a declaração de nulidade das aquisições, nos termos do disposto na alínea a) o artigo 16º do C. Reg. Predial PELO EXPOSTO, deve a Decisão de que se recorre ser revogada e substituída por outra que reconheça que os apelantes BB e mulher e AA têm direito a invocar judicialmente a nulidade da doação dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... na ficha ...79/ 1994/07/13 da freguesia ... e na ficha ...13 por tais imóveis pertencerem a terceiros , prosseguindo o processo para julgar da existência ou inexistência do direito de propriedade a favor dos apelantes, derivado do registo. Assim se fará a costumada e sã justiça.» c) Os recorridos JJ e marido KK contra-alegaram e concluíram deste modo: «a) Muito embora os Recorrentes afirmem que o seu recurso é sobre matéria de Direito, em concreto, nas suas conclusões, em momento algum, as ditas conclusões, referem a norma ou as normas jurídicas violadas. b) Não assinalando as normas jurídicas violadas, os Recorrentes não poderão indicar o sentido em que as mesmas constituíram fundamento jurídico da decisão da causa. c) De igual modo, os Recorrentes também não declaram qual ou quais as normas jurídicas que deveriam ter sido aplicadas. d) Não deram os Recorrentes cumprimento ao ónus que impõe a lei processual (exigências processuais prescritas pelo artigo 639.º do CPC). e) O recurso interposto pelos Recorrentes resume-se a elencar, de novo, os factos transmitidos na petição inicial, inexistindo qualquer raciocínio ou argumento sobre matéria de Direito. f) Usando os Recorrentes o presente recurso para novamente virem expor a factualidade que usaram na petição inicial, há que verificar se os Recorrentes cumpriram os trâmites do art.º 640.º do CPC. g) Os Recorrentes deveriam indicar “Os pontos da matéria de facto de que discorda”, indicar “Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida” e assinalar “A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. h) Em nenhuma parte do recurso os Recorrentes cumpriram com o ónus estabelecido no art.º 640.º do CPC, ou seja, não indicaram os pontos da matéria de facto de que discordam, i) Não demonstraram que os meios probatórios que trouxeram aos autos impunham uma decisão diferente da que foi proferida. j) Não indicaram qual a decisão que, em seu entender, deveria ter sido proferida. k) Perante a falta de tais deveres não poderá ser admitido o recurso interposto, o qual deverá ser rejeitado. l) E não se poderá falar em convite para o aperfeiçoamento das respetivas conclusões recursivas dos recorrentes, nos termos do art.º 640.º, n.º 3 do CPC, porquanto tal matéria tem vindo a ser decidida pela jurisprudência do STJ em sentido negativo, quando esteja em causa a matéria de facto, conforme vastíssimas decisões. m) Quanto à parte efetivamente decisória da sentença, ou seja, sobre o interesse em agir: o recurso à via judicial tem como finalidade dirimir conflitos entre particulares, quando haja necessidade que o tribunal decida da ou das questões submetidas a juízo. n) Esta necessidade circunscreve-se ao chamado interesse processual ou interesse em agir, definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação, quando o autor se encontre em situação de carência que o faça necessitar de recorrer aos tribunais. o) O interesse em agir constitui um pressuposto de natureza processual, e traduz-se na necessidade, objetivamente justificada, de recorrer à ação judicial para satisfação de um direito em relação a cuja existência existe incerteza objetiva e grave. p) Trata-se de um pressuposto processual inominado, cuja falta conduz à absolvição do Réu da instância. q) A questão fulcral, tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, é a de saber se os AA têm interesse processual em agir na ação que intentaram contra os Recorridos. r) Concatenando tudo quanto foi dito a este propósito (interesse em agir) com o caso em concreto dos autos, face aos pedidos formulados pelos Recorrentes na ação judicial pretendiam que o Tribunal a quo reconhecesse que: 1) Dois imóveis que foram objeto da escritura de justificação notarial de 22/10/1990, nunca pertenceram aos justificantes; 2) Estes mesmos imóveis vieram a ser doados pelos justificantes aos filhos (aqui recorrentes/autores) GG e BB no âmbito da mesma escritura supra mencionada; 3) Os Recorrentes impugnaram as declarações prestadas no âmbito da escritura de justificação e doação e a validade dos registos, pretendendo a nulidade destes últimos; 4) Os recorrentes na ação judicial intentada pretendem ainda que fosse reconhecido pelo Tribunal a quo que um prédio doado à Ré II tem características diferentes das que efetivamente possui por força de uma alegada anexação de terrenos comprados verbalmente pelos doadores. s) Os Recorrentes mesmo convidados para virem aperfeiçoar a petição inicial, podiam nela indicar factos, ou, o direito ou o interesse que, no seu entender, necessitava de tutela e que se opunha aos factos constantes da sobredita escritura de justificação e doação. t) Nunca o fizeram. u) Os prédios em crise nos autos foram doados pelos justificantes aos Recorrentes/Autores GG e BB. v) Por conseguinte, estes recorrentes não possuem qualquer direito que esteja em oposição com o que resultou da justificação e doação. w) Os Recorrentes, na sua petição inicial, vieram alegar que essa ação judicial pretendia evitar que os supra citados Recorrentes (GG e BB) ficassem prejudicados na partilha por morte dos seus pais por terem ficado com esses dois prédios que não fariam parte da herança. x) Na Ação de Inventário por óbito dos justificantes, retira-se que os aludidos dois imóveis foram adjudicados aos donatários GG e BB, sem que estes tivessem no âmbito dessa ação de inventário suscitado as questões que trouxeram na ação que interpuseram. y) Aliás, esses dois Recorrentes e donatários, praticaram nos referidos imóveis todos os atos dignos de verdadeiros proprietários. z) Os Recorrentes tiveram oportunidade de suscitar todas as questões que se mostrassem pertinentes relativamente a esses dois prédios, no inventário, não o tendo feito. aa) A sentença homologatória de partilha atinente a esse inventário ocorreu depois da ação dos presentes autos ser intentada. bb) Pelo que, tendo em conta os factos por alegados pelos Recorrentes (na p.i. e na p.i. aperfeiçoada), e ajustando-os aos pedidos por eles formulados, a existência de um interesse processual (configurado como uma situação de carência objetiva, justificada, razoável e atual, de recorrer a juízo), que justifique terem recorrido à presente ação judicial para peticionar o que fizeram constar da petição inexiste. cc) Não se vislumbra qualquer vantagem para os Recorrentes que justifique o recurso à presente ação. dd) Deste modo, e salvo melhor opinião, ter-se-á de concluir, no mesmo sentido da douta decisão recorrida, uma vez que é manifesto a inexiste o interesse em agir dos recorrentes, assim se fazendo JUSTIÇA!» II. Objeto do recurso. As questões colocadas pelo recurso são as seguintes: 1- Em primeiro lugar, verificar se o recurso deve ser rejeitado por omissão das normas jurídicas que fundamentam o pedido ou, então, convite ao aperfeiçoamento nesta parte. 2- Não procedendo a questão anterior, cumpre, de seguida, verificar se os Recorrentes têm interesse em agir. III. Fundamentação 1. Rejeição do recurso a) Os Recorridos alegam que o recurso deve rejeitado porque os Recorrentes não indicaram no final as normas violadas, sem prejuízo de serem convidados a indicá-las. b) Vejamos. O artigo 639.º do CPC, no seu n.º 2, al. a), determina que versando o recurso sobre matéria de direito o recorrente deve indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas. O n.º 3 deste artigo diz ainda que caso o recorrente não tenha indicado essas normas, o relator deve convidar o recorrente a indicá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. Verifica-se que de facto os Recorrentes não indicou a norma ou normas violadas e, segundo o acabado de dizer, o relator devia ordenar a notificação do Recorrente para que este procedesse à indicação dessas normas. Porém, considerando a especificidade do presente caso seria excessivo ordenar essa notificação pela simples razão de que resulta do contexto da decisão e do recurso, de modo implícito, mas claro, que só há uma norma suscetível de ter sido violada, isto é, a constante do artigo 30.º do CPC. c) Por conseguinte, decide-se que não é necessário convidar os Recorrentes a indicarem qual a norma que entendem ter sido violada pela decisão recorrida. 2. Matéria a considerar a) Por escritura de Justificação e Doações lavrada no dia 22-10-1990 no Cartório Notarial ..., na qual outorgaram como doadores LL e esposa SS, já falecidos, foi justificado o direito de propriedade dos outorgantes sobre, entre outros, os imóveis relacionados nas verbas 34.º e 36.º do documento complementar que fez parte integrante da escritura, tratando-se, respetivamente, ● Do imóvel n.º ...4... corresponde ao artigo matricial ...93 e no registo predial à descrição ...13 da freguesia ... Acerca deste imóvel, os Autores alegam nos artigos 15 e seguintes da petição (a de 29-11-2024), «15º Há mais de 50 anos que o prédio identificado no artigo anterior, vem sendo possuído e ao longo dos anos, inicialmente, por VV e mulher ZZ e após a morte destes, pelo filho AAA e actualmente pela filha deste, de nome BBB. 16º (…). 17º (…). 18º Face à sua localização e às confrontações que constam na descrição matricial, os autores GG e o AA identificaram tal terreno como se fosse o prédio que o partidor denominou “Casal do AA”, isto é, doado verbalmente para a construção da sua casa de habitação, conforme fotocópia que se junta e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 19º (…). 20º (…). 21º Uma vez que tal prédio não é fisicamente o prédio onde está construída a casa do autor AA, também este nunca possuiu o imóvel objecto da doação que naquela data estava na posse do filho de VV. 22º Não existindo quaisquer dúvidas quanto à localização física do terreno, tanto mais que nele está em construção uma moradia pertencente a BBB neta do antepossuidor VV.» ● Do imóvel n.º ...6... corresponde ao artigo matricial ...88 e no registo predial à descrição ...79 da freguesia ... Acerca deste imóvel, os Autores alegam nos artigos 23.º e seguintes da petição (a de 29-11-2024), «23º Tendo ainda os então justificantes declarado possuírem há mais de vinte anos uma terra de cultura com a área de 280m2, sita no ... a confrontar do norte e poente com CCC, sul com DDD de nascente com EEE, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...88 que identificaram na verba 36 do documento complementar (…). 24º Também este prédio nunca foi possuído pelos justificantes LL e mulher, nem pelo autor BB e mulher a quem pela escritura teria sido doado, desconhecendo mesmo a localização do espaço físico correspondente ao prédio identificado no artigo anterior, mas sabendo que tal prédio pertence à família de XX.» b) Os imóveis identificados nas verbas 34.º e 36. º foram doados nessa escritura aos autores BB e a GG. 3. Apreciação da restante questão objeto do recurso Vejamos então se os Recorrentes têm interesse em agir. Na decisão recorrida, entendeu-se que não tinham, como resulta da mesma, acima transcrita. Afigura-se que efetivamente os autores têm interesse em agir, pelas seguintes razões: a) Quanto ao conceito de interesse em agir remete-se para a definição que consta acima, exarada na decisão recorrida. b) Como referiu Miguel Teixeira de Sousa «O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual» - O interesse Processual na Acção Declarativa. Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1989, pág. 6-7. No caso concreto dos autos, se a ação proceder ocorrerá uma alteração da situação na esfera jurídica dos Autores em relação aos prédios em questão, ou seja, deixarão de ser considerados juridicamente proprietários. Ocorre, pois, uma alteração na ordem jurídica resultante da procedência da ação. Por conseguinte, os Autores têm interesse em agir porque agindo atingem esse objetivo, objetivo que consiste em não serem considerados pelo direito proprietários de prédios que, segundo eles afirmam pertencem a terceiros. Além de deixarem de ser proprietários também deixarão certamente de pagar impostos relativamente a prédios que não possuem nem lhes pertencem. c) Objetar-se-á que tal desiderato não tem a ver com a esfera jurídica dos Réus, porquanto os Réus são alheios a tal problemática. Dir-se-á que, em relação aos Réus, que a questão de saber de os Autores são ou não são donos de tais prédios lhes é indiferente, pelo que não existe, por isso, interesse em demandar os Réus. Porém, já foi decidido que os Réis têm legitimidade para serem demandados. Por outro lado, pedindo os Autores como pedem a nulidade dessa doação, tal nulidade tem de ser dirigida contra alguém e esse alguém tem de ser a pessoa ou pessoas que outorgaram o contrato, neste caso, os sucessores desses doadores que outorgaram na escritura de justificação e doação, e esses sucessores são os Réus. Procede, pelo exposto, o recurso. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se a decisão, prosseguindo os autos. Custas pelos Réus. * Coimbra, … |