Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO DESPACHO SANEADOR PRESCRIÇÃO RECURSO AUTÓNOMO CESSÃO DE CRÉDITO CITAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 583.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 619.º, N.º 1, 644.º, N.º1, AL. B), 852º E 853º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. O despacho saneador incide sobre o “mérito da causa” quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou alguns interessados, ou quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem exceções perentórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, etc., pelo que, ainda que não determine a extinção total da instância (prosseguindo esta para apreciação de outras questões), a correspondente decisão está sujeita a recurso imediato (art.º 644º, n.º 1, alínea b) do CPC), sob pena de passar a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art.º 619º, n.º 1 do CPC).
2. Os embargos à execução constituem uma verdadeira ação declarativa, que corre por apenso ao processo de execução. 3. Resulta da remissão operada pelos art.ºs 852º e 853º, n.º 1, do CPC, que as decisões que ponham total (art.º 644º, n.º 1, alínea a)) ou parcialmente (art.º 644º, n.º 1, alínea b)) termo ao procedimento ou incidente de natureza declaratória são apeláveis autonomamente, a título principal. 4. A notificação ao devedor (prevista no art.º 583º do CC) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a ação executiva proposta pelo credor-cessionário contra o devedor. 5. A finalidade de conhecer a identidade do cessionário e evitar que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor é perfeitamente assegurada com a citação para a ação executiva (ou para a ação ou incidente declarativos), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art.º 583º, n.º 2, do CC. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | *
Relator: Fonte Ramos * Acordam no Tribunal da Relação ...:
I. AA e BB, na qualidade de sucessoras do executado CC e por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move A..., STC, S. A., deduziram oposição mediante embargos de executado. Alegaram, em resumo: a existência da anterior execução n.º 212/08...., no âmbito da qual foram arrecadadas e entregues à exequente quantias que ascendem a mais de € 10 000; aquela execução foi julgada extinta, por deserção, o que impede a instauração de nova ação; a prescrição da obrigação exequenda, nos termos do art.º 310º, alínea e), do Código Civil (CC); impugnar a factualidade do requerimento executivo. Pediram a condenação da exequente como litigante de má fé e a procedência dos embargos, com a absolvição da instância executiva. A exequente contestou os embargos, pugnando pelo prosseguimento da execução. Convidadas, vieram as partes indicar a data do incumprimento do contrato. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções do caso julgado (por referência à extinção, por deserção, da execução n.º 212/08....) e da prescrição da obrigação exequenda, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. Realizado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 14.11.2024, julgou os embargos totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução para satisfação da quantia exequenda; absolveu a exequente do pedido de condenação por litigância de má fé. Dizendo-se inconformadas, as embargantes apelaram formulando as seguintes conclusões: 1ª - A questão decidenda submete-se a duas questões de direito, sendo a primeira a questão da prescrição da obrigação exequenda e a segunda tem a ver com os efeitos da cessão de créditos. 2ª - A questão central da prescrição encontra-se relacionada com o facto de o processo 212/08.... ter sido declarado extinto, por deserção da instância. 3ª - A prescrição tendo como fundamento a segurança e a certeza jurídica, pretende obviar a que determinadas situações, por inércia do credor, se mantenham indefinidamente no tempo, e o devedor venha ser interpelado ao pagamento muito tempo depois de se ter vencido a dívida, no caso concreto. 4ª - Por isso a lei estabelece a possibilidade de se interromper o prazo de prescrição, uma vez demonstrada a vontade do titular do direito o exercer, sendo que essa manifestação de vontade pode ser efetivada através do recurso à propositura de uma ação com a consequente citação do réu para a ação. 5ª - A citação vai produzir a interrupção do prazo prescricional, e determina, ainda que esse prazo prescricional não volte, em princípio, a correr até que haja uma decisão transitada em julgado. 6ª - Com a citação verifica-se uma suspensão da prescrição continuada ou duradoura, sendo esta a regra estabelecida no art.º 237, n.º 1 do CC. 7ª - Contudo, a situação em apreço tem uma especificidade a ter em conta, e que é o facto de os autos de execução n.º 212/08.... ter sido extinto por deserção da instância. 8ª - E a deserção da instância, que se traduz numa penalização que impende sobre a parte que tem o dever de impulsionar o processo e não o fez, tornando, assim o seu direito “indigno” de proteção jurídica, e que tem como consequência o facto de aquele ato interruptivo da citação, deixar, de imediato de ter um efeito duradouro, ou seja, o prazo prescricional começa a contar imediatamente, após a citação. 9ª - Passando a contar-se o prazo de prescrição a partir do momento em que ocorreu o efeito interruptivo, ou seja, no caso concreto com a citação dos executados para a ação executiva 212/08..... 10ª - É este o ponto em que as embargantes/recorrentes discordam da decisão da Mm.ª juiz a quo, e que se encontra plasmado no despacho proferido a 15.4.2023, ali se defendendo que o efeito interruptivo cessa com o despacho que determina a deserção da instância. 11ª - Mas o efeito interruptivo daqueloutro processo não é essa decisão, mas sim a citação, e que ainda que não se encontre definido, é determinável através dos elementos dos autos, que nos permitem estabelecer uma data anterior àquela citação tenha ocorrido, e que terá sido sempre antes do ano de 2017, uma vez que nessa data foram feitas entregas à exequente, valores que foram arrecadados para os autos. 12ª - Ora, sobre aquele ano de 2017, já decorreram mais de 5 anos, pelo que dúvidas não podem restar quanto à prescrição da obrigação exequenda. 13ª - Assim se entendendo, a presente obrigação exequenda, terá que ser declarada prescrita com todas as consequências legais, que daí advém, nomeadamente a absolvição das embargantes/recorrentes, do pedido contra elas formulado pela embargada/recorrida A... STC, S. A.. 14ª - A cessão de créditos, enquanto negócio celebrado entre cedente e cessionário, produz todos os seus efeitos, não carecendo, para efeitos de validade, da intervenção do devedor. 15ª - Contudo, e para ser oponível ao devedor, este negócio terá que lhe ser comunicado, não estabelecendo a lei qualquer forma para essa comunicação, e sendo este um aspeto pacífico quer na jurisprudência, quer na doutrina. 16ª - O mesmo não se pode dizer quanto ao momento em que esta comunicação deve ser feita, uma vez que uns defendem que essa notificação deve ocorrer em momento anterior ao da propositura da ação, uma vez que é condição necessária para a propositura da ação, e outros defendem que mesmo que não tenha ocorrido em momento anterior a citação para a ação é suficiente. 17ª - As embargantes/recorrentes entendem que para lhes ser oponível o negócio celebrado entre a Banco 1... e a A... STC, S. A., teria que lhes ser comunicado, previamente à propositura da ação, o que não aconteceu, como resulta dos factos dados como não provados da sentença proferida. 18ª - Não se perfilhando esta posição, para além de se estar a atribuir à citação efeitos que ela não tem (uma vez que estes efeitos estão tipificados na lei, não lhe podendo ser atribuídos outros, art.º 564º do CPC), e de equiparar a notificação e a citação, sendo certo que tem finalidades diferentes. 19ª - Essa comunicação, é condição para a execução possa proceder, uma vez que a sua falta conduziria à absolvição do pedido executivo formulado contra as embargantes/recorrentes. 20ª - Pelo exposto a sentença proferida viola o disposto nos art.ºs 327º, n.ºs 1 a 3, 310º, al. e) e 583º do CC e art.º 564º do Código do Processo Civil (CPC). Rematam pedindo a revogação da sentença e a procedência dos embargos. Não houve resposta. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) prescrição da obrigação exequenda (surgindo como questão prévia verificar se se formou caso julgado material quanto ao decidido no despacho saneador); b) eficácia da cessão de créditos. * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) Correu termos junto do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Frades a ação executiva n.º 212/08...., que posteriormente passou a correr termos junto deste Juízo de Execução - J2, aí figurando como exequente a Banco 1..., S. A. e como executados CC e AA, aí sendo oferecida como título executivo a escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 01.4.2005, no ... Cartório Notarial ... também dada à presente execução e que acompanha o requerimento executivo, ascendendo a quantia exequenda € 63 890,23, € 58 279,44 dos quais a título de capital. 2) No âmbito do contrato identificado a Banco 1..., S. A., obrigou-se a emprestar aos aí 2ºs outorgantes - os executados identificados em 1) - a quantia de € 60 000, destinada à realização de obras de beneficiação na fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito à Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...51º e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... sob o n.º ...23, tendo-se os identificados executados obrigado a reembolsar o referido montante em 324 prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se a primeira delas trinta e sete meses após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respetivo mês se neste não houver dia correspondente com acréscimo dos juros remuneratórios que, sem prejuízo da alteração nos termos contratuais, seriam contados à taxa anual de 3,8151 %, posteriormente alterada mediante acordo tácito com a parte devedora. 3) Mais se obrigaram os executados identificados a pagar à Banco 1..., S. A., em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, a cláusula penal correspondente à taxa de 4 % ao ano sobre o capital em dívida, e bem assim a suportarem as despesas anuais de gestão e outros encargos inerentes ao presente contrato, incluindo as da escritura, do registo da hipoteca, seu reforço, distrate ou cancelamento e as de avaliação do imóvel dado em hipoteca, bem como os encargos de ordem fiscal e, ainda, as demais despesas feitas pela Exequente para manter, garantir ou haver o seu crédito, o seguro do imóvel contra riscos múltiplos, a realização de um Plano de Garantia de Pagamento de Encargos ou, em alternativa, um Plano de Proteção ao Crédito à Habitação, prevendo-se sobre as despesas feitas pela Exequente, por conta dos Executados. 4) Para garantia do bom cumprimento do contrato de mútuo com hipoteca identificado em 1) os outorgantes CC e AA constituíram a favor da Banco 1..., S. A., uma hipoteca voluntária sobre a fração autónoma dita em 2), e que assegura o montante máximo de capital de € 80 000. 5) Em 07.6.2007 CC e AA deixaram de pagar as prestações acordadas, mostrando-se, à data, em dívida e a título de capital, a quantia de € 57 635,06. 6) No âmbito da execução identificada em 1) foi recuperado o valor total de € 12 627,31, fruto dos recebimentos parcelares aí realizados face às penhoras aí realizadas, concretamente e entre outros, os seguintes valores: € 469,52 em 09/01/2019; € 372,16 em 09/10/2018; € 251,88 em 17/7/2018; € 129,62 em 05/6/2018; € 329,24 em 19/3/2018; € 200,77 em 16/10/2017; € 129,39 em 16/10/2017; € 129,36 em 26/9/2017; € 129,96 em 15/9/2017; € 114,48 em 15/8/2017; € 260,43 em 01/8/2017; € 130,48 em 17/4/2017; € 255,03 em 14/3/2017 e € 668,64 em 19/01/2017. 7) A referida execução foi julgada extinta, por deserção. 8) Em 08.4.2022 a exequente A..., STC, S. A., instaurou a execução principal contra os executados CC e AA para pagamento coercivo da quantia de € 74 522,22, € 57 635,06 dos quais a título de capital, oferecendo como título executivo a escritura pública de mútuo com hipoteca acima referida em 1). 9) A Banco 1..., S. A., cedeu à aqui exequente A..., STC, S. A., por contrato de cessão de carteira de créditos outorgado em 10.5.2012, uma carteira de créditos, incluindo o crédito referido em 1)/5, bem como todas as garantias a eles inerentes. 10) CC faleceu no dia ../../2019. 11) Por sentença de 29.11.2022, proferida no apenso A, foram julgados habilitados, como sucessores do falecido CC, a co-executada AA, DD e BB. 12) AA foi citada para os termos da execução principal no dia 02.5.2022. 13) BB foi citada para os termos da execução principal no dia 11.5.2023. 2. E deu como não provado: a) Ao instaurar a execução principal apensa contra o falecido CC, e não contra os respetivos sucessores, a exequente litiga de má fé. b) A exequente A..., STC, S. A., comunicou à executada AA, por carta datada de 30.4.2012, o contrato de cessão de créditos identificado em 9). 3. Cumpre apreciar e decidir. No despacho saneador (de 15.4.2024), sobre a exceção (perentória) da prescrição da obrigação exequenda, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo conclui/decidiu “não se mostrar decorrido o novo prazo de interrupção iniciado na sequência do referido ato interruptivo - em 21.4.2021 - e, por consequência, (...) pela não verificação da prescrição invocada[1]” pelas embargantes/executadas; depois, porque os autos não forneciam os elementos necessários ao conhecimento imediato e global do mérito da causa, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.[2] As embargantes/recorrentes impugnam, agora, tal decisão, pelo que se impõe verificar se o fazem na forma e no tempo que a lei prevê. 4. Estabelece o Código de Processo Civil: Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º (art.º 619º, n.º 1). Cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (art.º 644º, n.º 1). Aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes (art.º 852º). É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva (art.º 853º, n.º 1). Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais: a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644º, quando aplicável à ação executiva; b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução; c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda; d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição (n.º 2). Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto no artigo 734º (n.º 3). Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância (n.º 4). 5. Os embargos à execução constituem uma verdadeira ação declarativa, que corre por apenso ao processo de execução.[3] Resulta da remissão operada pelos art.ºs 852º e 853º, n.º 1, que só as decisões que ponham total (art.º 644º, n.º 1, alínea a)) ou parcialmente (art.º 644º, n.º 1, alínea b)) termo ao procedimento ou incidente de natureza declaratória são apeláveis autonomamente, a título principal. As restantes decisões proferidas nos incidentes de natureza declaratória são apeláveis nos termos previstos no art.º 644º, n.ºs 2 e 4, por força da 1ª parte do n.º 1 do art.º 853º e do disposto na alínea a) do n.º 2 do mesmo art.º. Assim, relativamente a tais procedimentos ou incidentes, em regra, apenas é passível de recurso a decisão que lhes ponha termo, atenta a previsão do art.º 644º, n.º 1, alínea a), sem embargo dos casos em que neles seja proferido despacho saneador que reúna as condições previstas na alínea b) do mesmo n.º, o que pode acontecer designadamente no âmbito da oposição/embargos à execução. Restam as decisões previstas no n.º 2 do art.º 644º (decisões interlocutórias sobre questões de natureza adjetiva), na medida em que se adequem a tais procedimentos ou incidentes.[4] 6. Na situação em análise as embargantes/apelantes não interpuseram recurso autónomo da decisão (despacho saneador) que julgou improcedente a exceção de prescrição da obrigação exequenda, pelo que tal decisão transitou em julgado. O assim decidido ficou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, como se prevê no n.º 1 do art.º 619ºdo CPC. Na verdade, o despacho saneador incide/recai sobre o “mérito da causa” quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou alguns interessados; ou quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem exceções perentórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, etc. Em qualquer destes casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato.[5] Não interposto o recurso, a referida questão fica definitivamente decidida.[6] 7. Os embargos prosseguiram para determinar a quantia em dívida. 8. Sobre a cessão de créditos, preceitua o CC: O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor (art.º 577º, n.º 1). Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (art.º 582º, n.º 1). A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art.º 583º, n.º 1). O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (art.º 585º). 9. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo aludiu à controvérsia doutrinal e jurisprudencial referente à questão de saber se a cessionária apenas pode intentar a ação executiva para a cobrança dos créditos adquiridos após ter sido notificada a cessão ao devedor (art.º 583º, n.º 1 do CC) ou se essa comunicação pode ter lugar através do ato da citação judicial para a correspondente ação.[7] Aderiu a esta segunda perspetiva, baseada no ensinamento da doutrina[8] e na orientação maioritária da jurisprudência[9], pelo que concluiu que a validade do negócio de cessão de créditos dito em II. 1. 9), supra, e a sua eficácia perante os mutuários, não se mostra afetada pelo facto dos mutuários, e agora as embargantes, não terem tido conhecimento desse negócio (por falta de comunicação dessa cessão) antes de serem citadas (a embargante AA, para a execução principal e a embargante BB, no incidente de habilitação de herdeiros). 10. Não vemos razão para dissentir! Tendo em atenção os mencionados normativos da lei civil substantiva e a orientação claramente maioritária na jurisprudência, inclusive do STJ, não vemos motivos de ordem legal ou prática que impeçam que o conhecimento do devedor se adquira ou concretize através de várias formas, entre as quais se conta a citação para a ação, e o conhecimento é o único elemento constitutivo da eficácia da cessão em relação ao devedor. A circunstância de o conhecimento da cessão só operar no momento da citação e não em momento prévio não afeta a confiança que o regime da cessão de créditos, consagrado nos art.ºs 577º e seguintes do CC, pretende tutelar: a confiança do devedor cedido que paga a um credor aparente, desconhecendo a cessão. Decorre do referido regime jurídico que o devedor não vê os seus meios de proteção diminuídos (não podendo ser confrontado como uma situação alterada no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito), em virtude de ter conhecido a cessão através da citação, sendo que a lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido; naturalmente, a citação produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor. 11. Com a citação, mas assinaladas circunstâncias, as executadas/embargantes tiveram conhecimento da cessão de crédito, que ganhou plena eficácia em relação a elas/devedoras, conferindo à cessionária/embargada a possibilidade de exigir daquelas o pagamento do respetivo crédito. Ademais, se a notificação ao devedor constitui mera condição de eficácia da cessão perante si e se o efeito substancial que se pretende obter com tal notificação é o de tornar a cessão eficaz em relação ao devedor, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor, tal desiderato é perfeitamente assegurado com a citação para a ação executiva (ou para a ação ou incidente declarativos), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art.º 583º, n.º 2, do CC.[10] 12. Acrescenta-se: O principal efeito do contrato de cessão é a transferência (do cedente para o cessionário) do direito à prestação debitória. É por mero efeito do contrato que o cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu próprio interesse, ao mesmo tempo que o cedente o perde. O contrato não necessita de obedecer a nenhuma forma especial, salvo quando se trate da cessão de créditos hipotecários e a hipoteca recaia sobre bens imóveis (art.º 578º, n.º 2 do CC[11]; vide, ainda, art.º 4º do DL n.º 42/2019, de 28.3[12]). 13. Era assim desnecessário apurar se foi efetivada a aludida notificação extrajudicial - cf. II. 2. b), supra. 14. Soçobram desta forma as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelas embargantes/executadas habilitadas. * 08.7.2025
[2] Constituindo objeto do litígio, nomeadamente, a cessão do crédito e a liquidação da quantia exequenda e sendo temas da prova, entre outros, aferir “da comunicação, às embargantes, da cessão de créditos invocada na execução principal e da sua produção de efeitos” e “dos concretos montantes recebidos e arrecadados pelo cedente Banco 1... no âmbito da ação executiva n.º 212/08.... e consequente quantia devida aquando da instauração da execução”. [6] Assim se decidiu no acórdão desta Relação de 28.5.2019-processo 92/18.6T8CBR-A.C1, intervindo o relator e o 2º adjunto. [7] Vide, no primeiro sentido, nomeadamente, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 10ª Edição, 2016, pág. 26 e o acórdão da RC de 19.9.2017-processo 7825/16.3T8CBR.C1; no segundo, Assunção Cristas, Cadernos de Direito Privado, n.º 14, pág. 63 e os acórdãos do STJ de 10.3.2016-processo 703/11.4TBVRS-A.E1.S1 e da RC de 02.4.2019-processo 126696/17.0YIPRT.C1, todos os referidos arestos, publicados no “site” da dgsi. [8] Citando Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 310 e seguintes. [9] Destacando o aresto do STJ indicado na “nota 7”, supra, e ainda, de entre vários, os acórdãos do STJ de 07.9.2021-processo 348/16.2T8BJA-A.E1.S1 (no âmbito do incidente de habilitação enxertado na execução), da RC de 22.11.2016-processo 3956/16.8T8CBR.C1 e 13.11.2018-processo 1703/18.9T8CBR.C1, RP de 10.01.2023-processo 1856/19.9T8AGD-A.P3 e da RG de 30.3.2023-processo 779/20.3T8BGC-A.G1, publicados no “site” da dgsi. [10] Cf., neste sentido, de entre vários, os acórdãos do STJ de 03.6.2004-processo 04B815 [com o sumário: «I) A notificação ao devedor (prevista no art.º 583º do CC) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor. II) Até à citação o crédito é inexigível porque a cessão é inoponível ao devedor (a quem até aí nada havia sido comunicado); com a citação a cessão torna-se eficaz e, por extensão, o crédito exigível nos termos do art.º 662º, n.ºs 1 e 2, do CPC.»], 06.11.2012-processo 314/2002.S1.L1, 10.3.2016-processo 703/11.4TBVRS-A.E1.S1, 03.10.2017-processo 71045/14.0YIPRT.L1.S1, 26.5.2021-processo 135/20.3T8CBA-A.E1.S1 [concluindo-se: «I - O conhecimento da cessão pelo devedor constitui condição de eficácia da cessão relativamente a ele e encontra justificação na indispensabilidade do mesmo saber, em cada momento, quem é o seu credor. II - Trata-se de um requisito de direito substantivo de procedência da acção referente à exigibilidade da obrigação.»] e 07.9.2021-processo 348/16.2T8BJA-A.E1.S1 e da RC de 06.7.2016-processo 467/11.1TBCNT-A.C1 [relatado pelo ora 1º adjunto; sumário: «1. Na cessão de créditos, a notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade ativa, sendo mera condição de eficácia. 2. A eficácia da cessão pode ser conseguida através da citação do devedor para a ação declarativa ou executiva, assim cessando a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor.»], 15.11.2016-processo 9673/15.9T8CBR.C1, 22.11.2016-processo 3956/16.8T8CBR.C1, 13.11.2018-processo 1703/18.9T8CBR.C1, 02.4.2019-processo 126696/17.0YIPRT.C1, 14.12.2020-processo 32/14.1TBCNF-D.F1 e 16.3.2021-processo 132/12.2TBCNT-E.C1, publicados no “site” da dgsi. [12] O DL n.º 42/2019, de 28.3, veio criar um regime simplificado para a cessão de créditos em massa, nos termos do qual a instituição de crédito, a sociedade financeira ou a sociedade de titularização de créditos (cessionária), sempre que a “carteira” dos créditos cedidos seja igual ou superior a € 50 000 e tenha pelo menos 50 créditos distintos, considera-se legalmente habilitada em todos os processos em que estejam em causa esses créditos com a mera junção de cópia do contrato de cessão de créditos (art.ºs 2º e 3º). |