| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
| Descritores: | NOTIFICAÇÃO DA PARTE QUE CONSTITUIU ADVOGADO DECURSO DE PRAZO PERENTÓRIO INVOCAÇÃO DE ERRO OU LAPSO POR PARTE DO NOTIFICADO | ||
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| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 2 | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 139.º, N.º 3, 247.º E 250.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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| Sumário: | i) Quando a parte constitui mandatário, as notificações são efectuadas apenas na pessoa deste último, não tendo que o ser na própria parte, salvo se for para a prática de acto pessoal (arts. 247º, nº 1, e 250º do NCPC); ii) Sendo o interessado no inventário notificado para, no prazo legal, apresentar a respectiva reclamação de bens, o prazo para tanto inicia-se desde o dia em que o seu mandatário foi notificado e não desde o dia em que o mesmo foi notificado pela secretaria, o que foi excrescente e era desnecessário; iii) Estipulando a lei adjectiva que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto processual (art. 139º, nº 3, do NCPC), salvo caso de justo impedimento, o acto não pode ser praticado fora desse prazo, com o argumento de ter-se devido a um erro/lapso cometido sem dolo ou má fé pelo respectivo mandatário. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * I - Relatório 
 
 1. Corre inventário, por óbito de AA, em que são interessados, o filho, BB, residente na ..., e a filha CC, residente em França, que exerce funções de cabeça de casal. A mesma juntou relação de bens. Por notificações expedidas em 6.3.2025, ao interessado BB, por correio registado, e à sua mandatária, electrónicamente, foram ambos notificados para exercer as faculdades previstas no art. 1104º do NCPC. Em 24.4.2025, o interessado BB apresentou reclamação à relação de bens e impugnou as dívidas da herança. Ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3, do NCPC, foram os interessados notificados para, querendo, se pronunciarem quanto à tempestividade da reclamação apresentada pelo interessado BB. Apenas se pronunciou o interessado BB, alegando, em suma, que apenas recebeu a carta de notificação no dia 13.3.2025, conforme print de pesquisa dos CTT, pelo que o prazo começou a correr a partir desta data, sendo o seu requerimento tempestivo, atento ter pago a multa devida. * Foi proferido despacho de não admissão de reclamação à relação de bens, por a mesma ser intempestiva. * 2. O interessado BB recorreu, concluindo que: 1.ª) A presunção estabelecida no artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, é iuris tantum, tendo por finalidade facilitar a tramitação processual e não servir como obstáculo absoluto à verificação da verdade material, nomeadamente quando é possível provar que a notificação só ocorreu, efectivamente, em momento posterior. 2.ª) É incontestável que a jurisprudência maioritária vai no sentido de que o momento processual adequado para alegar e provar a elisão da presunção de notificação é no momento em que se pratica o acto processual. 3.ª) Todavia, a doutrina é clara em defender que a parte não deve ser penalizada por erro do mandatário, salvo dolo ou má-fé, o que, no caso sub judice, não se sinalizou nem existiu. 4.ª) Segundo o Professor José Lebre de Freitas, lapsos formais não dolosos do mandatário não devem impedir o exercício do direito ao contraditório nem prejudicar a parte que representa. Prossegue ainda este Professor que, se uma questão processual não foi alegada no articulado principal por lapso justificado, pode ser tolerada, desde que o tribunal o considere relevante e danoso à justiça material. 5.ª) A jurisprudência é excessivamente rigorosa ao imputar a culpa ao mandatário mesmo quando há prova documental tardia, devendo ser aplicados critérios de equidade casuisticamente. 6.ª) O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 835/2023, reforça que, sendo a presunção iuris tantum, esta pode ser afastada mesmo após a prática do acto, caso o tribunal solicite esclarecimento e exista prova documental nos autos que confirme recepção posterior – aplicação directa dos princípios da boa-fé e da cooperação processual (artigo 7.º do C.P.C.). 7.ª) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 778/21, refere a proibição da decisão surpresa, sendo legítimo admitir a ilidibilidade da presunção se a questão for suscitada pelo juiz e respondida pela parte com prova adequada. 8.ª) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 1087/22.6T8PDL.L1 6, decidiu que, face à responsabilidade exclusiva do mandatário (erro material a este imputável) e à falta de prejuízo para a parte contrária, o lapso não pode conduzir automaticamente à rejeição do articulado, admitindo, excepcionalmente, o articulado extemporâneo. 9.ª) Lapsos formais do mandatário, sem dolo, não devem causar perda do direito de agir. 10.ª) O aqui Recorrente apresentou o articulado reclamação à relação de bens no 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo e procedeu ao pagamento da multa devida, o que reforça a boa-fé da parte e a ausência de prejuízo para o processo ou parte contrária. 11.ª) Ademais, ao ter o Tribunal a quo concedido ao Requerente a oportunidade para se pronunciar quanto à tempestividade da reclamação apresentada, o qual, nesse momento, invocou o recebimento da notificação no dia 13/03/2025 e juntou como prova o print de pesquisa dos CTT’s, sempre se deveria considerar como sanado o vício / erro material cometido e, consequentemente, admitido o articulado. 12.ª) Ignorar a data efectiva de notificação, sobretudo quando invocada imediatamente após o despacho judicial e comprovada por registo postal, constitui aplicação desproporcional e rígida da lei, ferindo os princípios da justiça material, da boa-fé processual, da cooperação e do contraditório (artigo 7.º do C.P.C.), bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 13.ª) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou as normas jurídicas ínsitas nos artigos 3.º, n.º 3, 7.º e 249.º, n.º 5, todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. NESTES TERMOS, e noutros que V.ªs Ex.ªs sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve o douto despacho do Tribunal a quo ser revogado, determinando-se a admissibilidade do articulado apresentado pelo Requerente nos autos. Assim decidindo, mais uma vez, Venerandos Desembargadores, será feita a ACOSTUMADA E NECESSÁRIA JUSTIÇA. 3. Inexistem contra-alegações. 
 
 II – Factos Provados 
 
 A factualidade a considerar é a que decorre do Relatório supra. 
 
 III – Do Direito 
 
 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte. - Tempestividade da reclamação de bens. 
 2. No despacho recorrido escreveu-se que: “No caso, conforme se deixou antever no despacho que antecede, temos o seguinte: (…) - O interessado BB apresentou reclamação em 24.04.2025 sem alegar quaisquer factos respeitantes à prática do acto fora do prazo decorrente da presunção de notificação e sem invocar justo impedimento. - Só após dado contraditório quanto à (in)tempestividade da reclamação é que o interessado BB veio alegar que só recebeu a notificação em 13.03.2025. - A carta de notificação ao interessado BB estava disponível para levantamento no dia12.03.2025, tendo sido levantada no dia 13.03.2025. * Como se vê, tendo sido remetidos os ofícios de notificação no dia 06.03.2025, concretamente, a notificação pessoal ao interessado BB, o mesmo considera-se notificado no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, conforme dispõe o artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. No caso, o terceiro dia posterior corresponde a um Domingo, 09.03.2025, pelo que o interessado se presume notificado no dia 10.03.2025. É certo que se trata de uma presunção ilidível, mas essa possibilidade tem de ser devidamente invocada e no momento próprio. Com efeito, tal como bem explica o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2017, no proc. n.º 32/17.0T8SEI-C.C1 (disponível em www.dgsi.pt), o onerado com essa presunção, para a tentar ilidir, “necessita de fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia”. Assim, para ilidir a presunção quanto à data da notificação ora em análise, sempre o interessado teria que invocar, no próprio requerimento em que apresentou reclamação, e provar, que a notificação ocorreu em data posterior à que resulta da presunção. O que o interessado BB não fez: não invocou aquando da prática do acto nem aí fez qualquer prova. Ao que acresce o facto de o interessado ter disponível a carta para levantamento no dia 12.03.2025, só o tendo feito no dia 13.03.2025, sem apresentar qualquer justificação. Assim, não assiste razão ao interessado BB, pois não invocou justo impedimento nem ilidiu a presunção de notificação no momento próprio para o fazer. E, nesse seguimento, considerando-se notificado no dia 10.03.2025, o prazo para apresentar reclamação decorreu integralmente no dia 09.04.2025, com possibilidade de praticar o acto com multa, no dia 10.04.2025 (1.º dia com multa), no dia 11.04.2025 (2.º dia com multa) e no dia 22.04.2025 (3.º dia com multa, atendendo à interposição das férias judiciais), nos termos do disposto no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Apresentando a reclamação no dia 24.04.2025 sem alegar e demonstrar qualquer justo impedimento, não resta senão concluir que o interessado BB apresentou reclamação já depois de o prazo legal para o efeito ter findado e, bem assim, fora dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo daquele, concluindo-se que a sua reclamação é intempestiva e, consequentemente, fica a mesma sem efeito.”. O recorrente discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (as 1ª a 13ª). Mas sem razão. Expliquemos brevitatis causa. - a argumentação essencial do recorrente assenta numa suposição errada que desfoca a mesma. Efectivamente, o recorrente constituiu mandatário, pelo que as notificações são feitas apenas ao respectivo mandatário (art. 247º, nº 1, do NCPC). Assim a secretaria praticou um acto processual excrescente e desnecessário, já que não se tratava de uma notificação pessoal à parte exigida por lei (art. 250º do referido diploma). E a notificação do mandatário presume-se feita no 3º dia posterior (art. 248º do mesmo código). Como a mesma foi enviada ao mandatário no dia 6.3., presume-se que ocorreu em 10.3.2025. E quanto a esta presunção ela não se mostra ilidida, nem o apelante se atreve a tal. Por conseguinte, o argumento que a própria parte só foi notificada em 13.3.2025 é irrelevante, pois o começo do prazo legal de 30 dias para deduzir reclamação à relação de bens e impugnar as dívidas da herança não se iniciou nesta última data, mas sim em 10.3.2025. Sendo, por isso, incorrecto invocar o art. 249º, nº 5, do mencionado código que se reporta a notificações das partes que não constituíram mandatário. Assinale-se, ainda, que se fosse este o enquadramento aplicável, ele falharia, também, pois como justamente fez notar a decisão recorrida, a ilisão da presunção nunca poderia operar, pois tal questão deve ser suscitada quando a parte pratica ao acto fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida (vide o Ac. da Rel. Coimbra indicado na decisão recorrida, o Ac. Rel. Lisboa de 9.6.2014, Proc.2085/13.3TBBRR-A e Abrantes Geraldes, CPC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao dito art. 248º, pág. 317). Portanto, tendo o indicado prazo de 30 dias tido o seu início em 11.3 o seu termo deu-se em 9.4.2025, com multa em 22.4 (meteram-se as férias judicias pelo meio), pelo que, quando o ora apelante apresentou a sua reclamação, em 24.4.2025, estava fora de prazo. Nada, por isso, a censurar ao decidido. - o erro deve-se ao mandatário do recorrente que, como jurista, com presumidos conhecimentos jurídicos correntes e funcionais, não podia ignorar os arts. 247º, nº 1, 248º, e 250º, em vez de considerar o art. 249º que trata de realidade diferente, e mesmo agora em recurso, pelos vistos, ainda pretende obter, incorrectamente, guarida legal nele. E, salvo o devido respeito, não se invoque erros processuais de boa fé, para desculpar a situação, ainda que com base doutrinal, pois a lei é muito clara no art. 139º, nº 3, do NCPC, ao estipular que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto (certo que não foi alegado qualquer justo impedimento). Por esse plácido caminho contornava-se com alguma facilidade a natureza peremptória da lei, que passava a ficar sujeita a uma apreciação judicial casuística de tendência subjectiva, com resultados incertos e variáveis. - invoca-se o Ac. da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 778/21, que referirá a proibição da decisão surpresa, sendo legítimo admitir a ilidibilidade da presunção se a questão for suscitada pelo juiz e respondida pela parte com prova adequada, bem como o da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 1087/22.6T8PDL.L1 6, que terá decidido que, face à responsabilidade exclusiva do mandatário (erro material a este imputável) e à falta de prejuízo para a parte contrária, o lapso não pode conduzir automaticamente à rejeição do articulado, admitindo, excepcionalmente, o articulado extemporâneo. Expressámo-nos na forma condicional, porquanto não sabemos se assim é já que não foi possível efectuar a consulta, na base de dados, pois o recorrente não fornece os elementos necessários para a mesma, designadamente as datas. Assim, não conseguimos avaliar o valor dessa jurisprudência, para a solução do nosso caso, designadamente se ela se refere a caso idêntico, similar ou aparentado ao nosso. - finalmente, quanto à conclusão de recurso 12ª, que ignorar a data efectiva de notificação, sobretudo quando invocada imediatamente após o despacho judicial e comprovada por registo postal, constitui aplicação desproporcional e rígida da lei, ferindo os princípios da justiça material, da boa-fé processual, da cooperação e do contraditório (art. 7º do C.P.C.), bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, a mesma joga com 3 sub-questões: a primeira é que não passa disso mesmo, é uma mera conclusão, sem qualquer desenvolvimento, motivação ou justificação fundada, expressa no corpo das alegações, sendo por isso verdadeiramente uma não questão que tenha de ser conhecida em recurso; a segunda é a de que ninguém ignora a data efectiva da notificação, pois ela, a data da notificação da Sra. Mandatária do recorrente é bem conhecida, o erro ou lapso foi considerar-se que a data de notificação do recorrente é que contava; a terceira é afirmar-se conclusiva e singelamente que estão violados os indicados artigos do NCPC e da CRP e apontados princípios, pois tal afirmação bule abertamente com o referido art. 139º, nº 3, do diploma processual, a não ser que se defenda a sua inconstitucionalidade o que o apelante não empreende. - em suma, não procede o recurso. 3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…). 
 IV – Decisão 
 
 Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. * Custas pelo recorrente. * Coimbra, 25.9.2025 Moreira do Carmo 
 
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