Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | AÇÃO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO INDEFERIMENTO LIMINAR PRINCÍPIOS DA PREVALÊNCIA DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA DA COOPERAÇÃO E DA ADEQUAÇÃO FORMAL | ||
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Data do Acordão: | 05/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES – JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1775.º, 1778.º E 1778.º-A E 1781.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 6.º, 7.º, 96º, AL. A), 97º, Nº 1, 2ª PARTE, 99º, Nº 1, 195.º 590.º, NºS 3 E 4, 611.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 12º, Nº 1, AL. B DL N.º 272/2001, DE 13 DE OUTUBRO | ||
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Sumário: | I - Atento o princípio da prevalência da substância sobre a forma e os princípios da cooperação e da adequação formal e com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio – cfr. vg. artºs 6º, 7º e 590º nºs 3 e 4 do CPC - o indeferimento liminar da p.i. apenas pode ocorrer em termos restritos, ou seja, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou quando ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis – artº 590º nº1 do CPC; afora estes casos, o juiz deve convidar à correção e/ou aperfeiçoamento de petição formal ou substantivamente irregular ou defeituosa – artº 590º nºs 3 e 4.
II - Se a parte, apesar de epigrafar a ação como de divórcio por mutuo consentimento, não cumprir os legais requisitos – vg. juntando os acordos exigidos –, antes gizando a ação como de divórcio litigioso, a Conservatória não cobra competência para apreciar, antes esta pertencendo ao tribunal – artº1775, 1778º e 1778-A do CCivil –; estando, pois, vedado a este indeferir liminarmente a petição por sua incompetência absoluta. III - Pelos motivos e fitos referidos em I, a que acrescem razões de celeridade e economia de meios, e atento o preceituado no artº 611º do CPC, o decurso do prazo de um ano da separação de facto do artº 1781º do CCivil pode relevar se, mesmo que ainda não esteja verificado na data da propositura da ação, já o esteja na data da sentença. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Luís Cravo João Moreira do Carmo * ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1. AA, instaurou contra BB, ambos com os sinais dos autos, ação que designou de ACÇÃO ESPECIAL DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO.
Pediu: a) Ser decretado o divórcio entre autora e réu. b) Ser o réu condenado à entrega da metade da quantia pecuniária proveniente do único bem património do casal. Alegou: A separação de facto por mais de um ano e o propósito de a não restabelecer. A venda de um automóvel do casal por parte do réu, sem entrega da metade do valor que a ela pertencia.
2. Liminarmente foi proferido o seguinte despacho: «O DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro - PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO M.ºP.º E DAS C. REGISTO CIVIL (versão actualizada - cuja versão mais recente é a da Lei n.º 85/2019, de 03/09) - opera a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias de registo civil. O seu preâmbulo refere o seguinte: “Na senda da atribuição de competência decisória respeitante à separação e divórcio por mútuo consentimento ao conservador de registo civil, operada em 1995, à qual têm correspondido resultados altamente benéficos do ponto de vista dos requerentes do divórcio e da judicatura, com reflexos em toda a sociedade através da maior celeridade decisional, procede-se à atribuição a estas entidades de competência exclusiva nesta matéria, exceptuando os casos de conversão de divórcio litigioso, abolindo-se ainda a segunda conferência em todos os processos. Assim, o Art. 12º, nº 1, al. b), do diploma citado, dispõe o seguinte: 1 - São da exclusiva competência da conservatória de registo civil: a) (…) b) A separação e divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, em que algum dos acordos apresentados não é homologado ou nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação ou divórcio sem consentimento do outro cônjuge; Em face do exposto, é manifesto que os tribunais judiciais não são competentes para a acção de divórcio por mútuo consentimento, por tal competir exclusivamente às Conservatórias do Registo Civil. Trata-se, portanto de incompetência absoluta (Art. 96º, al. a), do CPC), a qual é de conhecimento oficioso (Art. 97º, nº 1, 2ª parte, do CPC), pode ser conhecida de imediato (Art. 98º do CPC) e, nesta fase processual, implica o indeferimento liminar (Art. 99º, nº 1, do CPC).
Acresce que mal se compreende que a presente acção tenha sido apresentada como divórcio por mútuo consentimento, uma vez que a petição não está assinada por ambos os cônjuges, pois apenas contém a assinatura da ilustre patrona nomeada para patrocinar a Autora, não contendo nenhuma menção do assentimento do outro cônjuge! Aliás, apesar de ter sido denominada como acção especial de divórcio com mútuo consentimento, a acção está estruturada como processo litigioso, na medida em que a acção é instaurada por um cônjuge (a Autora) contra o outro cônjuge (Réu). De modo que não se trata de caso em que apenas falta algum dos acordos necessários ao decretamento do divórcio por mútuo consentimento, pois falta, desde logo, a vontade comum de ambos os cônjuges para o decretamento do divórcio. Acresce ainda, que, para além do pedido de divórcio por mútuo consentimento, a Autora cumulou o pedido de condenação do Réu no pagamento de metade da quantia pecuniária pela qual foi vendido determinado bem comum (o veículo automóvel que identificou). Ora, esse pedido pressupõe (exige) a realização prévia de partilha dos bens comuns (ainda que aquele seja - ou fosse - o único bem comum do casal), a qual se faz por inventário, o qual, por sua vez, apenas pode ser requerido após o divórcio (ou a declaração de nulidade ou a anulação do casamento), ou seja, após o trânsito em julgado da decisão que dissolver o vínculo matrimonial - cfr. o disposto no Art. 1133º, nº 1, do CPC. Assim, além de faltar o requisito prévio para a realização da partilha (o trânsito em julgado da decisão que dissolva o vínculo matrimonial), o meio próprio processual adequado para o efeito não é através de uma acção declarativa de condenação, mas sim, pelo processo de inventário.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a petição, em conformidade com o disposto no Art. 590º, nº 1, do CPC. Valor da acção: €30.000,01 – Artigos 306º e 303º, nº 1, do CPC. Custas: pela Autora – Artigo 527º, nº 1, do CPC. »
3. Inconformada recorreu a autora. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. A Autora deu entrada da presente acção do divórcio no transato dia 31 de Fevereiro de 2025. B. Na sua acção requer que seja decretado o seu divórcio e indica que os ainda cônjuges apenas tem para decidir a divisão do único bem conjunto, o carro de familia, que não reune acordo entre as partes. C. Não obstante, existir entre as partes a vontade do decretamento do divórcio. D. Ora em Direito é alegado na Petição Inicial o artigo 1773/2º do código civil. E. Encontra-se taxado o seguinte o artigo 1775º do Código Civil . “ O divórcio por mútuo consentimento pode ser intentado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes: a) relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores, ou caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272-A a 272-C do Decreto-lei nº 324/2007 de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo; b) certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercicio das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercicio das responsabilidadades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial; c) acordo sobre a prestação de laiemtnos ao cônjuge que deles careça; d) acordo sobre o destino da casa de morada de familia; certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada; f) acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam. “ F. Não existindo acordo quanto à partilha dos bens comuns do casal, um dos acordos previstos no artigo 17775/1º, a Autora teria obrigatoriamente, pois que assim da lei se emana, que interpor a acão de divórcio no Tribunal. G. Na mesma linha o artigo 12/1/b do Decreto-Lei nº 272/2001 taxa o seguinte: “ 1- São da exclusiva competência da conservatoria de registo Civil: b) a separação e divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o nº1 do artigo 17775º do Código Civil, em que algum dos acordos apresentados não é homologado ou nos casso resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação ou divórcio sem consentimento do outro cônjuge” H. Ora é com alguma admiração que interposta a acção de divórcio no Juizo de Familia e Menores ..., é proferida Sentença determinando o indeferimento liminar da petição inicial. I. Ora, sucede que considera o Douto Tribunal estarmos perante uma incompetência absoluta. J. De acordo com a lei, sempre que não existir um acordo entre as partes dos previstos no artigo 17775º, tal falta de acordo obriga a interposição da acção em Tribunal Judicial e não em conservatória do Registo Civil, o que a Autora fez. K. Não existindo qualquer tipo de incompetência, não há lugar ao indeferimento liminar. L. Ademais, sempre terá de se dizer que é ainda proferido que falta o requisito da vontade comum de ambos os cônjuges para o decretamento do divórcio, sendo apenas a peça processual assinada pela a ora signatária. M. Ora, como decorre dos autos, a Autora tem apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pelo que a ora signatária foi-lhe nomeada pela Ordem dos Advogados. N. Como decorre das regras deontológicas, sendo submetida a acção judicial, a Advogada só pode representar quem lhe é nomeado, não tendo qualquer tipo de poderes para representar qualquer outra parte do parte. O. Ademais, sendo esta a vontade das partes, que concordam no decretamento do divórcio, mas não alcança acordo nos restantes aspectos, teria de se seguir uma conferência,onde certamente ouvido o réu iria dar o seu assentimento ao divórcio. P. Quanto ao demais, é ainda plasmado na sentença que a Autora cumulou o pedido de condenação do Réu no pagamento de metade da quantia pecuniária pela qual foi vendido o bem comum, determinado também assim o indeferimento liminar da petição. Q. Ora o que a Autora fez, foi expor a sua situação factual, mas precisamente no que concerne ao único bem comum existente. R. Sendo certo que uma vez interposta a acção, e em Tribunal, as partes poderiam chegar a acordo relativamente a tal matéria. S. O artigo 590º do Código de Processo Civil prevê o seguinte: “ 1- Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, execepções dilatórias insupriveis e que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º. 2- Findo os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a : a) providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos no nº2 do artigo 6º; b) providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes, c) determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. 3- O Juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articuladps, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vicio, designadamente de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de a lei faça depender o prosseguimento da causa. 4- Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na expoisção ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o incialmente produzido. “ T. Ora a Autora não pode de forma concordar com o facto de que o seu pedido é manifestamente improcedente ou com a existência de excepções dilatórias insupriveis, que determinassem o indeferimento liminar da petição inicial. U. Pelo que deveria ter sido determinado por Despacho ou o aperfeiçoamento do articulado ou a junção de documentod ou o suprimento de regularidades que careciam de requisitos legais, como seria a declaração de assentimento do Réu. V. Pelo que não se pode aceitar o indeferimento liminar da petição inicial com todas as consequências legais advenientes, pois que deveria ter sido cumprido o estabelecido no artigo 590/2/3/4º do Código de Processo Civil, considerando o Exma Sr. Dr. Meritissimo Juiz de Direito pela existência de imprecisões na petiçõa inicial apresentada, prosseguindo os autos nesse sentido. W. Por todo o exposto, a Autora humildemente não considera estarem verificados os pressupostos para a determinação do indeferimento liminar da petição inicial, pelo que não existe incompetência absoluta, o pedido não é manifestamente improcedente nem se encontra verificada a falta de requisitos legal insupriveis que determinassem a conclusão do processo, nesta fase processual. Pelo exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação, julgar o presente Recurso procedente e revogar a presente decisão do Tribunal a quo.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Ilegalidade do despacho por inexistirem os pressupostos do indeferimento liminar : artº 590º nº1 do CPC, sendo, no máximo, caso de aperfeiçoamento da petição, nos termos dos nºs 3 e 4.
5. Apreciando. 5.1. Como é sabido, as sucessivas reformas processuais têm vindo a acentuar a necessidade de prolatar e sobrevalorizar a decisão que perspetive menos a vertente meramente formal, mas antes privilegie aquela que melhor possa consecutir a realização do fito precípuo e último do processo: a justiça material do caso concreto. Na verdade, e como se alcança do teor do preâmbulo do DL. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a reforma introduzida por este diploma pretendeu-se que: «O direito de acesso aos tribunais envolverá… a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito…privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma». Para este efeito: «Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um esteriótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo». Este entendimento está presentemente plasmado em vários normativos legais, como sejam: O artº 6º do CPC o qual e em resumo, confere ao juiz poderes para providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o que pode passar pela promoção oficiosa das diligências pertinentes para a regularização da instância e pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação; O artº 7º que impõe que os intervenientes processuais cooperem entre si, podendo o juiz ouvir as partes, convidando-as a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que julgue pertinentes. O artº 590º nºs 3 e 4 os em que o juiz deve convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, bem como convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Esta acrescidamente pretendida teleologia legal tem vindo a ser sufragada homogeneamente pela jurisprudência. Assim: 1 – Na actual configuração, a lei processual é pautada pelo objectivo de evitar, tanto quanto possível, que aspectos meramente técnicos ou formais possam impedir ou condicionar a apreciação do mérito da causa e a justa composição do litígio. 2 – Em caso de deficiências formais ou substanciais do articulado de contestação, o Tribunal «a quo» deve convidar a parte a aperfeiçoar a petição inicial, mas está vedada a possibilidade de desentranhamento da peça ou de simples desconsideração da defesa apresentada. 3 – Nos processos judiciais, o fim sobrepõe-se à forma, pelo que o acto, ainda que praticado sem a observância da forma prescrita ou sob forma diversa da consagrada por lei, é válido desde que atinja o seu escopo.» - Ac. TRE de 15.03.2021, p. 12/20.8T8LGA-C.E1 in dgsi.pt, como os infra citados. Estatui, adrede e in totum, este último preceito: «Artigo 590.º Gestão inicial do processo 1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º. 2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. 3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. 4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. 5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova. 6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu. 7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.» Vemos assim que, perante o nº1, para o indeferimento liminar da petição, quer seja por motivos substantivos, quer seja por razões processuais adjetivas, apenas pode ser decretado quando os vícios se revelem manifestos e evidentes, ou seja, quando não haja a mínima dúvida sobre a sua existência e sobre a impossibilidade de eles poderem ser supridos ou corrigidos. Naquela vertente substantiva, tome-se, como exemplo, o indeferimento liminar por ineptidão da petição inicial, a qual apenas assume este jaez: «…, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão. Se tal não se verifica a petição é, quando muito, deficiente, devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento – artºs 6º e 590º nº4 do CPC. » - Ac. TRC de 27.09.2016, processo nº 220/15.3T8SEI.C1. Nesta ótica processual, urge considerar que: «4 – O indeferimento liminar por verificação de excepção dilatória insuprível pressupõe que esta se apresente, de modo evidente, em face dos próprios termos da petição, sem necessidade de produção de qualquer tipo de prova, ou seja, há-de tal excepção ser absolutamente indiscutível, não suscitar qualquer dúvida e dispensar, por manifesta desnecessidade, a audição da parte, diligência que, a ter lugar, não teria utilidade. 5 – Porque o despacho de indeferimento liminar é, pelos seus fundamentos, excepcional, não deve ser proferido quando esteja em causa uma excepção dilatória de conhecimento oficioso cujos pressupostos não emanam, de forma evidente, da petição inicial, situação que pode justificar, pelo contrário, mesmo numa fase liminar, a prolação de um despacho de convite ao esclarecimento quanto à sua verificação. - Ac.do TRL de 11.05.2021, p. 82020/19.9YIPRT.L1-7. Em suma, para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, e que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior. Se assim não fosse, e como já alguém escreveu: «…árdua seria a tarefa de explicar a um qualquer cidadão que vai a Tribunal em busca de justiça, a improcedência de uma acção com fundamento em excepções dilatórias supríveis, carência de factos, ausência de documentos ou, se preferirmos, em insuficiências, incongruências ou imprecisões cujo suprimento deveria ter sido sugerido pelo juiz em sede de convite ao aperfeiçoamento. Não se trata, bem se percebe, de beneficiar qualquer das partes, antes de dar conteúdo ao artigo 20.ᵒ, n.ᵒ 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa» - Valter Pinto Ferreira, Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão, in Revista Julgar, https://julgar.pt › wp-content › uploads › 2020/01. Devendo ter-se presente que o convite à supressão das irregularidades e ao suprimento das insuficiências, quando tal se revele necessário, ou, ao menos, razoável e conveniente, não constitui um mero poder ou faculdade, mas antes um dever do juiz – cfr. Ac. TRL de 27.11.2018, p. 1660/14.0T8OER-E.L1-7. Pelo que a sua omissão, quando exigível, constitui nulidade, por omissão de um ato que pode influir na decisão da causa – artº 195º do CPC – cfr. neste último aspeto, José Lebre de FREITAS e Isabel ALEXANDRE – Código de Processo Civil Anotado, anotação ao artigo 590.ᵒ, nt. 8. 5.2. In casu. Certo é que o divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido na conservatória de registo civil – artº 12º do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro e artº 1775º do CCivil. Mister é que, para que tal competência seja cobrada, os cônjuges instruam o processo com todos os acordos previstos neste último preceito, o qual estatui: «Artigo 1775.º Requerimento e instrução do processo na conservatória do registo civil 1 - O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes: a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores, ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272.º-A a 272.º-C do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo; b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial; c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça; d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família; e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada. f) Acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam. 2 - Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.» Destarte, se algum destes acordos não for conseguido, o processo deve ser instaurado no tribunal competente – artº 1778º-A do CCivil. Aliás, mesmo que o processo tenha sido apresentado na Conservatória com os acordos legais, ele deve ser remetido ao Tribunal nos termos do artº 1778.º do CCivil, a saber: «Se os acordos apresentados não acautelarem suficientemente os interesses de um dos cônjuges, e ainda no caso previsto no n.º 4 do artigo 1776.º-A, a homologação deve ser recusada e o processo de divórcio integralmente remetido ao tribunal da comarca a que pertença a conservatória, seguindo-se os termos previstos no artigo 1778.º-A, com as necessárias adaptações.» No caso vertente. A autora titulou a ação como de divórcio por mútuo consentimento. Mas, perante os factos alegados e o demais levado ao processo, claramente se descortina que tal epigrafe, se até não corresponde a lapso material, patentemente se encontra menos bem invocada. Na verdade, como bem verificou o julgador, a petição e o processo não cumprem minimamente os requisitos de tal tipo de divórcio consensual. Pois que nem são juntos os legais acordos, nem aos mesmos se faz referência, -antes pelo contrário se alegou litígio quanto ao bem a partilhar -, nem a petição se encontra assinada por ambos os cônjuges, mas apenas pela autora. A assim ser, e na própria lógica da argumentação do Sr. Juiz, competente para a ação não seria a Conservatória, mas antes o Tribunal. Pelo que, em função do supra aludido em 5.1., a petição não poderia ter sido liminarmente indeferida com fundamento na violação do pressuposto formal da incompetência absoluta do tribunal. Antes podendo ser caso de despacho de aperfeiçoamento, no sentido de a autora, clara e cabalmente, explicitar a sua posição, vg. quanto à qualificação do processo como de mútuo consentimento. Nem a tal obstando o facto de a autora deduzir pedido - ser o réu condenado à entrega da metade da quantia pecuniária proveniente do único bem património do casal – claramente inadmissível neste processo. Pois que, tratando-se de pedido autónomo cumulado com o outro de divórcio, ele podia ser indeferido liminarmente, sem prejudicar a apreciação deste pedido – cfr. Ac. TRG de 25.09.2002, p. 44/02-2. Por conseguinte, o tribunal cobra competência, sendo situação, como alega a recorrente, e caso o Julgador não se sinta esclarecido, para este convidar a autora a informar e corrigir o que tiver por necessário.
Certo é que, vista a pi., nela se alcança uma deficiência que, num certo entendimento, poderia levar, por razões substantivas, ao seu indeferimento liminar. É que alegando a autora, como fundamento do divórcio, a separação de facto por mais de um ano, e invocando que ela teve o seu início em Agosto de 2024, tal prazo ainda não tinha decorrido à data da instauração da ação. Nesta matéria existem duas posições. Uma defende que constituindo o decurso de tal lapso temporal um fundamento da causa de pedir do divórcio, um facto constitutivo do direito invocado, este fundamento e causa já deve estar verificado e presente na data da instauração da ação – cfr., vg. Abel Delgado, in O divórcio, p. 108. Outros pugnam que deve prevalecer o princípio da atualidade da decisão, previsto no art. 611.º NCPC, podendo tal prazo completar-se na pendência da a ação – Cfr. Acs. do STJ de 3 de Novembro de 2005, processo n.º 05B2266, de 6 de Março de 2007, processo n.º 07A297, e de 15.09.2022, processo 381/18.0T8ABT.E1.S1; Ac. TRC de 21.11.2023, p. 2343/22.3T8CBR.C1 Inclinamo-nos para este entendimento. Estatui o artº 611º do CPC: 1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Este preceito consagra o designado princípio da atualidade da decisão o qual consente, embora com algumas restrições quanto à causa de pedir, que sejam tomados em consideração factos que se produzam depois da propositura da ação. Naturalmente que em homenagem e para consecução de princípios e desideratos importantes, como sejam, mais uma vez, a prevalência da substância sobre a forma e o aproveitamento dos atos processuais já praticados, com o benefício da economia de meios. Assim, para efeitos do divórcio com fundamento na separação de facto, «não se vê qualquer obstáculo a que, de acordo com o estatuído no artigo 611º do CPC, se considerem os factos supervenientes, ainda que constitutivos, que se produzam durante o decurso da acção, para que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» - Ac. do STJ de 15.09.2022, cit. No caso sub judice assim deve ser. Faltam três meses para o decurso do prazo. No processo são ainda de produzir algumas diligências, como seja a tentativa de conciliação. Nesta os cônjuges até poderão convolar o divórcio para mútuo consentimento. Se o não fizerem não é expectável que a sentença seja produzida antes do Agosto próximo. Decorrentemente, e para se conseguirem atingir as aludidas finalidades, temos por adequado e razoável, esperar pelos ulteriores termos do processo, ao invés de, quiçá cerce, intempestiva e improficuamente, fulminar a petição de inepta e indeferi-la liminarmente.
Procede o recurso.
6. Decisão. Termos em que se decide julgar o recurso procedente, revogar o despacho recorrido, devendo o Sr. Juiz, se o entender, prolatar despacho de aperfeiçoamento, nos termos e para os efeitos supra aludidos, e, em todo o caso, ordenar a tramitação do processo como divórcio litigioso.
Custas recursivas pelo vencido a final ou na proporção da sucumbência.
Coimbra, 2025.05.27.
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