| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS MIGUEL CALDAS | ||
| Descritores: | UNIÃO DE FACTO RUPTURA DA UNIÃO PATRIMÓNIO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DECLARAÇÕES DE PARTE | ||
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| Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – NAZARÉ – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 466.º, 574.º, N.º 2, 615.º, N.º1, AL. B) E C), 617.º, N.ºS 1 E 5, 1.ª PARTE, 640.º,  DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARTIGO 1.º, N.º2, LEI N.º 7/2001, DE 11 DE MAIO | ||
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| Sumário: | 1. É legalmente admissível que o tribunal, ao julgar os factos da causa, mesmo os essenciais, possa fundar a sua convicção, quanto a essa factualidade, seja nas declarações de parte, seja nos depoimentos de testemunhas indirectas desses factos, não existindo qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente uma fonte válida de convencimento racional do juiz. 2. Contrariamente aos regimes de bens do casamento, regulados pelo Código Civil, o ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto nem, tão pouco, para a resolução das questões patrimoniais emergentes da ruptura da união de facto. 3. O instituto do enriquecimento sem causa é o mais adequado para enquadrar as situações patrimoniais em que ocorre ruptura da união de facto, e um dos ex-unidos ou conviventes se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, seja directamente, seja através da apropriação de poupanças significativas pelo adquirente, podendo, para tanto, intentar acção declarativa de condenação com base nesse instituto. 4. Demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial de um dos conviventes da união de facto para o outro, a cessação dessa união de facto traduz a ocorrência ou circunstância que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial e que fundamenta a restituição (condictio ob causam finitam). (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1] 
 AA, divorciado, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra BB, divorciada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 48 405,00 (quarenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa supletiva legal, contados desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento. * Alegou, em síntese, que, desde o Verão de 2015 até Março de 2021, viveu em união de facto com a ré, primeiro numa casa arrendada e depois num apartamento que a ré adquiriu, situado na Urbanização ..., e que para a compra deste imóvel transferiu para a conta da ré, a 17-05-2019, o valor de € 47 500,00, tendo-lhe antes entregue a quantia de € 500,00. Mais tarde, a 05-07-2019, o autor depositou na conta da ré a quantia de € 905,00 para despesas do contrato de compra e venda. Esses pagamentos foram realizados com o intuito do imóvel passar a ser a casa de morada de família do casal. Sucede que, em Março de 2021, a relação entre autor e ré deteriorou-se irremediavelmente e, pese embora habitassem na mesma casa, os mesmos passaram a fazer vidas separadas, pretendendo o autor desocupar o imóvel e obter a devolução do dinheiro com que contribuiu para a sua aquisição. * A ré contestou pedindo a sua absolvição do pedido, sustentando que os valores de € 47 500,00 e € 905,00 foram-lhe entregues a título de doação, tendo o autor habitado também aquele imóvel até Junho de 2022, nunca tendo falado ou acordado na restituição do dinheiro, por parte da ré, nem lhe tendo pedido nada. Essa doação não foi sujeita a qualquer condição, nomeadamente à restituição caso a relação entre ambos terminasse, tendo sido aceite pela ré. * Realizada audiência final foi proferida a seguinte sentença: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a Ré BB a pagar ao Autor AA a quantia global de 48.405,00 € (quarenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa supletiva legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Custas a cargo da Ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil.” (sic). * Inconformada a ré veio recorrer concluindo as suas alegações nos seguintes termos: “a) Deveriam ter sido considerados não provados os factos 4.º 5.º e 6.º. b) Face à prova produzida em sede de discussão e julgamento, a apreciação destes três pontos apenas se pode basear nas declarações prestadas por Autor e Ré, sendo certo que ambos mantiveram as posições alegadas nas respetivas peças processuais, conforme assumido pelo Tribunal a quo na motivação da matéria de facto. c) A prova por declarações de parte deve merecer, em abstrato, a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis, sendo apreciada livremente pelo tribunal. Porém, em concreto, mostra-se insuficiente para valer como prova convincente, quando desacompanhada de prova corroborante que a sustente, uma vez que as partes têm interesse na decisão a proferir, estando por si só feridas de parcialidade e desprovidas de isenção. d) Acresce que, nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou as circunstâncias em que o Autor entregou à Ré, a quantia de € 48.405,00, conforme assumi o Juiz a quo na decisão proferida. e) Na realidade o Autor nunca teve a intenção de adquirir o imóvel. f) Foi sempre e só apenas a Ré, quem tinha interesse em adquirir casa própria, e foi esta quem teve conhecimento da venda do imóvel em causa. g) O fato da testemunha CC, vendedor do imóvel ter referido que as negociações foram encetadas com o Autor e Ré e que o primeiro contato efetuado com a testemunha para compra do imóvel foi efetuado pelo Autor, não se mostra suficiente para o juiz a quo dar como provado o facto 4, conforme concluído por este Vº Tribunal. h) Quanto ao ponto 5 dos factos provados, não existem duvidas, que competia ao A. o ónus de demonstrar e provar o motivo pelo qual estava impossibilitado de adquirir a qualidade de proprietário e mutuário no crédito – o que, conforme o Juiz a quo conclui não foi demonstrado. i) O facto do Autor ser fiador no âmbito de um mútuo não obsta à subscrição de um novo mútuo. j) O Autor nem sequer alegou que lhe tivesse sido recusado o mútuo por qualquer instituição financeira. k) Inexistindo motivo justificativo para o Autor não adquirir a qualidade de comprador, terá que se concluir que, à data, o Autor pretendeu que a Ré adquirisse o imóvel sozinha – ficando, também, esta como única obrigada ao pagamento da prestação referente ao mútuo subscrito. l) Competia ao Autor e só a este demonstrar e provar que a transferência em causa nos presentes autos tinha sido efectuada com a finalidade de, caso a relação terminasse, a Ré teria que restituir o valor transferido. m) Ficou inclusive provado em 19 dos fatos provados que o Autor até Agosto de2021 não solicitou à Ré a restituição do valor que lhe deu, caso a relação entre eles terminasse. n) Na realidade a Ré, nunca foi interpelada pelo Autor para proceder ao pagamento/restituição do que quer que fosse! o) Pelo que, não pode, o Tribunal a quo concluir que a aquisição feita pela Ré, tivesse como intuito beneficiar o casal, porque se assim fosse, o Autor teria que ter provado a impossibilidade ou seja o motivo pelo qual não lhe foi concedido o mútuo e/ou a razão para não ter adquirido o imóvel em compropriedade com a R. ou em nome próprio, pelo que deveriam ter sido dado como não provados os pontos 4, 5 e 6 dos factos provados. p) A decisão recorrida incorre numa declarada e expressa contradição entre a matéria considerada provada e não provada. q) Estando em expressa oposição os dois factos, entre si, o 5.º dos factos provados e a alínea b) dos não provados, tendo concluído no facto 5.º que a não aquisição do imóvel pelo A. se deveu à sua situação pessoal junto do Banco de Portugal, e na alínea b) dos não provados “o A. estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário, por moras participadas ao Banco de Portugal r) A tal facto acresce ainda que, com o devido respeito, o V.º Tribunal na fundamentação da apreciação da matéria de facto, baseou o facto 5º da matéria de facto provada, no documento emitido pelo Banco de Portugal, daí extraindo que a compra e venda da nova habitação e o respectivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal. s) No entanto, do referido documento, não pode ser extraída tal conclusão. t) Na realidade do resumo de responsabilidades de crédito descrita em tal documento, apenas se extrai que o Autor era responsável por uma dívida no valor irrisório de 163,18 € – facto que não o impedia de liquidar o diminuto valor, de contrair o crédito necessário à referida aquisição e de adquirir o imóvel em compropriedade com a Ré. u) Pelo que, é expressa a contradição entre os dois factos, o 5.º dos provado e a alínea b) dos não provados. v) O tribunal a quo só poderia tirar uma de duas conclusões: Ou o Autor estava impedido de recorrer ou crédito? Ou o Autor não estava impedido de recorrer a crédito?. w) Não podendo concluir nos dois sentidos, como fez! x) Uma vez que considerou, que o Autor poderia ter recorrido a crédito, e simultaneamente deu como provado o facto 5, relevando a referência à “situação pessoal (do Autor) junto do Banco de Portugal”. y) Acresce ainda que, que o próprio Tribunal a quo considerou, na motivação da matéria de facto, pag. 9 § 5,que (…) analisando o documento emitido pelo Banco de Portugal a respeito da responsabilidade de crédito do A. apesar de se verificar o incumprimento comunicado, não resulta que este estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário, por esse motivo e não ter sido provado qualquer outra prova nesse sentido, se deu como Não Provado o Facto na Alínea b) (sublinhado nosso). z) Pelo supra exposto só se pode concluir que o Autor não adquiriu, o imóvel em compropriedade com a Ré por não ser essa a sua intenção, extraindo-se, inequivocamente que a intenção do Autor foi efectuar uma liberalidade a favor da Ré sem a sujeitar a qualquer facto ou condição, nomeadamente, à cessação da relação conjugal entre A. e R. conforme entendeu o Tribunal a quo. aa) Para haver direito à restituição não basta ou não é relevante um qualquer arrependimento do Autor. Importa aferir-se o animus contrahendi à data dos factos, que, in casu, consubstanciado no animus donandi. bb) Analisando em abstracto a situação pessoal do Autor e Ré, poderia aquele, até, com o valor em causa, ter adquirido metade indivisa do imóvel, e a R. ter adquirido a outra metade com, então, recurso ao crédito bancário. cc) Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que o Autor pretendeu efectuar uma doação à Ré, sem qualquer ligação com o tipo de relacionamento existente entre eles, devendo este V.ª Tribunal ter considerado como provados os factos constantes das as alíneas d) e e) dos factos não provados, uma vez que, tanto a contradição entre os factos provados e não provados como a fundamentação da decisão, apontam nesse sentido. dd) Verifica-se que o tribunal a quo laborou em manifesto erro na apreciação da prova, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos com a decisão que acabaria por proferir, situação que consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art.º 615 n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. ee) De facto, ocorreu uma efectiva deslocação patrimonial em benefício da recorrente e em detrimento do recorrido (ou melhor, à custa deste). Contudo, mesmo que se entenda estar demonstrada a existência dum enriquecimento da Ré e do correspondente empobrecimento do Autor, terá sempre de se concluir pela não verificação do pressuposto fundamental deste instituto, que é a ausência de causa justificativa do enriquecimento. ff) Na realidade, a cessação da união de facto não preenche, por si só, o requisito em questão, sendo imprescindível que o autor da acção de enriquecimento prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência, querida por ambos os unidos de facto, da vida do casal em condições análogas às dos cônjuges. gg) Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm defendido uniformemente que na acção de enriquecimento cabe ao autor o ónus da prova da falta de causa da prestação efectuada, não bastando que no final do processo não resulte provada qualquer causa (cfr. os acórdãos do STJ de 2/2/10, 17/10/06 e 2/5/12, todos acessíveis em www.dgsi.pt, nos processos 1761/06.97PRT.S1, 06A2741 e 6814/03.2TBCSC.L1.S1) hh) Não tendo sido demonstrado e provado qualquer facto justificativo, impõe-se a conclusão de que não logrou o Autor provar, positivamente, a falta de motivo para não colocar o imóvel em nome próprio e/ou em compropriedade com a R. ii) Não podendo por tal facto a sua pretensão fundada no enriquecimento sem causa, ser atendida, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo. jj) Na realidade, a falta de causa do enriquecimento não se basta com a cessação da união de facto. torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto – o que não foi provado pelo Autor. kk) Para que se possa, com legitimidade, falar em enriquecimento sem causa, é necessário que haja uma deslocação patrimonial injustificada, conforme acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no proc. n.º 2217/07.8TBVCD.SI, no dia 06/10/2009, que pode ser consultado em www.dgsi.pt. ll) À luz do disposto no art.º 473.º do C:C., a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa justificativa; e à custa de quem requer a restituição. mm) In casu a deslocação patrimonial que ocorreu, do Autor para a Ré, teve uma causa jurídica, a Doação, uma vez que não provou qualquer impedimento para adquirir o imóvel em seu nome ou em compropriedade com a Ré. nn) Todo o alegado na petição inicial é demonstrativo de que o Autor pretendeu fazer uma liberalidade à Ré. e, nesse sentido, fica provada a causa justificativa do enriquecimento da Ré. oo) O Autor ao transferir para a conta à ordem da Ré, o montante de € 47.500,00, para pagamento de parte do preço do imóvel e ao depositar na conta da Ré, o montante de € 905,00, para pagamento das despesas de escritura e de registos, revelou a intenção de fazer uma liberalidade, à custa do seu próprio património, no valor correspondente às quantias despendidas. pp) O Autor, quer previamente quer posteriormente à realização da transferência e do depósito, concorda que o imóvel seja registado em nome da Ré, fato que, só por si, confirma a doação, nos termos que a define o artº 940º, nº1, do CC. qq) A doação efetuada pelo Autor à Ré, afasta desde logo, por ausência de um dos requisitos (ausência de causa justificativa), o alegado enriquecimento sem causa. rr) Para exigir a repetição do indevido, o Autor teria que alegar e provar que aquando da realização da transferência e depósito na conta à ordem da Ré, existia um acordo entre ambos, no sentido de que a causa da contribuição do autor residia na subsistência da união de fato, o que não provou e nem sequer alegou. ss) Como salienta Antunes Varela, “a falta de causa de atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342º, por quem pede a restituição do indevido”, não bastando “para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição”, “sendo necessário convencer o tribunal da falta de causa” (Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 492). tt) Acresce ainda que, a lei consagra no art.º 474.º do Código Civil, natureza subsidiária à obrigação de restituição por enriquecimento sem causa. uu) O instituto do enriquecimento sem causa não serve para titular qualquer eventual arrependimento do Autor no negócio jurídico por si voluntária e validamente celebrado. vv) A tudo isto, acresce o facto de a fracção estar inscrita no registo predial a favor da Ré. ww) Presume-se por força do estatuído no artigo 7º do Código de registo Predial, que a dita fracção pertence, indiscutivelmente à Ré. xx) O Autor não invocou qualquer facto a ilidir aquela presunção, como justificar o enriquecimento sem causa? yy) Todos os factos alegados pelo autor revelam é que este efetuou pagamentos relativos a um compromisso que ele próprio assumiu, inexistindo qualquer disposição do seu património a favor de outrem que não a entidade vendedora do apartamento. zz) O arrependimento do Autor, não produz efeitos jurídicos na relação jurídica estabelecida no caso concreto, colocando-nos na senda da árdua tarefa da distinção entre razões jurídicas e razões éticas. aaa) Como relata Mário Bigotte Chorão, as duas ordens – a ordem jurídica e a ordem moral – distinguem-se em vários aspectos (v.g. quanto ao objecto ou matéria, quanto às perspectivas, quanto à forma e aos meios), não se confundindo a primeira com a segunda, mui embora mantenha com esta “laços de dependência hierárquica” (Temas Fundamentais de Direito, páginas 51 a 53). bbb) Afirmando Paulo Ferreira da Cunha que “pode-se ser justo para o Direito e não o ser para a Moral e a Religião”, dado que “o Direito não trata de nenhuma dessas justiças. Não é justo do ponto de vista jurídico o que deriva do sentimento, ou do interesse, ou do ideal político, ou da fé religiosa, ou da convicção moral” (Pensar o Direito I – Do realismo clássico à análise mítica, página 43). ccc) Pelo exposto, a Ré nada deve ao Autor. ddd) Uma vez que, as quantias reclamadas pelo Autor foram na realidade doadas por este à Ré. eee) Pelo exposto, verifica-se ter o tribunal a quo laborado em manifesto erro na apreciação da prova, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos com a decisão que acabaria por proferir, situação que constitui um erro de julgamento e consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art.º 615 n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. fff) A douta sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito aos fatos que resultaram provados, pelo que violou o disposto nos artigos 251º e 247º do Código Civil, dado que não foram provados pelo recorrido os fatos constitutivos do enriquecimento sem causa. Nestes termos, E nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e decretando-se outra, com a absolvição da recorrente do pedido, só assim se fazendo a devida e acostumada Justiça. * Não foram apresentadas contra-alegações, tendo o recurso sido admitido como de apelação com efeito devolutivo e subido à Relação. Por despacho do relator determinou-se que os autos baixassem, de novo, à 1.ª instância, nos termos e para os efeitos do art. 617.º, n.ºs 1 e 5, 1.ª parte, do Código de Processo Civil (CPC), tendo o Mmo. Juiz de 1.ª instância considerado inexistir qualquer oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos da decisão, não se verificando a alegada nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, importando dirimir, no âmbito deste recurso, por ordem lógica, as seguintes questões: 1. Nulidade da sentença – indagar se o tribunal a quo cometeu erro manifesto na apreciação da prova, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos com a decisão que acabaria por proferir, situação que consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art. 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC – conclusões ee) e fff). 2. Impugnação da matéria de facto: a) Se os factos provados n.ºs 4, 5 e 6 devem ser considerados não provados – conclusões a) a o); b) Se há oposição entre o facto provado n.º 5 e o facto não provado inserto na alínea b) – conclusões p) a y); c) Se os factos não provados correspondentes às alíneas d) e e) devem ser considerados provados – conclusões z) a cc); 3. Enquadramento jurídico da causa – Doação ou enriquecimento sem causa: conclusões ee) a fff). 
 A. Fundamentação de Facto Na decisão recorrida considerou-se a seguinte matéria de facto provada e não provada (sublinhando-se os factos que são objecto de impugnação neste recurso): “2.1- Com interesse para a decisão da causa, resultaram os seguintes factos provados: 1.º Autor e ré viveram em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, desde o verão de 2015 e até agosto de 2021. 2.º Até 5 de julho de 2019 viviam em casa arrendada, situada na Rua ..., Edifício ..., na .... 3.º Em 13 de maio de 2019, por documento titulado de “compra e venda”, o Autor vendeu uma casa de habitação de que era proprietário, situada em ..., freguesia ..., concelho ..., pelo preço de 93.000,00 € (noventa e três mil euros). 4.º Por constituírem um casal e pretenderem ter uma casa própria, Autor e Ré começaram a procurar uma casa própria para comprar. 5.º Autor e Ré combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta, devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal. 6.º Autor é Ré acabaram por acordar na compra de um apartamento situado na Urbanização .... 7.º Por título de “compra e venda e mútuo com hipoteca”, outorgado no dia 05/07/2019, a Ré declarou comprar a CC e mulher, DD, que declararam vender a fração autónoma, designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão direito para habitação, sito na Rua ..., na ..., que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...48, pelo preço de 130.500,00 € (cento e trinta mil e quinhentos euros). 8.º O preço declarado foi pago do seguinte modo: 8.1- O valor de 500,00 € (quinhentos euros) a título de sinal, entregues em 13.05.2019. 8.2- Os restantes 130.000,00 € (cento e trinta mil euros), no dia da outorga da escritura pública de compra e venda. 9.º A fração autónoma descrita em 7) encontra-se inscrita na matriz predial urbana respetiva e registada na Conservatória do Registo Predial ..., a favor da Ré. 10.º Para pagamento parcial do preço acordado, a Ré contraiu um mútuo, junto do Banco 1..., S.A., no montante de 60.000,00 € (sessenta mil euros) mediante crédito à habitação. 11.º Logo no dia 17.05.2019, já depois de ter sido pago o sinal do apartamento a adquirir, o autor transferiu para a conta da ré a quantia de 47.500,00 € (quarenta e sete mil e quinhentos euros). 12.º Quantia essa que serviu para pagar parte do preço acordado para a compra do apartamento identificado em 7), para ser a casa de morada de família do casal, quantia essa que não foi financiada pelo Banco. 13.º O ato de outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca” teve lugar no dia 05.07.2019 e importou um custo de 905,00 € (novecentos e cinco euros), quantia que o autor depositou, nesse mesmo dia, na conta da ré, no Banco 1..., S.A.. 14.º O Autor contribuiu com 48.405,00 € (quarenta e oito mil quatrocentos e cinco euros) para a compra do apartamento descrito em 7). 15.º Em agosto de 2021 a relação entre autor e ré deteriorou-se irremediavelmente e os mesmos, passaram a comportar-se, entre si, na prática, como dois estranhos. 16.º Não partilham refeições, não mantendo relações sexuais e dormindo em quartos separados. 17.º O Autor saiu da habitação referida em 7), em junho de 2022. 18.º Ficando, a Ré e o seu filho a residir no referido imóvel até à presente data. 19.º Aquando a realização transferência descrita em 11) e até agosto de 2021, o Autor não comunicou à Ré, que esta teria que lhe restituir os montantes, caso a relação entre eles terminasse. 2.2- Factos Não provados. Não resultou provado que: a) Nas circunstâncias descritas em 2), a casa se situasse na Rua ..., ..., R/Chão, na .... b) O autor estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário, por moras participadas ao Banco de Portugal. c) A Ré faz questão de relembrar todos os dias ao autor que ele não tem ali nada e que deve desocupar a habitação o quanto antes. d) O Autor tivesse comunicado à Ré, que lhe doaria o montante de 47.500,00 € e que esta tivesse aceite tal doação. e) O depósito efetuado pelo Autor na conta à ordem da Ré, do montante de 905,00 €, para pagamento das despesas de escritura e respetivos registos, quer de aquisição quer de hipoteca, tivesse sido a título de doação. * B. Fundamentação de Direito Considerando a factualidade supra exposta, analisemos, então, as questões do recurso. 1. Nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC (conclusões ee) e fff)). As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art. 615.º, n.º 1 do CPC, que prescreve que a decisão judicial é nula quando: – alínea a): Não contenha a assinatura do juiz. – alínea b): Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. – alínea c): Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Estas nulidades são privativas da sentença e dos despachos, ex vi art. 613.º, n.º 3, sendo que, com excepção da prevista na sua alínea a), estas nulidades respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento, porém, não quanto ao mérito desse julgamento – cf., neste sentido, Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, Maio de 2020, p. 10.[3] Isto dito, detenhamo-nos no caso concreto. Diz a recorrente, em síntese, “que o tribunal a quo laborou em manifesto erro na apreciação da prova, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos com a decisão que acabaria por proferir, situação que consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art.º 615 n.º 1, alíneas b) e c) do CPC” (sic). Tal como escrevemos recentemente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-07-2025, Proc. n.º 3173/19.5T8CBR.C1: “O julgamento dos factos e a fundamentação constitui o ponto nevrálgico do iter processual e, enquanto instrumento endoprocessual de controlo dos alicerces da decisão tomada em 1.ª instância, que tem por destinatários tanto as partes como os tribunais superiores, possibilita o efectivo controlo exógeno da decisão judicial, razão pela qual o julgador deve verter na sentença todos os fundamentos, factuais e jurídicos, segundo uma ordenação lógica, escorreita e racionalmente sindicável”.[4] 2. Impugnação da matéria de facto. Enquadramento e requisitos legais (art. 640.º do CPC). A interposição de um recurso jurisdicional exerce-se através de requerimento que contenha a fundamentação e o pedido, de modo a delimitar o objecto da impugnação, esclarecendo o n.º 2 do art. 637.º do CPC, que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade” e impondo o n.º 1 do art. 639.º, ao recorrente, o dever de “apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão”. Mais especificamente, sendo impugnada a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, o recorrente além de ter necessariamente de cumprir os ónus de alegação, de especificação e de conclusão, deve, de harmonia com as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, particularizar obrigatoriamente, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios para proferir nova decisão, (iii) e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, Proc. n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1. Detalha-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2024, Proc. n.º 3674/21.5T8VIS.C1.S1: “O regime relativo ao ónus de impugnação importa, desde logo, que o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões – 640.º, n.º 1, a) –, também deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, numa relacionação clara dos meios de prova com cada um dos pontos de facto que se pretende alterar e quando a impugnação se funde, no todo ou em parte em prova gravada, indicar em termos precisos, as passagens da gravação relevante ou proceder à sua transcrição – art.º 640 n.º 1, b) e n.º 2 –, e ainda deixar de forma expressa e inequívoca a indicação da decisão que a devia ter sido proferida quanto às questões de facto impugnadas, no atendimento dos meios de prova produzida, art.º 640, n.º 1, c), todos do CPC”. Arreda-se, desta forma, a admissibilidade de recursos genéricos com fundamento em erro na decisão de facto, assentando os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC, a cargo do recorrente, nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, tendo por finalidade garantir a seriedade do recurso.[6] Por sua vez, no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – cf. al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC. Destarte: “Não cumpre o ónus de especificação previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o recorrente que se limita a consignar a hora do início e do termo de cada depoimento, indicando uma súmula de excertos do teor de tais depoimentos” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-09-2024, Proc. n.º 4667/20.5T8VIS.C1.S1. Assim sendo, a exigência legal imposta ao recorrente de especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, implica a obrigatoriedade/necessidade de se assinalar as passagens relevantes do depoimento, “não se satisfazendo com o consignar o início e o termo de cada depoimento considerado relevante para a alteração da matéria de facto visada” (sic). Perfilhando o mesmíssimo entendimento, vejam-se, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2019, Proc. n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1: “Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência”; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-03-2019, Proc. n.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1: “Não satisfaz a exigência, constante do art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, no sentido de que, sendo invocados meios probatórios gravados, se faça a indicação exata das passagens da gravação em que o recurso se funda, a mera referência à hora a que começou a respetiva sessão de julgamento. A propósito destes ónus a cargo de quem impugna a decisão sobre a matéria de facto tem-se distinguido entre, por um lado, um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente e, por outro, um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”. Em suma, o incumprimento dos requisitos enumerados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, implica a rejeição do recurso atinente à matéria de facto, porquanto, para que se altere a decisão da matéria de facto da 1ª Instância, não basta divergir da leitura que esta fez da factualidade em litígio – ao considerar determinados factos provados e outros não provados –, impondo-se demonstrar que ocorreu erro no julgamento que contrarie, de forma clara e evidente, as regras da ciência da lógica e da experiência, apontando, de modo inequívoco, para o julgamento do facto num sentido diverso, tendo o recorrente, como antes se disse, a obrigatoriedade de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impõem a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; devendo, ainda, indicar, com exactidão, as passagens gravadas em que se funda o seu recurso. É por isso ostensivo que o recurso em análise, no que à impugnação da matéria de facto respeita, não está minimamente conforme aos ditâmes legais aplicáveis, uma vez que a recorrente, nem nas alegações, nem nas conclusões, refere o que quer que seja quanto às passagens da gravação em que funda o recurso, na sua vertente da impugnação de facto, não discriminando, de forma coerente e articulada, as provas específicas, por reporte às declarações de parte aos depoimentos testemunhais colhidos em audiência final, que impunham decisão diversa sobre os itens em causa, não assinalando, de forma circunstanciada e perceptível, qual a base dos seus juízos valorativos e quais as passagens da gravação em que funda o seu recurso. Podíamos, assim, cingir-nos a rejeitar o recurso sobre a matéria de facto! Todavia, não obstante esta pecha, e ainda que se tentasse “remediar” as insuficiências assinaladas mediante o recurso ao conteúdo das alegações, a verdade é que não se retira da audição da prova – declarações de parte e testemunhas – qualquer uma das conclusões recursivas no que à matéria de facto diz respeito. Concretizando: a) Se os factos provados n.ºs 4, 5 e 6 devem ser considerados não provados – conclusões a) a o). Perlustrada a matéria de facto regista-se que o tribunal a quo deu como provados os seguintes factos, que a ré/recorrente impugna: 4.º Por constituírem um casal e pretenderem ter uma casa própria, Autor e Ré começaram a procurar uma casa própria para comprar. 5.º Autor e Ré combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta, devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal. 6.º Autor é Ré acabaram por acordar na compra de um apartamento situado na Urbanização .... A recorrente, como se exarou antes, cingiu-se a afirmar que o tribunal recorrido baseou-se apenas nas declarações de parte do autor e da ré e que nenhuma das testemunhas presenciou as circunstâncias em que o autor entregou à ré a quantia de € 48 500,00. Diz, outrossim, que o testemunho de CC não se mostra suficiente para o juiz a quo dar como provado o facto n.º 4. Acrescenta, depois, que o ónus da prova do facto n.º 5 competia ao autor e que a ré nunca foi interpelada para proceder ao pagamento/restituição de qualquer quantia. Desde já adiantamos que a recorrente não tem razão e que a avaliação probatória e a convicção da 1.ª instância não merecem qualquer reparo, quer no que tange aos factos provados, quer no que toca à factualidade não provada, conforme se irá demonstrar. No actual figurino do recurso de apelação, admitido o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, a Relação pode, por um lado, controlar a convicção do julgador de 1.ª instância – quando esta se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, sindicando aquela convicção –, e deve, por outro lado, apreciar os meios de prova de que pode lançar mão para procurar e formar a sua própria convicção – analisando criticamente as provas indicadas como fundamento da impugnação (ou outras), de modo a criar a sua convicção autónoma e a fundamentá-la.[7] A autonomia decisória do Tribunal da Relação, no julgamento da matéria de facto, mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo – sem prejuízo dos temas de conhecimento oficioso – está confinada, no que toca à identificação da matéria objecto de discordância, à observância do princípio do dispositivo, acrescendo que essa sindicância (da decisão de facto) não tem como objectivo efectuar um segundo julgamento da causa, mas sim proceder à reapreciação dos juízos de facto impugnados – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2017, Proc. n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1.[8] O reforço dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação, na apreciação da decisão sobre a matéria de facto, no actual Processo Civil, tem a virtualidade de colocar os juízes desembargadores num plano decisório que, tanto quanto possível – pese embora a falta de imediação –, é equivalente ao do juiz da 1.ª instância, tendo acesso ao teor dos depoimentos pelas gravações, podendo aperceber-se das hesitações, dúvidas e latência das respostas das testemunhas, em termos (quase) similares ao tribunal a quo. Daqui se infere que a mitigação da imediação da 2.ª instância não impede a formulação de uma apreciação sobre a lógica do raciocínio empregue pelo juiz da 1.ª instância na valoração da prova – Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2.ª edição, 2020, pp. 427 e 437/438. As provas, conforme ensina Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, pp. 47/48 –, são os meios a utilizar para o apuramento dos factos deduzidos pelas partes, podendo as normas relativas a esta matéria constituir (i) direito probatório material, que regula, principalmente, a admissibilidade das provas que poderão ser empregues, determinando quais os meios de prova que poderão ser utilizados e o seu valor, ou (ii) direito probatório formal, que regula o modo da produção das provas em juízo, determinando quais os actos a praticar para a utilização dos diversos meios de prova. Nas palavras de Antunes Varela, “[a] prova tem (…) atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade de facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidade do Mundo e as regras da experiência que nele se colhem) da verificação ou realidade do facto” – Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116.º, p. 339. Enfatiza, por sua vez, Rita Lynce Faria que “a demonstração da realidade dos factos que se pretende com a prova traduz-se na convicção subjectiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida” – Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, p. 810. Deste modo, para que se altere a decisão da matéria de facto da 1ª Instância não basta divergir da leitura que esta fez da factualidade, ao considerar determinados factos provados e outros não provados, impondo-se demonstrar que ocorreu erro (manifesto) que contrarie, de forma evidente, as regras da ciência da lógica e da experiência, apontando, de modo inequívoco, para o julgamento do facto num sentido diverso. Relembre-se que o art. 607.º, n.º 5, do CPC, em linha com o estatuído pelo art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio da liberdade de julgamento (ou da livre convicção), segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização – exceptuando os limites que se reportam à prova tarifada ou legal –, fixando a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido, em conformidade racional com a prova produzida e segundo as regras da lógica e as máximas da experiência. Para tal o Juiz tem, necessariamente, de fazer uma análise crítica e integrada das declarações e/ou dos depoimentos produzidos, com os documentos e outros meios de prova oportunamente contraditados, insertos nos autos ou que lhe sejam oferecidos.[9] Não se olvide, igualmente, que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o Juiz a quo, este está numa posição privilegiada para valorar os meios probatórios, designadamente para surpreender, no comportamento das testemunhas e das partes, elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Como explica Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas”, Volume I, 2013, p. 591:“O Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância”. A mesma autora destaca que, em caso de dúvida, “face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” – op. cit., p. 609. No caso em apreço, a recorrente pôs o acento tónico da sua divergência, fundamentalmente, na valoração das declarações de parte. Quanto às declarações de parte, à luz do art. 466.°, n.º 1, do CPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante, é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério. A propósito da admissibilidade das declarações de parte, com factos favoráveis ao declarante, em situações insusceptíveis de outros meios de prova, Remédio Marques – A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte chamada a prestar Informações ou Esclarecimentos, revista Julgar, n.º 16, 2012, pp. 153/154 –, escreve, com bastante pertinência: “Atente-se, em particular, nos litígios cujos factos controvertidos não podem ser provados documentalmente, por perícia ou por testemunhas, na medida em que respeitam a acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes. Na verdade, se ao autor compete alegar e demonstrar os factos constitutivos do seu direito subjectivo e se, na dúvida insanável sobre a realidade de tais factos, o tribunal deve decidir contra o autor – neste caso, contra a parte a quem o facto aproveita: art. 516.º do CPC (falta de prova sobre esses factos constitutivos) [actual art. 414.º do CPC] –, a recusa, nestas raras eventualidades, em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções judiciais as declarações favoráveis do autor volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 1, da Constituição).”. Acompanhamos sem reservas este raciocínio, sendo certo que, no nosso entendimento, esta argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do designado depoimento indirecto na precisa medida em que, nas situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indirectas. Deste modo, é de admitir que o tribunal ao julgar os factos da causa, mesmo os essenciais, como aconteceu no caso sub judice, possa fundar a sua convicção, quanto a essa factualidade, seja nas declarações de parte, seja nos depoimentos de testemunhas indirectas.[10] Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz. Como explicita Miguel Teixeira de Sousa, Para que serve afinal a prova por declarações de parte?, Blog do IPCC, 25-05-2018: “Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se”.[11] As declarações de parte, repete-se, estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, na formação da convicção pelo julgador, no que tange à credibilidade da forma como são prestadas e ao peso que revistam na decisão da matéria de facto, não sendo irrelevante ter presente o âmbito sobre o qual as mesmas podem incidir, porquanto, como antes se sublinhou, a prestação de declarações versa sobre factos em que a parte tenha tido intervenção pessoal ou sobre os quais tenha um conhecimento directo. Acompanha-se, outrossim, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p. 80, que escreve, de modo assertivo: “(…) [E]ste meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, e não como passíveis de estabelecer um mero princípio de prova ou indício probatório, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, e ainda que tal possa naturalmente suceder com pouca frequência na prática, defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova.”. Tal como a jurisprudência tem vindo a acentuar, ao invés de posições apriorísticas sobre a natureza subsidiária ou supletiva deste meio de prova, diminuindo ou desconsiderando o seu valor probatório – por via da mera qualidade de quem produz as declarações –, é ostensivo que as declarações de parte têm de ser devidamente avaliadas, conforme o comando legal prescreve, ou seja, livremente valoradas pelo juiz, no confronto da demais prova produzida – cf., entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 12-04-2018, Proc. n.º 1004/16.7T8STR.E1; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-06-2022, Proc. n.º 294/17.1T8LSB-B.L1-7, e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-05-2023, Proc. n.º 5220/20.9T8GMR-B.G1. Em suma: a prova por declarações de parte corresponde a um meio probatório expressamente previsto e admitido na lei que, tal como acontece com a prova testemunhal, está sujeito à livre apreciação do tribunal (se e na medida em que não envolver qualquer confissão) e que apenas tem a especificidade de ser proveniente de quem se sabe, à partida, ter um interesse directo no desfecho da demanda e apresentar, por isso, um maior risco ou probabilidade de tentar transmitir uma versão dos factos que melhor se adeque aos interesses e objectivos que pretende alcançar na acção. O que está em causa – e é esse o papel do julgador – é apurar, com ponderação de todos os elementos ou circunstâncias que podem afectar a sua isenção ou credibilidade, se o depoimento, atendendo às concretas circunstâncias em que foi produzido, tem (ou não) idoneidade bastante para, isoladamente ou em conjugação com outros elementos provatórios, fundar a convicção do Juiz. A despeito de se terem essas circunstâncias em consideração e de se dever avaliar o depoimento com as cautelas que se impõem, o Juiz não está, pois, impedido de fundar a sua convicção em relação aos factos da causa, mesmo aos essenciais, nas declarações de parte – isoladamente ou em conjugação com outros elementos probatórios –, nos mesmos termos em que pode e deve fazê-lo em relação à prova testemunhal – mesmo indirecta. A realidade é que também a prova testemunhal não está imune ao risco de falsear a verdade por força de diversas circunstâncias que afectam – ou podem afectar – a isenção e credibilidade de cada uma das testemunhas, seja por via de interesse (ainda que reflexo) que possam ter no desfecho da causa, seja pela sua proximidade em relação a uma das partes ou pelas desavenças em relação à outra. Por conseguinte, o regime de valoração da prova por declarações de parte não está submetido, do ponto de vista formal e legal, a qualquer restrição e não é diferente daquele que vigora em relação à avaliação de outros meios probatórios que estejam submetidos à livre apreciação do julgador. Aqui chegados regista-se que os factos n.ºs 4, 5 e 6 devem ser dados como provados nos precisos termos que a 1.ª instância assinalou, o que resulta da audição das declarações de parte em conjugação com a prova testemunhal e documental. Recordemos o que o tribunal a quo exarou na motivação de facto, constante da sentença, relevante para dar como provada a factualidade acima indicada – factos n.ºs 4, 5 e 6: “O Tribunal assentou a sua convicção, na apreciação crítica de todas as provas produzidas perante si, concretamente no depoimento de parte aos Réus, depoimento das testemunhas arroladas pelas partes e na prova documental junta aos autos. Desde já se consigna que os factos vertidos nos pontos 1) (com exceção ao mês de março), 3), 5) a 12) e 14) dos fundamentos de facto, resulta do acordo das partes, na medida em que os mesmos foram articulados pelo A. na petição inicial e por a Ré ter aceite tais factos, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Quanto à prova documental, o Tribunal considerou os seguintes documentos: (…) vi) Informação prestada pelo Banco de Portugal a respeito de responsabilidade de crédito do Autor (referência 9439002 de 03/02/2023), onde constam os diversos encargos daquele e um incumprimento comunicado, com base no qual foi dado como provado o ponto 5) dos fundamentos de facto; Mais se consigna que a certidão constante no ponto iii), constitui documento autêntico com força probatória plena sobre as perceções da entidade que o emite, nos termos dos artigos 369.º, n.º 1, e 371.º, n.º 1, do Código Civil. No que concerne aos demais documentos, sendo documentos particulares e sujeitos à livre apreciação do jugador, o Tribunal valorou o seu conteúdo com a demais prova produzida, nos termos dos artigos 362.º, 366.º e 376.ºdo Código Civil. Relativamente aos depoimentos de parte prestados por AA e BB, requeridas pelas próprias partes, tendo ambos, em suma, mantido a versão dos factos carreados na petição inicial e na contestação, respetivamente. O Autor AA descreveu a relação que teve com a Ré, duração da mesma e as circunstâncias em que ambos decidiram adquirir uma habitação para morarem juntos como casal. Mais referiu que acordaram que tal aquisição seria em nome da Ré, como única proprietária, visto este se encontrar na qualidade de fiador da sua ex-mulher e daí não ser viável ter património em seu nome. Nesse contexto, vendeu o imóvel que detinha e entregou à Ré os valores que ora peticiona, com o único intuito de comprarem o imóvel. Ora, tal justificação para a entrega do montante de 48.405,00 €, revelou-se coerente, atentas as circunstâncias do caso em concreto, a demais prova produzida e as regras da experiência comum. Retirou-se das suas declarações de parte que o motivo da entrega dos valores à Ré foi com o intuito desta comprar o imóvel para viverem juntos, como marido e mulher se tratasse, como já antes se encontravam a viver, mas em casa arrendada. No decurso das suas declarações, foi notório o mesmo se referir ao imóvel como também este fosse seu, sendo evidente que todos os valores entregues à Ré se destinavam para aquele fim, a aquisição daquela moradia. Mais concretizou o Autor a futura separação do casal, tendo este abandonado a moradia onde residiam. Mais esclareceu ter interpelado verbalmente a Ré para a restituição de tais valores, tendo esta recusado a devolver. Mediante tais declarações, em conjugação com os documentos juntos aos autos e a demais prova produzida, o Tribunal deu como provado os pontos 1) a 8), 11) a 17) dos fundamentos de facto. Por seu turno, a Ré BB confirmou o tipo de relação que teve com o Autor (viviam em união de facto), concretizou a duração da mesma e data em que o Autor saiu de casa. Sem negar os valores transferidos e depositados pelo Autor a seu favor, justificou tais entregas como se tratasse de uma doação feita pelo próprio, sem qualquer tipo de contrapartida, tanto que nunca impôs condições para o efeito. Contudo, ao longo das suas declarações e questionada do motivo da entrega de tais montantes, acabou por admitir que tais quantias monetárias foram entregues porque iam viver maritalmente, sendo que aquando a realização da transferência bancária, o Autor não lhe comunicou expressamente se o dinheiro era para ela ou para ambos, dado que iam ambos viver juntos. Mais esclareceu que a relação entre ambos terminou por motivo imputável ao Autor, tendo este saído de casa por sua iniciativa. Perante as suas declarações, em conjugação com a demais prova produzida, o Tribunal deu como provado os pontos 1), 2), 5), 7) a 13), 159 a 19) dos fundamentos de facto. Ora, não logrou a Ré convencer o Tribunal que os valores entregues pelo Autor fossem por outro motivo qualquer, além do invocado pelo Autor, no sentido de ser adquirida uma habitação para ambos morarem. Atento o tipo de relação existente entre ambos, vivendo em união de facto, à circunstância de o Autor ter vendido a sua habitação cerca de dois meses antes de a Ré ter adquirido a sua, leva a concluir que os montantes monetários entregues pelo Autor à Ré foi para a compra da moradia que se encontra registada a favor desta. Assim se compreende que ambos tenham ido residir para aquela habitação e aí permanecido como casal até agosto de 2021. Por outro lado, a própria Ré reconheceu a situação de o Autor não ter também comprado o imóvel em seu nome, para não ter património em seu nome face a possíveis credores, tanto que algum dos seus veículos se encontravam registados em nome de terceiros. Relativamente à prova testemunhal, foram inquiridas as testemunhas CC, EE e FF. CC, vendedor do apartamento adquirido pela Ré, tendo nessa medida tido conhecimento direto nos factos em apreço, mediante um depoimento espontâneo, objetivo e isento, confirmou os pontos 4), 7) e 8) dos factos provados. A testemunha descreveu as circunstâncias em que vendeu o seu imóvel, concretizando as negociações encetadas com o Autor e Ré e valores pagos para pagamento do imóvel. De referir que o primeiro contacto estabelecido com a própria testemunha para compra da casa, foi efetuado pelo próprio Autor, tendo depois este e a Ré posteriormente visitado o imóvel na presença da testemunha. Face a essa factualidade, se depreende que Autor e Ré estariam juntos a procurar uma casa própria para comprar, sendo este o motivo que levou o Autor a transferir o dinheiro para a conta bancária da Ré. Já EE e FF, progenitora e filho da Ré, respetivamente, face aos laços familiares, revelaram ter conhecimento directo da relação mantida entre as partes, tendo ambos confirmado os pontos 1), 2), 15), 17) a 19) dos fundamentos de facto. Ambas as referidas testemunhas, de forma escorreita e espontânea, descreveram o tipo de relação existente entre Autor e ré, locais onde viveram, inclusive na moradia adquirida em nome da Ré. Mais atestaram o fim de relacionamento entre ambos e situação atual da moradia. Relativamente aos demais factos, não presenciaram aos mesmos, relatando somente o que fora dito pela Ré, sem nunca terem presenciado o Autor a pedir a restituição de qualquer valor entregue àquela. Em suma, nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou às circunstâncias em que o Autor entregou à Ré a quantia de 48.405,00 €. Face ao exposto, analisando os documentos juntos aos autos, em conjugação com as declarações de parte prestadas e da inquirição da testemunha CC, o Tribunal ficou com a convicção de que o montante transferido pelo Autor para a conta bancária da Ré foi para compra e venda da nova habitação que esta veio adquirir, para aí ambos viverem em condições análogas às dos cônjuges. Face à sua situação pessoal e financeira do Autor, preferiu este não celebrar a compra e venda em seu nome e terem ambos acordado que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas pela Ré. Assim se compreende e se justifica a conduta do Autor em entregar à Ré tais montantes. No que concerne aos factos dado como não provados, resulta da inexistência de prova nesse sentido e do inverso da prova produzida. Do depoimento prestado por EE e declarações de parte da Ré, resulta que a casa arrendada onde viveram as partes se situava na Rua ..., Edifício ..., na ... e não na indicada pelo Autor, daí se ter dado como não provado o facto vertido na alínea a) dos factos não provados. Por outro lado, analisando o documento emitido pelo Banco de Portugal a respeito de responsabilidade de crédito do Autor, apesar de se verificar um incumprimento comunicado, não resulta que este estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário, por esse motivo e não ter sido provado qualquer outra prova nesse sentido, se deu como não provado o facto na alínea b). Quanto ao facto não provado descrito na alínea c), o Autor não produziu qualquer prova nesse sentido, cabendo a si o ónus de tal prova. Por fim, relativamente aos factos vertidos nas alíneas d) e e) dos factos não provados, respeitantes às alegadas doações efetuadas pelo Autor à Ré, resulta do inverso da prova produzida. Conforme já referido, face às declarações prestadas pelo Autor e Ré, em conjugação com o depoimento da testemunha CC, resulta que os montantes entregues pelo Autor à Ré tiveram a finalidade desta comprar uma habitação para aí ambos viverem em condições análogas às dos cônjuges. Compreende-se assim a transferência bancária efetuada, no contexto em que estavam ambos à procura de casa para morarem juntos. Tanto que foi o próprio Autor quem procedeu ao pagamento do valor de custo da outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca”. Inexiste qualquer outro motivo para a entrega de tais valores. Não se verifica que tenha existido uma cedência gratuita, pois caso não fosse para viverem juntos, também o Autor não entregaria à Ré tais montantes monetários” (sic). No que tange às declarações do autor AA e às declarações da ré BB é notório que as partes divergiram, mantendo as posições veiculadas nos articulados, tendo o tribunal a quo dado primazia às declarações do primeiro, expendendo, além do mais, que “não logrou a Ré convencer o Tribunal que os valores entregues pelo Autor fossem por outro motivo qualquer, além do invocado pelo Autor, no sentido de ser adquirida uma habitação para ambos morarem. Atento o tipo de relação existente entre ambos, vivendo em união de facto, à circunstância de o Autor ter vendido a sua habitação cerca de dois meses antes de a Ré ter adquirido a sua, leva a concluir que os montantes monetários entregues pelo Autor à Ré foi para a compra da moradia que se encontra registada a favor desta. Assim se compreende que ambos tenham ido residir para aquela habitação e aí permanecido como casal até agosto de 2021. Por outro lado, a própria Ré reconheceu a situação de o Autor não ter também comprado o imóvel em seu nome, para não ter património em seu nome face a possíveis credores, tanto que algum dos seus veículos se encontravam registados em nome de terceiros” (sic). Concorda-se inteiramente com tal leitura dos factos, sendo certo que, procedendo à audição integral e atenta das declarações de parte da ré, regista-se que a própria reconheceu que o autor não tinha nada em nome dele, possivelmente devido a dívidas, e que esta era uma condição para comprar a casa, tendo o empréstimo ficado em nome dela, além de a ré ter anuído que também a mota e o carro do autor estavam em seu nome, pese embora tenha insistido, mais tarde, para que ele os retirasse do nome dela para evitar problemas. Reconheceu a ré, também, que o autor deu-lhe o dinheiro porque vendeu a sua casa e iam viver maritalmente e que quando o autor transferiu o dinheiro disse “agora vamos comprar a casa”, não lhe tendo afirmado nunca “faz aquilo que quiseres com o dinheiro”, pese embora não lhe tenha dito explicitamente se o dinheiro era dela ou deles. Afirmou que o autor nunca lhe disse “esse dinheiro é teu” nem “se é nosso”, mas que entendeu que era normal o dinheiro passar para a conta dela pois iriam viver juntos e a ré decidiu comprar a casa porque tinham que sair da casa arrendada. A própria mãe da ré também disse que o autor deu o dinheiro à sua filha para eles comprarem a casa para “viverem os dois”. Por seu turno, a testemunha CC, vendedor, explicitou que colocou o apartamento à venda e foi contactado pelo AA para falar sobre o negócio, tendo chegado a um acordo, baixando o preço inicial, porque o autor lhe disse que precisava de fazer obras na casa, tendo celebrado, primeiro, um contrato-promessa de compra e venda, no valor de € 500,00, outorgando a escritura mais tarde. Esclareceu que durante a discussão do preço, falava só com o AA (autor) e não com a BB (ré) e que o objectivo da compra era para viverem os dois. Para lá do supra exposto, há vários elementos adicionais que corroboram que a casa foi adquirida para o autor e a ré ali viverem e que se relaciona com a proximidade temporal entre a venda da casa de que o autor era proprietário exclusivo, situada no concelho ..., a 13 de Maio de 2019, pelo valor de € 93 000,00 (noventa e três mil euros) [facto n.º 3], precisamente no mesmo dia em que foi pago o sinal do apartamento na ... [facto n.º 8.1] e passados apenas 4 dias, a 17 de Maio, o autor ter transferido a quantia de € 47 500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros) para a ré [facto n.º 11], sendo certo que essa quantia serviu para pagar parte do preço acordado para a compra do apartamento, para ser a casa de morada de família do casal, quantia essa que não foi financiada pelo Banco [facto n.º 12], não obstante a ré ter contraído um mútuo (crédito à habitação), junto do Banco 1..., S.A., no montante de € 60 000,00 (sessenta mil euros) [facto n.º 10.º]. De harmonia, concorda-se inteiramente com a 1.ª instância ao exarar: “Face ao exposto, analisando os documentos juntos aos autos, em conjugação com as declarações de parte prestadas e da inquirição da testemunha CC, o Tribunal ficou com a convicção de que o montante transferido pelo Autor para a conta bancária da Ré foi para compra e venda da nova habitação que esta veio adquirir, para aí ambos viverem em condições análogas às dos cônjuges. Face à sua situação pessoal e financeira do Autor, preferiu este não celebrar a compra e venda em seu nome e terem ambos acordado que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas pela Ré. Assim se compreende e se justifica a conduta do Autor em entregar à Ré tais montantes” (sic). Deste modo, e resumindo, mantém-se os factos provados n.ºs 4, 5 e 6 nos seus precisos termos. b) Se há oposição entre o facto provado n.º 5 e o facto não provado inserto na alínea b) – conclusões p) a y). Diz a recorrente, outrossim, que o facto provado n.º 5 está em expressa oposição com a alínea b) dos factos não provados. Recapitulando, no facto n.º 5 ficou a constar: “Autor e Ré combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta, devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal”. Por sua vez, na alínea b) dos factos não provados consta: “O autor estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário, por moras participadas ao Banco de Portugal”. Salvo o devido respeito, inexiste qualquer contradição entre o facto provado e o não provado, antes indicados. Com efeito, na fundamentação de facto, o tribunal a quo considerou provado o facto n.º 5, desde logo, por acordo das partes, nos termos do art. 574.º, n.º 2, do CPC, porquanto a ré não impugnou a alegação do autor, na parte em que afirmou que “Autor e Ré combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta”, sendo que em relação “à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal”, o tribunal valorou a informação prestada pelo Banco de Portugal e as declarações de parte prestadas pelo autor, bem como as declarações prestadas pela própria ré ao reconhecer a situação de o autor não ter também comprado o imóvel em seu nome, para não ter património em seu nome face a possíveis credores, tanto que algum dos seus veículos se encontravam registados em nome de terceiros. No que concerne ao facto não provado na alínea b), resultou da ausência de prova nesse sentido, pois o documento emitido pelo Banco de Portugal a respeito de responsabilidade de crédito do autor, não obstante ter um incumprimento comunicado, não evidencia que o autor estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário. Estes factos não estão em contradição entre si, pois, como frisado pelo Mmo. Juiz a quo, “ao referir que Autor e Ré combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta, devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal, tal não significa necessariamente que este estivesse impedido de recorrer ao crédito bancário. Enquanto o ponto 5) se baseou na prova da comunicação prestada pelo Banco de Portugal, já a alínea b) dos factos não provados resultou de insuficiência de prova nesse sentido. Do facto provado no ponto 5) não se retira que a situação pessoal do Autor junto do Banco de Portugal se reportasse ao impedimento de recurso ao crédito por parte do Autor, inexistindo assim qualquer contradição entre ambos os factos” (sic). Por conseguinte, improcede esta questão recursiva. c) Se os factos não provados correspondentes às alíneas d) e e) devem ser considerados provados – conclusões z) a cc)) É o seguinte o teor dos factos não provados sob as alíneas d) e e): d) O Autor tivesse comunicado à Ré, que lhe doaria o montante de 47.500,00 € e que esta tivesse aceite tal doação. e) O depósito efetuado pelo Autor na conta à ordem da Ré, do montante de 905,00 €, para pagamento das despesas de escritura e respetivos registos, quer de aquisição quer de hipoteca, tivesse sido a título de doação. Tal como referido pelo tribunal a quo, na motivação aos factos não provados, “relativamente aos factos vertidos nas alíneas d) e e) dos factos não provados, respeitantes às alegadas doações efetuadas pelo Autor à Ré, resulta do inverso da prova produzida. Conforme já referido, face às declarações prestadas pelo Autor e Ré, em conjugação com o depoimento da testemunha CC, resulta que os montantes entregues pelo Autor à Ré tiveram a finalidade desta comprar uma habitação para aí ambos viverem em condições análogas às dos cônjuges. Compreende-se assim a transferência bancária efetuada, no contexto em que estavam ambos à procura de casa para morarem juntos. Tanto que foi o próprio Autor quem procedeu ao pagamento do valor de custo da outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca”. Inexiste qualquer outro motivo para a entrega de tais valores. Não se verifica que tenha existido uma cedência gratuita, pois caso não fosse para viverem juntos, também o Autor não entregaria à Ré tais montantes monetários” (sic). Sem necessidade de maior tergiversação, é evidente que esta factualidade não ficou minimamente provada, o que decorre do anteriormente exposto, bem como da seguinte factualidade, que, aliás, a ré não impugnou em sede de recurso: 11.º Logo no dia 17.05.2019, já depois de ter sido pago o sinal do apartamento a adquirir, o autor transferiu para a conta da ré a quantia de 47.500,00 € (quarenta e sete mil e quinhentos euros). 12.º Quantia essa que serviu para pagar parte do preço acordado para a compra do apartamento identificado em 7), para ser a casa de morada de família do casal, quantia essa que não foi financiada pelo Banco. 13.º O ato de outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca” teve lugar no dia 05.07.2019 e importou um custo de 905,00 € (novecentos e cinco euros), quantia que o autor depositou, nesse mesmo dia, na conta da ré, no Banco 1..., S.A.. 14.º O Autor contribuiu com 48.405,00 € (quarenta e oito mil quatrocentos e cinco euros) para a compra do apartamento descrito em 7). Destarte, julga-se improcedente, também, esta questão recursiva. 3. Enquadramento jurídico da causa – Doação ou enriquecimento sem causa: conclusões ee) a fff). A tese da ré/recorrente é a de que a cessação da união de facto com o autor, aliada à deslocação patrimonial verificada – entrega da quantia total de € 48 405,00 – não configura qualquer enriquecimento sem causa e que cabia ao autor o ónus da prova da falta de causa da prestação efectuada, não estando reunidos os requisitos do art. 473.º do Código Civil, quais sejam, a existência de um enriquecimento, sem causa justificativa, e à custa de quem requer a restituição. Por conseguinte, defende a recorrente, a deslocação patrimonial que ocorreu, do autor para a ré, teve uma causa jurídica, a doação: “o Autor ao transferir para a conta à ordem da Ré, o montante de € 47.500,00, para pagamento de parte do preço do imóvel e ao depositar na conta da Ré, o montante de € 905,00, para pagamento das despesas de escritura e de registos, revelou a intenção de fazer uma liberalidade, à custa do seu próprio património, no valor correspondente às quantias despendidas” (sic). Aduz, também, que o autor não invocou qualquer facto para ilidir a presunção de que o apartamento pertence à ré, decorrente do art. 7.º do Código de Registo Predial. E remata as conclusões sustentando: “eee) Pelo exposto, verifica-se ter o tribunal a quo laborado em manifesto erro na apreciação da prova, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os factos provados e não provados e os fundamentos com a decisão que acabaria por proferir, situação que constitui um erro de julgamento e consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art.º 615 n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. fff) A douta sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito aos fatos que resultaram provados, pelo que violou o disposto nos artigos 251º e 247º do Código Civil, dado que não foram provados pelo recorrido os fatos constitutivos do enriquecimento sem causa” (sic). O tribunal a quo enquadrou a situação no instituto do enriquecimento sem causa, na linha da jurisprudência inserta nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-03-2014, Proc. n.º 2152/09.5TBBRG.G1.S1, e de 24-03-2017, Proc. n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1, tendo subsequentemente elaborado as seguintes considerações: “No caso em apreço, resultou provado que no dia 17.05.2019, o Autor transferiu para a conta da Ré a quantia de 47.500,00 € (quarenta e sete mil e quinhentos euros) e que depositou, no dia 05.07.2019, na conta da ré, no Banco 1..., S.A., a quantia de 905,00 €, referente ao custo da outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca” celebrado pela Ré, nesse dia. Face a tal factualidade, inequivocamente se verifica um enriquecimento do património da Ré operado à custa do empobrecimento de património do Autor, encontrando-se preenchidos os pressupostos vertidos nas alíneas a) e c) acima mencionadas. A respeito do motivo de transferência de tais valores do património do Autor para a Ré, resulta da factualidade dada como provada que as partes combinaram que a compra e venda da nova habitação e o respetivo mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas por esta, devido à situação pessoal do A. junto do Banco de Portugal, tendo acordado na compra de um apartamento situado na Urbanização ..., para aí residirem como casal. Ou seja, depreende-se que os valores entregues pelo Autor à Ré foram com o intuito de adquirir uma moradia para ambos viverem como casal, mantendo a união de facto que disponham na altura. Ora, não estamos perante nenhuma situação de mútuo ou de doação, mas sim, em que duas pessoas têm um projeto de vida comum e que pretendem viver juntos. Nessa medida, tendo cessada a união de facto, face ao termo da relação e saída de casa por parte do Autor, verifica-se uma situação de condictio ob causam finitam, uma vez que a causa que originou o enriquecimento deixou de existir. Deste modo, o escopo pretendido pelo Autor em viver em união de facto com a Ré numa habitação adquirida por esta, deixou de existir aquando o terminus da relação entre ambos. Nesse seguimento, forçosamente teremos de concluir que não há causa justificativa do enriquecimento da Ré à custa do património do Autor, face à cessação de união de facto que ambos mantinham. Por outro lado, inexiste qualquer outro meio que seja facultado ao empobrecido para ser indemnizado ou restituído por parte da Ré, na medida em que não estamos perante um contrato celebrado entre ambos de mútuo ou de doação, ou qualquer outro meio legal para tutelar a sua pretensão. (…) Face ao exposto, encontram-se verificados todos os pressupostos legais do instituto do enriquecimento sem causa, sendo de dar provimento à pretensão do Autor, condenando a Ré a restituir o montante de 48.405,00 € que recebeu por parte do Autor, nos termos do artigo 479.º do Código Civil” (sic). Quid juris? Recapitulando, o autor considera que, uma vez que se operou a ruptura da sua união com a ré, a subsistência da situação gerada pela entrega de € 48 405,00 que ele fez à segunda, significaria um efectivo enriquecimento daquela à sua custa, sem causa subjacente. Esse enriquecimento deve, no seu juízo, ser removido por via da correspondente restituição daquele valor, nos termos das disposições vertidas nos arts. 473.º e segs. do Código Civil., tendo o tribunal a quo acolhido essa pretensão. Desde já adiantamos que acompanhamos a solução jurídica da decisão recorrida, conforme iremos demonstrar. Não oferecendo dúvidas que autor e ré viveram em situação de união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, desde o Verão de 2015 e até Agosto de 2021, há que atender ao regime jurídico da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio – cf. art. 1.º, n.º 2, na redacção operada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto: “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”. Porém, contrariamente aos regimes de bens do casamento, regulados pelo Código Civil, o ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto Da análise desse diploma, ademais, não resulta qualquer solução jurídica, directa ou indirecta, para a resolução das questões patrimoniais emergentes da “ruptura” da união de facto, desde logo porque a Lei n.º 7/2001 nunca foi regulamentada, ao contrário do que previa o seu art. 9.º.[12] No que tange aos efeitos patrimoniais derivados da dissolução da união de facto, e à míngua de um regime específico e regulado, a doutrina e jurisprudência têm vindo a encontrar soluções e alternativas de resolução dessa problemática, recorrendo, fundamentalmente a mecanismos de direito comum, entre os quais o regime das sociedades de facto e o regime do enriquecimento sem causa. Jorge Duarte Pinheiro, em O Direito da Família Contemporâneo, 6.ª edição, 2019, p. 537, explana: “A liquidação dos interesses patrimoniais no caso de ruptura é tida como um dos aspectos da maior relevância nas relações dos companheiros entre si. Para certa doutrina, cessada a união de facto, “cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum”, devendo essa liquidação fazer-se “de acordo com os princípios das sociedades de facto quando os respectivos pressupostos se verifiquem”. Na jurisprudência, havendo património adquirido pelo esforço comum, admite-se que a respectiva liquidação seja feita de harmonia com as regras do instituto do enriquecimento sem causa ou com os princípios das sociedades de facto. Contudo, a ausência de finalidade lucrativa da comunhão de vida em que se traduz a união de facto opõe-se ao uso da construção da sociedade de facto. Por conseguinte, a composição dos interesses patrimoniais em conflito assentará no instituto do enriquecimento sem causa. É, por exemplo, este mecanismo que poderá tutelar a posição do membro da união de facto que entregou dinheiro seu para que o outro interviesse como adquirente no contrato de compra e venda de um imóvel ou automóvel.” Mais recentemente, Ana Paula Boularot, em União de facto – questões patrimoniais, “Revista de Direito Comercial” [13], 2022, p. 13, escreve: “Nos casos em que se pretende apenas fazer decorrer dessa dissolução as consequências patrimoniais normais, questionamo-nos, também a que título seriam as mesmas exigíveis: − Se seria através da aplicação à situação factual criada, do regime jurídico da sociedade civil, por analogia, aplicando as regras atinentes à liquidação; − Ou do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto este instituto pressupõe a inexistência de causa justificativa para o enriquecimento, ou se a outro título, pois o que se cura aqui é com base no apuramento das contribuições de cada um dos parceiros na construção de um património em comum, por via de uma união de facto entretanto desfeita, e a sua subsequente divisão e partilha. A doutrina e a jurisprudência têm discutido esta problemática, havendo uma tendência muito forte para a incluir no enriquecimento sem causa, não obstante, neste instituto, tenhamos de recorrer à situação da conditio ob causam finitam – isto é, enriquecimento por via de uma causa que deixou de existir, sendo o elemento constitutivo do direito à repetição do indevido, o desaparecimento daquela causa que justificava a deslocação patrimonial havida. Esta situação não nos deixa de criar umas certas dúvidas (nomeadamente ao nível da pureza do instituto, o qual impõe a inexistência de causa, sendo certo que tal causa existiu e foi devido à sua existência que o enriquecimento ocorreu): trata-se de uma construção eivada de autojustificações.” E mais adiante discorre – op. cit., pp. 18/19: “Bom, de qualquer forma, seja qual for a solução a adoptar, certo é que os Tribunais não se poderão recusar a julgar e, fazendo-o, há que aferir qual a deslocação patrimonial ocorrida e qual a medida do enriquecimento indevido, e este, apenas nos é suscitado aquando da ruptura da união de facto e em situações em que está em causa, de uma forma geral, direitos de propriedade, já que em relação a outras deslocações efectuadas a título de comparticipações várias para os encargos normais da vida doméstica, a jurisprudência tem entendido que não são restituíveis, por se tratar de despesas inerentes à vida corrente, constituindo um encargo de quem vive em comunhão, e/ou de obrigações naturais (o mesmo acontecendo em relação ao trabalho e às despesas com filhos menores, encargos estes que decorrem do cumprimento dos deveres parentais tout court). A busca de uma solução tem de ter em atenção, sempre, a justiça do caso concreto a qual terá de passar pela análise detalhada das deslocações patrimoniais efectivamente havidas e da prova da existência de (in)justificação para as mesmas”. Por nós, propendemos a acompanhar a tese de que o instituto do enriquecimento sem causa é o mais adequado para enquadrar as situações patrimoniais em que ocorre ruptura da união de facto, e um dos ex-unidos ou conviventes se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, seja directamente, seja através da apropriação de poupanças significativas pelo adquirente, podendo, para tanto, intentar acção declarativa de condenação com base nesse instituto. A este propósito, louvamo-nos do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-03-2023, Proc. n.º 241/21.7T8TND.C1: “(…) [A]fastada a possibilidade de aplicação analógica das normas reguladoras das relações patrimoniais do casamento – não fazendo, aliás, sentido impô-las a quem optou por a elas não se subordinar – pelo que, quando não existam acordos de coabitação entre os unidos, as relações patrimoniais entre estes durante a união de facto e na sua cessação resultam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. Será discutível se a liquidação do património adquirido pelo esforço comum se deve fazer, em certas situações, com recurso aos princípios das sociedades de facto ou em função das regras da compropriedade, mas é indiscutível que é genericamente às regras do enriquecimento sem causa que se deve recorrer, por ser inadmissível que se deixe sem protecção patrimonial o empobrecido em caso de cessação da união de facto. Por assim ser, tem sido entendimento comum, o de que o convivente em união de facto, na ruptura desta, quando se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou – seja directamente, seja «através da apropriação de poupanças significativas ao adquirente» – pode em acção declarativa de condenação pedir que o outro convivente seja condenado a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa. Caberá, então, a quem assim o exige, o ónus da prova relativamente à falta de causa justificativa da atribuição patrimonial, como é regra no âmbito do enriquecimento sem causa enquanto fonte autónoma, que é, da obrigação de restituir, bem como dos seus demais requisitos – que o mesmo tenha sido obtido imediatamente à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição (isto é, que não haja de permeio, entre o acto gerador de prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer acto jurídico) e que a lei não permita ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado. Poderá dizer-se genericamente que o enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento. O direito ao enriquecimento sem causa no âmbito da dissolução da união de facto coloca-se nas situações em que tenham sido adquiridos bens com a participação de ambos os seus membros, sobretudo, quando tais bens apenas estejam titulados em nome apenas de um desses membros (…).” Revertendo ao caso concreto é inequívoco que houve um enriquecimento da ré à custa do autor, precisamente na medida da parcela do preço que este suportou, sendo de salientar que o autor não discute que a propriedade do apartamento se deva manter na esfera jurídica exclusiva da ré, assente que está que a mesma é proprietária plena do imóvel. O problema que se suscita é o de saber se esse enriquecimento tem ou não tem causa. A este propósito, Pereira Coelho, em Dissolução da união de facto e enriquecimento sem causa, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 145, 2015, pp. 120-123, escreve, com inteiro acerto: “O Acórdão que anotamos[14] entende, como vimos, que a simples cessação da união de facto, se desacompanhada de quaisquer outros elementos – se desacompanhada do “pressuposto”, por parte do Autor (ao proceder ao pagamento do preço da casa), de continuação da vigência da união de facto – não configuraria uma situação de ausência de causa. O Autor não teria pois feito prova desta ausência de causa – não teria feito prova daquela “pressuposição” –, prova que lhe caberia de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (art. 342.º do Código Civil). Supomos porém que, por um lado, pode entender-se – o ponto é pelo menos susceptível de discussão – que, em qualquer hipótese de pagamento de dívida alheia, o devedor enriquece objectivamente à custa do terceiro que cumpriu a obrigação, sendo tal enriquecimento desprovido de causa se não se provar que o terceiro teve o propósito de assim fazer (indirectamente) uma doação em favor do devedor, ou por qualquer outro título realizar uma atribuição patrimonial definitiva em seu favor. De qualquer modo, por outra lado, é nosso juízo que, nesta hipótese específica de pagamentos realizados no âmbito de uma relação convivencial, do conjunto de factos em presença, e do significado normal desses pagamentos em relações “convivenciais” deste tipo, se pode tirar uma presunção natural de que não houve, por parte do Autor, qualquer propósito de operar uma transferência de valor definitiva para a Ré, fosse a que título fosse. Em relação ao primeiro ponto – o de saber se, em geral, um terceiro que cumpre obrigação alheia pode obter a remoção do empobrecimento por si sofrido por via de uma acção de enriquecimento sem causa, ainda que não se verifique nenhuma das hipóteses em que, com esse ou outro fundamento (sub-rogação no crédito, gestão de negócios, mandato sem representação), a lei explicitamente admite essa remoção – começamos por afirmar não desconhecer, evidentemente, que a posição tradicional da nossa doutrina é tendencialmente no sentido de negar ao terceiro tal direito, ou que pelo menos o problema não encontra nela uma resposta clara. Mas julgamos que há fundamento suficiente para, em geral – ou seja, não apenas nos casos em que se demonstre a existência de uma causa que vem a falhar, mas ainda naquele: em que não se consiga sequer provar qual a causa ou título por que o terceiro procedeu ao pagamento da dívida alheia – conceder ao solvens uma acção de enriquecimento sem causa. Na verdade, (a) para lá de ser isso que, de alguma forma, decorre do princípio da subsidiariedade da obrigação de restituir com base em enriquecimento sem causa, (b) julgamos que não há qualquer diferença significativa entre aquelas duas hipóteses, não parecendo razoável que, em qualquer delas, o devedor possa manter o enriquecimento objectivo resultante do pagamento por terceiro; (c) e, aliás, a solução inversa (no sentido de negar ao solvens a dita acção só porque se não provou nenhuma das situações em que a lei lhe confere o direito a uma compensação) corresponderia a uma espécie de presunção de doação, a qual julgamos desconforme com os dados do nosso ordenamento, sobretudo com os critérios interpretativos acolhidos nos arts. 236.º e ss. do Código Civil, e muito especificamente com o princípio interpretativo estabelecido no art. 237.º para os negócios gratuitos. Não se podendo assim em geral presumir, no pagamento de dívida por terceiro, um qualquer intuito de realizar uma doação, naturalmente que, a haver doação (indirecta), isso teria de assentar na prova efectiva de um animus donandi por parte do solves – ou resultará, tão simplesmente, do mero facto de esse solvens nunca vir exercer os direitos que lhe permitiriam ser restituído ou compensado, ou de uma renúncia (expressa ou tácita) a tais direitos. Em relação ao segundo ponto, entendemos, na realidade, que o que é normal, quando um dos companheiros toma, logo no início da sua união, a iniciativa de comprar um apartamento e pagar o respectivo preço – apartamento destinado, justamente, a servir de casa de morada comum —, ficando todavia esse apartamento por qualquer razão em nome da companheira, o que é normal, dizíamos, não é certamente que aquele pretenda realizar uma doação em favor desta, ou uma espécie de doação remuneratória pelos encargos que esta virá a suportar durante uma relação que só agora se inicia e cuja duração, por conseguinte, para já é insusceptível de previsão exacta. O que é normal, bem pelo contrário, é que, insistimos, o companheiro queira, para já, apenas adquirir a casa que vai servir de morada comum; e, procedendo ele ao pagamento do respectivo preço, que pretenda assumir definitivamente a respectiva propriedade, ou pelo menos que pretenda ser compensado ou restituído pelo preço que pagou em vão, se e quando sobrevier a necessidade de, em resultado de uma eventual ruptura, se realizar uma liquidação e “partilha” dos bens do “casal”. Se o imóvel ficou agora em nome da companheira, isso dever-se-á a qualquer circunstância pontual (…); e será, em qualquer caso, um pormenor a que os companheiros no momento não atribuirão grande significado, dada a relação de informalidade, “despreocupação” e plena confiança que entre eles se estabeleceu. Concluímos pois que, em lugar de valer aqui uma presunção de doação (…), o específico quadro de circunstâncias (uma relação convivencial análoga à relação interconjugal) aqui em presença aponta, pelo contrário, para uma presunção (natural) de “não definitividade” da atribuição (indirectamente) realizada pelo Autor em favor da Ré – uma presunção (natural) de condicionamento, no sentido em que a dita atribuição é querida como condicionada à própria subsistência da relação convivencial de união de factos (…).” Temos por absolutamente correctas as asserções da anotação supra reproduzida. Deste modo, cessada a união de facto, qualquer um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, traduzindo a cessação da união de facto a ocorrência ou circunstância que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial e que fundamenta a restituição (cf. o n.º 2, do art. 473.º do Código Civil). Como se exarou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-11-2024, Proc. n.º 54/22.9T8PRT.P1.S1: “A lei incluiu entre as hipóteses típicas de enriquecimento sine causa o caso de alguém ter realizado uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir, assim fazendo compreender a situação tradicional da condictio ob causam finitam. A particularidade deste caso de enriquecimento injustificado reside no facto de no momento em que a prestação foi realizada existir, efectivamente, uma causa jurídica subjacente, mas posteriormente, se dar o desaparecimento dessa causa jurídica, em termos que legitimam o surgimento de uma pretensão dirigida à restituição do enriquecimento. É o que sucede nos casos em que a comunhão de vida entre duas pessoas, não ligadas entre si pelo vínculo jurídico do casamento, constitui a causa jurídica da realização de uma atribuição patrimonial e, ulteriormente, essa comunhão se extingue, com a consequente cessação daquela causa: o desaparecimento desta causa permite a aplicação da condictio ob causam finitam”.[15] Por conseguinte, demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial de um dos conviventes da união de facto para o outro, sem causa jurídica justificativa para tal deslocação patrimonial, que não a própria relação convivencial entre os unidos de facto, com a cessação ou dissolução dessa união deixa de existir subsequentemente causa justificativa para o enriquecimento (condictio ob causam finitam). Esta é, aliás, a jurisprudência maioritária e mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, de que se enumeram os seguintes exemplos: – Acórdão do STJ de 07-11-2017, Proc. n.º 2140/12.4TVLSB.L1.S1: “I. O enriquecimento sem causa pressupõe que ocorra um enriquecimento (i.e. a obtenção de uma vantagem de cariz patrimonial), que este seja desprovido de causa justificativa (porque nunca a teve, por não se ter verificado o escopo pretendido ou, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, devido à supressão posterior desse fundamento) e que o mesmo haja sido obtido à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento reputa-se sem causa quando o Direito não o aprove ou não consinta por inexistir uma relação ou um facto apto a justificar a deslocação patrimonial. II. A obrigação de restituir tem como objeto a medida do enriquecimento, a qual corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada. III. Inexistindo regras legais atinentes às consequências da dissolução da união de facto e não vindo demonstrados factos que evidenciem que os conviventes em união de facto adquiriram os bens em causa em regime de compropriedade, deve-se recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa para regular a disputa sobre a titularidade dos mesmos”. – Acórdão do STJ de 04-07-2019, Proc. n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1: “V. O nosso direito substantivo civil, no que respeita a um dos exigidos requisitos atinentes ao enunciado instituto do enriquecimento sem causa, traduzido na ausência de causa justificativa, conquanto tenha identificado um critério de orientação, uma linha de rumo interpretativa, pressupõe, numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto). VI. O desaparecimento posterior da causa, condizente à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), caracteriza-se por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, donde,verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa. VII. Para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo exigível ainda mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, importando anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento”. – Acórdão do STJ de 29-04-2021, Proc. n.º 684/17.0T8ABT.E1.S1: “A cessação da união de facto não justifica que um dos sujeitos se apodere em exclusivo daquilo que foi adquirido com o esforço e para o proveito comum, devendo considerar-se a aplicação da disciplina do enriquecimento sem causa”. – Acórdão do STJ de 30-01-2025, Proc. n.º 3649/21.4T8FAR.E1.S1: A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem acautelado com recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, de modo maioritário, o direito do unido de facto que, cessada esta, queira reaver aquilo com que o outro se enriqueceu injustificadamente, quando a sua contribuição monetária para tais aquisições haja sido efectuada no pressuposto, não verificado, de uma vida em comum que se prolongaria no tempo, mormente na aquisição de imóveis, móveis sujeitos a registo e bens móveis de valor significativo, como pode verificar-se nomeadamente dos acórdãos proferidos em 09-03-2004, na Revista n.º 111/04, 20-09-2007 na Revista n.º 2156/07, 31-03-2009, na Revista n.º 652/09, 17-12-2009, na Revista n.º 2165/06.9TVPRT.S1, 09-03-2010, na Revista n.º 680/09.1YFLSB, 20-03-2014, na Revista n.º 2152/09.5TBBRG.G1.S1, 05-05-2015, na Revista n.º 171/06.2TBVNO.C1.S1, 07-03-2017, na Revista n.º 12/14.7TBLRA.C1.S1, 24-10-2017, na Revista n.º 3712/15.0T8GDM.P1.S1, 07-11-2017, na Revista n.º 2140/12.4TVLSB.L1.S1, 03-05-2018, Revista n.º 175/05.2TBALR.E1.S1, 11-04-2019, na Revista n.º 219/14.7TVPRT.P1.S1, 27-06-2019, na Revista n.º 944/16.8T8VRL.G1.S2, 04-07-2019, na Revista n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1, 19-09-2019, na Revista n.º 999/15.2T8PVZ.P1.S1, 13-10-2020, na Revista n.º 2149/17.1T8PTM.E1.S1, 14-01-2021, na Revista n.º 1142/11.2TBBCL.1.G1.S1, 29-04-2021, na Revista n.º 684/17.0T8ABT.E1.S1, 17-06-2021, na Revista n.º 1129/18.4T8PDL.L2.S1, 14-10-2021, na Revista n.º 310/13.7TVLSB.L1.S1, 28-03-2023, na Revista n.º 729/19.0T8CHV.G1.S1, 12-10-2023, na Revista n.º 241/21.7T8TND.C1.S1, 27-02-2024, na Revista n.º 13609/21.0T8LSB.L1.S1, 28-05-2024, na Revista n.º 928/20.1T8PTM.E1.S1, 26-11-2024, na Revista n.º 54/22.9T8PRT.P1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt., com fundamento na ausência de regulamentação especifica de um regime de bens da união de facto quando se verifique um injustificado enriquecimento do titular do direito de propriedade sobre os bens.” Aqui chegados é evidente que tendo ficado provado nos autos que autor e ré viveram em união de facto durante 6 anos (desde o Verão de 2015 e até Agosto de 2021) (n.º 1); que por constituírem um casal e pretenderem ter uma casa própria, começaram a procurar uma casa própria para comprar (n.º 4); que combinaram que a compra e venda da nova habitação e o mútuo com hipoteca seriam outorgados e contraídos apenas pela ré, devido à situação pessoal do autor junto do Banco de Portugal (n.º 5); que acabaram por acordar na compra de um apartamento situado na Urbanização ...); que no dia 17 de Maio de 2019, já depois de ter sido pago o sinal do apartamento a adquirir, o autor transferiu para a conta da ré a quantia de € 47 500,00, a qual serviu para pagar parte do preço acordado para a compra do apartamento, para ser a casa de morada de família do casal, e que não foi financiada pelo Banco (n.ºs 11 e 12); que o autor depositou, a 5 de Julho de 2019, na conta da ré, a quantia de € 905,00, correspondente ao custo do acto de outorga do título de “compra e venda e mútuo com hipoteca” celebrada nesse dia (n.º 13); que o autor contribuiu com € 48 405,00 (n.º 14), que, em virtude da cessação da relação da união de facto, a ré deve restituir ao autor o montante por ele peticionado, nos precisos termos que a 1.ª Instância decidiu. Improcede, assim, o recurso. As custas processuais impendem sobre a ré, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. * Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…). 
 Decisão: Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida. Custas processuais a cargo da apelante. 
 Coimbra, 16 de Setembro de 2025 
 Luís Miguel Caldas Cristina Neves Luís Manuel Carvalho Ricardo [1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Cristina Neves e Dr. Luís Manuel Carvalho Ricardo. [2] Nas palavras de Abílio Neto – Novo Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, 2014, p. 734 – as nulidades da sentença “afectam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”. [6] Como se enfatiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-06-2023, Proc. n.º 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1: “Para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 640º do CPC, o apelante deve, em regra, indicar o ponto ou quais os pontos da matéria de facto impugnados a que se reporta cada um dos meios probatórios indicados e que justificam a alteração da decisão que incidiu sobre esses factos, formulando “uma compreensível correlação entre os meios probatórios invocados e os concretos pontos da matéria factual impugnados”. Nada impede, porém, que essa indicação seja feita em bloco, desde que seja possível apurar através da leitura das alegações de recurso quais os concretos pontos de facto que compõem cada bloco de factos indicado e, respeitando o referido bloco a diferentes realidades factuais, discriminar quais os meios probatórios que fundamentam a alteração da decisão que incidiu sobre cada uma das realidades factuais em causa.”. [7] Como vertido na “exposição dos motivos” da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil: “[C]uidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.”. [9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2019, p. 720, mencionam que o juiz deve “expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados”.  |