| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOSÉ MATOS | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL CUMPRIMENTO SUCESSIVO DE PENAS DE PRISÃO | ||
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| Data do Acordão: | 10/08/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 63.º DO CÓDIGO PENAL | ||
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| Sumário: | I - A liberdade condicional é um incidente da execução da pena de prisão, destinado a promoção da reintegração social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média e longa duração, tendo subjacente o combate ao efeito criminógeno que hoje é indissociável das penas privativas de liberdade, visa a criação de um hiato de transição desde a fase da execução da pena de prisão e a liberdade definitiva, de molde a permitir ao condenado a sua integração gradual na comunidade, sujeita a deveres, de molde a obter, fortalecendo, o seu sentido de orientação social e normativo, fragilizado pela reclusão. II - Ressuma do regime especial estabelecido no artigo 63.º do Código Penal para a situação de cumprimento sucessivo de penas de prisão, que o legislador pretendeu garantir a estes condenados um tratamento igual ao conferido ao condenado que se encontre a cumprir uma única pena de prisão. III - De acordo com este regime o condenado em várias penas de prisão desgarradas entre si tem o direito a ver reconhecida a interrupção do cumprimento de cada uma das penas aquando do cumprimento de metade e o seu desligamento e ligamento para cumprir cada uma das outras penas. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em Conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO Nos autos de Processo Comum que seguem termos sob o nº 3453/24.8T8LRA no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo Central Criminal de Leiria, no seguimento de acórdão cumulatório, foi proferido despacho de liquidação da pena. Inconformado com o teor de tal decisão, o arguido … interpôs o presente recurso, que se apresenta motivado e alinha as seguintes conclusões: 1 – O artigo 63º, nº 1 do Código Penal, é violada pelo despacho homologatório do qual se recorre; 2 - Atingida a metade da pena em execução a 20-11-2024, o início da execução da segunda pena aplicada ao recorrente, de 4 anos de prisão efetiva, deve ter o seu início nessa data; 3 – No cumprimento de penas sucessivas, situação concreta do recorrente, o início da liquidação da pena que deva ocorrer em segundo lugar deve, por lei, verificar-se no momento em que se atinge a metade da primeira pena; 4 - Deve a execução de prisão pelo recorrente ser ligada ao cumprimento da segunda pena a executar (4 anos) com efeitos desde 20-11-2024. Assim julgando, farão, V. Exas. a acostumada Justiça. 
 
 Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, não se pronunciou. 
 O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação apôs visto. 
 Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal. 
 Procedeu-se a exame preliminar. 
 Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir do recurso apresentado. 
 Com vista à decisão ficou demonstrado que: 
 Por ter sido conhecido o concurso superveniente de penas a que aludem as normas dos artigos 77º, nº 1 e 2 e 78º, nº 1 e 2 do Código Penal foi proferido acórdão cumulatório, datado de 18/12/2024, transitado em julgado, nos termos do qual foram aplicadas ao arguido … as seguintes penas conjuntas do concurso: . 3 anos e 10 meses de prisão efectiva, no cúmulo jurídico dos Processos nº 383/13.... e nº 604/17....; . 4 anos de prisão efectiva, no cúmulo jurídico dos Processos nº 84/19...., nº 16/23.... e nº 145/23..... 
 Em sede de liquidação de pena, o Ministério Publico promoveu que: … * O condenado está preso no Estabelecimento Prisional de Coimbra (Refª 11700258), tendo sido ligado aos presentes autos, com efeitos reportados a 20/02/2025 (vide mandado de desligamento/ligamento sob a Refª 11700258 de 14/03/2025) * Cotejando o presente processo colectivo constata-se que o arguido sofreu os seguintes períodos de privação de liberdade: - Processo Comum Singular nº 383/13....: cumpriu 1 ano de pena de prisão, em regime de permanência na habitação (Refª 11430226 de 16/12/2024); - Processo Comum Colectivo nº 604/17....: não sofreu nenhum período de privação de liberdade (Refª 11728445 de 22/03/2025); - Processo Comum Singular nº 84/19....: cumpriu 1 ano, 1 mês e 30 dias de pena, à ordem destes autos, entre 21/12/2023 e 20/02/2025 – data em que esta pena parcelar perdeu a sua autonomia, com o transito em julgado do sobredito acórdão cumulatório (Refª 11174569 de 30/09/2024: liquidação de pena de 04/01/2024; despacho judicial homologatório de 04/01/2024; certidão de 20/09/2024; - Processo Comum Singular nº 16/23....: sofreu 1 dia de detenção (Refª 11174569 de 30/09/2024: oficio de 27/09; termo de vista de 19/09 e despacho judicial de 23/09, onde se consigna que o arguido foi detido no “dia 04/06/2023, pelas 19h e libertado no dia 05/06/2023, pelas 13h05, o que perfaz um total de 18h05m”); - Processo Comum Singular nº 145/23....: não sofreu nenhum período de privação de liberdade (Refª 11174569 de 30/09/2024) 
 Há, portanto, um período total de 2 anos e 2 meses de privação de liberdade a considerar, para efeitos de desconto, nos termos do artigo 80º e 81º do Código Penal. * Nos termos do disposto nos artigos 42º, 61º, 80º e 81º, todos do Código penal, e nos artigos 477º, nº 2 e 479º, ambos do Código do Processo Penal, procedo à liquidação da pena única de prisão aplicada ao condenado do seguinte modo: Pena: 3 anos e 10 meses Descontos: 2 anos e 2 meses Inicio da pena: 20/02/2025 Metade da pena (1 ano e 11 meses i.e. 20/01/2027 – 2ª e 2 M=): 20/11/2024 Dois terços da pena (2 anos, 6 meses e 20 dias i.e. 09/09/2027 – 2A e 2M=): 09/07/2025 Termo da pena (3 anos e 10 meses i.e. 20/12/2028 – 2ª e 2M=): 20/10/2026 
 Ainda que o computo de penas em execução sucessiva seja da competência do TEP deixa-se consignado e computado que – considerado, como abstracto inicial de cumprimento, o próximo marc temporal relevante (os 2/3 da pena única liquidada) a 09/07/2025 – a segunda pena única, irrogada ao arguido nos presentes autos, de 4 anos de prisão, será assim liquidada: inicio: 09/07/2025; metade da pena (2 anos): 09/07/2027; dois terços da pena (2 anos e 8 meses): 09/03/2028 e o termo da pena (4 anos): 09/07/2029. 
             Em caso de concordância com a liquidação que antecede, nos termos do disposto no artigo 477º, nº 1 e 4 do Código do Processo Penal, desde já requeiro a sua homologação e, nessa decorrência, se determine a comunicação da liquidação, bem como do respectivo despacho homologatório: 
 
 Na sequência de tal promoção veio a ser proferido o seguinte despacho: Concordo com a liquidação das penas, nos termos da douta promoção que antecede, a qual homologo. Dê cumprimento ao disposto nos art. os 477.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Penal e 35.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08. Notifique o arguido para, havendo períodos de detenção a considerar para os efeitos consignados no art.º 80.º, n.º1, do CP, do facto vir dar conhecimento aos autos em 10 dias. 
 *   
 Fazendo presente a norma do artigo 412º, nº 1 do Código do Processo Penal o objecto da lide recursal é fixado na motivação, onde são ancorados os seus fundamentos específicos e delimitado pelas conclusões, como síntese da respectiva fundamentação, sem prejuízo das questões que ao Tribunal ad quem incumba conhecer oficiosamente (como sejam os vícios enunciados no nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal, as nulidades da sentença gizadas no artigo 379º, nº 1 e 2 do Código do Processo Penal e as nulidades que não devam ser consideradas sanadas face aos consignado nas disposições conjugadas dos artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1 do Código do Processo Penal)[1] [2] 
 Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pelo recorrente …, a questão que se apresenta a decidir é, pois, a seguinte: 
 . Impugnação da decisão, por erro de interpretação e aplicação do artigo 63º, nº 1 do Código Penal. 
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 DECISÃO 
 Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito. 
 Apreciando a lide recursiva apresentada pelo arguido … damos conta que o mesmo pretende colocar em crise o despacho judicial homologatório da execução das penas únicas, respectivamente, de 3 anos e 10 meses de prisão efectiva aplicada no cúmulo jurídico do Processo Comum nº 383/13.... e nº 604/17.... e da pena de 4 anos de prisão efectiva aplicada no cúmulo jurídico dos Processos nº 84/19...., nº 16/23.... e nº 145/23..... 
 … 
 
 Conheçamos 
 Ressuma de todo o regime legal que o instituto da Liberdade Condicional é um incidente da execução da pena de prisão, e não já uma qualquer medida coactiva de socialização, cujo regime se acha fixado no artigo 61º da lei substantiva penal. É, pois, ao invés de uma medida de clemência ou recompensa, um instituto que visa a promoção da reintegração social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média e longa duração, tendo subjacente o combate ao efeito criminógeno que hoje é indissociável das penas privativas de liberdade. Vale tudo por dizer, assim, que este instituto visa, pois, a criação de um hiato de transição, desde a fase da execução da pena de prisão e a liberdade definitiva, de molde a permitir ao condenado a sua integração gradual na comunidade, sujeita a deveres, de molde a obter, fortalecendo, o seu sentido de orientação social e normativo, naturalmente fragilizado pela reclusão. 
 Do regime legal vertido no artigo 61º do Código Penal verificamos a existência de duas modalidades da liberdade condicional: - A facultativa, cuja concessão determina a reunião dos requisitos formais e materiais a que dão corpo os nºs 1, 2 e 3 da versada norma; - A obrigatória, cuja concessão, para além do evidente consentimento do condenado, depende, também, da verificação do requisito formal aflorado no nº 4 da versada norma legal. 
 Aquando da alteração ao Código Penal introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04/09 de Setembro é afinado um regime completo para regular a execução sucessiva de penas de prisão. 
 Foi, então, estabelecido no artigo 63º do Código Penal, sob a epígrafe “Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas”, que 
 1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena. 2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas. 3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas. 4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional. 
 
 Ressuma deste especial regime, desde logo, que o legislador pretendeu adestrar uma solução que contemple o condenado em penas privativas de liberdade desgarradas entre si, de molde a conceder-lhe um tratamento que garanta igualdade de tratamento aquele outro que se encontre em cumprimento de uma única pena de prisão. Razão, por que, decorre, do nº 1 daquele dispositivo legal que “a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena”. Outro tanto quando, nos termos do nº 2, ordena ao tribunal que, logo que admissível, profira decisão acerca da liberdade condicional, fazendo-o de forma simultânea relativamente à totalidade das penas. Ideia esta reforçada quando, de acordo com o nº 3, explicita que sempre que a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceda seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas. 
 Volvendo ao caso dos autos é lidimo que, por ter sido conhecido o concurso superveniente de penas a que aludem as normas dos artigos 77º, nº 1 e 2 e 78º, nº 1 e 2 do Código Penal foi proferido acórdão cumulatório, datado de 18/12/2024, transitado em julgado, nos termos do qual foram aplicadas ao arguido AA as seguintes penas conjuntas do concurso: . 3 anos e 10 meses de prisão efectiva, no cúmulo jurídico dos Processos nº 383/13.... e nº 604/17....; . 4 anos de prisão efectiva, no cúmulo jurídico dos Processos nº 84/19...., nº 16/23.... e nº 145/23..... 
 Nos termos e para os efeitos cotejados nos artigos 42º, 61º, 80º e 81º, todos do Código Penal e nos artigos 477º, nº 2 e 479º ambos do Código do Processo Penal, concretamente para a liquidação da primeira das aludidas penas únicas de prisão aplicada ao condenado do seguinte modo, foi considerado: Pena: 3 anos e 10 meses Descontos: 2 anos e 2 meses Inicio da pena: 20/02/2025 Metade da pena (1 ano e 11 meses i.e. 20/01/2027 – 2ª e 2 M=): 20/11/2024 Dois terços da pena (2 anos, 6 meses e 20 dias i.e. 09/09/2027 – 2A e 2M=): 09/07/2025 Termo da pena (3 anos e 10 meses i.e. 20/12/2028 – 2ª e 2M=): 20/10/2026 
 Já no que atina à segunda das mencionadas penas únicas de prisão que ao mesmo foi aplicada foi entendido: Pena: 4 anos Inicio da pena: 09/07/2025 Metade da pena (2 anos: 09/07/2027) Dois terços da pena (2 anos e 8 meses: 09/03/2028) Termo da pena (4 anos: 09/07/2029). 
 Cotejo esse que, como se conclui, não obedeceu à disciplina legal do artigo 63º da lei penal substantiva. É que, de acordo com aquele específico regime, o arguido …, ora recorrente tem o direito a ver reconhecida a interrupção do cumprimento da primeira das duas penas únicas aquando do cumprimento de metade, sendo providenciado o seu desligamento e ligamento para cumprir a segunda das penas únicas. Isto é, concretamente, tem que ser vir a ser considerado o desligamento do cumprimento daquela primeira pena a partir de 20/11/2024, data em que cumpre metade da pena, para ser ligado ao cumprimento da segunda das penas únicas consideradas. 
 De outro modo o arguido …, veria frustrado o seu direito a ver apreciada, conjuntamente, pelo tribunal a liberdade condicional, no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à duas penas. Como veria colocado em crise, sem fundamento legal, o direito à concessão de liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas. 
 Vale tudo por dizer, nestes termos, que o despacho recorrido violou o disposto nº 63º, nº 1 do Código Penal, razão por que se determina a sua revogação, determinando que o arguido … seja desligado do cumprimento da pena de 3 anos e 10 meses efectiva (no cúmulo jurídico dos Processos nº 383/13.... e nº 604/17....) com efeitos a partir de 20/11/2024 e nessa data ligado ao cumprimento da pena de 4 anos de prisão efectiva (no cúmulo jurídico dos Processos nº 84/19...., nº 16/23.... e nº 145/23....). 
 Destarte, considerados os fundamentos de facto e de direito aduzidos, importará ditar a procedência da lide recursal apresentada pelo arguido … 
 * 
 DISPOSITIVO 
 Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em: 
 - Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido … e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam que o arguido … seja desligado do cumprimento da pena de 3 anos e 10 meses efectiva (no cúmulo jurídico dos Processos nº 383/13.... e nº 604/17....) com efeitos a partir de 20/11/2024 e nessa data ligado ao cumprimento da pena de 4 anos de prisão efectiva (no cúmulo jurídico dos Processos nº 84/19...., nº 16/23.... e nº 145/23....). 
 Sem custas. 
 O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela sua relatora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal. 
 Coimbra, 08 de Outubro de 2025 Maria José dos Santos de Matos Teresa Coimbra Rosa Pinto 
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