Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/15.4IDLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Descritores: NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO NO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
JUÍZO DE PROGNOSE PARA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA E PARA A NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º, N.º 1, 10.º, N.ºS 5 E 6, E 13.º, N.º 1, DA LEI DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL/LEI 37/2015, DE 5 DE MAIO
Sumário: I - A regra geral é a transcrição das condenações no registo criminal, mesmo nos casos de delinquência primária.

II - Por forma a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, derivada das repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação podem acarretar para a reintegração social do condenado, a lei permite a não transcrição das sentenças condenatórias.

III - O requisito para a não transcrição de das circunstâncias que acompanharam o crime não se induzir perigo de prática de novos crimes depende da formulação de um juízo de prognose do futuro comportamento do condenado, que deve ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, incluindo a culpa do arguido, as exigências de prevenção e a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.

IV - Dependendo a suspensão da pena também da formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido e destinando-se a não transcrição é excepcional a evitar os efeitos estigmatizantes e dessocializadores decorrentes da publicidade em torno dos antecedentes criminais, resulta que a pena de prisão pode ser suspensa mas a não transcrição da condenação no registo criminal não ser autorizada, por as circunstâncias do crime e as características do condenado não permitirem concluir que o risco de voltar a praticar factos delituosos está afastado.

Decisão Texto Integral: *

Acordam, em conferência, na 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I–RELATÓRIO

1. Nos autos de processo comum coletivo a correr os seus termos sob o n.º 1/15.4IDLRA no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Juízo Central Criminal de Leiria - Juiz 2, mediante despacho datado de 12.03.2025 foi decidido indeferir o requerimento do arguido … de não transcrição da condenação dos presentes autos nos seus certificados de registo criminal.

2. Inconformado recorreu o arguido, extraindo da motivação do recurso as seguintes CONCLUSÕES:

«1.ª- Pelo douto despacho recorrido – despacho de 12/3/2025, ref.ª citius 110171995 – foi indeferido o pedido, …, de não transcrição, nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do art. 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, da sua condenação nos presentes autos.

2.ª- Para tanto, referiu a Mm.ª Juiz a quo o seguinte:

«Considerando a natureza do ilícito pelo qual o arguido foi condenado, as elevadas exigência de prevenção geral ao mesmo inerentes, o valor substancialmente elevado do prejuízo por ele causado ao Erário Público, e o carácter pernicioso de tal conduta, aferido em termos de justiça social, e impacto social decorrente da retirada desses fundos públicos do destino que legalmente lhes está aferido - a aplicação em serviços públicos, em prol de todos os cidadãos portugueses -; considerando ainda que até à presente data não consta que o arguido tenha pago qualquer valor por conta daquele montante em que foi condenado, consideramos que não estão reunidos nem verificados os pressupostos legais dispostos no artº 13º nº 1 da Lei no 37/2015, de 05 de Maio, por entendermos que as circunstâncias que acompanharam o crime podem induzir perigo de prática de novos crimes da mesma natureza.»

3.ª- Como explicitou a Relação de Coimbra:

«A não transcrição de condenação no certificado de registo criminal exige o preenchimento dos requisitos descritos no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 05-05 (i. não ter o arguido sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade; ii. tratar-se de condenação de pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; iii. o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; iv. das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes)».

4.ª- In casu, como consta dos autos e não foi questionado no douto despacho em crise, o arguido/recorrente:

- não foi condenado pela prática de crimes previstos no art. 152.º, no art. 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do CP;

- é pessoa singular; - foi condenado em pena não privativa de liberdade;

- não sofreu condenação anterior por crime da mesma natureza.

5.ª- Já no que concerne ao último dos requisitos estabelecidos no art. 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 5 de maio – único que, como se viu, o Tribunal a quo considerou não satisfeito –, importa ter-se presente que, como salientou a Relação de Coimbra:

«Só não se decide pela não transcrição da sentença, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito dos autos em causa, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes, exigindo apenas a lei que não seja efectuado um juízo de prognose desfavorável ao arguido, diverso do juízo de prognose favorável ínsito, por exemplo, na análise dos requisitos para a aplicação de uma pena de suspensão da execução de uma pena de prisão».

6.ª- Ora, como vimos, para considerar inverificado este requisito, a 1.ª instância limitou-se a invocar generalidades, não sendo, no douto despacho recorrido, concretamente justificado que das circunstâncias que acompanharam o crime se induz perigo de prática de novos crimes por parte do arguido/recorrente.

7.ª- E, na verdade, das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir esse perigo.

8.ª- Por último, o arguido/recorrente justificou o interesse na não transcrição requerida, sendo certo que também esta matéria não foi posta em causa no douto despacho recorrido.

3. Notificado, na RESPOSTA, o Ministério Público concluiu nos seguintes termos:

Face ao exposto, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, o despacho recorrido.

4. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer …

5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido exercido o contraditório.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


II–FUNDAMENTAÇÃO

1.

No caso em apreço a QUESTÃO a resolver é a de saber se existe, ou não, fundamento, para que a condenação dos autos não seja transcrita no certificado do registo criminal do arguido ora recorrente, como por este foi requerido ao tribunal recorrido.

2. DESPACHO RECORRIDO (TRANSCRITO NA PARTE ORA RELEVANTE)

«Reqto. 11545237, de 28-01-2025:

Mediante o mesmo requerimento, o arguido … veio requerer a não transcrição da condenação dos presentes autos nos seus certificados de registo criminal, alegando que necessita do seu certificado de registro criminal imaculado pelos seguintes motivos, em síntese: « o requerente é gerente da sociedade …, a qual exerce, entre outras, a atividade de formação profissional (…) que importa frequentemente a respetiva candidatura a contratos públicos. Consequentemente, dos certificados do registo criminal do seu gerente, ou seja, do requerente, a que se referem os n.ºs 5 e 6 do art. 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio não podem constar condenações criminais. (Sob pena) de nem a aludida sociedade, nem ele, poderão continuar a exercer as respetivas funções acima referidas.»

Tendo vista nos autos, o Digno Magistrado do MºPº nada opôs ao requerido.

Apreciando e decidindo:

O arguido foi condenado nos presentes autos pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos artº 6º, 7º nº 3, 103 e 104º nº 2 al. a) do RGIT, por refª aos artºs. 19º nºs 3 e 4, 23º e 36º nº 5 al. b) do Cod. IVA, na na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e subordinada à condição de, no período da suspensão, pagarem solidariamente à Fazenda Pública a quantia global de € 121.594,47 e comprovarem nos autos tal pagamento.

Considerando a natureza do ilícito pelo qual o arguido foi condenado, as elevadas exigência de prevenção geral ao mesmo inerentes, o valor substancialmente elevado do prejuízo por ele causado ao Erário Público, e o carácter pernicioso de tal conduta, aferido em termos de justiça social, e impacto social decorrente da retirada desses fundos públicos do destino que legalmente lhes está aferido – a aplicação em serviços públicos, em prol de todos os cidadãos portugueses -; considerando ainda que até à presente data não consta que o arguido tenha pago qualquer valor por conta daquele montante em que foi condenado, consideramos que não estão reunidos nem verificados os pressupostos legais dispostos no artº 13º nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05 de Maio, por entendermos que as circunstâncias que acompanharam o crime podem induzir perigo de prática de novos crimes da mesma natureza.

Com efeito, nos termos do disposto no artº 13º nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05/05, os Tribunais podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza, e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º do mesmo diploma.

Tal é uma prerrogativa do Tribunal, de acordo com o concreto juízo que no caso fizer, e não uma imposição legal automática, independente da formulação de qualquer juízo de prognose.

É certo que se tem entendido que a jurisprudência fixada pelo AUJ do STJ nº 13/2016, de 07/10 ( relativo à Lei nº 57/98, de 18/08, já revogada ) se mantém em face da nova lei, Lei nº 37/2005, de 05/05, mas desde que estejam reunidos os demais pressupostos e requisitos nela previstos.

Ora, a Jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores tem vindo a entender que “O juízo de prognose acerca do comportamento futuro do (arguido/condenado), relativamente ao aludido requisito material, não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada, como espécie do mesmo género que se exige para a suspensão da execução da pena de prisão” (neste sentido cfr. Ac VTRE de 02/02/2022, proc. 23/15.5T9MRA-A.E1).

Todavia, os Tribunais Superiores também têm vindo a entender que “a forma pela qual ocorreu o crime é absolutamente essencial para se aquilatar da adequação da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal. E essa forma pode indiciar mais ou menos gravidade. Se é certo que não pode ser apenas a gravidade do crime a justificar o indeferimento da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, não é menos certo que determina o artº 13º, nº 1, do D.L. 37/2015 de 5/5 que se deve ter em conta “as circunstâncias que acompanharam o crime” – neste sentido cfr. Ac. VTRE de 10/01/2023, proc. nº 371/19.5PAABT.E2 in sítio da DGSI.

Em sentido coincidente, decidiu o mesmo V. Tribunal que « Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no artigo 50º do CP e os pressupostos da não transcrição das decisões condenatórias nos certificados do registo criminal a que se referem os nos nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, previstos no artigo 13º, nº1 do mesmo diploma legal, não são inteiramente coincidentes, pelo que, o juízo de prognose favorável formulado subjacente à decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, não invalida a formulação de um juízo de prognose negativo em relação à verificação do pressuposto material exigido para a não transcrição da decisão condenatória nos certificados do registo criminal, previsto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015.» - cfr. Ac. VTRE de 21/09/2021, proc. nº 217/20.1GBCCH-A.E1Em idêntico sentido, mais recentemente, se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão datado de 10/08/2024, proferido no processo nº 112/22.0GEBRG-A.G1, onde se decidiu: « O registo criminal assume uma função de prevenção especial negativa, no sentido de conferir proteção à sociedade, quanto a condenados em sede Criminal.

Não há uma correspondência direta entre o juízo favorável feito quanto à suspensão e o feito quanto à não transcrição da condenação no registo, para efeitos profissionais. De outra forma, bastaria a suspensão da execução da pena de prisão, para que fosse automaticamente determinada a não transcrição.

As consequências da não suspensão da execução da pena são mais graves que as da não transcrição no registo criminal, tal como diferentes os respetivos regimes, pelo que se deve ser mais exigente e rigoroso, nos casos de não transcrição.»

Assim, no caso dos autos, atentas as particularidades supra descritas, consideramos que as circunstâncias que acompanharam o crime fazem induzir perigo elevado de prática de novos crimes.

Com efeito, in casu, entendemos que a mera manutenção no CRC da condenação em questão constitui importante factor dissuasivo para a prática de novos ilícitos.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, indefiro a requerida não transcrição da condenação do arguido nos presentes autos nos certificados a que se referem os nºs. 5 e 6 do artigo 10º da mesma Lei nº da Lei nº 37/2015, de 05 de Maio».


3. Conhecendo o recurso

Importa apreciar a questão de saber se existe, ou não, fundamento, para que a condenação dos autos não seja transcrita no certificado do registo criminal do arguido ora recorrente, como por este foi requerido ao Tribunal recorrido.

Vejamos.

A regra geral é a transcrição das condenações no registo criminal, mesmo nos casos de delinquência primária, nos termos do art.º 5.º nº 1, da Lei 37/2015 de 05 de maio.

No entanto, por forma a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e levando em conta as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação, podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego, consagra o art.º 13º do referido diploma legal, a possibilidade de não transcrição das sentenças condenatórias.

Preceitua o nº 1 do artigo 13º: «sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º».

Isto é, nos certificados do registo criminal «requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal» (n.º 5 do art.º 10.º) ou ainda nos certificados do registo criminal «requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade» (n.º 6 do art.º 10.º).

A não transcrição da sentença condenatória nos certificados para fins de emprego público ou privado, ou para exercício de determinada profissão ou atividade pressupõe a coexistência de três requisitos formais e de um requisito material.

Desde logo, importa que não se trate de condenação pela prática de crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade[1]1.

1 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 02.02.2022, proc. n.º 174/19.7T9CTB-A.C1 (rel. Ex.º Des. Paulo Guerra) in trc.pt

Depois que se trate da condenação de pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade.

No conceito legal de «pena não privativa da liberdade», segundo jurisprudência fixada, inclui-se a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, cfr. AFJ nº 13/2016, proferido a propósito do n.º 1 do artigo 17.º da lei nº 57/98, de 18.08, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 114/2009, de 22.09, mas cujas razões permanecem válidas para a lei atualmente em vigor.

Como se lê neste Acórdão Uniformizador «uma pena declarada suspensa na sua execução, já de si reeducativa e pedagógica, não só é por natureza uma pena não privativa de liberdade, ao serviço das exigências de socialização do delinquente, como a sua não transcrição nos certificados de registo criminal não se apresenta em princípio, isto é, sem prejuízo da ressalva da 2.ª parte do n.º 1 do cit. artigo 17.º de as circunstâncias que acompanharam o crime não induzirem perigo de prática de novos crimes, nem "necessária", nem "proporcional", só ela estando de acordo, também, com o princípio da "menor intervenção possível" e com os interesses de ressocialização dos delinquentes, mormente se em causa estiver o acesso ao emprego ou exercício de qualquer profissão ou actividade produtiva».

Também não pode o arguido ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza.

«São crimes da mesma natureza aqueles que têm essencialmente os mesmos elementos constitutivos, quer objectivos, quer subjectivos, abrangendo os previstos no mesmo dispositivo legal, bem como os que, embora previstos em dispositivos diversos, apresentam, pelos elementos que os constituem ou pelos seus motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns»[2].

Inquestionada no caso a presença dos requisitos formais, resta saber «se das circunstâncias que acompanharam o crime» não se pode «induzir perigo de prática de novos crimes», ou seja, o requisito material.

Na averiguação deste requisito importa formular um juízo de prognose do futuro comportamento do condenado que deverá ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, incluindo a culpa do arguido, as exigências de prevenção e a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.

A não transcrição não é a regra nem para os casos em que estão preenchidos os requisitos formais, nem para os casos em que é aplicada a suspensão da execução da pena de prisão.

É certo que a suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, de tal modo que o tribunal conclua que «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (art.º 50.º n.º 1 do Código Penal).

Mas do que se trata nessa pena de substituição é da alternativa entre o cumprimento efetivo de uma pena de prisão e a possibilidade de se atingirem as finalidades da punição sem esse cumprimento efetivo.

Já a não transcrição é excecional e destina-se a evitar os efeitos estigmatizantes e dessocializadores decorrentes da publicidade em torno dos antecedentes criminais.

Assim, pode a pena ser suspensa por se concluir «atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste», que «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», sem que, para os efeitos estritos das finalidades do registo, levando em consideração as circunstâncias do crime e as caraterísticas do condenado, se deva ter como afastado o risco de voltar a praticar factos delituosos.

No caso.

O arguido recorrente foi condenado nos autos pela prática, em coautoria material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelos artigos 6º, 7º nº 3, 103º e 104º nº 2 al. a) do RGIT, com referência ao disposto nos artigos 19º nºs 3 e 4, 23º e 36º nº 5 al. b) do CIVA, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e sob a condição de, no período da suspensão, pagar a quantia global de € 121.594,47 (solidariamente com a coautora) à Fazenda Pública e comprovar nos autos tal pagamento.

Não há notícia nos autos de ter pago qualquer valor ao Estado por conta do montante em que foi condenado.

O recorrente mantém atividade profissional que admite a prática de factos da mesma natureza[3].

Neste contexto, aferidas em concreto as circunstâncias que acompanham o crime, não se pode concluir que delas não se induza o perigo da prática de novos crimes por parte do recorrente, pelo que, o mesmo não pode beneficiar da pretendida não transcrição no registo criminal da condenação em apreço.

O despacho recorrido não enferma de qualquer nulidade nem, de forma alguma, violou quaisquer princípios ou preceitos normativos, designadamente os referidos pelo recorrente.


III. DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam as Juízas na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando o despacho recorrido.

Custas crime pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 3 UC´s (art.º. 513.º do CPP e Tabela III do RCP).


*

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatárias – artigo 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09).

Coimbra, 24.09.2025

Alexandra Guiné (Juíza Desembargadora relatora)

Ana Carolina Cardoso (Juíza Desembargadora 1.ª adjunta)

Cristina Pêgo Branco (Juíza Desembargadora 2.ª adjunta)

[1] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 02.02.2022, proc. n.º 174/19.7T9CTB-A.C1 (rel. Ex.º Des. Paulo Guerra) in trc.pt

[2] Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 02.02.2022, proc. n.º 174/19.7T9CTB-A.C1 (rel. Ex.º Des. Paulo Guerra) in trc.pt
[3] Tal como salientado na resposta ao recurso