Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2639/24.0T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INJUNÇÃO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
COMUNICAÇÕES CONTRATUAIS VS COMUNICAÇÕES PARA REALIZAÇÃO DA CITAÇÃO OU NOTIFICAÇÃO EM CASO DE LITÍGIO
NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO
FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – SOURE – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, N.º 1, 12.º, 12.º-A, N.º 1 E 18.º DO REGIME DOS PROCEDIMENTOS PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES EMERGENTES E CONTRATOS - INJUNÇÃO – DL N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO
Sumário: 1- Uma cláusula contratual que preveja que “As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas...”, regula apenas a estipulação do domicilio para efeito de comunicações contratuais;

2 - Mas a lei exige mais no art. 2º, nº 1, do DL 269/98, de 1/09, ao dispor que: “Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio;

3- Inexistindo tal cláusula a notificação não pode fazer-se simplesmente por envio de carta simples (art. 12º-A, nº 1, do Regime da Injunção), mas devesse ser, sim, efectuada através de carta registada com aviso de recepção (art. 12º, nº 1, do mesmo Regime);

4- Desta sorte, se verificando a nulidade da notificação e consequentemente a falta de título executivo.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

I – Relatório

1. A... - Sucursal da S.A. Francesa A..., com sede em ..., intentou Execução Sumária para pagamento de quantia certa, no montante de 9.418,99 €, com base em Injunção, contra AA e BB, residentes em ....

*

Foi proferido despacho nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 726º, nº 2, a), e 734º do NCPC, no qual se decidiu:

1) Declarar a nulidade da citação/notificação efectuada aos Executados no âmbito do Procedimento de Injunção e, em consequência, declarar a nulidade do título executivo apresentado.

2) Rejeitar a Execução por falta de título executivo.

*

2. A exequente recorreu, concluindo que:

A. A douta Sentença recorrida julgou verificada a nulidade da citação/notificação efectuada aos Executados, ora Requeridos, no âmbito da Injunção e consequente nulidade do título executivo apresentado, por considerar que “…”o que se constata ter sido convencionado na referida cláusula 18.ª foi um domicilio para efeito de comunicações contratuais”…”.

B. Verifica-se por isso que, no caso em apreço, o busílis da questão prende-se com a definição de domicílio legal uma vez que a Sentença recorrida não questiona a fixação do domicílio legal no contrato.

C. Simplesmente considera que esta destinava-se unicamente a comunicações contratuais, não se tratando de um “…” domicílio convencionado para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio”…”.

D. Esclareça-se por isso que, o contrato em análise estabelece o domicilio convencionado, na cláusula n.º18 das condições gerais do contrato, que consta da página 7 do mesmo – cfr. junto aos autos com o requerimento Executivo.

E. Da cláusula contratual n.º 18 que estabelece o domicílio convencionado consta expressamente que, “…”As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efetuadas para as moradas neles indicadas ou posteriormente comunicadas á outra parte, em papel ou outro suporte duradouro, ficando a IC desde já autorizada a comunicar com o CLT qualquer assunto relacionado com o contrato por via postal”…” – sublinhado nosso.

F. Termos em que ficou domiciliada a morada constante do contrato, como a morada definida para efeitos de comunicações a efetuar para qualquer assunto relacionado com o contrato, nomeadamente a sua resolução e\ ou comunicações posteriores que resultassem desta!

G. O que engloba necessariamente as notificações\ citações a efetuar no âmbito de acções judiciais!

H. Ora, sendo a Citação\ notificação efetuada no âmbito da Injunção, um resultado direto do incumprimento contratual, só de pode concluir que, se trata de comunicação efetuada no âmbito de “…”assunto relacionado com o contrato”…”.

I. Estando por isso ao abrigo do domicílio convencionado!

J. Nos termos do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2016-05-10 (Processo n.º 580/14.3T8GRD-A.C1):

Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes – sublinhado nosso.

Releve-se ainda que,

K. Apesar de ser alegado pelo Tribunal a quo que “…”A cláusula referente a litígios é a cláusula 21.ª e nela não foi convencionado pelas partes que o domicílio convencionado para efeito de comunicações contratuais seriam também domicílio convencionado para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio”…” tal não pode merecer o nosso acolhimento.

L. Com efeito tal Cláusula é relativa apenas ao Foro competente para efeitos de litígios, não se tratando de qualquer Cláusula referente a definição de domicílio, que se encontrava já definido nas Cláusulas 11 e 18 do contrato em análise.

M. Tal como decorre do disposto no art. 84.º do Código Civil, é permitido as partes estipular um domicílio para determinados negócios, desde que tal estipulação seja reduzida a escrito.

N. O que ficou determinado no caso em análise.

O. Conclua-se por isso que, o contrato em apreço contém Cláusula de domicilio convencionado!

Ora,

P. Assim sendo, inexistirá nulidade da notificação\ citação por inobservância das formalidades prescritas na lei (art.º 191º, n.º 1 do NCPC), pelo que consequentemente não haverá qualquer falta de título executivo.

Q. Pelo que, não poderia nunca a execução ter sido rejeitada com esse fundamento!

R. Termos em que, no entender da aqui Apelante, os documentos juntos aos autos são demonstrativos da existência de domicílio convencionado!

S. Por todo o alegado V/Exas. apreciando as questões suscitadas não deixarão certamente de conceder provimento ao presente, substituindo a Sentença Recorrida por outra que releve a citação/notificação efectuada aos Executados no âmbito do Procedimento de Injunção e que considere o título executivo válido, ordenando o prosseguimento da Execução.

Nestes termos e, nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, e por todo o alegado, V/Exas. apreciando as questões suscitadas não deixarão certamente de conceder provimento ao presente, revogando a douta sentença recorrida por outra que dê como provada a realização da citação/notificação efectuada aos Executados no âmbito do Procedimento de Injunção e que considere o título executivo válido, ordenando o prosseguimento da Execução e consequentemente, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Respeitosamente espera de Vossas Excelências deferimento,

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que decorre do Relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Validade da notificação na Injunção e prosseguimento da execução.

2. No despacho recorrido escreveu-se que:

“O título executivo na presente Execução é um Requerimento de Injunção com Aposição da Fórmula Executória, nos termos previstos no art.º 703.º/1/d) CPC e no art.º 7.º do Regime dos Procedimentos Especiais Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09 (Regime da Injunção).

No Regime da Injunção, por regra, a citação/notificação do Requerimento de Injunção é efectuada através de carta registada com aviso de recepção [art.º 12.º/1 do Regime da Injunção].

Porém, prevê o art.º 12.º-A (convenção de domicílio), n.º 1, do Regime da Injunção que:

Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.”.

E determina o art.º 2.º (fixação de domicílio das partes), n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, que:

Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.”.

*

No caso concreto:

No título executivo consta que existe domicílio convencionado.

No Procedimento de Injunção os aqui Executados foram citados/notificados por via postal simples com prova de depósito.

Interpelada a Exequente para juntar o contrato reduzido a escrito no qual constasse a cláusula de fixação de domicílio pela qual as Partes convencionaram o local onde se consideram domiciliadas para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio, a Exequente veio indicar que tal convenção se encontra na cláusula 18.ª do contrato reduzido a escrito junto com o Requerimento Executivo (RE).

Porém, compulsado o contrato reduzido a escrito, o que se constata ter sido convencionado na referida cláusula 18.ª foi um domicilio para efeito de comunicações contratuais: “As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas...”.

A cláusula referente a litígios é a cláusula 21.ª e nela não foi convencionado pelas partes que o domicílio convencionado para efeito de comunicações contratuais seriam também domicílio convencionado para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio.

Seguramente que a essa falta de convenção de domicílio para efeito de citação/notificação em caso de litígio não será alheio o seu actual regime legal.

Com efeito, no âmbito do Procedimento de Injunção, em caso de recurso à citação/notificação através de domicílio convencionado mediante citação/notificação postal com prova de depósito o âmbito da eventual Oposição à Execução por Embargos de Executado não sofre a preclusão prevista no art.º 14.º-A do Regime da Injunção e no art.º 857.º CPC, pelo que, actualmente, é manifestamente vantajoso para a credora que a citação/notificação ocorra por outra forma que não a simples via postal com prova de depósito.

Deste modo – uma vez que o contrato subjacente ao Requerimento de Injunção é um contrato reduzido a escrito no qual não consta uma cláusula em que as Partes expressamente prevejam o domicílio dos aqui Executados para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio – as notificações por carta simples com prova de depósito remetidas para o domicílio indicado pela aqui Exequente no Requerimento de Injunção como sendo o dos aqui Executados para efeito de citação/notificação são nulas, por preterição das formalidades previstas na lei para as referidas citações/notificações, nos termos do art.º 191.º/1 CPC, pois impunha a lei que tais citações/notificações fossem efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.

Por outro lado, é manifesto que o regime simplificado para a citação/notificação só é aceitável quando a própria Parte acordou por escrito que a carta simples com prova de depósito seria suficiente para lhe dar conhecimento de que contra ela foi proposto o Requerimento de Injunção e que dispunha do prazo de 15 dias para pagar a quantia pedida ou para deduzir oposição à pretensão formulada. Na ausência de convenção escrita que fixa o domicílio dos aqui Executados para efeito de citação/notificação em caso de litígio, é evidente que esta indevida forma de efectuar a citação/notificação dos aqui Executados prejudica a sua defesa [art.º 191.º/4 CPC].

A nulidade da citação/notificação dos aqui Executados no âmbito do Procedimento de Injunção conduz à nulidade dos actos subsequentes, nomeadamente do acto que indevidamente apôs a fórmula executória no Requerimento de Injunção (art.º 13.º do Regime da Injunção), ficando, assim, o Requerimento de Injunção com Aposição da Fórmula Executória destituído de qualquer força executiva.

Neste sentido:

O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-09-2024 (3077/24.0T8VNF.G1):

1- No âmbito do procedimento de injunção, regulado no DL 269/98, de 1/9, o legislador distingue a modalidade de notificação a efetuar ao requerido para deduzir, querendo, oposição ao requerimento de injunção, consoante exista ou não domicílio convencionado.

2- No caso de não existir domicílio convencionado, a notificação do requerido processa-se por carta registada com aviso de receção.

3- No caso de existir domicílio convencionado (o que tem de ser indicado pelo requerente no requerimento de injunção, a fim de beneficiar do regime excecional de notificação para ele previsto), a notificação do requerido processa-se por carta simples endereçada para o domicílio convencionado, considerando-se o requerido notificado mediante o depósito dessa carta.

4- O domicílio convencionado apenas pode ser estipulado em contratos reduzidos a escrito.

5- Verificando-se que, no âmbito do procedimento de injunção, o requerido foi notificado por carta registada, com prova de depósito, endereçada para o domicílio convencionado indicado pelo requerente no requerimento de injunção, a fim de deduzir, querendo, oposição ao requerimento de injunção, e que entre requerente e requerido não foi celebrado qualquer contrato escrito, a notificação assim efetuada é nula, por preterição de formalidades prescritas na lei para aquela notificação (carta registada com aviso de receção), o que determina que a execução instaurada com base naquele requerimento de injunção, ao qual foi indevidamente aposta fórmula executória, seja inexequível, impondo-se o indeferimento liminar dessa execução, por manifesta falta de título executivo. ...”.

*

No mesmo sentido, entre outros: o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-05-2016 (580/14.3T8GRD-A.C1); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-07-2021 (5185/16.1T8OER-A.L1-7); e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-04-2020 (7620/18.5T8STB-B.E1).

*

Em conclusão, é manifesta a falta de válido título executivo, pelo que deve ser a Execução rejeitada.”.

A recorrente discorda pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso. Contudo não podem ser acolhidas. Antes concordamos com a fundamentação jurídica da decisão recorrida. Expliquemos brevitatis causa.

O contrato subjacente ao Requerimento de Injunção é um contrato reduzido a escrito.

Nele estipulou-se na referida cláusula 18.ª, 1.: “As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas...”. Ou seja, foi estipulado um domicilio para efeito de comunicações contratuais.

Mas a lei exige mais. O que a lei exige no transcrito art. 2º, nº 1, do DL 269/98, de 1/09, é que:

Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.”. O sublinhado é da nossa autoria.

É uma estatuição idêntica à do art. 229º, nº 1, do NCPC, que regula a citação, em caso de domicílio convencionado, para o efeito da citação em caso de litígio.

Isto é, o que a lei postula e dá primazia é ao domicílio convencionado para efeito de, em caso de litígio judicial, a citação/notificação ocorrer no local escolhido pelas partes. Irrelevando, assim, neste âmbito específico, o domicílio convencionado para efeito de comunicações contratuais.

Ora, o contrato subjacente ao requerimento de Injunção é um contrato reduzido a escrito, como se disse, mas no qual não consta uma cláusula em que as partes expressamente previssem o domicílio dos aqui executados para efeito de realização da citação/notificação em caso de litígio judicial.

Daí que, como bem justificado na decisão apelada, a notificação do requerimento injuntivo não pudesse ser efectuada mediante o envio de carta simples, nos termos do art. 12º-A, nº 1, do Regime da Injunção – acima transcrito -, mas devesse ser, sim, efectuada através de carta registada com aviso de recepção, como preceitua o art. 12º, nº 1, do mesmo Regime.

E desta sorte, como explanado na mesma decisão, se verificando a nulidade da notificação e consequentemente a falta de título executivo, raciocínio consequencial este que a apelante não questiona no recurso.  

Não procede, por isso, a apelação da exequente. 

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.

*

Custas pela Exequente/Recorrente.

*

Coimbra, 29.4.2025

Moreira do Carmo

Vítor Amaral

Fernando Monteiro