| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS RICARDO | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INVENTÁRIO EXECUÇÃO POR TORNAS VENDA DA HABITAÇÃO PERMANENTE DO EXECUTADO INAPLICABILIDADE DA REGRA DA SUSTAÇÃO DA VENDA. | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – FIGUEIRÓ DOS VINHOS – JUÍZO CENTRAL DE COMPETÊNCIA GENÉRICA | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 549º, Nº2, 704.º, N.º 5, 728º, 729º, 733º, Nº5, 785.º, 1121º, Nº1, 1122º, Nº2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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| Sumário: | I – Na execução por tornas prevista no art. 1122º, nº2, do C.PC. não há lugar à penhora do bem que se pretende vender. II – No mesmo procedimento não tem lugar a citação do executado, sendo inaplicáveis as regras que, na acção executiva em geral, se ocupam da oposição à penhora e dos embargos de executado. III – O incidente previsto no art. 733º, nº5, do C.P.C., que diz respeito à sustação da venda que incide sobre a habitação permanente do executado, não tem lugar no âmbito do procedimento regulado no art. 1122º, nº2, do C.P.C., uma vez que tal incidente pressupõe a dedução de embargos ou a oposição à penhora. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO. Nos autos de inventário que correm termos para partilha do património hereditário de AA e BB foram adjudicados ao cabeça-de-casal e interessado CC bens que excedem o respectivo quinhão, conforme resulta do mapa da partilha elaborado a 9/11/2021, cujo teor se considera integralmente reproduzido [1]. *** Por requerimento apresentado a 23/11/2021, os interessados DD e EE vieram reclamar o pagamento de tornas [2], tendo, nessa sequência, sido proferido despacho, em 21/4/2022, que determinou que o cabeça-de-casal fosse notificado para proceder ao depósito do correspondente valor. *** Dado cumprimento ao despacho supra aludido, através de notificação expedida em 22/4/2022, o cabeça-de-casal não depositou a importância em causa, sendo, logo após, em 26/5/2022, proferida sentença homologatória da partilha, da qual o cabeça-de-casal interpôs recurso, que veio a ser julgado improcedente por Acórdão desta Relação, exarado em 12/4/2023 e confirmado por Acórdão do STJ de 14/9/2023, transitado em julgado. *** Por requerimento de 26/1/2023, os interessados DD e EE vieram requerer que se procedesse à venda do bem correspondente à verba 45 adjudicada ao cabeça-de-casal, com vista ao pagamento das tornas devidas, tendo por despacho proferido a 21/12/2023 sido determinado que os interessados fossem notificados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e o valor base do respectivo bem. *** Através de peça processual apresentada a 12/1/2024, os interessados DD e EE requereram que a venda se processasse na modalidade de abertura de propostas em carta fechada, pelo valor base de 130.000,00 €. *** Por despacho proferido em 5/2/2024, foi determinada a venda por propostas em carta fechada, sendo designado, para a abertura das mesmas, o dia 18/03/2024, pelas 11 horas, no tribunal onde os autos se encontram pendentes. *** Em 18/3/2024, constatando-se a ausência de propostas, foi determinado que procedesse à venda do bem em causa por negociação particular, sendo que em 17/4/2024, os interessados DD e EE requereram que o imóvel lhes fosse adjudicado pelo valor em dívida, na proporção de metade para cada um dos interessados, pretensão a que o cabeça-de-casal se opôs através de requerimento apresentado a 5/6/2024, o qual apresenta o seguinte teor: “1 – Como resulta dos autos, pretende dar-se cumprimento ao disposto no artº 1122 nº 2 do C.P.C “VENDA DOS BENS ADJUDICADOS AO DEVEDOR” 2 – Ainda assim, apesar do disposto nos artigos 816 nº 2 do C.P.C, e da publicidade necessária tendente a definir melhor o preço, e até o valor real do imóvel, apesar do requerido, não resulta dos autos ter a encarregada da venda, tomado conta do cargo de encarregada de venda (cota de 22-03-2024). 3 – Porém, é certo ainda, conforme discussão que permanece nos autos, ser o imóvel pretensamente penhorado a casa de habitação do devedor, E assim sempre nos termos do disposto no artº 714 nº 1 do C.P.C, lhe assiste na defesa e protecção do seu direito fundamental à habitação a escolha de prestação alternativa ( ou seja a penhora de outros bens para satisfação da sua obrigação de pagamento das tornas ) , como aliás já fez, porque ainda assim tal se mostra expressamente consignado no disposto no nº 4 do artº 751 alínea b) do C.P.C onde se prescreve que : “Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorada, em execução de valores superiores á alçada do tribunal de 1ª instância, se a penhora de outros bens, presumidamente não permitir a satisfação integral no prazo de dezoito meses “ 4 - E dos autos, não resulta demonstrado sequer, que em dezoito meses não é possível satisfazer o crédito dos requerentes, quer por venda ou dação de outro bem propriedade do requerido, ou através de valores ou meios pecuniários, tudo questões, também já em discussão no tribunal superior.”. *** Por despacho proferido em 12/6/2024, foi determinado que se prosseguisse com a venda do bem em causa por negociação particular, tendo o cabeça-de-casal arguido a nulidade de tal despacho e requerido que se ordenasse a citação de eventuais credores, nos termos que constam da peça processual apresentada a 24/6/2024, que se dá por inteiramente reproduzida. *** Em 11/9/2024, foi proferido despacho que indeferiu a arguição de nulidade, sendo que em 13/11/2024 veio a ser determinada a citação das entidades que alude o art. 786º, nº2, do C.P.C.. *** Subsequentemente, em 20/12/224, foi proferido despacho a determinar que os autos prosseguissem com diligências tendentes a adjudicar aos interessados DD e EE o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...21 (correspondente à verba nº 45 da relação de bens de fls.215 a 232 dos autos) *** Não se conformando com a decisão proferida em 20/12/2024, o cabeça-de-casal interpôs o respectivo recurso, vindo o mesmo, por Acórdão proferido em 29/4/2025 (transitado em julgado), a ser julgado improcedente. *** Em 15/1/2025, o cabeça-de-casal apresentou o seguinte requerimento: “1 – É manifesto que o bem em venda (similarmente penhorado) constituindo a verba nº 45 da relação de bens, é a casa de habitação do requerente, facto já aceite por este tribunal. 2 – Aceita este tribunal que no mesmo incidente se aplicam as regras do processo executivo. 3 – Assim, não pode o mesmo tribunal, deixar de entender existir nos autos incidente de oposição (similar a oposição / embargos) do requerente, a que tal bem possa ser vendido, pois o requerente tem outros bens mais do que suficientes, para produzir em outras vendas, receita necessária para pagamento das tornas aos credores de tornas. 4 – Tal decisão de oposição, a tal venda, por diferentes fundamentos, é objecto de recursos, a correrem em separado aos autos principais no tribunal da Relação de Coimbra, como é do conhecimento deste mesmo do tribunal. 5 – O requerente, tem em curso acção judicial e execução de prestação de facto - Proc. 84/25...., Juízo de Execução de Ansião - Juiz 1 -, para reivindicar dos credores de tornas, bens que lhe foram adjudicados, e que serão suficientes, sendo vendidos para pagamento das referidas tornas, tudo conforme documentos juntos (Doc. Nº 1, 2 e 3) 6 – Ao requerente assiste-lhe o direito de defesa do seu direito fundamental constitucional a habitação, e assim a protecção especial da verba nº 45 afastando-a da venda / penhora, por constituir a mesma a sua “casa morada de família “e assim local merecedor de protecção enquanto dimensão da dignidade humana e mínimo essencial (artº 62, 65, e 67 C.P.P), do direito á vida. 7 – Ora, Dispõe o artº 704 nº 5 do C.P.C, que enquanto existir sentença em discussão, como analogicamente se terá de entender ser o caso, face aos recursos pendentes, deve o Juiz determinar a suspensão da venda, até que haja decisão definitiva. Ou, 8 – O mesmo referindo o artº 733 nº 5 do C.P.C, quando exista oposição, e a venda produza prejuízo que é dificilmente reparável. 9 – De verdade, ficando sem aquela casa não tem o requerente meios de arranjar ou adquirir outra, e não tem assim local para viver. 10 – A situação é ainda reforçada pelo disposto no artº 785 nº 4 e 856 nº 4 ambos do C.P.C Face ao exposto, requer a V. Excª., se digne mandar suspender o presente incidente, quanto à venda/ adjudicação da verba Nº 45, e até que em definitivo se decidam os incidentes de oposição constantes dos recursos judiciais entretanto deduzidos, nestes autos.”. *** Os interessados DD e EE, através de requerimento apresentado a 27/1/2025, opuseram-se à suspensão requerida pelo cabeça-de-casal. *** Pronunciando-se sobre o requerimento de 15/1/2025, a 1ª instância, em 8/3/2025, proferiu o seguinte despacho: “Requerimento de 15/01/2025 ref.ª 11504042: Veio o requerido, no seguimento de adjudicação de imóvel para pagamento de tornas, requerer a suspensão do incidente de venda até que em definitivo se decidam os incidentes de oposição constantes dos recursos judiciais, entretanto, deduzidos, nos autos, invocando para o efeito os artigos 704.º, n.º 5, 733.º, n.º 5, 785.º, n.º 4 e 856.º n.º 4, todos do Código de Processo Civil, concluindo que a venda causar-lhe-á prejuízo, dificilmente reparável, porquanto ficando sem aquela casa não tem meios de arranjar ou adquirir outra, não tendo local para viver. Vejamos o que diz cada um dos comandos legais invocados. Prevê o n.º 5 do artigo 704.º do Código de Processo Civil que :“Quando se execute sentença da qual haja sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo, sem que a parte vencida haja requerido a atribuição do efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do artigo 647.º, nem a parte vencedora haja requerido a prestação de caução, nos termos do n.º 2 do artigo 649.º, o executado pode obter a suspensão da execução, mediante prestação de caução, aplicando-se, devidamente adaptado, o n.º 3 do artigo 733.º e os n.ºs 3 e 4 do artigo 650.º” O n.º 5 do artigo 733.º preceitua que “Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.” Por seu turno o artigo 785.º n.º 4, remete para o artigo 733º n.º 5, se a oposição respeitar a casa de morada de família. Por último, o n.º 4 do artigo 856.º, remete para o n.º 5 do artigo 785.º, quando não se cumule o incidente de oposição à penhora com os embargos de executado. Compulsados os autos resulta que o executado não prestou qualquer caução para obter a suspensão da execução, pelo que se mostra arredada a possibilidade de suspender a venda/adjudicação do imóvel em causa, ao abrigo do disposto no citado artigo 704.º, n.º 5, indeferindo a requerida suspensão sustentada em tal preceito legal. No que tange ao regime contido no artigo 733.º, n.º 5 do CPC, impunha-se que o executado alegasse factos concretos e comprovasse que essa venda é suscetível de causar-lhe prejuízo grave e dificilmente reparável e não se limitasse a invocar que “ficando sem aquela casa não tem o requerente meios de arranjar ou adquirir outra e, não tem assim local para vive”. Neste conspecto vejamos a anotação a este preceito legal, ínsita no Código de Processo Civil anotado por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. II, pág. 97 “ O n° 5 prevê um mecanismo de proteção do executado no pressuposto de que o bem penhorado seja a casa de habitação efetiva do embargante, podendo este requerer ao juiz que a venda aguarde a decisão proferida em 1ª instância, quando seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável, aspeto que deve ser explicitado pela alegação concreta dos factos que o revelem.” Nesta esteira veja-se o Ac. TRC de 11/12/2024, processo n.º 1844/23.0T8ACB-B.C1 “ I Para o deferimento da suspensão da venda executiva a pedido do executado, nos termos do n.º 5 do art.º 733º do CPC, não basta a constatação de que o imóvel penhorado constitui a habitação efetiva daquele, sendo necessário que se comprove que essa venda é suscetível de causar-lhe prejuízo grave e dificilmente reparável. II – Deve assim ser indeferida tal pretensão quando o executado, no respetivo requerimento, omita, de todo, a alegação da situação factual concreta e objetiva suscetível de integrar o “prejuízo grave e dificilmente reparável” a que alude a mencionada norma”. “Também no sentido de que a suspensão com tal fundamento pressupõe a alegação pelo embargante da factualidade que concretize o mencionado prejuízo grave e dificilmente reparável, diz Marco Carvalho Gonçalves que (..) “se, entretanto, for penhorada a casa de habitação efetiva do embargante este pode requerer ao juiz de execução que esse bem não seja vendido enquanto não for proferida uma decisão, em primeira instância, sobre os embargos, desde que, para o efeito, comprove que essa venda é suscetível de causar-lhe prejuízo grave e dificilmente reparável” (art.º 733º, n.º 5) – sublinhado nosso”. Nesta senda, considerando que o executado não alegou, nem comprovou a situação factual concreta e objetiva, até porque é do conhecimento funcional do Tribunal que no âmbito dos presentes autos lhe forma adjudicados e este licitou vários prédios (que consubstanciam factos essenciais, nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) que sejam suscetíveis de integrar o prejuízo grave e dificilmente reparável a que alude o mencionado art.º 733.º, n.º 5, no caso concreto, pois que a circunstância de se tratar da casa de habitação efectiva, e a mera alegação, sem qualquer prova nesse sentido, de que o requerente não tem meios de arranjar ou adquirir outra, indefere-se, também por esta via, a sua pretensão de suspensão da adjudicação. Notifique.”. *** Não se conformando com o despacho que indeferiu a requerida suspensão, o cabeça-de-casal interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões: “1 Contrariamente ao decidido, nos autos mostra-se provado e aceite pelas partes que o requerente “não tem meios para arranjar ou adquirir outra casa de habitação, e não tem local para viver “ 2 O que constitui prejuízo irreparável, e pode aceitar-se até como facto público e notório, não carecendo de alegação. 3 Estando também provado e aceite que o imóvel penhorado, verba nº 45, da relação de bens, constitui a habitação do executado. 4 O presente recurso é admissível face ao disposto no artº 644 nº 2 alínea h) do C.P.C, pois que o despacho constitui decisão definitiva da questão suscitada. 5 O quadro factual em análise, resulta de os exequentes serem os únicos filhos do executdo, e quererem através da venda judicial retirarem o executado da casa onde sempre viveu e habitou, quando eles vivem em outra adjudicada ao mesmo, mas a qual não libertam e não permitem assim a sua venda, para que o recorrente executado lhe pague o valor das tornas, nem aceitam que tais bens para o efeito do pagamento dessas tornas lhe seja entregue em dação de pagamento. 6 Também, caso se entendesse tal facto ainda não provado, sempre o tribunal no exercício dos seus poderes de realização da justiça, deverá dar possibilidade ao requerente de o fazer, nesse incidente, através de prova testemunhal e eventualmente pericial, sobre o valor dos bens do requerente e da sua situação. (Avaliação casuística do Tribunal) 7 O desapossamento coercivo do executado da sua habitação, ou de qualquer outro ente jurídico, constitui face às regras da experiência e do senso comum, uma situação notoriamente irreparável. 8 Deve o presente incidente para venda dos bens ser suspenso nos precisos termos do disposto no artº 733 nº 5 do C.P.C, até que se decida definitivamente a questão suscitada de substituição do bem penhorado, casa de habitação, por outros bens pertença do executado, e que tem possibilidade de realizar através de liquidação o valor das tornas a que os exequentes, requerentes têm direito. 9 É que no presente caso já se encontra determinada a adjudicação aos requerentes, por conta da dívida das tornas, a casa de habitação do executado, isto quando estes não aceitarem como possível e legal a adjudicação de bens em dação em pagamento por parte do recorrente e para pagamento de tal valor de tornas 10 O despacho impugnado, para protecção do direito constitucional à habitação artº 62, 65 e 67 do C.R.P, e face ao disposto no artº 733 nº 5 do C.P.C, deve ser revogado e substituído por outro que suspenda o incidente da presente venda, até que se decida em definitivo a oposição suscitada pelo requerente, para poder substituir o bem “penhorado “, casa de habitação, por outros sua pertença e de igual valor. 11 O aliás douto despacho violou além do mais o disposto nos artigos 62, 65, e 67 da C.R.P e os artº 704 nº 5, 733 nº 5, 785 nº 4, 856 nº 4 todos do C.P.C”. *** Não foram apresentadas contra-alegações. *** Questão objecto do recurso: admissibilidade de suspensão das diligências tendentes a adjudicar aos interessados DD e EE o bem imóvel que tinha sido atribuído ao cabeça-de-casal CC. *** II – FUNDAMENTOS. 2.1. Fundamentação de facto. Com interesse para a apreciação do presente recurso, importar considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente. 2.2. Enquadramento jurídico. A problemática suscitada em sede de recurso decorre, como vimos, da circunstância de estarem a ser desenvolvidas diligências, nos autos de inventário supra identificados, que vão atingir um bem que consiste na habitação do ora apelante, tudo na sequência da posição assumida pelos interessados a quem são devidas tornas, reclamadas nos termos previstos no art. 1121º, nº1, do C.P.C. [3]. O primeiro aspecto que cumpre salientar, no caso vertente, diz respeito às regras que disciplinam a venda do bem que foi adjudicado ao cabeça-de-casal, uma vez que o respectivo procedimento não é regulado, em grande parte, pelo quadro normativo que se ocupa, genericamente, da acção executiva. A este propósito, dispõe o art. 1122º, nº2, do C.P.C., que “Depois do trânsito em julgado da sentença homologatória e se houver direito a tornas, os requerentes podem pedir que se proceda, no processo, à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.” [4]. Da norma em apreço resulta que a execução se inicia pela fase da venda, sendo, consequentemente, inaplicáveis disposições legais que, em sede executiva, regulam fases anteriores, como é o caso da penhora [5]. Os nossos Tribunais Superiores, relativamente a esta matéria, têm esclarecido em que termos se processa a venda referida no art. 1122º, nº2, do C.P.C., sendo unânimes no sentido de que não há lugar à apreensão do respectivo bem. Com efeito, no Acórdão da Relação de Guimarães de 4/4/2024 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/4b75010ed9ab6fa180258afc00350246?OpenDocument), salientou-se o seguinte: “Analisando o procedimento de venda, em termos da sua configuração processual, verifica-se que: não há lugar a penhora, nem designação de fiel depositário; não há oposição pelo devedor de tornas, nem embargos de terceiro.”. E no Acórdão da Relação de Coimbra de 13/12/2023 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c 0005637dc/1ddc05b54201f17480258aa50051aeae?OpenDocument), refere-se que na execução a que alude o art. 1122º, nº2, do C.P.C. não existe citação (do executado) nem penhora. Está em causa, deve realçar-se, um incidente de natureza executiva que se desenvolve no âmbito de um processo especial (inventário), pelo que deve atender-se ao regime que se encontra previsto no art. 549º, nº2, do C.P.C. [6], o qual estabelece o seguinte: “Quando haja lugar a venda de bens, esta é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no artigo 786.º, observando-se quanto à reclamação e verificação dos créditos as disposições dos artigos 788.º e seguintes, com as necessárias adaptações, incumbindo ao oficial de justiça a prática dos atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução.”. Ora, o art. 733º, nº5, do C.P.C. [7], aplica-se, em sede executiva, a duas situações distintas: - Quando são deduzidos embargos de executado (arts. 728º e 729º do C.P.C. [8]), caso em que o incidente, respeitante à casa de habitação efectiva, tem como pressuposto a pendência do referido meio de oposição (embargos); - Quando existe penhora e foi deduzida oposição à mesma, sendo, nesta hipótese, o incidente aplicável por força da remissão operada pelo art. 785º, nº5, do C.P.C. [9]. Não existindo penhora do bem cuja venda se pretende realizar nem oposição por meio de embargos, não se afigura que possa recorrer-se ao incidente em questão, improcedendo, desta forma, os argumentos que o apelante invocou em sede de recurso. De qualquer forma, acrescente-se, caso viesse a entender-se que podia ser invocado o quadro legal que resulta do art. 733º, nº5, do C.P.C., a verdade é que o recorrente, como referiu o Tribunal a quo, não carreou para os autos factualidade que demonstre que a venda é susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável – matéria que, a ter sido alegada, careceria de demonstração. Deve referir-se, para concluir, que nenhuma das normas invocadas pelo cabeça-de-casal tem aplicação no caso em análise, como seja o art. 704º, nº5, do C.P.C. que se refere à execução de uma sentença não transitada [10]. Em face do exposto, o recurso não merece provimento, pelo que deverá decidir-se em conformidade, com as consequências legais. *** III – DECISÃO. Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido. Custas pelo apelante. Coimbra, 30 de Setembro de 2025 (assinado digitalmente) Luís Manuel de Carvalho Ricardo (relator) Hugo Meireles (1º adjunto) Francisco Costeira da Rocha (2º adjunto) 
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