Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA CONTRATO-PROMESSA RATIFICAÇÃO DO CONTRATO PELO CÔNJUGE DO PROMITENTE COMPRADOR EXECUÇÃO ESPECÍFICA PELO CÔNJUGE DO PROMITENTE COMPRADOR | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – FIGUEIRÓ DOS VINHOS – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 406.º, 410.º, 442.º, 830.º E 1682º-A DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 615.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. As nulidades da sentença, taxativamente cominadas no art.º 615 CPC, configuram meros erros de atividade ou de construção e não se confundem com eventual erro de julgamento.
2. O contrato-promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou (art.º 410º, n.º 2 do CC). 3. A mera promessa de compra outorgada pelo ex-cônjuge na constância do casamento apenas a este vincula, pelo que o outro cônjuge (não outorgante) não poderá chamar à sua esfera jurídica os efeitos daquele ato por meio de ratificação, nem poderá obter uma sentença que produza os efeitos do contrato não concluído (art.º 830º, n.º 1 do CC). (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Relator: Fonte Ramos * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 06.10.2024, AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB (1º Réu), CC (2º Réu), DD (3º Réu) e EE (4º Réu), pedindo que seja emitida sentença que produza os efeitos das declarações do contrato-promessa, com a consequente transferência de propriedade da herança aberta por óbito de FF para a A. e o 1º Réu, em compropriedade, na proporção de metade para cada um, do prédio rústico com a matriz predial rústica ...55 da extinta freguesia ..., que corresponde à atual matriz predial rústica ...16 da União de Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória ... sob o n.º ...13, sito em ..., composto de terreno com pinhal, mato e eucaliptal, com área matricial de 0,738000 ha, e do prédio rústico com a matriz predial rústica ...17 da extinta freguesia ..., que corresponde à atual matriz predial rústica ...78 da União de Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória ... sob o n.º ...13, sito em ..., composto de terreno de cultura, eucaliptal, pinhal e mato, com área matricial de 3,705 há e, ainda, que seja ordenado o registo da aquisição nas respetivas inscrições matriciais e descrições de registo predial. Alegou, nomeadamente: os Réus CC e BB celebraram um contrato, em 28.12.2010, a que deram a designação de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual o primeiro, enquanto cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito da sua falecida esposa, prometeu vender e o segundo, na altura casado com a A., prometeu comprar os mencionados dois prédios rústicos, tendo os demais Réus ratificado tal contrato cujo instrumento se encontra anexo àquele e do mesmo fazendo parte integrante; os outorgantes, 1º e 2º Réus, estipularam que a escritura de compra e venda do negócio prometido fosse realizada no prazo máximo de trezentos e sessenta e cinco dias; pelo menos a partir de 2010, a A. e o 1º Réu têm possuído os ditos prédios rústicos, explorando, procedendo à sua limpeza e corte de árvores; o seu casamento com o 1º Réu foi dissolvido por sentença transitada em julgado a 27.10.2021; o preço convencionado foi integralmente pago; desconhecendo os fundamentos pelos quais ainda não foi realizada a escritura pública de compra e venda dos prédios (negócio prometido), procedeu à sua marcação mas os Réus BB e EE não compareceram. Regularmente citados, os Réus não contestaram, nem constituíram mandatário. Atento o disposto no art.º 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), o (admissível) enquadramento do caso e a possibilidade de uma decisão sobre o mérito da causa, o Tribunal a quo dispensou o cumprimento do n.º 2 do mesmo art.º e ordenou a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem. Os Réus nada disseram. A A. alegou, designadamente, que o 1º Réu “atuou como gestor de negócios” relativamente a si quando subscreveu o contrato-promessa, cuja execução específica peticiona nestes autos; juntou “Declaração de Ratificação de Contrato Promessa” (fls. 113); requereu a intervenção principal provocada, como A., de BB (1º Réu) - [“(...) conjuntamente com a Autora, (...) necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art.º 33º do CPC)»] -, concluindo que os autos deveriam prosseguir os ulteriores termos legais até final.[1] Por saneador-sentença de 03.02.2025, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou o requerido incidente improcedente, porquanto a situação não se quadra nos casos de incidentes de intervenção de terceiros - assumindo BB, desde o início da ação a posição de Réu, nunca poderia ser considerado terceiro a intervir do lado ativo, na medida em não tem qualidade distinta das partes iniciais do processo. Conhecendo do mérito, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os Réus do pedido. Dizendo-se inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso versa sobre a decisão final que colocou termo aos presentes autos, julgando improcedente a ação de execução especifica, a qual é, com o devido e mais elevado respeito, infundada e violadora das mais basilares regras de Direito, porquanto entendeu que a Autora/recorrente carece de legitimidade substantiva para requerer a execução especifica, decorrente de não ter outorgado o contrato-promessa de compra e venda, NÃO OBSTANTE A RECORRENTE TER RATIFICADO O MESMO, ANTES DA OUTORGA DA COMPRA E VENDA DEFINITIVA. 2ª - Perante a factualidade alegada pela Autora na petição inicial (p. i.), da qual todos os Réus foram regulamente citados e nenhum tendo apresentado contestação decorre a manifesta aceitação pelos mesmos de que a Autora é reconhecidamente parte contratual no contrato-promessa em causa, na qualidade de promitente compradora. 3ª - O que já estava dado por provado no Proc. n.º 52/8...., cuja sentença transitou em julgado há vários anos, junta aos presentes autos com a p. i.. 4ª - Por referência ao alegado na p. i., à prova documental junta aos autos e aos efeitos cominatórios da ausência de contestação por rigorosamente todos os Réus, devia ter sido dado como provada, além da que foi, a seguinte factualidade: a) Em 28.12.2010, Autora e Reú BB (então seu marido), acordaram a compra dos prédios rústicos com o Réu CC (enquanto cabeça de casal); b) Na data da assinatura do contrato-promessa, 28/12/2010, foi efetuado o pagamento de cinco mil euros, tendo sido dada quitação no próprio ato e que, posteriormente, através do cheque n.º ...34, do banco Caixa Geral de Depósitos, de conta bancária conjunta da Autora e do Réu BB, foi pago o valor remanescente, tendo ficado integralmente pago o preço convencionado por Autora e Réu enquanto casal; c) Tudo como provado no processo n.º 52/8...., na sequência do acordo de compra e venda firmado em 28.12.2010, entre a Autora e o Réu BB (como promitentes compradores) e o Réu CC (como promitente vendedor), pelo menos a partir de dezembro de 2010, a Autora e o réu BB têm possuído os prédios objeto dos presentes, explorando os mesmos, procedendo à sua limpeza e corte de árvores, designadamente eucaliptos; d) Sempre de forma continuada, sem qualquer interrupção, à vista de todos, sem uso de violência, nem oposição de quem quer que fosse, na convicção de serem os respetivos proprietários (Autora e réu BB); e) Em nome próprio e com exclusão de outrem, começaram a roçar e a mandar roçar o mato, procederam à extração de madeira, recebendo o respetivo preço; colhendo pinhas, procedendo ao aproveitamento de lenha de árvores secas, avivando linhas de estremas e abrindo valados, plantando árvores, abrindo e avivando caminhos e passagens; f) A Autora, em 06.12.2024, ratificou o contrato-promessa outorgado pelo Réu BB, em 28.12.2010, na altura casado com a mesma, através de declaração escrita e assinada. 5ª - Como acima referido, os factos que deveriam ter sido dados como provados, elencados no artigo precedente, estribados no efeito cominatório da ausência de contestação, impunham-se em face da seguinte prova documental: 1) Contrato-promessa (Doc. 1 da p. i.), no qual consta o pagamento do sinal no valor de € 5 000, para prova dos factos que deviam ter sido dados como provados supra identificados no artigo 4º, al. b). 2) Cheque (Doc. n.º 7 da p. i.), no qual consta o montante descontado da conta bancária da Autora e do réu BB, ex-casal, referente ao pagamento do remanescente do preço do negócio, para prova dos factos que deviam ter sido dados como provados supra identificados no artigo 4º, al b). 3) Sentença do Proc. n.º 52/18...., do Juízo de Competência Genérica ..., transitada em julgado em 19.4.2021, na qual foi dada como provada a existência de um acordo de compra pelo ex-casal, bem como o pagamento integral do preço pelo ex-casal e a posse pelo ex-casal desde 28.12.2010, para prova dos factos que deviam ter sido dados como provados supra identificados no artigo 4º, alíneas a), b), c), d) e e). 4) Declaração de ratificação do contrato-promessa, por via da qual a Autora confirmou, validando, o contrato-promessa outorgado pelo seu ex-marido, para prova dos factos que deviam ter sido dados como provados supra identificados no artigo 4º, al. f). 6ª - Fica, assim, devidamente evidenciado que o Réu BB subscreveu o referido contrato-promessa de compra e venda, atuando em sua representação e da Autora (à data, sua esposa), da mesma forma que o Réu CC atuou em representação dos seus co-herdeiros. 7ª - Razão pela qual não se compreende que o tribunal a quo tenha aceite, plenamente e sem quaisquer reservas, a ratificação contratual efetuada pelos co-herdeiros vendedores, os Réus DD e EE e não tenha aceite a ratificação contratual efetuada pela Autora enquanto promitente compradora. 8ª - Impondo-se que seja aceite a ratificação do contrato-promessa outorgada pela Autora, em igualdade material e substantiva com a aceitação plena da ratificação outorgada pelos promitentes vendedores. 9ª - O que não tendo sucedido consubstancia uma clara violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13º da CRP e no art.º 4º do CPC, e por via disso, a sentença recorrida é nula. 10ª - Tal qual efetuado pelos Réus, também a ratificação outorgada pela Autora cumpriu escrupulosamente as normas legais aplicáveis que expressamente aqui se invocam (entre outras aplicáveis): art.º 268º Código Civil (CC). 11ª - Foi feita sob a forma escrita, na exata medida em que a procuração de que o Réu BB poderia estar munido deveria constar, identifica de forma expressa e taxativa o objeto da ratificação e os efeitos da mesma, estando devidamente assinada pela Autora e tendo sido efetuada em momento oportuno, porquanto antes da celebração da escritura. 12ª - Donde, a sentença recorrida igualmente é nula por violar o art.º 268º do CC. 13ª - Os acórdãos citados na sentença recorrida dizem respeito a situações em que as partes representam interesses antagónicos, sendo que, in casu, as partes estão de acordo com o desfecho da presente ação nos exatos termos deduzidos pela Autora, traduzido na total ausência de contestação, com a consequente aceitação dos factos alegados pela Autora e, mutatis mutandis, das consequências jurídicas inerentes aos pedidos formulados. 14ª - Por outro lado, estando-se no âmbito do direito obrigacional, as partes gozam de ampla liberdade contratual para conformação da relação jurídica substantiva. 15ª - Nos termos do disposto no art.º 405º do CC, o princípio da liberdade contratual é uma aplicação da regra da liberdade negocial, sendo ambos um corolário do princípio da autonomia privada e, entre si conjugados e intrinsecamente ligados como são, desdobram-se em várias aceções, entre as quais a faculdade de, contratando, cada uma das partes escolher livremente com quem contratar/o outro contraente. 16ª - Significa isto que, desde que dentro dos limites da lei (art.º 405º, n.º 1 do CC), as partes têm a liberdade de comporem a própria relação jurídica substantiva. pelo que, somente aos intervenientes no contrato-promessa de compra e venda em referência nos presentes, caberia manifestar a não aceitação da Autora como parte interveniente no mesmo, subsequente à ratificação pela mesma formalmente efetuada, estando afastada da livre apreciação do julgador a admissibilidade de o fazer no âmbito de um contrato particular, como é o caso do contrato subjacente aos presentes autos. 17ª - Posto o que, não tendo o tribunal a quo aceite a ratificação validamente formalizada pela Autora, para além da desigualdade de tratamento por referência à ratificação outorgada pelos promitentes vendedores (que liminarmente admitiu e aceitou como válida), violando, inequivocamente, o disposto no art.º 13º da CRP e no art.º 4º do CPC e por via disso sendo nula, 18ª - A sentença recorrida igualmente é nula por violar o disposto no art.º 268º do CC, na medida em que, a ratificação efetuada pela Autora foi feita com fundamento legal bastante, pois fez produzir sobre si os efeitos obrigacionais decorrentes do contrato-promessa subscrito pelo seu marido, mas que ambos (Autora e marido) quiseram celebrar, desejaram fazer a compra do prédios objeto do negócio, firmaram a compra com os vendedores, o pagamento integral do preço foi feito com dinheiro da conta bancária de ambos e que, tanto a Autora como o seu ex-marido, o Réu BB, desde a data da outorga do contrato-promessa de compra e venda, têm vindo a exercer a posse sobre os imóveis objeto do contrato (tudo como dado por provado por sentença transitada em julgado no âmbito do Proc. n.º 52/8....), 19ª - De onde deflui, de forma manifesta, que o contrato-promessa foi outorgado pelo então marido da Autora também em óbvia representação dela, pelo que, é exatamente com a ratificação (formalizada nos termos legais aplicáveis, como de facto o foi), que a Autora faz repercutir na sua esfera jurídica os efeitos obrigacionais decorrentes do contrato-promessa. 20ª - A sentença do tribunal a quo é ainda nula, por violar o art.º 405º do CC, em virtude do contrato-promessa de compra e venda em referência nos presentes, ser um contrato particular e de âmbito obrigacional, por via do que, quanto ao mesmo está-se no âmbito da ampla liberdade contratual, corolário do princípio da autonomia privada, cuja uma das aceções é, justamente, a liberdade da composição da relação jurídica substantiva, ou dito de outra forma, não estar na livre disponibilidade do julgador poder decidir quem é ou não parte num contrato particular (sendo certo que para o ser, a parte adotou os termos, forma e condições, incluindo temporais, legalmente exigíveis para o efeito e não se encontra violada qualquer disposição/regra legal). 21ª - Deve a sentença recorrida ser considerada nula, por violar a lei e em sua substituição, ser decidido que a ratificação efetuada pela Autora é válida e eficaz e, conjuntamente com a total ausência de contestação por todos os Réus, ser decidido como totalmente procedente todos os pedidos formulados pela Autora, condenando-se os Réus em conformidade. Não houve resposta. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) nulidade do saneador-sentença; b) matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) decisão de mérito - reapreciando, principalmente, se a A., que não interveio no contrato-promessa celebrado na vigência do seu casamento e outorgado pelo seu então marido como promitente comprador, goza do direito à execução específica (“legitimidade substantiva para requerer a execução especifica”). * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) Em 28.12.2010, os Réus, CC e BB, firmaram um acordo a que deram a designação de “Contrato Promessa de Compra e Venda”. 2) O 2º Réu, no estado de viúvo, outorgou o referido acordo na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito da sua falecida esposa FF, cujos únicos herdeiros, eram os Réus CC, DD e EE. 3) No escrito referido em 1), o 2º Réu, enquanto cabeça de casal, da herança indivisa da sua esposa, prometeu vender e, o 1º Réu, à altura casado com a A., prometeu comprar o prédio rústico com a matriz predial rústica ...55 da extinta freguesia ..., que corresponde à atual matriz predial rústica ...16 da União de Freguesias ... e ..., descrito na Conservatória (CRP) de ... sob o n.º ...13, sito em ..., composto de terreno com pinhal e mato e eucaliptal e o prédio rústico com a matriz predial rústica ...17 da extinta freguesia ..., que corresponde à atual matriz predial rústica ...78 da União de Freguesias ... e ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...13, sito em ..., composto de terreno de cultura, eucaliptal, pinhal e mato. 4) O escrito referido em 1), foi ratificado pelos Réus DD e EE, em 13.9.2024. 5) O casamento do Réu BB e da A., foi dissolvido por sentença transitada em julgado em 27.10.2021. 6) A A. marcou a escritura de compra e venda dos prédios identificados em 3) para o dia 10.9.2024 no Cartório Notarial da Dra. GG, sito nas ..., notificando os Réus para o efeito. 7) No dia e local referidos em 6), apenas compareceram o procurador da A. e os Réus CC e DD. 2. Cumpre apreciar e decidir. Diz a A./recorrente que “a sentença é nula” - cf., sobretudo, “conclusões 8ª, 11ª, 16ª, 17ª, 19ª e 20ª”, ponto I., supra. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo pronunciou-se (art.º 641º, n.º 1 do CPC), referindo, em síntese: as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no art.º 615º, n.º 1, do CPC - que reproduziu - e «resulta da panóplia das “nulidades” invocadas pela Autora que nenhuma se enquadra nestas alíneas, nem sequer a recorrente alega que a sentença será nula ao abrigo de qualquer uma delas»; a sentença «não se pronunciou sequer quanto à validade da ratificação outorgada pelos promitentes vendedores, apenas dando como provado tal ato de ratificação, motivo pelo qual sempre improcederia a aventada nulidade/inconstitucionalidade invocada»; o demais alegado «arvora uma interpretação jurídica diversa da constante da sentença, não consubstanciando tal situação qualquer nulidade». Daí ter indeferido as arguidas nulidades, mantendo a decisão proferida. A referida pronúncia é correta. Na verdade, as nulidades da sentença, taxativamente cominadas no art.º 615 CPC, configuram meros erros de atividade ou de construção e não se confundem com eventual erro de julgamento.[2] Salvo o devido respeito, a A./recorrente alinha pela prática de invocação a esmo de pretensas nulidades da sentença, descurando, de todo em todo, aquela diferença entre a nulidade da decisão e o erro de julgamento. Feita esta destrinça, afigura-se evidente que a recorrente afirma o seu inconformismo contra o julgamento efetuado na 1ª instância, que considera errado, e não propriamente em relação a qualquer vício de construção ou na elaboração da sentença, que - como também se referiu na 1ª instância - sequer concretiza à luz do disposto no art.º 615º, n.º 1, do CPC. Assim, nada permite afirmar o apontado vício. 3. No tocante à matéria de facto, considera a A. que, por referência ao alegado na p. i., à prova documental junta aos autos e aos efeitos cominatórios da ausência de contestação por rigorosamente todos os Réus, devia ainda ter sido dado como provada a factualidade descrita na “conclusão 4ª” (atenta a prova indicada na “conclusão 5ª”), ponto I, supra. Refere também, para sustentar toda a sua impugnação (de facto e de direito), que a recorrente ratificou o contrato-promessa “ANTES DA OUTORGA DA COMPRA E VENDA DEFINITIVA” e que é reconhecidamente parte contratual no contrato-promessa em causa, na qualidade de promitente compradora, o que já estava dado por provado no Processo n.º 52/8...., cuja sentença transitou em julgado há vários anos, junta aos presentes autos com a p. i. [cf. doc. de fls. 18/114]. Começando por esta última matéria, dir-se-á que o objeto daquele processo - envolvendo outras partes - é distinto do dos presentes autos e o que aí se deu como provado no “ponto 12)” não é inteiramente exato ou, pelo menos, baseia-se na circunstância de se tratar de um “acordo” ligado ou imputado ao então casal constituído pela A. e o 1º Reu [no confronto, obviamente, com o A. dessa ação, o pedido nela deduzido e a respetiva causa de pedir/o facto genético do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer[3]], concretizando-se e esclarecendo-se, porém, que o (aqui) 2º Réu, na qualidade de cabeça de casal, havia “declarado prometer vender ao Réu BB e este declarado prometer comprar (...)”. Por outro lado, decorre dos autos que a escritura pública foi marcada para 10.9.2024 e que a aludida “RATIFICAÇÃO” e a anterior (feita pelos Réus) foram datadas de 06.12.2024 e 13.9.2024, respetivamente [cf. II. 1. 4) e 6), supra e documentos reproduzidos a fls. 10 verso, 95 e 113]. 4. A “conclusão”, apresentada pela recorrente, de que existe “manifesta aceitação de que a Autora é reconhecidamente parte contratual no contrato-promessa em causa, na qualidade de promitente compradora”, não encontra adequado suporte [cf., desde logo, II. 1. 1) a 3), supra]. Como se viu, o que se deu como provado no “ponto 12)” do processo n.º 52/8.... não constitui “caso julgado” (art.ºs 619º, n.º 1 e 621º do CPC) nem poderia ter (porque não o comporta ou integra) o efeito ou alcance pretendido pela A./recorrente. 5. No entanto, quanto à restante matéria - admitindo-se, porventura, algum (eventual) interesse para o desfecho da lide (atentas as soluções plausíveis da questão de direito) -, afigura-se, face ao disposto nos art.ºs 567º, n.º 1, 568º, a contrario, e 607º, n.º 5, do CPC e, designadamente, ao alegado nos art.ºs 5º a 7º e 9º a 11º da p. i. e ao teor dos documentos de fls. 9, 17 e 113, que se podia dar ainda como provado: 8) Na data da assinatura do contrato-promessa referido em 1), foi efetuado o pagamento de € 5 000; posteriormente, através do cheque n.º ...34, da Caixa Geral de Depósitos, foi pago o valor remanescente (€ 12 500). 9) Pelo menos a partir de dezembro de 2010, a A. e o 1º Réu têm possuído os prédios mencionados em 3), procedendo à sua limpeza e corte de árvores, designadamente eucaliptos, sempre de forma continuada, sem qualquer interrupção, à vista de todos, sem uso de violência, nem oposição de quem quer que fosse, na convicção de serem os respetivos proprietários. 10) Em nome próprio e com exclusão de outrem, começaram a roçar e a mandar roçar o mato, procederam à extração de madeira, recebendo o respetivo preço; colhendo pinhas, procedendo ao aproveitamento de lenha de árvores secas, avivando linhas de estremas e abrindo valados, plantando árvores, abrindo e avivando caminhos e passagens. 11) Por documento denominado “Declaração de Ratificação de contrato promessa”, datado de 06.12.2024, a A. declarou ratificar o escrito referido em 1) (cf. doc. reproduzido a fls. 113).[4] 6. Pese embora a solução a dar ao presente caso, como se explicitará adiante, não convoque quaisquer destes factos - pelo que, numa perspetiva mais ortodoxa, seria de manter a factualidade dada como provada na 1ª instância, sem qualquer modificação/aditamento -, atende-se, assim, parcialmente (com a dita ressalva), a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. 7. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1 do CC). Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei (n.º 2). À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (art.º 410º, n.º 1 do CC). Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral (n.º 2). No contrato-promessa, quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível (art.º 442º, n.º 1 do CC). Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago (n.º 2). Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830º (n.º 3, 1ª parte). Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste (n.º 4, 1ª parte). Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (art.º 830º, n.º 1). Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada (art.º 464º, do CC). O gestor deve, nomeadamente, conformar-se com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes (465º, alínea a) do CC). 8. Estas as normas da lei civil substantiva que estabelecem o quadro jurídico que releva na solução a dar à situação em análise. A promessa de contrato futuro ou contrato-promessa é “a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (art.º 410º, n.º 1 do CC, na redação introduzida pelo DL n.º 379/86, de 11.11). O contrato-promessa é um acordo preliminar que tem por objeto uma convenção futura, o contrato prometido ou definitivo; reconduz-se ou dirige-se, no fundo, à celebração do contrato prometido (cuja realização se pretende - v. g., compra e venda, locação, mandato, etc.). Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo.[5] O contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.[6] 9. Nesta linha de entendimento, nada será de objetar ao explanado na decisão recorrida, mormente quando se diz: - O contrato-promessa com referência ao contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular - como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel (cf. art.º 875º do CC) - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes. - Quem outorga no contrato e seja neste promitente (aquele que se obriga a contratar), tem de o assinar (art.ºs 410º e 411º do CC). Trata-se de uma formalidade ad substantiam, já que a sua violação gera, em princípio, a nulidade do contrato promessa (art.º 220º do CC). - A especial exigência legal de forma para os contratos-promessa com as mesmas características do que se discute nos presentes autos tem, pois, como consequência que só fica obrigado pelo contrato quem o assina.[7] O art.º 410°, n.°2, do CC é taxativo a considerar a validade do contrato-promessa absolutamente dependente da vinculação através da assinatura.[8] - O contrato-promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como, de igual modo, deste não decorrem direitos para quem não subscreveu o contrato celebrado. - Na esteira dos ensinamentos de Antunes Varela e Pires de Lima, no CC Anotado, Volume I (...) “…a ratificação é o instrumento pelo qual o dono do negócio chama a si, à sua esfera jurídica, os efeitos do acto praticado pelo gestor.”[9], ou nas palavras de Ana Prata, no Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição “… não tem lugar a ratificação, exclusivamente destinada a conferir legitimidade representativa a quem não a tem e atuasse representativamente”. - Não obstante o doc. reproduzido a fls. 113, a A. não alegou os factos essenciais que consubstanciariam a atuação a título de gestão de negócios que nos levassem a concluir pelo preenchimento dos respetivos requisitos, além de que não nos parece que este fosse o meio processual adequado para “integrar” neste momento a A. no contrato-promessa celebrado - “ratificar um contrato”, como meio de se tornar parte no mesmo, quando lhe aprouver, como fez a A., seria subverter por completo o princípio da liberdade contratual ínsito no art.º 406º do CC e até em última instância o princípio da força vinculativa dos contratos, decorrente do mesmo preceito legal. - Não pode o tribunal considerar que a outorga do contrato-promessa pelo Réu BB, tenha sido a título de gestão de negócios, pelo que a “ratificação” realizada pela A. será desprovida de qualquer relevância jurídica. - Na pendência do casamento, o cônjuge não outorgante do contrato-promessa não é interessado com direito a intervir na causa nas ações em que se discuta o seu incumprimento, por não se mostrar sequer verificada qualquer das situações previstas nos artigos 33º e 34º do CPC - tem legitimidade, para a ação em que se discutam questões relativas a contrato-promessa, o cônjuge outorgante, podendo este estar na ação desacompanhado do outro cônjuge.[10] - Trata-se, no fundo, e também de uma decorrência dos princípios da força vinculativa dos contratos o que significa que uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes e da eficácia relativa dos contratos, o que significa, que, salvas as exceções consagradas na lei, os efeitos contratuais não afetam terceiros, restringindo-se às partes contratantes (art.º 406º, n.ºs 1 e 2 do CC). - O incumprimento culposo da obrigação de celebrar o contrato prometido gera direitos distintos para o contraente fiel, em função da parte outorgante a quem o mesmo é imputável e características do comportamento do inadimplente (art.ºs 442º e 830º do CC). - Neste caso visa-se obter pela via judicial o efeito que se obteria pela realização do contrato de compra e venda entre as partes contratantes na promessa, ou seja, o tribunal como que se substitui às partes contratantes, obtendo-se pela sentença os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso, o que claramente permite evidenciar que o exercício de tais direitos se circunscreve aos outorgantes do contrato e não a terceiros (salvo se outro for o conteúdo contratual).[11] - No caso em análise, visto o contrato-promessa, os Réus, promitentes vendedores, nada prometeram vender à A. e esta (não outorgante) a nada se obrigou perante aqueles. - Os únicos obrigados no contrato-promessa são os Réus - o 1º Réu, enquanto promitente comprador (assumindo a obrigação de celebrar o contrato prometido/mero efeito obrigacional) e os demais Réus, enquanto promitentes vendedores. - A. e 1º Réu/promitente comprador eram casados à data da celebração do contrato-promessa, mas nada obstava que o contrato fosse apenas outorgado pelo Réu. Aliás, mesmo quando devam intervir ambos os cônjuges no contrato definitivo (nos termos do art.º 1682º-A do CC), nem aí se exige para a validade do contrato-promessa a presença de ambos os cônjuges como promitentes vendedores - a promessa é valida, apenas passando o cônjuge vinculado (outorgante) a estar obrigado a obter o consentimento do outro (não outorgante) para a celebração do contrato definitivo, sob pena de incorrer em responsabilidade contratual. - Não sendo o contrato-promessa válido e vinculativo para quem não o outorga como promitente e não o assina, e resultando evidenciado que a A. não o outorgou, não pode, por falta de legitimidade (substantiva), com fundamento no seu incumprimento deduzir os pedidos que formulou, o que conduz à improcedência da ação. 10. Afigura-se que a resposta encontrada pelo Tribunal da 1ª instância, seguindo de perto a orientação da jurisprudência, não merece censura. A promessa de contrato futuro ou contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (art.º 410º, n.º 1 do CC) - é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido ou definitivo; é a génese de um “acto devido” ou de uma obrigação de contratar. Destacam-se duas características desta convenção: a da autonomia em relação ao negócio definitivo; a da completude da mesma, em razão da sua suficiência enquanto tal para produzir os específicos efeitos.[12] A regra é a de que o contrato-promessa tem mera eficácia obrigacional; estamos perante um contrato que está sujeito, como qualquer um, à eficácia relativa: a vinculação que dele emerge apenas se limita às partes, não sendo possível a sua oponibilidade a terceiros.[13] 11. A mora representa uma condição necessária e suficiente para o recurso à execução específica; inexistindo qualquer atraso, não se verifica um dos pressupostos da execução específica; a execução específica pressupõe o incumprimento temporário - é imperioso que a contraparte se encontre em atraso quanto ao incumprimento. 12. Na situação em apreço, o 1º Réu celebrou o contrato-promessa (enquanto promitente comprador) sem estar de algum modo limitado nessa celebração e não carecendo de qualquer consentimento, autorização ou ratificação para que tal promessa pudesse ser tida como válida e eficaz, obviamente, no confronto com a parte contrária e enquanto membro de uma sociedade conjugal cujo regime de bens seria o regime supletivo da comunhão de adquiridos (cf. doc. de fls. 113). E sabemos que nos casamentos cujo regime de bens seja a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, nenhum dos cônjuges pode alienar bens imóveis, próprios ou comuns, sem o consentimento do outro (art.º 1682º-A do CC).[14] Mas nada impede que qualquer dos cônjuges assuma, em contrato-promessa, a obrigação de alienar bens desta natureza - assim como nada obsta a que, por exemplo, um comproprietário assuma, sozinho, a obrigação de alienar a coisa comum ou parte especificada dela, ou que alguém assuma a obrigação de alienar coisa alheia (art.ºs 892º e seguintes do CC).[15] Não obstante o vínculo conjugal entre A. e 1º Réu à data da celebração do contrato-promessa, nada obstava que tal convenção fosse outorgada apenas pelo marido da A. como promitente comprador.[16] 13. Ao remeter aos Réus as missivas reproduzidas a fls. 86 e 88[17], a A. não teria anteriormente manifestado, formalmente (por escrito), qualquer intenção em adquirir os imóveis em causa [as “declarações de ratificação” foram elaboradas posteriormente à data marcada, pela A., para a escritura pública - cf. fls. 10 verso e 113 e II. 1. 4) e 6), supra]; aludiu a “contrato-promessa” outorgado entre os dois primeiros Réus, mas, obviamente, não se poderá dizer que tenha sido o “promitente comprador” a notificar o promitente vendedor para comparecer na escritura pública de compra e venda, à luz do convencionado no contrato-promessa[18], e que a mera ausência da contraparte vendedora veio a frustrar a celebração do contrato prometido, pois sabemos que também não compareceu o outorgante promitente comprador/1º Réu [cf. II. 1. 7), supra], razão pela qual nunca seria de afirmar situação de mora conducente à execução específica. Por conseguinte, na situação em análise, a pretendida emissão de sentença que produz os efeitos da declaração negocial do promitente faltoso, não traduziria a efetivação de “direito destinado a tornar mais consistente uma posição creditória, possibilitando a satisfação ´in natura` sem a cooperação de devedor ou até contra a vontade deste.”[19] Não tendo a A. (então, casada com o 1º Réu) assinado o contrato-promessa, atenta a previsão do art.º 830º, n.º 1, do CC, inexiste qualquer obrigação (e correlativo direito) a justificar a intervenção judicial. 14. O contrato-promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou (cf. art.º 410º, n.º 2 do CC). A pretensa (e “póstuma”) ratificação corporizada no doc. junto a fls. 113 [cf. II. 5., in fine, supra, e facto do ponto 11)], só relevaria ou poderia relevar se a relação jurídica contratual envolvesse o sujeito em causa - se existisse efetiva ou potencial repercussão para a respetiva esfera jurídica e patrimonial (a implicar adequado assentimento ou consentimento).[20] 15. Por isso, sem fundamento o alegado pela A./recorrente quando diz, nomeadamente, que “o Réu BB subscreveu o referido contrato-promessa de compra e venda, atuando em sua representação e da Autora (à data, sua esposa)” e que mediante a elaboração do doc. de fls. 113 [cf. II. 1. 5), in fine, supra - facto do ponto 11)] “a Autora faz repercutir na sua esfera jurídica os efeitos obrigacionais decorrentes do contrato-promessa”. A A. não outorgou o contrato como promitente compradora e não subscreveu a promessa; a nada se obrigou e, perante a mesma, ninguém se obrigou, pelo que é de afirmar, também aqui, o princípio da relatividade - em regra, os efeitos dos contratos limitam-se às partes, ou seja, ao originários contraentes e os seus sucessores (art.º 406º, n.º 2 do CC).[21] 16. Não sendo o contrato-promessa válido nem vinculativo para quem não outorga como promitente e não o assina, é evidente que não tendo A. outorgado o contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos, nunca poderia com fundamento no seu (pretenso) incumprimento, pelos Réus, deduzir o pedido (de execução específica) formulado na ação. Carecendo de legitimidade substantiva para fazer valer tal pretenso direito, não poderá obter uma sentença que produza os efeitos do contrato não concluído (art.º 830º, n.º 1 do CC).[22] 17. Os factos dos “pontos 8) a 10)” [cf. II. 1. 5), supra] e sequente devir poderão vir a ser importantes para dar resposta diversa à situação que A. decidiu configurar nesta ação. Porém, a via/meio por que veio a optar, pelas razões que ficaram expostas (considerados o pedido e a causa de pedir, os factos e o apontado quadro normativo/principalmente, o disposto nos art.ºs 410º, n.º 2 e 830º, n.º 1 do CC), não conduz ao pretendido desfecho e dita a improcedência da ação. Naturalmente, a “liberdade contratual” e a conjugação dos interesses de todos (A. e Réus) também poderá viabilizar uma solução/resposta extrajudicial. 18. O saneador-sentença recorrido fez, a nosso ver, correta interpretação das disposições legais pertinentes, não tendo infringido, designadamente, as normas que a apelante refere como violadas. 19. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida (com o “aditamento” à matéria de facto dito em II. 5. e 6., supra). Custas pela A./apelante. * 05.6.2025
[2] Vide, nomeadamente, J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (Reimpressão), Coimbra, 1984, págs. 137 e seguintes (comentando idêntica norma do CPC de 1939 e começando por referir que “não pode deixar de considerar-se taxativa a menção feita”) e, de entre vários, acórdão da RC de 12.6.2016-processo 720/06.6TBFIG-A.C1, publicado no “site” da dgsi. [8] Neste sentido, citou-se o acórdão da RE de 08.7.2010-processo 7268/09.5TBSTB-A.E1 [com o sumário: «1 - Mesmo quando no contrato definitivo devam intervir ambos os cônjuges (v.g., quando haja alienação, e não aquisição), nem aí se exige para a validade do contrato-promessa uma intervenção dupla: a promessa é válida, apenas passando o cônjuge vinculado (outorgante) a estar obrigado a obter o consentimento do outro (não outorgante) para a celebração do contrato definitivo, sob pena de incorrer em responsabilidade civil contratual. (...) 3 - O cônjuge outorgante tem legitimidade, para a ação em que se discutam questões relativas a contrato-promessa, podendo, por isso, estar na ação desacompanhado do outro cônjuge.], publicado no “site” da dgsi. [11] Seguiu-se, de perto, a fundamentação do acórdão da RG de 04.4.2024-processo 600/23.0T8VRL-A.G1 [sumariando-se: «(...) 3. O contrato promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como deste não decorrem direitos para quem não subscreveu o contrato celebrado. 4. Trata-se, no fundo, e também de uma decorrência dos princípios da força vinculativa dos contratos o que significa que uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes e da eficácia relativa dos contratos, o que significa, que, salvas as exceções consagradas na lei, os efeitos contratuais não afetam terceiros, restringindo-se às partes contratantes. 5. Pese embora os réus à data da celebração do contrato promessa fossem casados, nada obstava que o contrato-promessa fosse, como o foi, apenas outorgado pelo marido da ré como promitente comprador. 6. Não sendo o contrato-promessa válido nem vinculativo para quem não outorga como promitente e não o assina, resulta evidenciado que não tendo a 2ª ré outorgado o contrato promessa de compra e venda, não pode com fundamento no seu incumprimento deduzir os pedidos que formulou em sede reconvencional, seja quanto à sua execução específica, restituição do sinal em dobro ou restituição do sinal pago com base no enriquecimento sem causa.»], publicado no “site da dgsi. [14] Que assim reza: «1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens: a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns; b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum. 2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.» [16] De resto, mesmo quando devam intervir ambos os cônjuges no contrato definitivo, nos termos assinalados (v.g., quando haja alienação, e não aquisição), nem aí se exige para a validade do contrato-promessa uma intervenção dupla: a promessa é válida, apenas passando o cônjuge vinculado (outorgante) a estar obrigado a obter o consentimento do outro (não outorgante) para a celebração do contrato definitivo, sob pena de incorrer em responsabilidade civil contratual; o facto de o promitente vendedor ter celebrado o contrato-promessa desacompanhado da esposa nem por isso torna a promessa inválida, passando aquele a ficar obrigado a obter o consentimento desta para a celebração do contrato definitivo - cf., designadamente, acórdão do STJ de 06.5.2008-processo 08A785, publicado no “site” da dgsi. [20] De resto, não se trata de uma ratificação dos atos praticados pelo procurador sem poderes, visando a sanação da ineficácia do negócio jurídico celebrado por este (art.º 268º, n.º 1, in fine, do CC), nem se trata de facultar «ao sujeito em cujo nome o contrato (ou o negócio unilateral) foi concluído que lhe confira eficácia (“sane” a ineficácia)», sendo que «através da ratificação peça fundamental da representação sem poderes, o representado recupera … o negócio concluído em seu nome, que lhe era destinado, tornando-o doravante plenamente eficaz»; «a ratificação tem por destinatário a contraparte (aquele a quem verdadeiramente importa a ratificação; os efeitos do negócio, inicialmente improduzidos …, têm-se por verificados ´ex tunc`, uma vez aquele ratificado» - vide Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coordenação de Luís Carvalho Fernandes e J. C. Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014 (comentário ao art.º 268º do CC). [22] Em situação em que o cônjuge promete vender um bem comum do casal, cf., de entre vários, o cit. acórdão da RG de 04.4.2024-processo 600/23.0T8VRL-A.G1 e o acórdão do STJ de 01.7.2004-processo 04B1774 [concluindo-se: «I. Se não cumprida a promessa, pode o contraente fiel, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (art.º 830º, n.º 1, do C. Civil). II. Não tendo o cônjuge mulher assinado o contrato-promessa, não assumiu ela, nos termos desse preceito, qualquer obrigação a cuja satisfação o tribunal se possa substituir. III. Não há, nesta sede, que chamar à colação o disposto nos art.ºs. 1682º-A, n.º 1, a), e 1687º, n.º 1, do C. Civil, pois que se trata de um domínio meramente obrigacional que não da oneração ou alienação de um qualquer direito real sobre imóvel. IV. Ainda que seja válida a promessa feita por um só dos cônjuges isoladamente de ato que requeira a outorga de ambos, a mesma só vincula, em princípio, o cônjuge que se obrigou, que não também o cônjuge não outorgante. V. Sendo comum o imóvel objeto do contrato prometido (regime de comunhão geral de bens), não se torna possível obter execução específica da promessa de venda desse prédio, se a Ré mulher não se houver vinculado ao cumprimento da promessa nem houver consentido na alienação.»], publicado no “site” da dgsi. Cf., ainda, por exemplo, o entendimento expresso, na base do art.º 1682º-A do CC, no acórdão do STJ de 17.6.1993, publicado na CJ-STJ, I, 2, 156: «(...) II – Sendo o objeto do contrato prometido bem comum do casal, não é possível o exercício de execução específica se a mulher não se obrigou conjuntamente com o marido – promitente vendedor – e nada se alegou na ação a fundamentar a aceitação por ela do acordado no contrato-promessa.»
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