| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | PAULA CARVALHO E SÁ | ||
| Descritores: | ACUSAÇÃO PARTICULAR ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA DESCRIÇÃO DE FACTOS COM RELEVÂNCIA PENAL DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES JUNTO DE TERCEIROS CRIME DE DIFAMAÇÃO | ||
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| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 180.º DO CÓDIGO PENAL ARTIGO 311º, N.º 2 ALÍNEA A), E N.º 3, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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| Sumário: | I. A imputação às arguidas, constante de acusação particular, de que “faziam circular a  informação de que o ofendido e suas empresas tinham assumido a responsabilidade de organizar os  eventos”, e de que o advogado da empresa representada por uma das arguidas, invocando essa  qualidade, “enviou um e-mail a clientes com a informação de que a atual empresa gestora do hotel  seria responsável pela execução dos eventos” – remetendo os clientes para a morada das empresas do  Assistente –, bem como a alegação de que “começou a circular o comentário de que o dono da quinta,  aqui Assistente, estaria a enganar os noivos, prometendo realizar eventos que não iriam acontecer”,  consubstancia a descrição de factos com relevância jurídico-penal, potencialmente ofensivos da honra  e consideração do visado, em especial no contexto da sua atividade empresarial. II. A alegação de que tais informações foram divulgadas a clientes e circularam no meio local onde o Assistente é conhecido permite, em sede indiciária, preencher o elemento objetivo do crime de difamação, previsto no artigo 180.º do Código Penal, nomeadamente quanto à divulgação junto de terceiros. III. A acusação particular contém ainda a alegação de que as arguidas atuaram com conhecimento da falsidade das imputações, o que, a ser provado, poderá preencher o elemento subjetivo do tipo legal, sob a forma de dolo. IV. A omissão da alteração da sede social da empresa representada por uma das arguidas, conjugada com a persistência da morada das empresas representadas pela arguida associada à morada das empresas do Assistente em plataformas online, constitui um facto que, ainda que isoladamente possa não assumir relevância penal, integra, no seu contexto, um comportamento com relevância indiciária para a sustentação da tese acusatória quanto à intenção de criar nos clientes a falsa convicção de que o Assistente e as suas empresas seriam responsáveis pela organização dos eventos. V. Não sendo a acusação manifestamente infundada, e contendo a descrição de factos que, em termos indiciários, integram os elementos objetivo e subjetivo do crime imputado, justifica-se o seu recebimento e a continuação dos termos do processo. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * * Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO … Exploração Agrícola, Lda. e …, Unipessoal, Lda., Assistente e ofendidas nos autos supra identificados … interpuseram recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra do despacho de 19/03/2025, que decidiu pela sua rejeição liminar, ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal, da acusação particular deduzida pelo Recorrente, que imputava às arguidas … e …, Lda, a prática de crime de difamação agravada, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) do C.P., e de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.º 1 Código Penal, agravado pelo artigo 183.º, n.º 1, al. a) do mesmo código, considerando que da acusação particular deduzida pelo Assistente, não consta qualquer referência a factos que possam constituir qualquer tipo de crime, que possa ser imputado às arguidas. *Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o ASSISTENTE, motivando o  recurso, com as seguintes Conclusões (Transcrição): “A. … B. O despacho recorrido extravasou os limites do artigo 311.º do CPP, antecipando indevidamente um juízo de mérito. C. A acusação particular descreve factos concretos, objetivamente ofensivos, com relevância penal evidente. D. Os factos descritos na acusação particular – nomeadamente a difusão de informações falsas, a utilização abusiva da imagem empresarial dos assistentes, e a perpetuação de confusão pública sobre a titularidade da exploração comercial – consubstanciam, em tese, imputações falsas e desonrosas, dirigidas a terceiros e veiculadas por meios eletrónicos, com aptidão para afetar gravemente a honra e o prestígio das assistentes. E. Estão em causa imputações falsas, públicas e lesivas da honra e do prestígio dos assistentes, agravadas pelo meio. F. Foram indicados meios de prova que exigem contraditório e apreciação em audiência. G. O não prosseguimento da ação penal, leva à preterição do direito à prova e de cerceamento do contraditório. … J. O despacho impugnado viola, além das normas processuais aplicáveis, os princípios constitucionais da legalidade, do contraditório e da tutela jurisdicional efetiva, nos termos dos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. K. Deve ser revogado o despacho e admitida a acusação, prosseguindo os autos para julgamento”. … * O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito  devolutivo. * A arguida … respondeu suscitando a  ilegitimidade da …  UNIPESSOAL LDA para a interposição do recurso, visto que não foram admitidas a intervir  como assistentes por despacho de 02/09/2024, visto que, na data em que foi requerida a sua  intervenção nessa qualidade, já se mostrava extinto o direito de queixa pelos crimes que  queriam imputar às arguidas, além de que ocorre ainda falta de representação relativamente  aos três recorrentes. No mais, quanto ao mérito do recurso, sustenta a arguida que as Recorrentes na acusação particular que deduziram, não alegaram factos que integrem uma afirmação ou uma propalação de factos inverídicos ou uma imputação a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, de um facto, ou uma formulação de um juízo, pelo que esteve bem a Meritíssima Juiz a quo quando rejeitou a acusação particular ao abrigo do disposto no artigo 311º nº2 alínea a) e nº3 alínea d) do C.P.P., … … *Por seu turno, a digna Magistrada do M.P. junto da Primeira Instância, … pronunciando-se apenas sobre o recurso interposto pelo  Assistente, … * Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer … * Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal. Proferido despacho liminar, que rejeitou o recurso interposto pelas ofendidas …, Lda. e …, Unipessoal, Lda., admitido o recurso quanto ao Recorrente … e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência. * II – QUESTÕES A DECIDIR. … Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o despacho de rejeição da acusação particular – a única questão a examinar e decidir é a seguinte: - saber se a acusação particular deduzida nos autos pelo Assistente contém, ou não, a completa descrição dos elementos objetivos e subjetivo do crime imputado às arguidas – e se, na negativa, podia a mesma ter sido rejeitada pelo Tribunal a quo. * III – DECISÃO RECORRIDA É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição): “Não recebo a acusação particular, que imputa aos arguidos a prática de crime de difamação agravada, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1 Código Penal, agravado pelo artigo 183.º, n.º 1, al. a) do mesmo código, e de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.º 1 Código Penal, agravado pelo artigo 183.º, n.º 1, al. a) do mesmo código, porquanto os factos descritos não constituem crime, nem o mencionado nem qualquer outro ilícito criminal. … De facto, como resulta do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a acusação tem que narrar, ainda que sinteticamente, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis (alíneas b) e c) do citado preceito). E tal exigência legal deriva da circunstância de ser a acusação que fixa o objeto do processo, delimitando o âmbito da ulterior atividade investigatória a desenvolver pelo juiz, nomeadamente na fase de julgamento” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.06.2011, Proc. 150/10.5T3OVR.C1, www.dgsi.pt) Por outro lado, dispõe o artigo 187.º, nº 1 do Código Penal que quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a pessoa coletiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias, sendo a conduta agravada se a ofensa for praticada através de meios ou em circunstancias que facilitem a sua divulgação (artigo 183.º, n.º 1, al. a) do mesmo código). Estabelece, ainda, o artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal que quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias, sendo a conduta agravada se a ofensa for praticada através de meios ou em circunstancias que facilitem a sua divulgação (artigo 183.º, n.º 1, al. a) do mesmo código). Assim, considerando que, na acusação, não se alegam factos que consubstanciem “afirmar ou propalar factos inverídicos” ou “imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo”, mas somente se imputa aos arguidos a circunstância de não alteração da sede da empresa (o que levou a que clientes insatisfeitos ali se dirigissem), não se vislumbra como é que esta omissão possa ter relevância criminal. Concluímos, pois, que, da acusação, não consta qualquer referência a factos que possam constituir qualquer tipo de crime, pelo que deve a acusação particular ser rejeitada, ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal, o que se decide. Em consequência, não se admite, também, o pedido de indemnização civil deduzido. Notifique e, após trânsito, arquive”. * IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO Como acima se assinalou a única questão trazida a este Tribunal de Recurso é a de saber se a acusação particular deduzida nos autos pelo Assistente contém, ou não, a completa descrição dos elementos objetivos e subjetivo do crime imputado às arguidas – e se, na negativa, podia a mesma ter sido rejeitada pelo Tribunal a quo. De acordo com o disposto no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal, para o que ao caso dos autos importa, “a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.” Ora, é sabido que a narração dos factos é o ponto fulcral ou o coração da acusação: ela deve ser suficientemente clara e percetível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objeto do processo fique claramente definido e fixado». A acusação deve limitar-se apenas ao essencial. O relato deve ser, tanto quanto seja possível, conciso, uma redação coerente, compreensível, sem repetições, saltos lógicos ou figuras de estilo. Nesta tarefa de identificar e separar aquilo que é importante daquilo que é desnecessário, o tipo legal de crime em causa assume especial relevo. «Os tipos (…) são, de certa maneira, os óculos através dos quais o juiz, no posterior decurso da audiência, observa tudo. Aquilo que não pode ser visto através desses óculos é, para ele, irrelevante» (JOACHIM HRUSCHKA, 1965, p. 23/4). A indicação dos elementos objetivo e subjetivo do tipo legal de crime constitui mesmo o núcleo essencial da descrição dos factos imprescindíveis à validade da acusação. Se faltar algum deles, a conduta descrita não constitui crime e a acusação não pode ser recebida (art. 311.º/3/d). «Não basta a componente objetiva do comportamento do arguido, importa também que esse comportamento seja culpável e para tanto que o arguido tenha agido com vontade de praticar o ato ilícito e conscientemente desobedecido ao comando legal que lhe proibia a prática dos atos valorados pela norma como objetivamente ilícitos» (GERMANO MARQUES DA SILVA, 1994, p. 92). Por outras palavras, é imprescindível que se indique o dolo e a consciência da ilicitude (JOÃO CONDE CORREIA, 2007a, p.114). Tanto mais que, na fórmula do STJ, «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º» [ac. STJ/FJ 1/2015, 20.11.2014 (ARTUR RODRIGUES DA COSTA)].” Em resumo, pode dizer-se que a acusação deve conter a narração que justifica a aplicação de uma pena ou medida de segurança ao arguido, no sentido de que, a provar-se tudo o que da mesma consta, conduzirá inevitavelmente à respetiva condenação. Assim, para apreciação da questão trazida aos autos, importa ter presente o teor da Acusação Particular deduzida pelo ASSISTENTE (que transcrevemos, na parte relevante): “(…) 1. O arguido é gerente da sociedade A.... 2. Por sua vez, a A... é detida pelas sociedades “B...” e “C...”, sendo o ofendido o beneficiário último de todas as sociedades e o gerente de cada uma delas; 3. A sociedade A... é a proprietária do imóvel sito em Rua ..., ..., ... ..., imóvel melhor identificado no Documento 6 junto com a Queixa Crime. 4. A 23 de setembro de 2019, a A... deu de arrendamento urbano, para fins não habitacionais, o identificado imóvel à Sociedade D...”, conforme Documento 7 junto com a queixa. 5. Contrato esse assinado pelo ofendido, enquanto gerente das sociedades que detêm a A... e pela gerente da D...”, a Sra. AA, cujo objeto visava a exploração comercial do imóvel, pela D...” para fins de instalações hoteleiras de aluguer de espaço para a realização de eventos organizados e conduzidos pela D...”. 6. A sociedade B..., detida pela ofendido, era também sócia investidora, sem quaisquer poderes de gerência e intervenção no objeto social da D.... 7. Porém, face ao apuramento de factos criminais que originaram a apresentação de outras queixas-crime, motivadas por uma total perda de confiança, a 2 de maio de 2022 foi resolvido tal contrato de arrendamento, acordando-se que a D... teria de abandonar a propriedade após 28 de junho de 2022 ( cfr. documento 1). 8. A 15 de Junho de 2022 foi deliberada a cessão da quota detida pela B... na D..., com valor nominal de cinquenta e um mil euros, a favor da E..., sociedade unipessoal detida pela Sra. AA (cfr. Doc. 10 e 11 juntos com a queixa-crime). 9. Com efeito, na mesma ata foi deliberado que a Sociedade D... deixaria de ter sede social no imóvel até então locado, passando a sede social para a morada Rua ..., ... ..., .... 10. Porém, a sede da sociedade D... só foi alterada em 18 de novembro de 2022, apesar de muitas prévias interpelações para o efeito. 11. No espaço de tempo que mediou a produção de efeitos da revogação do contrato de arrendamento (28/06/2022) e o registo definitivo da sede societária (18/11/2022), foram provocados danos reputacionais ao ofendido e suas empresas A... e F..., pelas razões que infra se exporão. Senão vejamos, 12. A sociedade D..., enquanto promotora e organizadora de eventos, celebrou vários contratos de realização de casamentos e outras cerimónias, para o verão de 2022. 13. Obrigações essas que nunca saíram da esfera da sociedade D..., dado que o ofendido se desvinculou da dita sociedade por cessão de quotas, não tendo assumido qualquer trespasse ou cessão de exploração do negócio da mesma. 14. Foi-se apercebendo o ofendido, que os prometidos eventos, muitos deles já parcialmente pagos à D..., não estavam a ser realizados, dirigindo-se os clientes à morada Rua ..., ..., ... ... – por ser a morada que formalmente ainda correspondia à sede social da D... – a pedir explicações. 15. Explicações essas, que o ofendido não conseguia dar, mas que contribuíram para a sua difamação e da honra e reputação das empresas A... e F..., face ao falatório que se gerou, pois estando a sede social da D..., ainda na morada do imóvel propriedade da A..., começou a comentar-se que o “dono da quinta”, isto é, o ofendido BB, andava a enganar os noivos. 16. Sendo que, não poucas vezes, chegou ao conhecimento dos ofendidos que a arguida AA fazia circular a informação de que o ofendido e suas empresas tinham assumido a responsabilidade de organizar os eventos. 17. Sendo o ofendido natural de ... e uma pessoa conhecida no meio. 18. Ao pesquisar-se pelo nome D...”, as pesquisas on line, mormente através das plataformas de intermediação como a Trip Advisor; May Best Hotel; Turismo do Centro; Logitravel, etc ( vide art. 19º da queixa) remetiam todas para a morada da propriedade da A..., que também é a sede social da F.... 19. Aliás, ainda hoje tal se verifica. Fazendo-se uma pesquisa por D...”, a empresa continua a estar associada à propriedade da A..., nas plataformas tripadvisor; centro-portugal-hoteis; booked; hotéis.com, etc. 20. Mais tarde, veio o ofendido a tomar conhecimento que a 23 de julho de 2022, um alegado representante legal da D..., enviou um e-mail aos clientes a informar de uma eminente insolvência, pedindo às pessoas que se dirigissem à morada da A..., com a falsa noticia de que a realização e execução de eventos seria agora da responsabilidade da “atual empresa gestora do hotel” – Cfr. Documento 14 junto com a queixa crime. “Prezado (a) Como Advogado da empresa “D..., Lda”, …, e no uso das minhas funções, venho através deste informar sobre a impossibilidade da minha constituinte em cumprir a integralidade de todos os contratos de eventos celebrados, inclusive o vosso, em virtude da sua situação critica e iminente de falência/insolvência. Afirma-se de que houve o pagamento integral dos serviços para realização do vosso evento, porém cumpre informar que a atual empresa gestora do hotel que será a responsável pela realização/execução do vosso evento no hotel ( Ex. D... em ...). Pedimos que entre em contato diretamente com a nova gestão do hotel para tratarem dos ajustes necessários. Informo que todas as atividades e compromissos da empresa “D..., Lda” estão suspensas até o registo do…” 21. Criando a errada, e astuciosa, convicção que a responsabilidade pela realização dos eventos era da A... (enquanto proprietária) e/ou da F... ( entidade que posteriormente foi criada pelo ofendido para gerir e explorar a propriedade). 22. Alias, por conta da situação, perante o desespero dos casais, o Ofendido, enquanto gerente da A... e da F..., sentiu a obrigação moral de ceder o seu espaço para a realização de vários casamentos ( nada cobrando pelo seu aluguer), acabando por ficar privado de, nesses dias e noites, explorar o hotel/espaço de eventos em proveito da F.... Mas mais, 23. Sem qualquer autorização prévia por parte da A..., a arguida AA usou a morada da propriedade para registar a sede social da sua própria empresa, a E... UNIPESSOAL, LDA, doravante “E...”. 24. A arguida sabia, e não podia ignorar, que não estava autorizada a faze-lo. 25. E uma vez mais, a A... e F... e o ofendido CC, ficaram associadas aos incumprimentos das arguidas AA e E... (únicas sócias da D...). 26. Sendo que, em todo o caso, em última instância o que se dizia era que o Dr. CC estaria a enganar os clientes, prometendo realizar eventos que não iam acontecer, pois para o homem médio, é difícil distinguir o “Homem” das suas empesas”. Vejamos, então. É necessário saber se a factualidade vertida na acusação particular do assistente contém referências ou indicações capazes de, objetivamente, integrar o crime de difamação agravada praticado na pessoa do Assistente/Recorrente, imputado às arguidas. O artigo 180º, nº 1, do Código Penal pune “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, um facto ou formular um juízo ofensivo da sua honra ou reputação, ou reproduzir tal imputação ou juízo”. Face ao exposto, e analisando os comportamentos imputados às arguidas na acusação particular, não restam dúvidas de que, nos segmento sem que se afirma. - que a arguida AA “fazia circular a informação de que o ofendido e suas empresas tinham assumido a responsabilidade de organizar os eventos” (cfr. ponto 16º da acusação particular); - que, no dia 23 de julho de 2022 “o advogado da “D..., LDA”, invocando essa qualidade, enviou um e-mail a clientes com a informação de que a atual empresa gestora do hotel seria responsável pela execução dos eventos – remetendo os clientes para a morada da A.../F...” (cfr. ponto 20º da acusação particular); - que “começou a circular o comentário de que o dono da quinta, aqui Assistente, estaria a enganar os noivos, prometendo realizar eventos que não iriam acontecer” (cfr. pontos 15º e 26º da acusação particular), estão alegados factos relativos aos elementos objetivos do tipo incriminador, consistentes na imputação, por parte das autoras, de factos potencialmente ofensivos da honra e consideração do Assistente. Com efeito, dos factos alegados pelo Assistente resulta que as autoras – no caso da “D..., Lda”, agindo através do seu advogado – dirigiram-se a terceiros (clientes com quem haviam contratado a realização de eventos) imputando falsamente ao Assistente e às empresas por ele representadas a alegada responsabilidade pela execução dos eventos, imputação que, segundo a acusação particular, estaria na génese do “falatório” gerado no meio local (...), dando conta de que o dono da quinta (Assistente) estaria a enganar os noivos. Note-se que tais informações terão sido comunicadas a clientes e circularam no meio local onde o Assistente é conhecido (cfr. ponto 17º da acusação particular). Aliás, o e-mail referido no ponto 20º da acusação particular foi enviado a diversos destinatários, pelo que se conclui que foram alegados factos alusivos ao elemento do tipo “divulgação a terceiros”. Ora, dizer que alguém “anda a enganar noivos” num contexto comercial e hoteleiro pode redundar na imputação de um facto potencialmente desonroso e prejudicial à reputação profissional do visado. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, a acusação particular alegou que a arguida “sabia e não podia ignorar” que o Assistente não havia assumido tais responsabilidades e, ainda assim, fez circular a informação contrária. Em suma, não vemos como possa o tribunal a quo, afirmar na decisão recorrida que, na acusação particular deduzida pelo Assistente, “não se alegam factos que consubstanciem ‘afirmar ou propalar factos inverídicos’ ou ‘imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo’”, quando, como já evidenciado, segundo a acusação particular, teria sido imputado ao Assistente um comportamento fraudulento (“enganar noivos”), imputação essa veiculada pelas arguidas a terceiros (clientes e público local); no caso da D...”, tal imputação teria sido feita através do seu advogado, e tais imputações possuem potencial ofensivo à honra e reputação profissional do Assistente, alegando-se ainda que a arguida sabia que o Assistente não havia assumido tais responsabilidades. A afirmação constante decisão recorrida, segundo a qual a acusação particular se limitou a imputar às arguidas a não alteração da sede da empresa (o que levou a clientes insatisfeitos dirigirem-se à mesma), é redutora e não reflete o verdadeiro conteúdo da peça processual. Com efeito, embora se reconheça que a alegação desse comportamento omissivo – consubstanciado no incumprimento tempestivo, por parte da arguida, de proceder à alteração da morada da sede social, obrigação assumida na ata de 15 de junho de 2022 e só cumprida em 18 de novembro – por si só não teria relevância criminal, é facto que a alegação desse facto, acompanhada dos demais factos supracitados, que na economia da acusação particular ocorreram precisamente nesse intervalo, associados ao facto de que nas plataformas online a D...” aparecia com morada ligada às empresas do Assistente (cfr. pontos 18 e 19 da acusação particular), pode não ser axiologicamente neutra, pois é de molde a eventualmente emprestar sustentação à ideia de que as arguidas, de forma “astuciosa”, como referido no ponto 21º da acusação particular, procuraram criar falsa convicção nos clientes de que o Assistente e suas empresas haviam assumido a responsabilidade pela execução dos eventos que a D...” contratou com seus clientes. Se na acusação particular apenas se alegasse que a arguida omitiu o comportamento a que se vinculou na ata de 15 de junho de 2022, consistente no dever de proceder à imediata alteração da morada da sua sede social, tendo-o apenas feito em 18 de novembro, concede-se que o tribunal a quo pudesse rejeitar liminarmente a acusação particular sob o argumento de que os factos alegados não configuram crime, tratando-se meramente de incumprimento contratual que, no máximo, poderia gerar responsabilidade civil. No entanto, como se demonstrou, na acusação particular são alegados factos concretos que redundam na imputação de condutas desonrosas e divulgação a terceiros que, em abstrato, são suscetíveis de integrar o crime de difamação. Nada mais é necessário na acusação; exigir formulações adicionais corresponderia a um exercício tautológico e inútil, não se verificando o fundamento que permita qualificar a acusação particular como manifestamente infundada, nos termos do artigo 311º, nº 2 alínea a) e nº 3 alínea d) do Código de Processo Penal, pelo que deve ser recebida, ordenando-se o regular prosseguimento dos autos. Procede, pois, o recurso interposto pelo Assistente …. *V. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder total provimento ao recurso interposto pelo ASSISTENTE … e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar que seja substituído por outro que, recebendo a acusação particular deduzida pelo Assistente, dê seguimento ao processo. Sem custas. Notifique. *   Coimbra, 22/10/2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de  Processo Penal) ______________________________  Relatora, Dra. Paula Carvalho e Sá ______________________________ 1ª Adjunta, Dra. Ana Carolina Cardoso _______________________________ 2ª Adjunta, Dra. Maria da Conceição Barata |