| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: | 
 | ||
| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ALEXANDRA GUINÉ | ||
| Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS DO ARGUIDO MEIO DE PROVA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS FACTOS RESULTANTES DA DISCUSSÃO DA CAUSA OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
|  |  | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
|  |  | ||
| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 127.º E 344º, N.ºS 1 A 4, 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTIGO 352.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
|  |  | ||
| Sumário: | I - A confissão livre e fora de qualquer coacção é a confissão efectuada com discernimento para se entender o que se diz e por que razão se diz e voluntariamente assumida. II - Confissão integral e sem reservas é a admissão de todos os factos relevantes para a imputação criminal, sem que aos mesmos seja oposta qualquer condição ou sejam invocados outros factos que possam ter efeito sobre aqueles ou sobre a referida imputação. III - Se o crime imputado for punível com pena de prisão superior a cinco anos, se houver coarguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles, ou se o tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, o tribunal, em sua livre convicção, decide se deve ter lugar, e em que medida, a confissão relativamente aos factos confessados. IV - Se o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a cinco anos, se não houver coarguidos ou havendo-os, se existir confissão integral e sem reservas e coerente de todos, e se o tribunal, em sua convicção, não suspeitar do carácter livre da confissão, a confissão integral e sem reservas implica a renúncia à produção de prova relativamente aos factos imputados e consequente consideração destes como provados, a passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável, com redução da taxa de justiça a metade. V - Sendo a matéria de facto fixada a partir da confissão do arguido dos factos constantes da acusação não pode ele sindicar a matéria de facto dada como provada, quando tal matéria se deveu ao seu contributo, pois que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação. VI - Não é possível impugnar, em recurso, a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto com vista a que se considerem provados factos que não constam da lista dos factos provados e não provados mas que, no entendimento do recorrente, resultaram da discussão da causa. VII - O aditamento de tais factos por esta via significaria que se estaria a permitir a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso, face às provas produzidas perante o tribunal a quo. VIII - O mecanismo processual adequado a alcançar tal desiderato é a invocação da nulidade da sentença, do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., traduzida na omissão das menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, ou seja, in casu, de determinado facto como provado com relevo para a decisão da causa e resultante da discussão da mesma. IX - Tal nulidade é de conhecimento oficioso. | ||
|  |  | ||
| Decisão Texto Integral: | * * Acordam, em conferência, na 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I–RELATÓRIO 2. Inconformado recorreu o arguido extraindo da motivação de recurso as seguintes CONCLUSÕES: «… 2. Nas declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento – as quais se encontram gravadas no sistema disponível no Tribunal entre as 10h44 e as 10h52, conforme resulta da Ata de audiência de julgamento de 28 de abril de 2025 – versão corroborada pelo auto de interrogatório de arguido de 18 de maio de 2024 – foi avançado pelo mesmo que no local e hora onde foram praticados os factos o tráfico rodoviário estava bastante movimentado, tendo apenas acedido a um pedido da sua companheira, …, para salvaguardar a segurança rodoviária, nunca tendo tido a intenção de contribuir para a intensificação do perigo já existente; 3. Ora, … bem sabia que não era portador do título que o habilitaria a conduzir veículos a motor, para além de já ter sido condenado pela prática do crime em escrutínio nos presentes autos, e que a sua conduta consubstanciava um ilícito criminal; 4. Contudo, perante o perigo que se estava a instalar na via pública, devido à incapacidade de … em estacionar/parar o veículo em segurança, estando uma enorme fila de carros atrás de si, devido aos constrangimentos das obras do Metro Mondego, … acedeu ao pedido de … e estacionou o veículo, descongestionando de imediato o trânsito, cessando ainda as buzinadelas que haviam ocorrido por banda da demora de …; 5. … não visou de forma alguma eximir-se da sua responsabilidade, mas apresentou uma versão dos factos que permite justificar a sua actuação (em tese) ilícita, pois pretendeu evitar um perigo rodoviário potenciado pela incapacidade, pressão e ansiedade de …, que a impediam de pensar e agir de forma compatível com a segurança rodoviária; 6. … agiu, claramente, ao abrigo de uma causa de justificação da ilicitude, mais propriamente o direito de necessidade previsto no art.º 34.º do Código Penal; 7. Ora, o meio utilizado por …, isto é, estacionando o veículo de … de forma segura, controlada e expedita, foi o adequado a remover o perigo para a segurança rodoviária que a condução de … estava a potenciar para os demais condutores e transeuntes; … 9. A segurança rodoviária, enquanto bem jurídico tutelado pela norma penal, está dos dois lados da balança pelo que o bem jurídico sacrificado é precisamente o mesmo que se pretendia acautelar e tanto assim é que, tal como resulta dos factos provados e da determinação da medida da pena, não ocorreu qualquer sinistro derivado dos factos relatados na acusação pública; … 12. Salvo melhor entendimento, estão reunidos os pressupostos para fazer operar a causa de justificação enunciada, entendimento com âncora legal, doutrinária e jurisprudencial, 13. O bem jurídico tutelado pela norma penal pode ser sacrificado, nomeadamente, quando entra em confronto com um bem jurídico com sensível superioridade, tal como sucede nos presentes autos, pois a conduta de … ao volante encontrava-se a potenciar um perigo de maior gravidade e iminência, não só quanto á segurança rodoviária, mas também quanto à sua integridade física e da de terceiros; 14. Por conseguinte, por um lado o Tribunal a quo refere que as declarações prestadas pelo arguido mereceram credibilidade, tendo sido uma confissão integral e sem reservas, não sendo de ponderar negativamente as mesmas, designadamente pela sinceridade demonstrada e arrependimento, 15. Mas por outro lado, nada é referido quanto à causa que determinou o comportamento ilícito de …, que poderia, inclusivamente, conduzir à sua absolvição, dado que a Lei refere de forma clara e inequívoca que, quem actua ao abrigo do direito de necessidade actua de forma não ilícita, ou seja, lícita. 16. Impunha-se ao Tribunal ter aditado aos factos provados os que foram nomeados pelo arguido, designadamente, que “o arguido apenas conduziu o veículo a motor referido no art.º 1.º dos factos dados como provados, por solicitação da sua companheira …, em virtude de a mesma - devido à ansiedade e pressão que estava a sentir, pelo congestionamento do trânsito por si provocado, encontrando-se vários condutores a buzinar - ,ter potenciando situações de insegurança rodoviária”; 17. Deverá ser igualmente dado como provado que os pressupostos para a mobilização da causa de justificação da ilicitude prevista no art.º 34.º do Código Penal se encontram reunidos, tendo o arguido agido de forma lícita, por o seu comportamento se subsumir ao âmbito de aplicação daquela; … 19. De qualquer modo, uma vez que não foram devidamente ponderadas as declarações do arguido - a reputada confissão sincera e espontânea - no que tange à argumentação subsumível a uma causa de justificação da ilicitude, impõe-se dar como provada para o efeito a verificação de todos os pressupostos do direito de necessidade ( 412.º, n.º 3, al. b) do CPPenal); … 22. Se assim se entender, não restará, novamente, outra solução a este Tribunal senão a de absolver o arguido, perante o preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do Código Penal, dado que o apenas permanece o desvalor do resultado, mas já não o desvalor da acção. … 3. Notificado, em RESPOSTA, o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso, concluiu nos seguintes termos: … 4. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu PARECER … 5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo sido exercido o contraditório. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. II- FUNDAMENTAÇÃO 1. QUESTÕES A RESOLVER No caso dos autos são QUESTÕES a resolver: 1. Da sindicância da matéria de facto; 2. Da alteração do enquadramento jurídico e da redução da medida da pena. 1) No dia 11 de Maio de 2024, pelas 23h00, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros …, pela via pública, …, sem que fosse possuidor de carta de condução válida ou titular de outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículos a motor ou outro. 2) Agindo da forma descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de conduzir o referido veículo automóvel, sem qualquer razão justificativa, não obstante saber que era necessário ser titular de documento válido que o habilitasse a conduzir veículos motorizados na via pública, emitido e passado por entidade oficial competente e, no entanto, prosseguiu os seus intentos. 3) Mais sabia o arguido que a sua conduta era e é proibida e punida por Lei e, não obstante, não se coibiu de a praticar. … A ESTES FACTOS ACRESCEM AINDA OS SEGUINTES: 14) … reconheceu, de imediato, a autoria dos  factos que se mostra acusado.   * III – FACTOS NÃO PROVADOS (COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DE MÉRITO): Inexistem factos que não tenham sido provados. * * * * * * IV – CONVICÇÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Os factos foram fixados com base nos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, analisados de forma crítica (de acordo com a livre convicção do Tribunal e com as regras de experiência comum, à luz do artigo 127.º, do Código de Processo Penal), e como doravante se passa a expor. Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, designadamente nas declarações confessórias prestadas pelo arguido, bem como na prova documental, junta aos autos, mormente, o auto de notícia (a fls. 2), a pesquisa na base de dados de condutores do IMT, a fls 28, bem como o certificado de registo criminal do arguido. Concretizando.   * * * V – DO DIREITO 5.1. DO CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL * … * No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito é possível concluir que o arguido actuou dolosamente, com conhecimento e vontade de realização típica (i.e., com dolo directo – artigo 14.º, nr.º 1, do Código Penal [factos provados nrs.º 2 e 3]), na medida em que sabianão ser possuidor de título de condução e que, nessas circunstâncias, sabia não poder conduzir veículos automóveis ligeiros – e, ainda assim e não obstante, decidiu fazê-lo. Por fim, encontra-se igualmente preenchido o tipo de culpa (i.e., a censurabilidade da acção ilícita-típica em função da atitude interna juridicamente desaprovada) doloso, em face da personalidade ou atitude ético-pessoal [i.e., da atitude íntima do agente] de oposição ou indiferença perante as exigências ético-sociais (jurídico-penalmente assumidas) de respeito pelos valores fundamentais da vida em comunidade (bens jurídico-penais), que se encontra materializada no facto típico ilícito praticado. Face ao exposto, encontram-se verificados os requisitos do crime de condução de veículo sem habilitação legal, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 3.º, nrs.º 1 e 2, do Decreto-Lei nr.º 2/98, de 3/1, praticado pelo arguido, não tendo resultado provadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa que pudessem afastar a responsabilidade criminal pelos mesmos factos. * 5.2. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DOS CRIMES … Pelo exposto, conclui-se, pois, que só a pena de prisão satisfará as exigências de prevenção geral, positiva, e de prevenção especial, positiva. * A conduta do arguido integrou, como supra se conclui, a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, nrs.º 1 e 2, do Decreto-Lei nr.º 2/98, porém, este encontra-se acusado da prática deste crime enquanto reincidente, pelo que, a demonstrarem-se os requisitos da reincidência, nos termos do artigo 76.º, do Código Penal, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Nestes termos, a moldura penal, a considerar em caso de reincidência, será de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 2 (dois) anos de prisão. * In casu, o pressuposto formal da reincidência encontra-se alegado tendo por referência as condenações constantes do certificado de registo criminal do arguido e foi dado como provado que o arguido foi anteriormente condenado em pena de prisão efectiva nos seguintes processos: … • Também o pressuposto material foi alegado e dado como provado, pois os factos ora aqui imputados ao arguido são idênticos aos crimes de condução sem habilitação legal por que foi anteriormente condenado. • O arguido demonstra, com o seu percurso de vida e condenação penal sofrida, que não adequou o seu comportamento às regras sociais e às normas penais em vigor, sendo indiferente às condenações anteriormente sofridas em pena de prisão efectiva e persistindo na condução de veículos com motor sem estar legalmente habilitado. • A postura assumida pelo arguido perante a concessão da liberdade condicional e, entre o mais, a prática de novos factos ilícitos, permitem concluir ter baixa capacidade crítica, para o qual as condenações anteriores sofridas não significaram alterações positivas no seu curso de vida, uma vez colocado em liberdade condicional, não tendo diligenciado por tirar carta de condução de veículos com motor. A personalidade do arguido, reflectida quer nos factos que determinaram as anteriores condenações, quer nos factos aqui em apreço, revela traços de total indiferença para com as normas jurídicas, o que demonstra a referida falta de sentido crítico e consciência da desadequação da sua conduta. Pelo exposto, será o arguido condenado como reincidente, dado que a pena concreta a aplicar será sempre de prisão efectiva e superior a seis meses. *… f) A confissão do arguido atenua as exigências de prevenção especial, positiva. Assim, atenta a moldura penal abstracta supra referida, e consideradas todas as circunstâncias supra descritas, sopesando os antecedentes criminais do arguido, considera-se ser de fixar a pena de prisão a aplicar ao arguido de: 1 (um) ano e 3 (três) meses, de prisão, pela prática de um crime condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nrs.º 1 e 2, do Decreto-Lei nr.º 2/98, de 3-1. * 5.2.3. DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO Donde, face ao percurso e à personalidade do arguido, não obstante as múltiplas e diversas advertências, solenes, no sentido do desvalor da sua conduta (contrária às mais elementares exigências do dever-ser jurídico-penal), não se vislumbra que, com esta condenação, o arguido vá optar por um caminho distinto ao tomado até aos dias de hoje, nomeadamente não praticando novamente o mesmo tipo legal de crime pelo qual já vem a ser, múltiplas vezes, condenado. Face a tudo o exposto, destacando-se a reiterada prática de crimes pelo arguido (i.e., os seus antecedentes criminais), julga-se que não é possível fazer um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, no sentido de que não voltará a praticar novas infracções criminais, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça de pena de prisão, nesta fase da sua vida, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50.º, do Código Penal. Por tal motivo, a pena de prisão em que o arguido será condenado não será suspensa na sua execução. * 5.2.4. DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO – ARTIGO 43.º, DO CÓDIGO PENAL Contudo, as finalidades de prevenção, especial, positiva, são elevadas no caso em apreço. Em termos de prevenção geral, são também as mesmas acentuadas, pelo que atendendo às circunstâncias do caso concreto, à gravidade do ilícito praticado, aos antecedentes criminais do arguido e à circunstância de se encontrar a cumprir pena de prisão efectiva, está-se em crer que cabe afastar o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pois que esta não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão». * 3. APRECIANDO O RECURSO 1. Da sindicância da matéria de facto   Vejamos.   Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia  conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi  (art.º 412.º n.º 3 do CPP).   “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o  Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar  necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento  realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo  julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…”   Conquanto o recorrente não tenha invocado tal nulidade, de acordo as nulidades  da sentença previstas no art.º 379º, n.º 1, são de conhecimento oficioso (n.º 2 do referido  artigo).   Efetivamente, consta da ata de audiência de julgamento que:   * * * * Logo após o Mm. º Juiz proferiu o seguinte: Neste momento, pelo arguido foram prestadas declarações, tendo o mesmo confessado de forma integral e sem reservas os factos de que se mostra acusado. Dada a palavra à Digna Procuradora e ao Ilustre Defensor Oficioso, estes declararam nada a opor à confissão integral e sem reservas. A confissão integral e sem reservas, nos termos do artigo 344º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal, implica que os factos da acusação sejam dados como provados, que seja prescindida a produção de prova dela constante e taxa de justiça seja reduzida a metade». Ora, como é sabido, as declarações dos arguidos são, no nosso processo penal, um meio de prova, livremente apreciado pelo tribunal, de acordo com a regra estabelecida no art.º 127.º, do CPP. No entanto, quando o arguido, ao prestar declarações, confessa os factos que lhe são imputados – a confissão é, no nosso direito, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352.º, do Código Civil) – há que distinguir, quer quanto ao andamento do processo, quer quanto ao valor probatório. Se na audiência de julgamento o arguido declara que pretende confessar os factos que lhe são imputados o presidente deve perguntar-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coação, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas. A inobservância deste procedimento pelo presidente origina nulidade (art.º 344.º, n.º 1, do CPP). Confissão livre e fora de qualquer coação é a confissão efetuada com discernimento para se entender o que se diz e por que razão se diz, e feita porque voluntariamente assumida. Confissão integral e sem reservas é a admissão de todos os factos relevantes para a imputação criminal, sem que aos mesmos seja oposta qualquer condição ou sejam invocados outros factos que possam ter efeito sobre aqueles ou sobre a referida imputação. Nos casos em que, observado o procedimento descrito, o arguido declara que pretende fazer uma confissão integral e sem reservas, e a faz, há depois que distinguir. Assim, se o crime imputado for punível com pena de prisão superior a cinco anos, se houver coarguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles, ou se o tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, o tribunal, em sua livre convicção, decide se deve ter lugar, e em que medida, relativamente aos factos confessados (art.º 344.º, n.ºs 3 e 4, do CPP). Se o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a cinco anos, se não houver coarguidos ou havendo-os, se existir confissão integral e sem reservas, e coerente, de todos, e se o tribunal, em sua convicção, não suspeitar do carácter livre da confissão, a confissão integral e sem reservas implica: - A renúncia à produção de prova relativamente aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; - A passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e, - A redução da taxa de justiça em metade (art.º 344.º, n.ºs 2 e 3, do C. Processo Penal). Como se vê, não tem qualquer apoio na lei a pretensão do recorrente de que, ao declarar em audiência de julgamento que confessava integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, afinal apenas confessou parcialmente e com reservas, o que, aliás, obrigaria à produção de prova. Em audiência de julgamento, o arguido confessou de forma livre e sem reservas os factos que lhe são imputados, com o que aceitou a tese da acusação, aderindo ao seu teor. Sendo a matéria de facto, fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender sindicar a matéria de facto dada como provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu ao seu contributo (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação). Do exposto resulta que improcede a pretendida sindicância da matéria de facto que se mostra consolidada nos termos fixados em primeira instância. 2. Da alteração do enquadramento jurídico e da redução da medida da pena Pugna o recorrente pela verificação do estado de necessidade justificante (nos termos do art.º 34.º CP), ou de erro sobre as circunstâncias de facto (invocando o disposto no art.º 16.º do CP) que, alegadamente afastaria o dolo do agente. Não se provou a base factual na qual o recorrente fundamenta a defesa: seja o pretendido aditamento à factualidade provada; seja a não verificação de acidente de viação. Por consequência, falece, também neste segmento, o recurso. Identicamente, a pretendida redução da medida da pena pressupõe a não ocorrida alteração da factualidade provada pelo que, também nesta parte, e assim, na totalidade, improcede o recurso. III. DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pelo arguido recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC´s (art.º 513º Código de Processo Penal e Tabela). (Certifica-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). Coimbra, 22.10.2025 Alexandra Guiné (Juíza Desembargadora relatora) António Miguel Veiga (Juiz Desembargador 1.º adjunto) Ana Carolina Cardoso (Juíza Desembargadora 2.ª adjunta) 
 
 |