Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | REGISTO PREDIAL DUPLO REGISTO SOBRE O MESMO PRÉDIO COMPOSSE | ||
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Data do Acordão: | 07/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 3 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 344.º, N.º 1, 350.º E 1268.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGO 7.º CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL | ||
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Sumário: | I- A censura sobre a convicção probatória do julgador, apenas pode ser concedida – máxime perante prova pessoal e considerando os benefícios da imediação e da oralidade – se tal convicção se revelar manifestamente desconforme à prova invocada, e, assim, os meios probatórios aduzidos pelo recorrente não apenas sugiram, mas antes imponham tal censura – artº 640ºdo CPC.
II - Havendo duas descrições registais do mesmo prédio, elas anulam-se mutuamente, inexistindo a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, e devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo - AUJ n.º 1/2017, DR n.º 38/2017, Série I de 2017-02-22. III - O possuidor goza da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse - artigo 1268º, nº 1, do CC – ou se for provada uma forma de aquisição originária. IV – Numa situação de composse deve prevalecer a melhor posse, a qual é aquela que se traduz em atos materiais diretos, públicos e inequívocos sobre o bem, que demonstrem uma relação social do possuidor com ele, desde logo no sentido e um seu melhor aproveitamento económico. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Alberto Ruço João Moreira do Carmo * ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. Banco 1..., S.A., instaurou contra, AA a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediu que: a) Se declare que o prédio rústico composto por terra de cultura com oliveiras, situado em ... ou ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz rústica pelo art. ...94.º da união das freguesias ... e ..., registado a favor da Autora pela Ap. ...27 de 2020/07/22 é propriedade da Autora, com a localização e áreas constantes da planta junta como doc. 4; b) A Ré seja condenada a reconhecer o direito de propriedade da Autora relativamente ao referido prédio, com a localização e áreas constantes da planta junta como doc. 4; c) A Ré seja condenada a restituir a posse plena do prédio identificado à Autora; d) A Ré seja condenada a abster-se de impedir o acesso da Autora ao imóvel e à livre circulação dentro dele; e) Se reconheça a duplicação dos registos da Autora e da Ré sobre a mesma realidade física, e, consequentemente, se determine o cancelamento e eliminação do registo do prédio da Ré junto da competente Conservatória do Registo Predial e f) A Ré seja condenada em sanção pecuniária compulsória de 50,00 € (cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega do prédio que ocupa, nos termos do art. 829.º-A do Código Civil.
A Ré deduziu contestou, defendendo-se por impugnação e deduziu reconvenção, em que peticionou o seguinte: a) ser reconhecido e declarado, para todos os devidos e legais efeitos, que a Ré/Reconvinte é única e a legítima possuidora e proprietária do prédio rústico composto por terreno de sequeiro, sito em ..., união das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sobre o número ...25, da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica pelo artigo ...81 da união das freguesias ... e ... (que proveio do artigo ...20 da extinta freguesia ...), por o ter adquirido por usucapião; b) ser a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer o direito de propriedade da Ré/Reconvinte, relativamente ao prédio indicado na alínea anterior, com a localização, área e confrontações que constam da matriz e do registo predial.
O A. replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
2. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «1) Julgo a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos formulados pelo Autor e 2) Reconheço a duplicação das seguintes descrições prediais da ... Conservatória do Registo Predial ...: 19.../...07 e 34.../...16, ambas da freguesia ..., concelho ... e 3) Julgo a reconvenção procedente, por provada e condeno o A./reconvindo a reconhecer que a R./reconvinte é proprietária do prédio rústico a que se respeitam as descrições prediais n.ºs 19.../...07 e 34.../...16 ambas da freguesia ..., concelho ..., descritas na ... Conservatória do Registo Predial ....».
3. Inconformado recorreu o autor. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. A questão a resolver prende-se com o direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos Autos descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da freguesia ..., concelho ..., o prédio rústico situado em ... ou ..., composto por terra de cultura com oliveiras, a confrontar do norte e sul com BB, de nascente com CC e de poente com herdeiros de DD, inscrito na respetiva matriz rústica pelo art. ...94.º da união das freguesias ... e .... II. Em primeiro lugar, a Meritíssima Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto por si levado a cabo, razão pela qual, no presente recurso, se impugna tal decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º do C.P.Civ .. III. O Tribunal a quo para prova do facto 18 teve em consideração o depoimento de EE e o depoimento de FF filho da Ré. IV. Do depoimento do Sr. EE, mostrou pleno conhecimento do imóvel, que já havido sido do seu avô, confirmando que o Sr. GG, anterior proprietário, esteve no terreno 22 anos, plantando e cuidando do mesmo, tendo “saído de lá” por problemas bancários. V. Só sabe que o prédio é da Ré porque o filho desta lhe disse, sendo certo que viu lá um senhor a limpar o terreno, reafirmando por várias vezes que o terreno estava ao abandono, nomeadamente, as árvores, com excepção da nespereira, não dão frutos há 4 ou 5 anos. VI. Considerando todo o depoimento e em especial, o que supra se transcreveu, o testemunho é um pouco comprometido no que respeita à tese da Ré no sentido de sempre salientar que conhecia o filho da Ré e que o viu algumas vezes, não obstante, fugindo-lhe a boca para a verdade, temporalmente identifica claramente que o Sr. GG deixou o terreno em 2019, tanto porque diz que ele esteve lá 22 anos, seja porque afirma que as árvores estão ao abandono há 4 ou 5 anos, o que contas feitas, recai, precisamente, no ano de 2019. VII. Sendo por outro lado bastante incerto que do depoimento que a Ré, através do filho, mande cuidar do terreno todos os anos, pois não é possível retirar essa frequência do seu depoimento, considerando as hesitações. VIII. Também o depoimento do filho da Ré FF é hesitante, conforme supra transcrito, pois apesar de referir constantemente que ia ao terreno algumas vezes por ano, acaba por dizer que nunca foi ele que tratou do terreno, seriam colegas seus que por conta de fazerem trabalho, ficam com a lenha da poda das árvores. IX. Por outro lado, refere que “por alturas desta situação”, isto é, a propositura da ação (em 2022) reiterando que este ano (2024) ainda não foi lá. X. Portanto, há um evidente interesse em afirmar temporalmente a limpeza do terreno de ano a ano, mas este facto, salvo melhor análise, não resulta de uma mera intenção/preocupação de demarcar temporalmente a “posse” sem correspondência com a verdade. XI. Deste modo, e considerando o exposto e que resulta do depoimento das testemunhas, não poderá manter-se o ponto 18 dos factos provados. XII. Pelo contrário, deve dar-se como provado o facto não provado 1, isto é, “a posse era exercida desde 7/11/1997 pela Sr.ª HH e marido (art. 22º da p.i.);” XIII. Em primeiro lugar, porque tal resulta do facto provado no ponto 3, decorrente da certidão junta como doc. n.º 9 (ficheiro 11) da petição inicial, considerado também para a prova da aquisição do Sr. GG. XIV. Considerando a data do registo a favor de GG e mulher, que é a mesma, estamos nitidamente perante um trato sucessivo, efectuada de forma concretizar-se na ordem tabular a regra de que o direito já tem de existir em quem transmite, visto que “ninguém pode transmitir o que não tem”. XV. Concludentemente, terá que ser dado como provado que “a posse do imóvel referido em 1) já era exercida pelo menos desde 07/11/1997 pela Senhora HH e marido, tendo o Sr. GG e mulher acedido na posse daqueles.” XVI. Sem prescindir, mesmo que se entenda expurgar o facto de considerações de direito, o que sem conceder se concebe, “a posse do imóvel referido em 1) já era exercida pelo menos desde 07/11/1997 pela Senhora HH e marido” XVII. Igualmente, andou mal o Tribunal a quo quando afirma que a Recorrente não provou que “desde 22/7/2020, tenha praticado actos de posse sobre o prédio em causa nos presentes autos (art. 22º da p.i.)”. XVIII. Desde logo, salienta-se que a Recorrente não é uma pessoa singular, pelo que os actos de posse de uma pessoa colectiva não são comparáveis a actos praticados por um particular. XIX. Em especial, considerando que a Recorrente é uma instituição financeira e que aquiriu o imóvel em execução, para legitimamente obter a satisfação do seu crédito, com o intito, claro, de proceder à sua venda. XX. De modo que, e como sempre, tem de proceder à preparação do imóvel para entrar no mercado imobiliário, nomeadamente, verificação da documentação do prédio, inspecção ao local, mandando proceder ao levantamento topográfico, etc.. como confirmou a testemunha II, e cujo depoimento na parte que releva, se transcreveu. XXI. Foi exactamente por ter resultado da investigação que a Recorrente fez que o imóvel não estaria pronto para a comercialização, na medida em que, conforme resulta do relatório topográfico, vide doc. n.º 3 junto com a p.i. (ficheiro 5), se constatou que havia informação de uma segunda aquisição do mesmo prédio, a Recorrente após análise do processo, propôs a presente acção, na convicção de ser a legítima proprietária do imóvel em questão. XXII. Por outro lado, foi o próprio anteproprietário Sr. GG que indicou ao Tribunal, como já havia feito ao topógrafo, que o imóvel em causa nos Autos foi o que deu de hipoteca ao Banco, conforme supra se transcreveu. XXIII. Deste modo, deve ser dado como provado que a “desde 22/7/2020, a A. praticou actos de posse sobre o prédio em causa nos presentes autos (art. 22º da p.i.), nomeadamente, encomendou um levantamento topográfico ao imóvel (art. 2.º da p.i.) e que resultou no relatório junto com a p.i.” XXIV. Igualmente, entende-se necessário para a boa decisão da causa, a inclusão dos factos descritos nos arts. 3.º e 4.º da p.i., com a seguinte redação: - “Pelo topógrafo foi elaborada uma planta, da qual consta a área do prédio em referência, as suas confrontações e localização, a que corresponde o doc. 4 junto com a p.i. (art. 3.º da p.i.)” - “A localização do terreno adquirido pela A. foi confirmada pelo anterior proprietário”. XXV. O primeiro, porque resulta dos documentos, e o segundo, porque resulta do depoimento do Sr. GG, em sede de audiência de julgamento, e da própria acareação, de onde resulta que o mesmo ajudou o topógrafo, JJ a localizar o prédio para elaboração do relatório. XXVI. Impõe-se pois a modificação da matéria de facto, por manifesto erro na apreciação da prova pois, no sentido indicado pela Recorrente, ou seja: Deve o ponto 18. ser alterado, dado como não provado. Devem ser aditados 4 factos, com a seguinte redação: 1 - “a posse do imóvel referido em 1) já era exercida pelo menos desde 07/11/1997 pela Senhora HH e marido” 2 - “desde 22/7/2020, a A. praticou actos de posse sobre o prédio em caus anos presentes autos (art. 22º da p.i.), nomeadamente, encomendou um levantamento topográfico ao imóvel (art. 2.º da p.i.) e que resultou no relatório junto com a p.i.” 3 - “Pelo topógrafo foi elaborada uma planta, da qual consta a área do prédio em referência, as suas confrontações e localização, a que corresponde o doc. 4 junto com a p.i. (art. 3.º da p.i.)” 4 - “A localização do terreno adquirido pela A. foi confirmada pelo anterior proprietário”. XXVII. No que ao Direito concerne, a Recorrente não se conforma com o raciocínio do Tribunal a quo que, partindo dos mesmos pressupostos preconizados pela Recorrente, conclui em sentido diametralmente oposto! XXVIII. Possuindo A. e Ré registo de propriedade sobre o mesmo imóvel objecto desta acção, a solução de direito não se encontra nas regras da eficácia do registo em relação a terceiros, nem nas regras da presunção da propriedade, outrossim, nas regras de direito substantivo, o que, salvo melhor opinião, impunha a cada um dos titulares inscritos a fazer a prova da aquisição originária. XXIX. O que a Recorrente fez, mas a Ré não. XXX. Na verdade, como dito, a aquisição alegada pela Recorrente foi derivada, uma vez que o direito de propriedade foi transmitido por compra (em processo de execução) porém, a Recorrente alegou e provou a sua aquisição originária, já que o imóvel está na posse dos anteriores proprietários desde, pelo menos, 07/11/1997. XXXI. No caso concreto, os anteproprietários, rectius, antepossuidores, há mais de 20 anos, vieram a praticar actos materiais incidentes directamente sobre o prédio ora pertencente à Recorrente, correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre o referido prédio, posse sendo a sua posse pacífica e pública, nos termos gerais dos artigos 1261.º e 1262.º do C.Civ.. XXXII. Posse a que a Recorrente acedeu, nos termos do art. 1256.º do C.Civ.. XXXIII. Nestes termos, o apossamento, aquisição originária aqui invocada, traduz-se na aquisição unilateral da posse mediante a prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito, em conformidade com o disposto na alínea a) do art. 1263.º do C.Civ.. XXXIV. No caso em apreço, os ante proprietários e a Autora têm justo título e registo, tal como vêm exercendo a posse, de modo pacífico e sem oposição de quem quer que seja, desde pelo menos 1997, pelo que há muito decorreu o período temporal necessário à aquisição do direito de propriedade sobre o prédio em discussão nos autos. XXXV. A prova da cadeia de transmissões não tem de recuar a tempos imemoriais, mas apenas, no pior cenário, a 20 anos, pelo que tendo a Recorrente provado a alegada sucessão na posse, conforme lhe competia, nos termos do art. 342.º. n.º 1 do C.Civ., e, em suma, tendo aquela e os ante proprietários agido directamente sobre a coisa reivindicada com animus dominii, isso faculta-lhe a aquisição do direito de propriedade pelo instituto da usucapião ex vi do artigo 1287.º do C.Civ., o que aqui se invoca. XXXVI. Ademais, o art. 1268.º do C.Civ. estatui que o possuidor goza da presunção de titularidade do direito excepto se existir a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse. XXXVII. Assim, mal se compreende que o Tribunal a quo tenha decidido que a presunção estabelecida neste preceito não se mostra ilidida. XXXVIII. Na verdade, no raciocínio do Tribunal o antepossuidor, o Sr. GG terá perdido a posse em 2012, aquando da aquisição pela Banco 2...!, o que além de absurdo não resulta minimamente provado. XXXIX. Sendo certo que a Ré tem direito inscrito que se repristina a 29/02/2012 e a Recorrente tem o direito que se repristina a 07/11/1997. XL. Pelo que nunca poderia ser reconhecido o direito de propriedade da Ré. XLI. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou entre outros, o disposto nos arts. 342.º, 1256.º, 1263.º, 1268.º 1288.º e 1294.º, a) do C.Civ. e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência nas normas putativamente invocadas.
Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido aduzindo os seguintes argumentos finais: I. Desde 22/9/2017 que a Ré AA manda limpar o terreno do prédio, podar as árvores e colher os respetivos frutos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que tal prédio lhe pertence. II. O depoimento da testemunha EE, cuja propriedade confronta na sua estrema sul com o prédio rústico em causa nos presentes autos confirmou que as árvores de fruto no mesmo existentes foram plantadas pelo Sr. GG (cerejeira, nespereira, duas macieiras, duas ou três laranjeiras e duas oliveiras), o que foi corroborado pelo próprio. Quando o Sr. GG saiu de lá, aquilo ficou desprezado, mas depois começou a ir lá um senhor com um trator limpar aquilo. III. A testemunha FF, filho da Ré, afirmou que, desde a aquisição, já lá foi algumas vezes limpar o terreno (uma vez por ano), podar as árvores e apanhar fruta, na convicção de estar a exercer o direito de propriedade (da sua mãe que está emigrada). IV. O animus da posse no sentido do exercício de determinado direito extrai-se por presunção dos concretos factos possessórios, nos termos do artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil, o que no caso conduz à afirmação do elemento subjectivo da posse da Ré. V. O Autor/Recorrente faz uma interpretação errónea dos depoimentos das testemunhas EE e FF, no sentido de fazer valer a sua tese. VI. A testemunha EE, que prestou depoimento no dia 10-09-2024, início 10:34 a 10:58 (00:00:01 a 00:23:36) mencionou que: a) conhece o filho da Ré, AA, porque o viu lá algumas vezes no terreno, que é pegado com o seu (00:02:21 a 00:02:35); b) o terreno tem um caminho que já existia no tempo do seu falecido avô, há mais de 40 anos que existe e foi alcatroado há mais de 12 anos (00:09:01 a 00:09:40); c) há um terreno da parte de baixo que também era do Sr. GG, que agora é vinha e antes eram oliveiras (00:10:03 a 00:12:00); d) a Ré, AA, depois de comprar o terreno, passou a mandar fazer a limpeza do mesmo com um trator uma vez por ano (00:14:00 a 00:14:27 e 00:21:05 a 00:21:50); e) nunca lá viu ninguém a dizer que o terreno não era da D. AA ou a dizer que era o proprietário do terreno (00:14:28 a 00:15:00). VII. A testemunha FF, que prestou depoimento no dia 14-05-2024, início 14:11 a 14:34 (00:00:01 a 00:22:28), referiu que: a) desde que a sua mãe adquiriu o prédio fizeram a limpeza, as árvores eram podadas, os frutos eram colhidos por ele e pela esposa e as uvas eram colhidas por um Sr. que tinha uma vinha lá próxima (00:06:40 a 00:07:25); b) o terreno é limpo uma vez por ano, conforme a lei, por colegas que ficam com a lenha da poda das árvores em troca da limpeza do terreno, sendo que utilizam um trator para a limpeza da erva alta (00:16:50 a 00:18:52); c) vai colher a fruta com a esposa duas ou três vezes por ano, indo, por exemplo, no final do ano à apanha das laranjas e das tangerinas (00:19:00 a 00:21:28). VIII. Face aos depoimentos das testemunhas EE e FF andou bem a Meritíssima Juíza a quo ao considerar que está preenchido o elemento subjectivo da posse da Ré, ou seja, o animus, uma vez que «o animus da posse no sentido do exercício de determinado direito extrai-se por presunção dos concretos factos possessórios, nos termos do artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil». IX. Considerando o que resulta do depoimento das testemunhas EE e FF, deverá manter-se o ponto 18 dos factos provados. X. Quanto aos factos que mereceram resposta negativa, tal resultou da ausência de prova sobre essa factualidade, pela parte à qual a mesma incumbia, atentas as regras do direito probatório material. XI. A prova dos factos de que “a posse era exercida desde 7/11/1997 pela Sr.ª HH e marido”, “tendo o Sr. GG e mulher acedido na posse daqueles” incumbia ao Autor, ora Recorrente, que não logrou demonstrar tais factos. XII. Nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou que a posse era exercida desde 07/11/1997 pela Sr.ª HH e marido. XIII. A posse é definida no artigo 1251.º do Código Civil como “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”. XIV. Nos termos do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto”. XV. Nos termos da alínea a) do artigo 1263.º do Código Civil a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito. XVI. Encomendar um levantamento topográfico de um imóvel não pode ser considerado um ato de posse. XVII. O Autor/Recorrente não logrou provar a prática reiterada, com publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do seu direito. XVIII. «Da prova produzida resultou que em 1997, GG e mulher adquiriram o prédio a HH. E que, ao longo dos anos praticaram os actos de posse referidos, de forma pública, pacífica, na convicção e que eram proprietários do mencionado imóvel. Em 2012, o mesmo foi adquirido pela Banco 2... que, por seu turno, em 2017, o vendeu à R. a qual, desde então, por intermédio do seu filho FF, vem limpando o terreno, podando as árvores e colhendo os frutos, com o animus correspondente ao direito de propriedade. XIX. Desse circunstancialismo deriva a presunção de propriedade sobre o referido imóvel, que não se mostra ilidida – art. 1268º do Código Civil.» XX. «Não funcionando, no caso concreto, a presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, não beneficiando nenhuma das partes dessa presunção, beneficia a Ré da presunção da propriedade em relação ao prédio reivindicado, em função da posse que sobre ele vem exercendo, nos termos do n.º 1 do artigo 1268.º do Código Civil, presunção essa que não é afastada pela existência de registo anterior ao início dessa posse.». XXI. Não existe qualquer erro na apreciação da prova por parte da Meritíssima Juíza a quo. XXII. O Autor/Recorrente não logrou provar, como lhe competia, que a posse do imóvel em causa nos autos já era exercida pelo menos desde 07/11/1997 pela Senhora HH e marido; XXIII. O Autor/Recorrente também não logrou provar que praticou atos de posse sobre o prédio em causa nos autos. XXIV. Ao invés, a Ré/Recorrida logrou provar a sua posse, pois desde que adquiriu o prédio, vem, por intermédio do seu filho FF, «limpando o terreno, podando as árvores e colhendo os frutos, com o animus correspondente ao direito de propriedade». XXV. «Da prova produzida resultou que em 1997, GG e mulher adquiriram o prédio a HH. E que, ao longo dos anos praticaram os actos de posse referidos, de forma pública, pacífica, na convicção e que eram proprietários do mencionado imóvel. Em 2012, o mesmo foi adquirido pela Banco 2... que, por seu turno, em 2017, o vendeu à R. a qual, desde então, por intermédio do seu filho FF, vem limpando o terreno, podando as árvores e colhendo os frutos, com o animus correspondente ao direito de propriedade.» XXVI. Ao facto de alguém estar na posse de determinada coisa, faz a lei corresponder a presunção de que é igualmente titular do direito sobre a mesma, exonerando do ónus de provar essa titularidade. XXVII. Presume-se que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que sobre ela pratica. XXVIII. Da posse, mesmo atual, deriva logo a presunção de propriedade, que só cede se for provado um registo anterior ao início da posse. 2. QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO XXIX. O Tribunal a quo, do ponto de vista do direito aplicado, aplicou, e bem, o direito que lhe permitiu fundamentar aquilo que era importante para a boa decisão da causa. XXX. Autor/Recorrente e Ré/Recorrida possuem registo de propriedade sobre o mesmo imóvel objeto desta ação, pelo que a solução de direito não se encontra nas regras da eficácia do registo em relação a terceiros, nem nas regras da presunção da propriedade, mas sim nas regras de direito substantivo. XXXI. No caso concreto, não funciona a presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, não beneficiando nenhuma das partes dessa presunção. XXXII. A Ré beneficia da presunção da propriedade em relação ao prédio reivindicado, em função da posse que sobre ele vem exercendo, nos termos do n.º 1 do artigo 1268.º do Código Civil, presunção essa que não é afastada pela existência de registo anterior ao início dessa posse. XXXIII. A posse traduz-se no exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos do direito de propriedade ou de outro direito real, integrando dois elementos: o corpus – seu elemento material – que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício; e o animus, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto XXXIV. A Ré tem o domínio de facto sobre o prédio desde que o adquiriu, exerce poderes materiais sobre o prédio, mandando limpá-lo, colhendo os frutos, atuando como sua titular, publicamente, de boa fé, à vista de toda a gente. XXXV. A prioridade a que se atende no artigo 6.º do Código do Registo Predial, «é a prioridade das inscrições no mesmo registo, mas não a prioridade das descrições, não constituindo a prioridade na data da descrição critério adequado para resolver os problemas resultantes da duplicação das descrições Por outras palavras, o critério da prioridade do registo não é critério para resolver casos patológicos como o presente em que o registo proclama simultaneamente que um prédio é, por hipótese, propriedade exclusiva e ao mesmo tempo de A e de B. A inexatidão do registo é aqui de tal magnitude que impede o funcionamento normal das regras e princípios próprios do direito registal.» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017). XXXVI. «E também não o seria o critério defendido no recurso da antiguidade do trato sucessivo. Em primeiro lugar não está afastada a possibilidade de ser um dos titulares que consta do trato sucessivo mais antigo quem criou a duplicação da descrição para nesta nova descrição ser registada uma alienação, "reservando" a primeira descrição a uma outra transmissão operada por hipótese para um testa-de-ferro» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017). XXXVII. Em suma, "o facto de que uma inscrição seja mais antiga que a outra não implica necessariamente que a primeira seja o reflexo no registo da verdade extra registal e que a segunda represente sempre a fraude ou o erro constitutivos da dupla descrição". (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017). XXXVIII. Mas e sobretudo porque, como já foi referido, a proteção de quem confiou na aparência do registo não pode depender de factos cujo conhecimento lhe era extremamente difícil, quando não praticamente impossível, como a existência de uma outra descrição do mesmo prédio, com um trato sucessivo porventura anterior...» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017). XXXIX- A Meritíssima Juíza a quo fundamenta a douta sentença nas normas aplicáveis ao caso concreto, designadamente os artigos 342.º, n.º 2, 344.º, n.º 1, 350.º, 1268.º do Código Civil XL. A sentença recorrida aplicou corretamente o direito aos factos dados como provados, não tendo violado quaisquer normas.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª - Procedência da ação e improcedência da reconvenção.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 p.09P0114, in dgsi.pt.. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1. in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1. 5.1.2. Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei - artº 640º do CPC - exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua (do recorrente), subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt. 5.1.3. In casu. Pretende o autor a não prova do ponto de facto provado 18 e a prova de quatro factos. Têm eles o seguinte teor: 18- Desde 22/9/2017 que a Ré AA manda limpar o terreno do prédio, podar as árvores e colher os respetivos frutos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que tal prédio lhe pertence (arts. 29º a 35º da contestação-reconvenção).
1 - “a posse do imóvel referido em 1) já era exercida pelo menos desde 07/11/1997 pela Senhora HH e marido” 2 - “desde 22/7/2020, a A. praticou actos de posse sobre o prédio em causa nos presentes autos (art. 22º da p.i.), nomeadamente, encomendou um levantamento topográfico ao imóvel (art. 2.º da p.i.) e que resultou no relatório junto com a p.i.” 3 - “Pelo topógrafo foi elaborada uma planta, da qual consta a área do prédio em referência, as suas confrontações e localização, a que corresponde o doc. 4 junto com a p.i. (art. 3.º da p.i.)” 4 - “A localização do terreno adquirido pela A. foi confirmada pelo anterior proprietário”. A Julgadora fundamentou as respostas nos seguintes, termos: «Para prova dos pontos 17) e 18) dos factos provados, considerou-se o depoimento da testemunha EE, cuja propriedade confronta na sua estrema sul com o prédio rústico em causa nos presentes autos e confirmou que as árvores de fruto no mesmo existentes foram plantadas pelo Sr. GG (cerejeira, nespereira, duas macieiras, duas ou três laranjeiras e duas oliveiras), o que foi corroborado pelo próprio. Quando o Sr. GG saiu de lá, aquilo ficou desprezado, mas depois começou a ir lá um senhor com um trator limpar aquilo. A testemunha FF, filho da Ré, afirmou que, desde a aquisição, já lá foi algumas vezes limpar o terreno (uma vez por ano), podar as árvores e apanhar fruta, na convicção de estar a exercer o direito de propriedade (da sua mãe que está emigrada). Acresce que o animus da posse no sentido do exercício de determinado direito extrai-se por presunção dos concretos factos possessórios, nos termos do artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil, o que no caso conduz à afirmação do elemento subjectivo da posse da R. Quanto aos factos que mereceram resposta negativa, tal resultou da ausência de prova sobre essa factualidade, pela parte à qual a mesma incumbia, atentas as regras do direito probatório material.» Já o recorrente pugna pela sua tese com base na interpretação diferente que opera da prova produzida, máxime dos depoimentos das duas testemunhas. Foi apreciada a prova. Relativamente ao ponto 18, este é um caso em que têm pleno cabimento as considerações gerais referidas nos pontos 5.1.1.e 5.1.2. Na verdade, tal facto posto em crise foi dado como provado com base na prova testemunhal. As testemunhas invocadas na sentença depuseram, na sua essencialidade relevante, nos termos plasmados na fundamentação aduzida na mesma. E o certo é que inexiste nos autos qualquer outro meio de prova, que, convincentemente infirme qualquer uma das aludidas versões das testemunhas. Ademais, repete-se, a imediação e a oralidade conferem ao julgador da 1ª instância um plus de apreciação que permite, como maior certeza, concluir se a testemunha está, ou não, a dizer a verdade. Pois que o modo de se expressar facialmente, os gestos, os jeitos e trejeitos aquando do depoimento, apresentam-se, muitas vezes, mais sintomáticos, significativos, reveladores e elucidativos, do que as próprias palavras proferidas. Por outro lado os argumentos esgrimidos pela recorrente, são rebatíveis. A asserção de que o testemunho de EE é um pouco comprometido no que respeita à tese da Ré representa uma conclusão qualificativa que se revela intoleravelmente arriscada. A testemunha depôs em função do que sabia e não sabia - daí algumas hesitações -, mas da sua postura geral não dimana, com certeza ou plausibilidade suficiente, aquele comprometimento. No atinente ao argumento de que «há um evidente interesse em afirmar temporalmente a limpeza do terreno de ano a ano, mas este facto, salvo melhor análise, não resulta de uma mera intenção/preocupação de demarcar temporalmente a “posse” sem correspondência com a verdade.» importa dizer que o teor do facto 18 impugnado não abarca qualquer periodicidade temporal. Sendo, pois, na economia de tal teor, irrelevante se os atos de posse praticados pela ré sobre o prédio, têm, ou não, tal periodicidade. O que releva é se eles existiram ou não. E, pelo depoimento de tais testemunhas, não infirmado, repete-se, existiram. Finalmente, a asserção de que o próprio filho da ré não tem bem a convicção que o terreno pertence à mãe revela-se no mínimo peregrina na medida em que foi ele que, em representação desta, o adquiriu em 2017. Quanto aos factos não provados. Provados ou não provados podem apenas ser factos concretos, concisos e precisos da vida real. Assim, alegar que alguém tem a posse de algo, sem mais, apresenta-se como como argumentário meramente jurídico e conclusivo e não factual. Na verdade, a posse é uma figura ou conceito jurídico que apenas emerge e está presente se se provarem os seus pressupostos ou requisitos constitutivos, quais sejam, vg., um efetivo poder de facto, consubstanciado na prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito – artºs 1251º, 1252º nº2 e 1263º al. a) do CCivil. A titularidade do direito e a posse podem não coexistir. Assim, o titular do direito pode transmiti-lo e, no entanto, não ser o seu possuidor – cfr. artº 1263º do CCivil. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito – artº 1268º -; mas o titular do direito não goza da presunção de ser possuidor. Vale isto por dizer que para se poder concluir que alguém tem a posse de algo, mister é que se aleguem e provem tal poder de facto e tais concretos atos materiais sobre a coisa. Ora, in casu, a recorrente alegou a prática de tais atos por banda de HH – pontos 21, 22 e sgs. da pi. Porém a sua prova não pode ser concedida. Pois que, como se viu, e versus o que parece entender a recorrente, a simples transmissão do direito não prova a prática de atos materiais de posse. E outra prova convincente sobre a prática destes atos não se mostrou efetivada. Quanto à prova da posse da autora. Vale aqui o agora expendido quanto à necessidade de, para prova da posse dever provar-se a prática de atos materiais sobre a coisa. Em sede de pi. o autor invocou a investigação sobre o imóvel adquirido, vg. com levantamento topográfico. Fê-lo apenas para justificar a duplicação de registos sobre a mesma realidade física. Que não já para provar a entrada na posse do prédio. Ora os princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade das partes, impunham à autora invocar tais factos na pi, por reporte, imediato e inequívoco, ao efeito jurídico pretendido, este naqueles alcandorando. Mas, para este efeito de prova da posse, tal alegação apenas é efetivada nesta sede recursiva. O que, obviamente, e no rigor dos princípios, se mostraria inadmissível, por extemporâneo. Em todo o caso, e porque tais factos dos pontos 2 e 3 podem ter interesse para a dilucidação das várias hipóteses exegéticas da questão de direito, e porque dimanam claramente provadas dos documentos juntos aos atos, acede-se a inseri-los no rol dos factos provados, a saber: 19. Após a aquisição o autor encomendou um levantamento topográfico ao imóvel. 20. Pelo topógrafo foi elaborada uma planta, da qual consta a área do prédio em referência, as suas confrontações e localização. Quanto ao teor do ponto 4, não se alcança a utilidade do mesmo, nem o recorrente claramente a justifica. 5.1.4. Decorrentemente, e no parcial deferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os aditados: 1- Na ... Conservatória do Registo Predial ... mostra-se descrito sob o n.º 19.../...07, da freguesia ..., concelho ..., o prédio rústico situado em ... ou ..., composto por terra de cultura com oliveiras, a confrontar do norte e sul com BB, de nascente com CC e de poente com herdeiros de DD, inscrito na respetiva matriz rústica pelo art. ...94.º da união das freguesias ... e .... 2- A inscrição matricial referida em 2) foi realizada em 1969 e da mesma consta que o prédio tem 1.450 m2 de área total (art. 8º da p.i.). 3- Por apresentação de 7-11-1997, foi registada a favor de HH, casada com KK, sob o regime da comunhão geral de bens a aquisição do prédio referido 1), por sucessão legítima (art. 15º da p.i.). 4- Por apresentação de 7-11-1997, foi registada a favor de GG e mulher, LL a aquisição, por compra, do prédio referido 1) (art. 16º da p.i.). 5- Por apresentação de 7-11-1997, foi registada hipoteca sobre o prédio referido em 1) a favor do Banco 3..., S.A. (art. 16º da p.i.). 6- O Banco 3..., S.A. foi incorporado no aqui Autor (art. 16º da p.i.). 7- Por título de transmissão datado de 16-7-2020, o Agente de Execução no Processo 4767/17...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Execução de Soure, Juiz ..., em que são partes Banco 1..., S.A., como Exequente, e GG e MM, como Executados, adjudicou ao aqui Autor o prédio referido em 1) (art. 1º e 17º da p.i.). 8- Por apresentação de 22-7-2020, foi registada a favor do Autor a aquisição, por compra em processo executivo, do prédio referido em 1) (art. 1º da p.i.). 9- Na ... Conservatória do Registo Predial ... mostra-se descrito sob o n.º 34.../...16, da freguesia ..., concelho ..., o prédio rústico situado em situado em ..., composto por terreno de sequeiro, com a área total de 1270 m2, a confrontar do norte com EE, do sul e nascente com estrada pública e de poente com NN, inscrito na respetiva matriz rústica pelo art. ...81.º da união das freguesias ... e .... 10- A inscrição matricial referida em 9) foi realizada em 2009 e da mesma consta que o prédio tem 1.270 m2 de área total (art. 8º da p.i.). 11- Por apresentação de 16-3-2010, foi registada uma penhora a favor da Banco 4..., C.R.L., realizada no Processo Executivo n.º 109/10...., que correu termos no Tribunal da Mealhada, em que foram executados GG e mulher, LL sobre o prédio referido em 9) (art. 9º e 11º da p.i.). 12- Por apresentação de 16-3-2010, foi registada uma penhora a favor da Banco 4..., C.R.L., realizada no Processo Executivo n.º 108/10...., que correu termos no Tribunal da Mealhada, em que foram executados GG e mulher, LL sobre o prédio referido em 9) (art. 9º e 11º da p.i.). 13- Por apresentação de 29-2-2012, foi registada a aquisição, por compra em processo de execução, a favor da Banco 4..., C.R.L. do prédio referido em 9). 14- Por escritura pública celebrada no dia 22-9-1917, no Cartório Notarial ..., OO e PP, em representação da Banco 4..., C.R.L., declararam vender à Ré o imóvel referido em 9) (art. 7º da p.i. e 6º da contestação). 15- Por apresentação de 25-9-2017, a aquisição, por compra à Banco 4..., C.R.L. do prédio referido em 9), foi registada a favor da Ré (art. 7º da p.i.). 16- O prédio rústico identificado em 1) corresponde à mesma realidade física do prédio rústico identificado em 9) (art. 6º e 13º da p.i.). 17- Desde 7/11/1997, o prédio rústico referido em 16) foi cultivado e cuidado por GG e mulher, LL, que procederam à mobilização dos solos para efetuar as plantações, limparam, semearam e cultivaram o terreno do prédio, plantaram as árvores de fruto e colheram os frutos, cuidaram das oliveiras e colheram as azeitonas, plantaram e cuidaram das videiras e colheram as uvas, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que tal prédio lhes pertencia (arts. 21º, 28º e 29º da p.i. e 13º a 18º, 20º a 27º da contestação-reconvenção). 18- Desde 22/9/2017 que a Ré AA manda limpar o terreno do prédio, podar as árvores e colher os respetivos frutos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que tal prédio lhe pertence (arts. 29º a 35º da contestação-reconvenção). 19. Após a aquisição o autor encomendou um levantamento topográfico ao imóvel. 20. Pelo topógrafo foi elaborada uma planta, da qual consta a área do prédio em referência, as suas confrontações e localização.
5.2. Segunda questão. No tribunal recorrido foi decidido nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos: «A prova do direito de propriedade é feita através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio, por parte de quem quer ver declarado tal direito ou de qualquer dos seus antepossuidores. Se o “reivindicante” invoca como fonte do seu direito uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutiva mas meramente translativa do direito, não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado o titular do direito; por força do princípio "nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet" (ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que possui), terá ainda que demonstrar que esse direito já existia na titularidade do seu transmitente e, bem assim, as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles. Ressalvam-se, porém, os casos em que existe presunção legal da propriedade, como a resultante do registo (art. 7º do CRegPred) ou a decorrente da posse (art. 1268º), em que, por força do disposto nos arts. 344º nº 1 e 350º, cabe à parte contrária ilidir tais presunções. No caso dos autos, existem duas descrições e duas inscrições matriciais para uma única realidade física, ou seja, o prédio reivindicado por Autor e Ré é o mesmo, tendo sobre ele recaído duplicação de inscrições matriciais e de registos prediais. Conforme resulta da posição adoptada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017 « verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções» – Diário da República n.º 38/2017, Série I de 2017-02-22. "o facto de que uma inscrição seja mais antiga que a outra não implica necessariamente que a primeira seja o reflexo no registo da verdade extra registal e que a segunda represente sempre a fraude ou o erro constitutivo da dupla descrição". …a dupla descrição do mesmo prédio mina a pedra angular do registo e compromete inelutavelmente a função da descrição, criando uma aparência contraditória em que o registo profere simultaneamente uma afirmação e o seu contrário (podendo resultar das inscrições, por exemplo, que A é proprietário pleno do prédio, mas que B também o é no mesmo período). Perante uma falha de tal magnitude, a melhor solução foi a encontrada pelo Acórdão recorrido: as duas presunções de sentido oposto destroem-se mutuamente”. Possuindo A. e Ré registo de propriedade sobre o mesmo imóvel objecto desta acção, …há que determinar qual é o direito que prevalece, de acordo com as regras do direito substantivo aplicável, e não dos princípios registais. De acordo com o nº 1 do artigo 1268º do Código Civil, “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”. Decorre daqui que, numa situação de dúvida, o impasse que esta suscita é superado em termos favoráveis ao possuidor. …da prova produzida resultou que em 1997, GG e mulher adquiriram o prédio a HH. E que, ao longo dos anos praticaram os actos de posse referidos, de forma pública, pacífica, na convicção e que eram proprietários do mencionado imóvel. Em 2012, o mesmo foi adquirido pela Banco 2... que, por seu turno, em 2017, o vendeu à R. a qual, desde então, por intermédio do seu filho FF, vem limpando o terreno, podando as árvores e colhendo os frutos, com o animus correspondente ao direito de propriedade. Desse circunstancialismo deriva a presunção de propriedade sobre o referido imóvel, que não se mostra ilidida – art. 1268º do Código Civil…presunção essa que não é afastada pela existência de registo anterior ao início dessa posse.»
Esta exegese apresenta-se desde logo em tese, curial; e, para o caso concreto e atentos os seus contornos fáctico circunstanciais apurados, vislumbra-se adequada. Como nela expendido, no seguimento do aludido AUJ, e havendo duas presunções registais que se anulam mutuamente, o caso tem de ser decidido atentas as regras de direito substantivo. Uma delas é precisamente a do artº 1268º do CCivil. Tendo sido provada a posse direta da ré – ponto 18- a presunção da titularidade do direito de propriedade a ela beneficia. Na verdade: «O possuidor goza da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse - artigo 1268º, nº 1, do Código Civil. A regra é, pois, a de que a posse implica a presunção legal da titularidade do direito, e a excepção no caso de colisão entre ela e a presunção derivada do registo de um direito anterior ao início da posse, caso em que prevalece esta última presunção. Por isso, nos termos da norma do artigo 350.º n.º 1 do Código Civil, compete àqueles que se arrogam proprietários, provar que o detentor não é possuidor. Podendo, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa - é atribuída a propriedade ao possuidor, não propriamente porque o possuidor conseguiu provar que era proprietário, mas antes porque não foi provado que ele não o era.» - Ac. do TRC de 03.12.2013, p. 194/09.0TBPBL.C1 in dgsi.pt. Perante tal presunção, a pretensão do autor apenas poderia singrar se ele provasse uma forma de aquisição originária, máxime a usucapião. Ónus que, perante os factos apurados, não logrou cumprir. Aliás, perante os factos provados, verifica-se que quando o prédio foi vendido à autora, o respetivo vendedor já não era proprietário do mesmo, porque ele já tinha sido vendido, por esse mesmo vendedor, à Banco 4..., CRL, e esta à Ré, embora a primeira venda tivesse sido feita em venda forçada, visto ter ocorrido em processo executivo. Por conseguinte, quando a autora comprou o prédio em 2020, comprou a quem já não era proprietário. Por outro lado, e mesmo que se atendesse, como pretendia a autora, à acessão da posse, quando, em 2017, o prédio foi vendido à ré, já tinham decorrido cerca de 20 anos de posse, considerando a posse de GG e esposa e a posse da Banco 4..., pelo que a propriedade já se havia fixado na esfera jurídica da ré pela via da usucapião, quando a autora comprou. Quando muito e perante os factos ora aditados nesta instância recursiva, poderia admitir-se que existe uma situação de composse. A composse ocorre quando duas ou mais pessoas exercem simultaneamente a posse sobre o mesmo bem, seja ele móvel ou imóvel, sem que uma exclua a outra. Isso acontece quando essas pessoas têm direitos reais da mesma natureza sobre o bem, como a propriedade, a superfície ou o usufruto. A assim ser, há que convir que a posse da ré é melhor posse do que a posse do autor. Desde logo porque ela se prolongou por mais tempo - desde 2017 enquanto a da autora apenas terá emergido em 2020. Depois porque, conforme dimana do teor do ponto 18, se traduziu em atos materiais diretos, públicos e inequívocos, e, até certo ponto, economicamente produtivos e profícuos, sobre o prédio. Destarte, ela afasta, ou sobrepõe-se, à alegada posse do autor, porque esta apenas foi efetivada através de atos de jaez menos material, menos direto, menos público e economicamente menos útil, como seja o aludido levantamento topográfico. Os factos provados demonstram que a recorrida praticou diversos atos materiais sobre o prédio com ele estabelecendo já, desde 2017, uma mais sólida relação do que a relação do autor. Ora a noção de posse, máxime a noção do seu elemento objetivo, qual seja o corpus, «que parece mais adequada em face do artigo 1257.º, n.º 1, do CC é a que exige que, mais do que a “materialidade”, a posse se manifeste enquanto “relação social” entre a pessoa e o bem.» - Ac. do STJ de 29.01.2019, p. 376/10.1TBLNH.L1.S1. (sublinhado nosso) O prédio foi alvo de múltiplas vicissitudes, erros e confusões, tendo sido objeto de execuções, aquisições e registos vários, cumulativos, incongruentes e contraditórios, e indiciando-se que foi algo votado ao abandono pelos anteriores donos. Urge, pois, para melhor concretização do seu cabal aproveitamento enquanto meio de produção, e em benefício da prossecução da sua melhor utilidade particular, e, indiretamente e por acréscimo, social, sobrevalorizar a posse direta, em detrimento da posse por acessão na mesma – a qual nem sequer se provou -, ou até de uma posse menos material, pública, direta e economicamente menos profícua, com seja, in casu, apenas traduzida num levantamento topográfico e tudo com o fito da sua aquisição com vista à sua futura alienação.
Improcede, brevitatis causa, o recurso.
6. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 2025.07.08.
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