| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CRISTINA NEVES | ||
| Descritores: | MANDATO FORENSE OBRIGAÇÃO DE MEIOS DANO DA «PERDA DE CHANCE» INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO DO VALOR DO DANO EQUIDADE SEGURO PROFISSIONAL PLURALIDADE DE SEGUROS CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – GUARDA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL – JUIZ 4 | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 342.º, 494.º, 496.º, Nº 1 E 3, 562.º, 566.º, 798.º, 804.º, Nº 1, 805.º E 806.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 62.º, 92.º, 93.º E 95.º DA LEI Nº 15/2005 DE 26 DE JUNHO - ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (REVOGADO). ARTIGO 100.º DA LEI Nº 145/2015 DE 9 DE SETEMBRO - ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (ATUAL). ARTIGO 133.º, N.º 4 DA LEI DO CONTRATO DE SEGURO. | ||
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| Sumário: | I- No mandato forense, as obrigações do advogado para com o seu cliente são de meios, e não de resultado, cabendo ao lesado o ónus de alegação e prova de que a diligência empregue pelo devedor no cumprimento da obrigação, não foi a devida, designadamente pela inobservância dos deveres impostas ao advogado pelo artºs 92, 93 e 95 da Lei nº 15/2005 de 26 de Junho e 100 da Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro. II-Não cumprindo o advogado, no exercício deste mandato com os seus deveres deontológicos, por não ter atentado no prazo para a prática de um acto em defesa dos interesses do seu cliente, incorre em responsabilidade civil contratual pelos danos que lhe venha a causar. III-Não sendo possível estabelecer um nexo causal entre a lesão e o resultado final, há que indemnizar o dano constituído pela perda de chance de obter um resultado, consistente num ganho ou no evitar de um prejuízo. IV-De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº2/2022, só é indemnizável “O dano da perda de chance processual, (…) consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”. V- O cálculo desta perda de oportunidade, terá de ser feito, não de acordo com um dano final concreto (o valor que se esperava obter ou em que se foi condenado, ou a execução que se não viu extinta) mas segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo. VI-Para determinar este dano de perda de oportunidade ou de chance, o tribunal deve realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspetiva que teria sido adotada pelo tribunal que apreciaria a ação ou recurso inviabilizados, sendo esta uma questão de facto a fixar em primeira instância. VII- Os juros de mora, são contados desde a decisão actualizadora, ou seja, da que fixa uma indemnização pela perda de oportunidade, de acordo com o AUJ nº 4/2002, e não desde a citação. VIII- Em sede de responsabilidade contratual é admissível a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, desde que revistam gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito – cfr, artº 496, nº 1, do C.C.- uma vez que os artºs 798 e 804, nº 1, do C.C. ao referirem-se à ressarcibilidade dos prejuízos causados ao credor não distinguem entre uma e outra classe de danos, não limitando a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais. IX-O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, à sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado – cfr. artºs 496, nº 3 e 494, do C.C. X- No caso de pluralidade de seguros, a regra da repartição de responsabilidade entre as seguradoras, de acordo com a proporção que cada um teria de pagar, prevista no nº4 do artº 133 da LCS, por respeitar às relações entre as seguradoras demandadas para pagamento dos danos, pode ser livremente afastada por convenção em contrário estabelecida nos respectivos contratos. XI- Não é ilícita a estipulação de uma clausula num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado pela Ordem dos Advogados, segundo o qual este “funcionará apenas na falta ou insuficiência de apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada em primeiro”, quando existe outro seguro obrigatório celebrado pela sociedade de advogados, que cobre o risco em causa, uma vez que desta clausula não resulta a exclusão do risco, mas apenas o diferimento do seu acionamento para os casos nela previstos. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Manuel Carvalho Ricardo Hugo Meireles * Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: 
 RELATÓRIO AA, vem intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... - Companhia de Seguros, S.A, e BB, advogado, pedindo a condenação dos réus a: - Reconhecer que, por força do contrato de mandato celebrado entre autor e a sociedade de advogados, B..., o réu Dr. BB incumpriu os seus deveres de mandatário, ao não tomar conhecimento atempado das notificações que lhe foram efetuadas no âmbito do processo de oposição fiscal nº 26/03....; - Reconhecer que, por via de tal incumprimento, o autor ficou impedido de agir contenciosamente, intentando quer pedido de revisão por acórdão uniformizador, quer nova petição de oposição fiscal, que lhe era lícito, por ter ocorrido absolvição da instância, traduzindo-se essa omissão no dever de pagar o que consta em execução que, desde modo, se tornou definitiva. - Reconhecer que o autor tem de cumprir perante a Fazenda Pública o valor final que, contado até 04.05.2022, ascende a €57.097,27, mas pode ser superior. - Reconhecer que entre a sociedade de advogados e a ré está acordado e garantido por apólice de seguro a transferência de responsabilidade civil por atos cometidos pelos advogados daquela, como o advogado Dr. BB, devendo a ré assumir integralmente a responsabilidade nos termos da citada apólice, pelos erros cometidos ou faltas dos profissionais cuja responsabilidade garante, cometidos no exercício da sua atividade profissional expressamente referida nas Condições Particulares ou nas Condições Especiais da apólice. - Condenar a ré no pagamento ao autor da importância de €57.097,27 ou em montante superior caso o valor em divida aumente. - Condenar a ré no pagamento ao autor da importância €2.805,00, na recorrência da revisão e reclamações. - Condenar a ré no pagamento ao autor da importância do prejuízo que decorra da perda de spread se, para realizar valor para pagar a dívida, em face da atual situação, tiver que alienar o citado imóvel, perdendo o referido spread, para poder satisfazer a dívida fiscal. - Condenar a ré no pagamento ao autor dos juros e demais despesas havidas com o litígio; - Condenar a ré no pagamento ao autor da importância de €15.000,00, a título de danos morais; - Subsidiariamente, - Condenar a ré no pagamento ao autor em indemnização a fixar por equidade, - Condenar a ré no pagamento ao autor de todos os juros que forem devidos após citação e até integral pagamento. Para tanto, alega em síntese, ter contratado os serviços forenses da sociedade de Advogados B..., cuja responsabilidade profissional se mostrava transferida para a ré mediante contrato de seguro de responsabilidade civil, a fim de este o representar num processo de oposição à execução fiscal. No entanto, o R., notificado de um Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal que indeferira um recurso por si apresentado de decisão que julgara nulo o processado por coligação ilegal, não intentou nova oposição à execução, impedindo-a de obter decisão que determinasse a extinção da execução fiscal pendente contra si, por reversão, o que lhe provocou prejuízos no valor total de €75.055,27, de que pretende ser ressarcido. * O R., BB veio apresentar contestação, na qual, reconhecendo os factos alegados pelo A., invocou a celebração de um outro contrato de seguro com a Companhia de Seguros “C... SE”, pelo que tendo transferido a sua responsabilidade deve ser considerado parte ilegítima nestes autos. Concluiu solicitando a procedência do incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros “C... SE”. 
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 A ré A... – Companhia de Seguros, S.A. veio apresentar contestação, impugnando a versão apresentada pelo autor. Por exceção, sustenta que entre o 2º R. e a A... – Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro de Responsabilidade Civil Profissional Advogados, titulado pela Apólice nº ...22 e destinado a garantir eventuais danos decorrentes do exercício da respetiva atividade de Advogado. Nesse contrato, as partes acordaram que o limite de capital é de 100.000,00€, deduztível a franquia de 10% sobre o valor da indemnização e que o contrato não garante “Os danos indiretos, ou seja, os danos que não sejam consequência imediata e direta do erro ou falta profissional cometida” e ainda os danos não patrimoniais. Para além disso, o contrato também não garante “as reclamações resultantes ou baseadas, direta ou indiretamente, na aplicação de quaisquer impostos, taxas, fianças, multas, coimas ou outros encargos de idêntica natureza” (artigo 6º, nº 2, das Condições Gerais da Apólice). Por último alega que, beneficiando o 2º réu de outro contrato de seguro de responsabilidade civil, verifica-se uma situação de pluralidade de seguros (artigo 133º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril), respondendo os seguradores entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro. * Admitida a intervenção da “Companhia de C... SE”, como associada dos RR., veio esta apresentar contestação, na qual confirmou a celebração do contrato de seguro invocado, e, no essencial, sustentou que tendo o réu Dr. BB atuado ao abrigo da sociedade de Advogados, as coberturas do contrato de seguro titulado pela ré interveniente não funcionarão face à clausula de limitação de Segurados, prevista na respetiva apólice, sendo que tal exceção impede ou extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor face à ré interveniente, nos termos do artigo 576.º, n.º 3 do CPC, e importa a absolvição do pedido. Mais alega que, ainda que assim não se entenda, esta apólice atuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos. * Realizada a audiência prévia, foi indeferida a exceção de ilegitimidade (passiva) do R. BB. Foi proferido despacho saneador o qual fixou valor à ação, o objeto do litígio e enunciou os temas de prova. * Após, o A. veio requerer a ampliação do pedido formulado na al. b) do petitório para €63.017,37, entretanto retificado para €60.868,37 (cfr. fls. 426 a 430), pretensão que foi deferida por decisão proferida nos autos. * Por requerimento junto nos autos a fls. 454 verso, o autor veio desistir da parcela correspondente à ampliação que havia formulado, requerendo que o pedido formulado na al. d) do petitório se fixe no montante inicial de €57.097,27, pretensão que foi deferida por decisão homologatória de desistência proferida nos autos, cfr. fls. 455. * Realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou: “a) A ré Companhia de Seguros A... a pagar ao autor, AA, a importância de €39.968,08 (trinta e nove mil, novecentos e sessenta e oito euros e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, deduzida a franquia de 10,00% sobre o valor da indemnização, a cargo do segurado, sujeita ao mínimo de €1.250,00, acrescida dos respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde a presente sentença e até integral e efetivo pagamento; b) A ré Companhia de Seguros “C... SE a pagar ao autor, AA, a importância de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, deduzida a franquia de €5.000,00, a cargo do segurado, acrescida dos respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde a presente sentença e até integral e efetivo pagamento. c) No demais, julga-se improcedente a presente ação, absolvendo-se os réus do peticionado. * Custas pelo autor, pela ré Companhia de Seguros A... e pela interveniente Companhia de Seguros “C... SE” na proporção do respetivo decaimento.” 
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 Inconformado, na parte em que decaiu, veio o A. intentar recurso, concluindo da seguinte forma: “1-Nos presentes autos pede-se a retificação material da douta sentença, por se entender que a ação a intentar e que não foi intentada pelo ilustre Advogado do recorrente não era de natureza civil, mas sim do domínio da jurisdição administrativa e fiscal, aspeto que importa acautelar, dado que existe um critério de aproveitamento de prova feita num processo aplicável a outros processos de idêntica natureza e finalidade, como aliás sucedeu na referida jurisdição administrativa em todos os processos em que o recorrente foi oponente em sede de execução fiscal. 2-Encontra-se provado pela douta sentença que o recorrente teve danos patrimoniais no montante de 57.097,27 € (cinquenta e sete mil e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), valor esse que pagou à Fazenda Pública e que resulta do facto 22, conjugado com pagamento do facto 23. 3-Sendo este o dano e que este se encontra provado, não há que fazer qualquer uso ou recurso à equidade, porquanto esta é uma metodologia a utilizar somente e apenas quando não estiver provada a medida do dano, por força do previsto n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, em conformidade, aliás, com o douto Acórdão do STJ de 10.12.2019, no Processo n.º 1087/14.4T8CHV.G1.S1; 4-Isso mesmo vale para a doutrina da perda de chance, nos casos, como o dos autos, em que se encontra provado um determinado montante, ainda que inferior ao pedido global do processo. 5-Na verdade, a doutrina jurídica da perda de chance não permite ao julgador ter uma interpretação no sentido de dizer que se trata de mera compensação, já que o texto da letra da lei do art. 566.º n.º 3 não utiliza intencionalmente uma terminologia voltada para a compensação. 6-A doutrina da compensação faz sentido para os casos em que entre a ação e o resultado dela há ainda que produzir prova. Ora, nos casos como o dos autos em que a sentença final tem a prova feita noutros processos (exemplo, vide documento n.º 3 com a referência 2387048, de 04.04.2024, referente ao processo 02...; vide ainda todas as certidões judiciais juntas aos autos, do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., que referem a prova produzida), significa que a nova ação (que não foi a intentada pelo Sr. Advogado) seria mera aplicação de normas jurídicas a esses factos tidos e dados por provados. 7-É ainda exemplo disso a matéria dada por provada nestes autos de recurso, constante dos n.ºs 14, 15, e em específico a matéria do facto 17 e 18, matéria essa muito relevante nas decisões de provimento das oposições procedentes, que ilibaram o Autor por ter feito prova de que não foi por culpa dele que os impostos ficaram por pagar, depois de ter saído da gerência. 8-Pelo que a nova ação de oposição que devia ter sido intentada pelo Réu (e não foi) tinha uma altíssima probabilidade de procedência, superior a 99,9% (sendo que 01% teria a ver apenas com aspetos de redação, questão que não se levantaria sequer com o Sr. Advogado Réu, que ganhou todas as outras com os mesmos fundamentos). 9-Mesmo que se considere que o Tribunal a quo fez um bom juízo ao dizer que essa ação tinha uma probabilidade alta, a medição desse quantitativo fixado em 70%, é insuficiente, ante as concretas circunstâncias, em específico a prova já produzida e as decisões tomadas com base nela, além de decisão também obtida pelo sócio do Autor, que intentou idêntica ação com a mesma finalidade e natureza, que visava extinguir decisão fiscal de reversão de divida, obtendo provimento. 10.Pelo que no caso ora apreço só uma medida superior a 99% de probabilidade permite conceder justiça e indemnizar conforme é de direito. 11.Indo, por outro lado, de encontro à norma do nº 3 do artigo 566.º do Código Civil, o que se reclama. 12.A teoria da atribuição de indemnização compensatória não implica que não possa ser feita prova, como foi, do valor dos danos e, se este se dá como provado, é este o valor a considerar para efeitos indemnizatórios. 13.Não há identidade de situação entre o caso descrito no Processo 1579/15.8T8CBR.C1, em que se sustentou na base da alegação vaga do pedido, e a situação agora sub iudice, já que o recurso nesse processo é claro: a alegação vaga permitiria apenas indemnização compensatória. 14.Ao invés neste nosso processo, feita a prova dos danos (no presente processo) são esses danos o valor justo da indemnização. 15.Também não há identidade, quanto a juros de mora, entre o presente caso e aquele que motivou a fixação de jurisprudência obrigatória e que definiu que: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.”. 16.No caso dos autos não houve qualquer decisão atualizadora, razão suficiente para se considerar que os juros são devidos desde a citação (e não desde a sentença). 17.Pelo que a douta sentença recorrida violou o artigo 562.º, 563.º e 564.º e 566.º, nº 2, bem como a primeira parte do n.º 3 do artigo 566.º, bem como o artigo 805.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil bem como jurisprudência obrigatória, de que os juros se contam a partir da citação, exceto se tiver havido atualização de capital. Termos em que, Deve alterar-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra quanto à parte dessa decisão, que fixou em 70% do valor dos danos, devendo fixar-se em 100%, por serem esses os danos sofridos e provados, bem como quanto aos juros de mora que deverão ser devidos a partir da citação, assim se fazendo justiça.” *** 
 A esta pretensão veio opor-se a R. A..., concluindo da seguinte forma: “(…) E. A questão levantada pelo recorrente resume-se, no essencial, a saber se “Deve alterar-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra quanto à parte dessa decisão, que fixou em 70% do valor dos danos, devendo fixar-se em 100%, por serem esses os danos sofridos e provados, bem como quanto aos juros de mora que deverão ser devidos a partir da citação”. F. No contexto da perda de chance em discussão nos autos, a apreciação do quantum indemnizatório devido terá de fazer-se segundo o critério da teoria da diferença e lançando mão do critério da equidade, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 566º do Código Civil. G. Quando se verifica, em concreto, a responsabilidade civil profissional do Advogado no âmbito de determinado patrocínio, a medida da indemnização a arbitrar deve ser calculada com base na extensão dos danos concretamente verificados, na gravidade da culpa e no grau de probabilidade de o lesado sair vitorioso caso a conduta lesiva se não tivesse verificado. H. O montante arbitrado a título de indemnização nunca corresponderá ao valor total da causa. I. Indemnizável é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal (a perda da oportunidade de obter um determinado resultado ou de evitar uma determinada desvantagem) e não o exacto valor (o “dano final”) em discussão no processo eventualmente perdido. J. Nos presentes autos, a dívida que estava a ser exigida ao A. e o respectivo montante não resultaram de nenhuma conduta do Advogado/R., cuja omissão (ao não atentar na notificação electrónica que lhe havia sido remetida) foi meramente negligente. K. O pagamento a que o A./recorrente se viu obrigado não teve de ser realizado “só” por causa daquela omissão do R.. L. Não é razoável nem ajustado fazer corresponder o montante indemnizatório decorrente dos danos causados pela efectiva conduta omissiva ao exacto valor da dívida peticionada, ao aqui A./recorrente, no processo de execução fiscal em causa. M. Antes se mostra mais aceitável e justificada a redução equitativa operada na sentença recorrida. N. O recorrente não logrou infirmar as doutas apreciações e conclusões do Tribunal recorrido quanto ao modo de indemnizar a perda de chance verificada. O. No que respeita aos demais danos patrimoniais (invocadas despesas com custas e suposta perda de spread), o recorrente não impugnou a matéria de facto provada nem as conclusões plasmadas na sentença recorrida quanto à falta de demonstração de que “os danos sofridos com a nota de custas de parte e conta de custas mencionados na factualidade provada tenham resultado da prática de qualquer ato imputável ao réu Dr. BB”, nem quanto à responsabilidade do R./Advogado “por danos decorrentes da alegada perda do spread de 0,3%, cujo valor não resultou provado, nem sequer foi alegado pelo autor, como lhe competia”. P. Deverá, assim (e sempre sem prejuízo do alegado pela aqui recorrida A... no seu próprio recurso), manter-se inalterada a sentença na parte relativa ao concreto montante dos danos patrimoniais fixados através de cálculo actualizado (e não matemático), com juros desde a decisão. Q. Bem andou o Tribunal de 1ª Instância ao concluir pela indemnização do dano da perda de chance mediante o pagamento do valor de 39.968,08€, o qual, se peca, é por excesso e não por defeito. R. O Tribunal a quo não fez, portanto, errada interpretação das normas invocadas nas alegações do recorrente (nomeadamente nas Conclusões 3., 5., 11., 15. e 17.). Termos em que deverá denegar-se provimento ao recurso, mantendo-se o valor da indemnização por danos patrimoniais no valor fixado (39.968,08€) e confirmando-se, nessa parte, a sentença recorrida, assim se fazendo Justiça!” 
 *** Igualmente não se conformando com a decisão, dela apelou a R. C... Company, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls._ no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou parcialmente procedente a ação judicial intentada pelo A., AA, condenando, em consequência, a Interveniente, ora Recorrente, a pagar o montante de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, com o qual não se poderá conformar. 2. É contra os referidos montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença recorrida que a ora Recorrente agora se insurge, nomeadamente por considerar que os montantes indemnizatórios atribuídos ao A. afiguram-se manifestamente desajustados, por excessivos, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, e bem assim os critérios jurisprudenciais atualmente seguidos pela nossa jurisprudência, encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil. 3. Entendeu, o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente, “Companhia de Seguros “C... SE a pagar ao autor, AA, a importância de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, deduzida a franquia de €5.000,00, a cargo do segurado, acrescida dos respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde a presente sentença e até integral e efetivo pagamento.”. 4. No entender da Recorrente, o montante arbitrado encontra-se fora das margens definidas pela Jurisprudência proferida pelos Tribunais superiores, desrespeitando o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência. 5. É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 576. 6. A medida, no caso de danos não patrimoniais, é sempre fixada equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil (CC). 7. Além disso, importa ter presente que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do CC), sempre num juízo que equilibre a equidade do caso concreto e a uniformidade decisória, que não podem ser contraditórias. 8. Ora, tendo em conta o que supra se encontra explanado, não se compreende o motivo pelo qual o douto Tribunal a quo condenou a ora Recorrente na quantia de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. 9. Até porque, resulta do documento junto aos autos a fls.188, que o A. padece de Perturbação Depressiva recorrente, foi seguido em consultas de psiquiatria entre 2014 e 2019, tendo antecedentes de Síndrome de Apneia/Hipopneia do Sono. 10. Pelo que, a indemnização fixada pelo tribunal de 1.º instância a título de danos não patrimoniais fixada para o A. extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência, não atendendo às circunstâncias do caso concreto. 11. Neste sentido, veja-se, a título de exemplo o teor dos Acórdãos proferidos pelo TRL, em 11.05.2023, no âmbito do processo n.º 2865/19.3T8PDL.L1-6; pelo TRL, em 31.01.2012, no âmbito do processo n.º 5817/09.8TVLSB.L1-1; pelo TRL, em 10.03.2015, no âmbito do processo n.º 12617/11.3T2SNT.L1-; pelo TRG, em 09.01.2024, no âmbito do processo n.º 15/11.3TCGMR.G1. 12. Assim, tendo em conta a matéria dada como provada perante os danos não patrimoniais sofridos pelo A., afigura-se-nos que o montante de € 1.000,00 a título de ressarcimento por esse dano é no caso em apreço justo e equitativo. 13. Nos termos do disposto no artigo 496.º, n.ºs 1 e n.º 4, primeira parte do C.C., só os danos não patrimoniais graves são indemnizáveis, merecendo, nessa medida, a tutela do direito. 14. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade. 15. Para que possa ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais é necessário que a conduta do lesante seja apta a provocar danos graves; e essa gravidade há-de ser aferida objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 2007 e de 12 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt nos procs. nºs 07B2528 e 08B2972, respectivamente). 16. Tendo presente que a compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do n.º 3, do artigo 496.º do Código Civil) para a determinação da compensação por dano não patrimonial, afigura-se que a compensação arbitrada pelo Tribunal a quo, atendendo à factualidade em apreço nos autos, afigura-se manifestamente excessiva. 17. Salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil, não se encontrando, de facto, demonstrados nos autos factos passíveis de conduzir à atribuição do montante de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais ao Autor, afigurando-se o mesmo (salvo o devido respeito) manifestamente desajustado, por excessivo, devendo assim tal pedido improceder totalmente ou, alternativamente, caso assim não se entenda (o que por mera cautela de patrocínio se concebe), deverá o montante indemnizatório a arbitrar a título de danos não patrimoniais fixar-se no montante máximo de € 1.000,00, o qual se considera, de todo o modo, mais ajustado e adequado, face aos padrões e critérios jurisprudenciais atualmente prosseguidos pelas Instâncias Superiores. 18. Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorreta aplicação do disposto nos artigos 494.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564, n.º 2 e 566.º, n.º 3 do Código Civil, devendo a mesma ser alterada quanto à fixação do quantum indemnizatório arbitrado para ressarcimento dos danos não patrimoniais. Nessa medida, por tudo quanto se encontra exposto, e ressalvando novamente o devido respeito, que é muito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a douta sentença proferida nos autos revogada, só assim se fazendo JUSTIÇA!” 
 *** 
 Por sua vez a R. A..., Companhia de Seguros S.A., veio igualmente interpor recurso, concluindo da seguinte forma: A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 4, na parte em que concluiu não ser a Interveniente C... COMPANY SE também responsável pelo pagamento da indemnização por danos patrimoniais, por as respectivas apólices preverem uma “Clausula de Limitação de Segurados Atuando ao Abrigo De Sociedade de Advogados” a dizer que, “Nos casos em que a atividade profissional dos SEGURADOS seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que a cobertura providenciada pela presente apólice, sem prejuízo dos respetivos Limites de Indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada primeiro”, condenando, pois, só a R./ora recorrente a pagar ao A. “a importância de €39.968,08 (trinta e nove mil, novecentos e sessenta e oito euros e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais [perda de chance], deduzida a franquia de 10,00% sobre o valor da indemnização, a cargo do segurado, sujeita ao mínimo de €1.250,00, acrescida dos respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde a presente sentença e até integral e efetivo pagamento”. B. Com o devido respeito, a questão da responsabilização de cada seguradora pelos referidos danos (no contexto de uma pluralidade de seguros) não foi adequadamente apreciada, já que as seguradoras (R. A... e Interveniente C...) envolvidas no ressarcimento do dano (patrimonial) coberto pelos vários contratos deveriam/deverão (ao contrário do decidido na douta sentença) responder “entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro” (artigo 133º, nº 4, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril). C. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 5. supra, bem como o entendimento ali plasmado na fundamentação de direito, convocado em 6. e 7. supra. D. A apólice ...22 (tituladora do contrato de seguro celebrado com a R./recorrente) prevê, além do mais, que:  “Existindo à data do sinistro mais de um contrato de seguro garantindo o mesmo risco, o presente contrato apenas funcionará nos termos previstos na lei” (vde. doc. 2 junto com o referido articulado – artigo 10º, nº 2, das Condições Gerais da Apólice) – negrito e sublinhado nossos. E. As apólices ...2... (doc. 1 junto com a contestação da Interveniente – Cláusula 13.1.2) e ...22A...87 (doc. 2 junto com a contestação da Interveniente – Cláusula 7.1.2.), tituladoras dos contrato de seguro celebrados com a Interveniente, prevêem, além do mais, que:  “Supondo que a apólice ou apólices de cobertura análoga subscritas pelas Sociedade de Advogados contenham uma previsão respeitante à concorrência de seguros em termos idênticos à presente, entende-se então que esta apólice atuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos” (negrito e sublinhado nossos). F. No caso dos autos, o mesmo risco (danos imputáveis ao Segurado – aqui 2º R. – por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua actividade profissional de Advogado ao abrigo de uma sociedade de advogados) relativo ao mesmo interesse (pagamento das indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado a título de responsabilidade civil profissional, por danos patrimoniais) e por idêntico período (vigência, no momento da ocorrência do evento danoso, de três contratos de seguro) encontrava-se seguro por vários seguradores (a R./recorrente e a Interveniente C...) – artigo 133º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/2008, de 16 de Abril), o que configura – atentando no momento da produção do evento lesivo por parte do R./Advogado, que é o que releva – uma situação (clara, segundo crê a recorrente) de pluralidade de seguros. G. A apólice ...22 (R. A...) garante a responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado (2º R.) por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua atividade profissional de Advogado da respectiva sociedade e impõe que, a existir – como sucede no caso dos autos – à data do sinistro, mais de um contrato de seguro garantindo o mesmo risco, o contrato apenas funcionará nos termos previstos na lei, isto é nos termos do nº 4 da norma citada em 12. supra, que, de resto, está abrangida pelo princípio da imperatividade relativa estabelecido no artigo 13º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, só permitindo a derrogação daquele dispositivo legal (artigo 133º, nº 4) de forma mais favorável ao tomador, segurado ou beneficiário. H. São ilícitas as cláusulas limitativas da responsabilidade das seguradoras no caso de pluralidade de seguros. I. As apólices ...2... e ...22A...87 (Interveniente C...) garantem a responsabilidade civil do 2º R. por danos causados no exercício da sua actividade desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, prevendo que, nesse caso, as coberturas funcionarão apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados. J. Quer a apólice da R., quer as apólices da Interveniente, contemplam as hipóteses de existência de mais de um contrato de seguro a garantir o mesmo risco, relativo ao mesmo interesse e no mesmo período, risco esse que veio a efectivar-se no caso concreto, estipulando que, aí, cada apólice responde na proporção da quantia que cada seguradora teria de pagar se existisse um único contrato de seguro / proporcionalmente aos limites garantidos. K. Não se vê por que razão deveria prevalecer – sem mais – a cláusula elaborada pela Interveniente (que excluiria a respectiva responsabilidade, assim prejudicando a 1ª R./seguradora, 2º R./segurado e do A./lesado) e não a cláusula elaborada por esta e a norma legal especificamente previstas para situações como a dos autos, sendo também certo que não só não existe, em nenhum dos contratos de seguro em apreço, nenhuma “convenção em contrário” que impeça o funcionamento, nos termos descritos, da regra da repartição proporcional (de acordo com os limites de capital contratados) da responsabilidade, como tal regra até se encontra ali (nas três apólices) expressamente clausulada. L. Deve, pelo exposto, a sentença recorrida ser revogada na parte em que condenou (só) a R. A... a pagar ao A. “a importância de €39.968,08 (trinta e nove mil, novecentos e sessenta e oito euros e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais [perda de chance], deduzida a franquia de 10,00% sobre o valor da indemnização, a cargo do segurado, sujeita ao mínimo de €1.250,00, acrescida dos respetivos juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde a presente sentença e até integral e efetivo pagamento”. M. Deve, em consequência, alterar-se tal decisão por forma a que – no âmbito da pluralidade de seguros contratados e aplicáveis ao caso dos autos – a responsabilidade pelo pagamento da indemnização fixada a título de danos patrimoniais (39.968,08€) seja repartida na proporção do capital seguro em cada contrato, com dedução posterior, nos termos também contratados, das franquias previstas em cada apólice. N. Decidindo como decidiu, contrariou a douta sentença recorrida, designadamente, as disposições do artigo 10º, nº 2, das Condições Gerais da apólice ...22; e das Cláusulas 13.1.2 da apólice ...2... e 7.1.2. da apólice ...22A...87; bem como as normas dos artigos 607º, nº 5, do Código de Processo Civil e 133º, nºs 1 e 4, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril. Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, revogando-se, parcialmente, a (aliás douta) sentença recorrida, condenando-se a D... (aqui recorrente) e a Interveniente C... no pagamento da indemnização fixada a título de danos patrimoniais (39.968,08€) de acordo com uma repartição da responsabilidade na proporção do capital seguro em cada contrato, sempre com a dedução posterior, nos termos também contratados (e cfr. já decidido na sentença), das franquias previstas em cada apólice, assim se fazendo JUSTIÇA!” *** Por requerimento dirigido à primeira instância, veio ainda o A. requerer a rectificação de um lapso de escrita da sentença de primeira instância nos seguintes termos: “Mais requer, a correção da douta sentença na medida em que na mesma se lê: “Tudo ponderado, e ainda que se desconheçam as vicissitudes inerentes à tramitação e decisão da ação de natureza cível que não chegou a ser instaurada pelo Dr. BB dir-se-á que é possível fixar uma probabilidade de ganho de causa alta, que se situa em medida de 70%.” e mais adiante no texto é possível ainda ler: “Acresce que, neste caso, se deve afirmar a existência de uma probabilidade séria de “ganho de causa” na referida ação cível…” Porém, por facto que entendemos ser lapso manifesto, por certo na d. sentença pretendia-se dizer, certamente, não de natureza civil, mas de natureza tributária, sendo que o que não foi intentado foi uma nova petição de oposição a execução fiscal, matéria essa, pois, do domínio da jurisdição administrativa e fiscal. Não é indiferente, escrever-se uma coisa ou outra, na medida em que nesta jurisdição administrativa e fiscal há aproveitamento de prova feita noutras ações com idênticos autores e idêntica natureza e conteúdo. Pelo que se requer, nos termos do n.º 1 do art. 614.º do CPC a correção material desses lapsos, devendo constar, onde se lê ação civil, ler-se ação de natureza tributária, do domínio da jurisdição administrativa e tributária.” 
 * 
 Com data de 09/12/2024, veio a primeira instância proferir o seguinte despacho: “Ref.ª 2480180 de 2024/09/05 do p.e.: Analisados os fundamentos do requerimento mencionado em epígrafe, não vislumbramos que a sentença padeça do vício apontado pelo autor, ou de qualquer outro vicio a que se alude no disposto no artigo 614º do CPC, ou seja, que não se encontrem suficientemente especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão proferida; que algum dos fundamentos esteja em oposição com decisão; que tenha ficado por apreciar alguma questão suscitada pelas partes ou da qual se devesse conhecer oficiosamente; ou, tão pouco, que se tenha conhecido de questões das quais não pudesse ter-se tomado conhecimento. Acresce que a discordância relativamente ao conteúdo da decisão não pode ser objeto de explicitações suplementares, a coberto de pretensas retificações, que, a nosso ver, não têm fundamento. Assim sendo, inexiste motivo para reformar a decisão nos termos requeridos. Nestes termos, julgando não verificado vicio apontado indefere-se o requerido pelo autor. Custas pelo autor, com taxa de justiça que se fixa pelo mínimo legal. Notifique.” 
 * Sobre este despacho veio o A. apresentar recurso, desta decisão, admitido por despacho da primeira instância de 06/05/2025, considerando ser este de “apelação, sobe imediatamente e nos próprios autos, tendo efeito meramente devolutivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.º 627.º, art.º 629.º, n.º 1, art.º 631.º, n.º 1, art.º 638.º, n.º 1, art.º 644.º, n.º 1, a), art.º 645.º, n.º 1, a) e art.º 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.” 
 * 
 Remetidos os autos a este tribunal, foi proferido despacho pela ora relatora, que ordenou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a intenção deste tribunal de não admitir o recurso do despacho de 09/12/2024. 
 * Notificados, apenas o A. se veio pronunciar, nos seguintes termos: “interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação de Coimbra, nos termos dos artigos 644.º nº 1 al, g), e 645.º, nº 1, alínea a) e 647.º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC). Tratando-se de despacho após sentença e havendo que retificar essa, caso este Venerando Tribunal entenda que esse pedido já era constante do recurso inicial, decidindo ex officio pela retificação, no nosso entender, que é manifesta, o Autor entende que esse recurso faz sentido.” 
 *** QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar: d) se deve ser alterada a decisão no que se reporta ao montante dos danos não patrimoniais fixados por excessiva; e) se a responsabilidade pelo pagamento da indemnização fixada a título de danos patrimoniais deve ser repartida na proporção do capital seguro em cada contrato, com dedução posterior, nos termos também contratados, das franquias previstas em cada apólice. * 
 Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir. 
 *** 
 FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO “Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão a proferir: 1. Em 2014, o autor contratou a sociedade de advogados “B..., Sociedade de Advogados, RL, de prosseguir com o processo de oposição à execução fiscal nº 8/0..., que corria termos no Tribunal Administrativo e Fiscal .... 2. Contra o autor haviam sido instaurados os processos de execução fiscal nºs 11/2... e 2/02, por efeito de reversão da sociedade E..., Lda, do qual havia sido gerente, tendo este, em junho 2001, apresentado a respetiva oposição, na qualidade de Advogado em causa própria, qualidade esta que, em 2014, deixara de poder exercer, por ter suspendido a sua inscrição na Ordem dos Advogados. 3. Nos processos de oposição nºs 11/2... e 2/02, o autor e o sócio, CC, obtiveram procedência das oposições à execução deduzidas, donde resultou a extinção da respetiva execução fiscal. 4. Contudo, o mesmo não sucedeu na oposição à execução nº ...1..., a que veio a ser atribuído o nº 26/03...., tendo tal processo tido um desfecho diferente para autor e outro para o (então) sócio CC, não obstante estar em causa a mesma factualidade. 5. No processo de oposição à execução nº 26/03...., que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a 23 de abril de 2015, foi proferida a sentença de fls. 101 a 111, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que julgou procedente a exceção dilatória de coligação ilegal e, em consequência, absolveu a Fazenda Publica da instância. 6. Com conhecimento do autor, o réu Dr. BB optou por interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão mencionada em 5) da factualidade provada, ao invés de apresentar nova oposição, para que fosse a mesma revogada e o processo prosseguisse os seus termos, recurso este que o 2º réu dirigiu ao Proc. 8/0..., não tendo dado entrada através do SITAF. 7. Em data posterior a 02/06/2015 (data da apresentação da motivação de recurso, último ato praticado pelo 2º réu no processo), o processou mudou de número, passando a correr termos sob o nº 26/03..... 8. Por acórdão de 06 de maio de 2020, junto nos autos a fls. 112 a 128, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso que havia sido interposto pelo autor. 9. Pronunciando-se sobre a arguição da nulidade decorrente de falta notificação do réu Dr. BB, por despacho de 06 de outubro de 2021, o Tribunal de Castelo Branco indeferiu tal pretensão, aí tendo exarado que: “(…) em 07.05.2020 foi remetida notificação eletrónica ao Ilustre Mandatário do oponente destinada a notificar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr. ofício de fls. 623 do processo em suporte informático). Esta notificação foi efetuada em consonância com o regime legal vigente à data supra - e, note-se, mais de três meses após a revogação imposta pelo artigo 5.º da Portaria n.º 4/2020, de 13.01, pelo que os efeitos imediatos daquela revogação em nada influenciaram. Em consequência, presume-se o referido acórdão notificado no terceiro dia posterior ao do envio ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja (cfr. n.º 1 do artigo 248.º do CPC). A esta presunção, naturalmente, não obsta a eventualidade de o mandatário não ter diligenciado, por qualquer motivo, pela consulta da sua área reservada no SITAF e não ter lido a notificação.” 10. Não se tendo apercebido da entrada em vigor da Portaria n.º 4/2020, de 13.01, o réu Dr. BB aguardava pela notificação postal da decisão mencionada em 8) da factualidade provada. 11. O réu Dr. BB só veio a tomar conhecimento do sucedido após 01/07/2021, quando o autor procurou obter junto da Autoridade Tributária uma certidão de não divida, e não conseguiu, tendo sido informado que o sistema informático dava nota de que se considerava que o processo de oposição supra enunciado estava findo, com perda de causa para o oponente, facto que inviabilizava a emissão de certidão de não dívida. 12. Nesta altura, o réu Dr. BB descobriu que o processo estava a ser tramitado integralmente de forma eletrónica, incluindo as notificações a mandatários, e que o acórdão proferido a 06/05/2020, lhe havia sido notificado por via eletrónica em 07/05/2020. 13. Como desconhecia a notificação eletrónica que lhe fora efetuada, o réu Dr. BB, não reagiu à decisão proferida no acórdão mencionado no artigo 8) da factualidade provada, dentro do prazo legal, e a mesma transitou em julgado. 14. Na sequencia da decisão proferida no acórdão mencionada em 8), o sócio CC intentou nova oposição, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o nº 409/15...., a qual foi julgada procedente, por decisão de 05 de janeiro de 2021, de fls. 208 a 234, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e em consequência foi extinta a execução fiscal quanto ao oponente CC. 15. Na oposição à execução nº 409/15...., o Tribunal determinou o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo de oposição à execução fiscal nº ...1..., na qual o aqui autor também foi parte. 16. Na mencionada oposição à execução nº 409/15...., o Tribunal deu como provado em 8. que: “No final do exercício de 1998 a sociedade “E..., Lda” tinha em caixa a quantia de 2.366.189$00, em depósitos à ordem a quantia de 1.556.297$00, as prestações de serviços apresentavam um saldo de 41.737.853$00 e dívidas a clientes o saldo de 9.041.285$00. 17. Na mesma decisão a que vimos de aludir, deu-se ainda como provado em 9. que: “Em dezembro de 1999, a sociedade “E..., Lda”, tinha em caixa a quantia de 7.148.604$00, em depósitos à ordem a quantia de 8.338.779$60, as prestações de serviços apresentavam um saldo de 80.134.916$00 e as dívidas de clientes o saldo de 13.314.763$00”. 18. No processo de oposição à execução nº 2/02G-O, no qual o aqui autor também foi parte, o Tribunal deu como provado em E) que: “Através das Aps. nºs ...8, ...9, ...0 e ...06, da Conservatória do Registo Comercial ..., forma registadas as cessações de funções de gerente de AA, CC e de DD, todas por motivo de renúncia em 26/06/1999 (…).” 19. Dirigiu o autor à Autoridade Tributária duas reclamações, ambas judicialmente indeferidas (Proc. ...02 e Proc. ...66), tendo o autor despendido em taxas de justiça, a importância total de €1.173,00 (€612,00 + €204,00+ €204,00+ €153,00). 20. Em cada uma das reclamações apresentadas pelo autor, foi apresentada nota de custas de parte, no valor de €714,00, num total de €1428,00, que o autor pagou. 21. O autor pagou ainda as custas finais no valor de €204,00. 22. A 04.05.2022, a Autoridade Tributária emitiu a certidão junta nos autos a fls. 186 a 187, onde fez constar que, à data de 2022-05-03, em nome do autor está registada a dívida no valor total de €57.097,27, referente ao processo de execução fiscal nº ...98 e apensos, em que o mesmo figura como executado, em reversão. 23. Consta da certidão de fls. 427 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que, no processo de execução fiscal nº ...98, por reporte a dia 10.04.2023, a dívida exequenda ascende à importância de €14.184,88; tendo o autor efetuado os seguintes pagamentos: - Em 2023/02/23, o pagamento por conta no valor de €30.000,00; - Em 2023/03/30, o pagamento da 1ª prestação do plano no montante de €1.290,09; - Em 2023/04/05, o pagamento de 12 prestações do plano, no montante de €15.474,40. 24. Por não ter outra fonte de rendimento, o autor viu-se obrigado a vender o prédio urbano, sito na ..., para liquidar as importâncias mencionadas em 23) da factualidade provada. 25. A situação supra descrita causou abalo e perturbação ao autor, tendo o sentimento de revolta sido acrescido pela circunstancia de o sócio CC ter sido ilibado, pelos mesmos factos. 26. O autor tem tendência para perturbação depressiva recorrente, sendo acompanhado e medicado para o efeito. 27. Em consequência da factualidade supra descrita, o autor sofreu acréscimo de perturbação de sono, dificuldade de concentração e irritabilidade. 28. No âmbito da reclamação que o autor dirigiu à ré companhia de seguros A..., insistiu nos prejuízos decorrentes pela demora na resolução da situação, avisando-a, para além do mais, que caso tenha de vender o prédio urbano, sito na ..., que goza de spread de 0,30%, não deixará de invocar esse prejuízo. 29. Pela apólice ...22 a sociedade de advogados “B..., Sociedade de Advogados, RL transferiu para a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a responsabilidade civil decorrente do exercício da respetiva atividade de Advogado. 30. Consta do artigo 2.º das Condições Gerais da Apólice nº ...22, que o contrato de “seguro obrigatório de responsabilidade civil das Sociedades de Advogados de responsabilidade limitada” celebrado com a ré A... – Companhia de Seguros S.A. garante a (…) responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua atividade profissional expressamente referida nas Condições Particulares ou nas Condições Especiais da apólice (…).” 31. Consta do artigo 3.º “Garantias Do Contrato” das condições particulares da apólice ...22, que o seguro garante a responsabilidade civil inerente ao exercício da atividade profissional dos sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários da B..., R. L. 32. Na Apólice nº ...22, as partes acordaram que o limite de capital é de 100.000,00€ e que em todo e qualquer sinistro é sempre dedutível a franquia de 10,00% sobre o valor da indemnização, a cargo do segurado, sujeita ao mínimo de Eur.: 1.250,00”. 33. Consta do artigo 6º, nº 2, das Condições Gerais da referida apólice que estão excluídas as reclamações resultantes ou baseadas, direta ou indiretamente, na aplicação de quaisquer “impostos, taxas, fianças, multas, coimas ou outros encargos de idêntica natureza”. 34. Consta do artigo 10º, nº 2, das condições gerais da referida apólice que “o Segurador garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, a título de responsabilidade civil, por danos patrimoniais decorrentes de erro ou falta profissional cometida no exercício da sua atividade profissional indicada nas Condições Particulares.” 35. Pela apólice de seguro ...2..., a Ordem dos Advogados transferiu para a ré interveniente C... COMPANY SE, os riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor). 36. O contrato de seguro com a apólice de seguro ...2... prevê um limite indemnizatório máximo fixado em € 150.000,00 e prevê aplicação de uma franquia contratual, a cargo dos segurados, no valor de € 5.000,00 por sinistro. 37. Em 4 de Janeiro de 2018, o Réu Advogado, Dr. BB, celebrou ainda junto da ré Interveniente C... COMPANY SE, um contrato de seguro complementar de reforço, titulado pela apólice n.º ...22A...87, tendo sido renovado para as anuidades seguintes correspondentes aos anos cíveis de 2019, 2020, 2021 e 2022. 38. Através das aludidas apólices de seguro de reforço de capital, a ré interveniente assumiu a garantia (para sinistros conhecidos e participados após o dia 01.01.2018) da responsabilização civil do Réu Advogado pelo montante indemnizatório máximo de € 100.000,00 por sinistro, em excesso ao capital seguro na apólice de responsabilidade civil de grupo contratada pela Ordem dos Advogados. 39. Da apólice nº ...22A...87, no ponto 13.1 Clausula de Limitação de Segurados Atuando ao Abrigo De Sociedade de Advogados” que: “Nos casos em que a atividade profissional dos SEGURADOS seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que a cobertura providenciada pela presente apólice, sem prejuízo dos respetivos Limites de Indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada primeiro”. 40. Logo que tomou conhecimento do sucedido, o 2º réu participou às duas seguradoras supra identificadas o sucedido. 
 *** Não se provaram quaisquer factos com interesse para a decisão a proferir. Os artigos da petição inicial e/ou das contestações que não obtiveram qualquer tipo de resposta tal ficou a dever-se à exclusão de alegações de teor conclusivo e/ou de cariz jurídico normativo dado que o Tribunal não atendeu a alegações conclusivas, de direito, repetidas, meramente impugnativas ou irrelevantes para a decisão a proferir.” 
 *** DO DIREITO Veio o A. interpor recurso da decisão que não admitiu a requerida rectificação de erros materiais da sentença, admitido este recurso em primeira instância. Ouvidas as partes, cumpre-nos decidir previamente desta questão prévia. I-Da inadmissibilidade do recurso de apelação autónomo da decisão proferida em 09/12/2024. Dispõe o artº 614, nº1, do C.P.C. que se a sentença contiver “lapsos de escrita (ou quaisquer outras inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, pode ser corrigida por simples despacho, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, pela primeira instância (a todo o tempo se não for interposto recurso da decisão), ou pelo tribunal superior em caso de recurso desta sentença. Com efeito, resulta do seu nº2 que, em caso de recurso, as partes podem alegar o que tiverem por conveniente quanto à pretendida rectificação, sendo que a ser procedente esta só pode ter lugar antes de ele subir, constituindo então parte integrante da referida sentença, por aplicação analógica do artº 617, nº2 do C.P.C. No entanto, a ser indeferida esta rectificação, deste despacho não cabe recurso, igualmente por aplicação analógica do artº 617, nº1, in fine do C.P.C. Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], embora caiba recurso do despacho que proceda às rectificações previstas no artº 614 do C.P.C., “deve entender-se que do indeferimento do pedido de rectificação não cabe recurso, por aplicação analógica do art. 617, nº 1, parte final, e 6, 1ª parte, sem prejuízo do poder que a relação tem de, no recurso interposto da sentença, a interpretar.” Efectivamente, decorre do disposto no artº 617 nº1 do C.P.C. que “Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.” Ora, sendo a lei omissa em relação à rectificação de erros materiais da sentença, deve entender-se, sendo as mesmas “as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.” (artº 10, nº2 do C.C.), aplicável a estes casos o regime previsto para a arguição de nulidade da sentença, ou da sua reforma. Nestes termos, o despacho de 09/12/2024, que indeferiu a pretendida rectificação é irrecorrível, sem prejuízo do dever imposto a este tribunal de apreciar a sentença proferida em primeira instância e decidir de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso, de acordo com os factos dados como provados. Custas pelo A. apelante que se fixam em 1 U.C. (artº 7 do RCP). *** II-Da fixação do dano da perda de chance Como nos ensinava já o Sr. Conselheiro Moitinho de Almeida[4] “A profissão de advogado, não obstante a ética que a envolve, não pode fugir à regra das demais profissões, tendo, como contrapartida dos benefícios pecuniários recebidos, o risco do dever de indemnização àqueles que, tendo recorrido aos serviços do profissional, foram prejudicados por culpa, facto ilícito ou ambas, do mesmo.” É certo que as obrigações do advogado para com o seu cliente são de meios, e não de resultado, ou seja, o advogado em caso algum pode garantir ao cliente um resultado favorável.[5] Como refere Almeida Costa[6], as obrigações de meios são aquelas “em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudentemente e diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza” Esta distinção é relevante pois que enquanto nas obrigações de resultado bastará demonstrar a não verificação deste resultado, nas obrigações de meios é necessário alegar e demonstrar que a diligência empregue pelo devedor no cumprimento da obrigação não foi a devida, designadamente, por não ter empregue corretamente as leis da arte previstas para o tipo de contrato em causa. Assim é imposto ao advogado que, na execução do mandato forense[7], que lhe foi conferido ao abrigo do disposto no artº 62 do Estatuto da Ordem dos Advogados[8] (aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de Junho, doravante EOA, aplicável tendo em conta a data da celebração do contrato de mandato) defenda os interesses do mandante, praticando os atos próprios da profissão de advogado, previstos nos nºs 5 e 6 do artº 1 da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, com observância dos deveres que lhe eram impostas pelo artºs 92, 93 e 95 da Lei 15/2005 de 26 de Junho e 100 da Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro (que aprovou o actual EOA) e de acordo com as regras de diligência e competência que resultam dos seus deveres estatutários. Conforme refere Nuno Cardoso[9] “enquanto no mandato civil, o mandatário deve cumprir o mandato segundo as instruções do mandante [art. 1161º, alínea a) do CPC], no mandato forense o advogado deve agir sempre com independência (art. 89º EOA), se necessário recusando as instruções ilegítimas do mandante, no sentido de promover a chicana processual ou a contenda temerária com a contraparte, tendo o advogado o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, mas sempre em cumprimento das normas legais e deontológicas (art. 97º, nº 2 EOA) atento os deveres do advogado para com a comunidade, o que torna o exercício desta profissão de inequívoco interesse público.” Não o fazendo, incorre em responsabilidade civil pelos actos praticados, contratual ou extracontratual, consoante o ilícito consista na execução defeituosa do mandato ou na prática de acto ilícito que venha a lesar os interesses do seu cliente, podendo coexistir ambos os tipos de responsabilidade. Com efeito, conforme refere Lebre de Freitas[10] “se, é certo que a actuação do profissional liberal se faz, na maioria dos casos com base num contrato de prestação de serviços, tal não exclui que a responsabilidade possa emergir da violação de deveres deontológicos, à margem da violação do dever específico naturalmente assumido.” Já para António Arnault[11] a responsabilidade civil dos advogados será de natureza extracontratual, com o fundamento de que a advocacia é uma actividade de eminente interesse público, pelo que, “a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse”. Se a doutrina e a jurisprudência se dividem em torno da qualificação da responsabilidade civil do advogado como exclusivamente contratual[12], extracontratual[13], ou mista[14], nenhuma dúvida se coloca em relação ao dever de indemnização a cargo do advogado que violou os deveres decorrentes do seu mandato e ou/as normas deontológicas que regem a sua profissão, de indemnizar o seu cliente, desde que verificados os demais requisitos da responsabilidade civil. Em qualquer dos casos (responsabilidade contratual ou extracontratual) os elementos exigidos são sempre os mesmos já acima descritos: o facto; a ilicitude desse mesmo facto; o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano e finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Com efeito, como bem se defende no Ac. do TRL de 25/02/2021, “nem todos os factos decorrentes da ilicitude e avaliáveis como danos são susceptíveis de merecerem ser indemnizados. É ainda necessário que os danos sejam causados e sobrevenham daquele facto ilícito, ainda que eventualmente tenham uma causa próxima com o mesmo. Aqui chegados, a primeira instância qualificou estes factos no âmbito da responsabilidade contratual considerando que “deverá considerar-se a existência de uma presunção juris tantum de culpa incidente sobre o devedor, que apenas se desonera se demonstrar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua – cfr. artigos 798º, 799º, nº 1, e 342º, nº 2, CC. Assim, demonstrando o credor que não foi empregue pelo devedor a diligência devida, cumprirá ao devedor demonstrar que não foi por culpa sua que omitiu a diligência devida. Julgamos que no caso presente ficou cabalmente demonstrado que o réu Dr. BB não empregou a diligência devida no exercício do mandato.” Sendo certo que o juiz não está vinculado pela qualificação jurídica das partes (artº 5 nº 3 do C.P.C.) no caso em apreço a violação dos deveres deontológicos na execução do mandato e a sua execução defeituosa pelo advogado R., inserem-se no âmbito da responsabilidade contratual, tal como o considerou a primeira instância. Está, assim, em causa nos presentes autos a responsabilidade civil contratual pela execução defeituosa das obrigações que advinham para o advogado R. da relação de mandato forense, celebrado com o A., com culpa, por este não ter atentado na notificação electrónica do Acórdão referido em 8, deixando passar o prazo para intentar nova oposição à execução fiscal. Está assente a existência de danos na esfera jurídica do mandante ora A. Em causa está extensão destes danos e os parâmetros de indemnização a fixar, tendo em conta a perda de chance de obtenção de uma decisão favorável, não fora a omissão verificada que o A. considera que deveria ser de 100% e não de 70% como fixado pela primeira instância. Ou seja, como bem refere a decisão recorrida, nestes casos “vem afirmando-se, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a tutela do dano concretizado na “perda de chance”, o qual deve ser afirmado quando, por força de um comportamento culposo de outrem, alguém perde a oportunidade de alcançar uma oportunidade ou de evitar um prejuízo. Tal tutela, que se inscreve na afirmação do nexo de causalidade, exige a afirmação de um novo paradigma, que visa, essencialmente ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, devendo ser convocada nas hipóteses de “causalidade não demonstrada”. Refira-se desde já que a teoria da perda de chance como um dano indemnizável não tem merecido acolhimento unânime por parte da doutrina. A este respeito Mota Pinto[15] pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade deste dano sob pena de “transformação do lesante em garante da mera probabilidade de sucesso do lesado, concedendo, pois, a este mais do que a chance realmente representava, e, portanto, do que exige a justiça corretiva”, uma vez que este dano não prescinde da verificação de um dano final ou da frustração de um fim, pelo que com a admissibilidade de indemnização deste tipo de dano, na prática está a impor-se uma indemnização pelo risco. Considerou ainda que não existe base legal, ou seja, “no plano de jure condendo não parece que existe já entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance (…) Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade, e do dano com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494.º do Código Civil , do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios”.[16] Já Menezes Cordeiro[17] admite o dano da perda de chance em casos muito limitados, defendendo que este dano deve colocar-se no âmbito da análise do fim do contrato, ou seja, só será indemnizável a perda de chance nos casos em que a proteção dessa mesma chance possa estar abrangida nos fins do contrato, como no mandato forense. Nesse caso, o advogado ao suprimir a chance de vitória “com o não-cumprimento do contrato, incorre em responsabilidade, não oferece dúvidas a causalidade: basta calcular o dano. Se as chances forem muito reduzidas, não cabe indemnização”. Por sua vez, Júlio Vieira Gomes[18] defende a reparabilidade deste dano apenas “(…) quando a chance ou oportunidade se tenha “densificado” e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se considere existir já um lucro cessante suficientemente “certo” para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade”. No mesmo sentido, Carneiro da Frada[19] restringe a existência deste dano autónomo apenas nos casos de responsabilidade civil contratual, uma vez que se “no plano contratual a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato) no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do art. 483.º, n.º 1, não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da “chance”. Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável.” Prossegue este autor por referir que, nesse caso, “não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566, nº 3 do C.P.C.)”. Apesar de já Sinde Monteiro[20], admitir a indemnização deste tipo de dano, desde que verificados os requisitos estabelecidos pela doutrina francesa, os denominados “garde-fous”, caso em que os juízes devem “ter em conta tanto a existência como o grau de álea que afecta a realização da chance perdue”, devendo ser fixada uma indemnização de acordo com a equidade é com Rute Teixeira Pedro[21], a propósito dos pressupostos da responsabilidade civil por actos médicos que são esquematizados os pressupostos desta figura, a sua autonomia como dano indemnizável a os critérios para a sua ressarcibilidade. Segundo esta autora na definição desta figura há que atentar no facto de que “i) a palavra chance engloba duas realidades distintas — a possibilidade e a concretização dessa possibilidade — sendo uma prévia à outra e integrando-se a primeira no processo conducente à última; ii) está-lhe subjacente uma ideia de acaso, de imprevisibilidade e de incerteza. Ora, tais considerações linguísticas são pertinentes para o tratamento jurídico da questão que nos propomos abordar — primeiro, porque a apontada distinção está no cerne da questão colocada, que é a de saber se a perda da mera possibilidade de alcançar um resultado é uma entidade que merece tutela ressarcitória, ou se tal tutela estará reservada para a perda do resultado; depois, porque a dificuldade da resposta a tal questão deriva da assinalada incerteza, que rodeia o apuramento da existência e da consistência da possibilidade perdida.”[22] No caso concreto da perda de chances processuais, aponta a dificuldade de indemnizar um dano que assenta na probabilidade de ganho, tendo em conta que “o produto do fenómeno judicial (o resultado da acção) depende do concurso de múltiplos, e, normalmente, imponderáveis factores (a conduta processual das partes, a energia posta na condução da litis, o estado da doutrina e da jurisprudência no tempo e no lugar em que o juiz é chamado a pronunciar-se, o entendimento professado pelo julgador quanto à questão juridica subjacente ao litígio objecto da acção, etc.). O êxito judicial é, por isso, função de múltiplos elementos que são estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado: alguns deles relacionados com o cliente, quando este não informa devidamente ou oculta dados ao seu advogado, outros relacionados com o "impercrutabile «fato giudiziario»") — em que se inclui a possibilidade de erro judiciário. Da confluência destes factores exógenos, que comunicam à acüvidade do advogado uma aleatoriedade similar à presente na acüvidade médica, resulta uma equivalente dificuldade na formulação do juízo de condicionalidade e uma (efectiva) impossibilidade do cliente satisfazer o ónus de demonstrar, "in concreto" e com "certeza assoluta", que a acção teria procedido, não fora o comportamento indevido do seu patrocinador.” [23] Nestes casos segundo ainda a mesma autora, para se considerar a existência de uma perda de chance ou de possibilidade de ganho, “Em primeiro lugar, terá de existir um determinado resultado positivo futuro que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa. Por definição, "questo risultato è aleatório", podendo consistir na obtenção de uma vantagem — "aquisição de um valor" — ou na não concretização de uma desvantagem — "evitar um mal". Assim: a aprovação no exame, a vitória nos concursos, a efectivação da prestação de alimentos, a não consumação do roubo, a saüsfação da dívida bancaria — no primeiro grupo — o reconhecimento judicial das pretensões do mandante — no segundo — não se mostram garantidos. Em segundo lugar, é necessário que, apesar daquela incerteza, a pessoa se enconüre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado, porque reúne um conjunto de condições de que depende a sua verificação. A pessoa terá, portanto, de estar investida de uma chance real de consecução da finalidade esperada. (…) Finalmente, em terceiro lugar, é indispensável que se verifique um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade e que elimina de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir”.[24] No que se reporta ao calculo da indemnização defende que “parece mais correcto fazer reflectir a natureza do quid lesado na determinação do montante indemnizatório, o que se conseguirá, repercutindo nele o grau de seriedade da chance perdida. Para tal, toma-se necessária uma dupla avaliação — por um lado, da utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final e, por outro lado, da probabilidade de o alcançar. O quantum da indemnização corresponderá ao valor daquela utilidade reduzida em proporção a um coeficiente que traduza o grau desta probabilidade.”[25] Já Sérgio Castanheira[26] dá nota das dificuldades inerentes ao calculo da indemnização da perda de chance, ao referir que “a perda de oportunidade acaba por constituir uma antecipação ou redução do dano final que não se consegue provar, tratando-se com efeito, de um meio artificial para se tentar proteger um dano hipotético, e que não se consegue demonstrar.” Patrícia Costa[27] procura resolver esta dificuldade, considerando que “Sendo o dano da perda de chance distinto do dano final, a indemnização a atribuir pela sua reparação deve refletir essa diferença. Esse reflexo é dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. A reparação deve ser medida, pois, com relação à chance perdida, não podendo ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se afirmasse o nexo causal entre o facto e o dano final. A indemnização deve, sim, corresponder ao valor da chance perdida. Para tanto, devemos realizar uma tarefa de dupla avaliação: em primeiro lugar, proceder à avaliação do dano final; seguidamente, fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra traduzido num valor percentual. (…) Obtidos tais valores, resta aplicar ao valor a que corresponde a avaliação do dano final o valor percentual apurado e representativo do grau de probabilidade.” Prossegue a mesma autora por referir que só não sendo possível determinar com rigor o grau de probabilidade, deve o tribunal recorrer à equidade. Já no caso de responsabilidade dos profissionais forenses, defende a mesma autora[28] que a avaliação desta probabilidade, passa pela realização do juízo dentro do juízo. (…) o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo. Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso imaginar é o curso do processo judicial que não chegou a começar, ou não foi contestado, ou relativamente ao qual não foi interposto o recurso, etc.”. Este juízo dentro do juízo é essencial quer para a determinação da existência de uma chance séria de vitória no processo, quer posteriormente na fixação do quantum indemnizatório. Questão a ponderar será, porém, a de saber se a avaliação da probabilidade de vitória no processo deve ser feita segundo o ponto de vista do juiz da ação de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como teria presumivelmente decidido o juiz da ação falhada ou omitida. Tal distinção pode ser determinante quanto a questões jurídicas relativamente às quais os juízes em causa tenham opiniões conhecidas divergentes. Parece-nos que o segundo prisma de avaliação (o do juiz da ação frustrada) é o que melhor se coaduna com a oportunidade perdida, a qual deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto. (…) De realçar que este julgamento dentro do julgamento, passando pelo apuramento do percurso decisório que o tribunal da ação falhada realizaria no julgamento da mesma, é, no essencial, uma questão de facto, a depender, pois, desde logo da alegação e prova dos factos de onde se possa extrair qual teria sido a decisão que, em termos de probabilidade suficientemente séria para afirmar a existência de uma chance relevante, seria proferida caso não tivesse interferido o facto ilícito do profissional forense.” Por sua vez, Mota Pinto[29], embora mantendo o “o entendimento de que não tem cabimento atualmente, nem de jure condito, nem de jure condendo, a concessão de indemnização pela mera “perda de chance” defende que a admitir-se este dano “é necessário determinar a probabilidade de que as pretensões frustradas tivessem obtido acolhimento no processo. Esta prova, que está a cargo do lesado (como em geral a prova dos danos), não só é perfeitamente possível e de admitir, como é mesmo indispensável para demonstração da existência de um dano – rectius, de nexo causal entre o evento lesivo e o dano –, pois só ela permite reconstruir a situação patrimonial que teria existido caso se não tivesse verificado a frustração do recurso (o evento que obriga à reparação). Só essa prova permite determinar, também, o valor concreto das “chances” frustradas, correspondente à probabilidade de êxito no processo, e se esta frustração realmente causou ou não um dano. E tal prova é indispensável logo para a própria fundamentação da indemnização – que só existirá se houvesse uma “chance” real e séria, isto é, e pelo menos, uma maior probabilidade de êxito do que de decaimento –, não só para a respectiva quantificação. Para avaliar se existe ou não nexo de causalidade, e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve, pois, realizar uma es-pécie de julgamento dentro do julgamento (trial within the trial, suit within the suit, juicio dentro del juicio, procès dans le procès), ou processo hipotético incidental (hypotethischer Inzidentprozess), tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Para avaliar se existe ou não nexo de causalidade e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve realizar uma espécie de “julgamento dentro do julgamento” (…) tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Nesse “julgamento dentro do julgamento” … o tribunal da ação de indemnização deve, pois, adotar a perspetiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como este teria decidido o processo (o que poderá ser particularmente relevante quanto a questões jurídicas sobre as quais existiam opiniões divergentes) no que constituiu uma apreciação de uma questão de facto e não uma questão de direito”. A jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça, desde 2012/2013 é unânime no sentido da admissibilidade da perda de chance como dano autónomo, embora dando igualmente nota da dificuldade na quantificação deste dano para efeitos indemnizatórios, considerando uns que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance processual perdida, prova que cabe ao lesado[30], outros que qualquer grau de probabilidade de sucesso da ação patrocinada pelo dito mandatário atribui ao autor direito a ser indemnizado, correspondendo o valor da indemnização fixada equitativamente à aplicação da probabilidade de sucesso (medida em percentagem) sobre o montante peticionado; e cabendo ao réu a prova da inexistência de qualquer probabilidade de sucesso daqueloutra ação[31]. Em qualquer caso para o determinar, o tribunal deve realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspetiva que teria sido adotada pelo tribunal que apreciaria a ação ou recurso inviabilizados, sendo esta uma questão de facto a fixar em primeira instância.[32] Esta questão foi resolvida por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº2/2022[33] o qual veio fixar jurisprudência obrigatória no seguinte sentido: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”. Considerou este Acórdão, na sua fundamentação que “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência. Como no início admitimos, a incerteza, característica da perda de chance, acaba por dizer respeito quer ao nexo causal quer ao dano, pelo que pode objetar-se que uma coisa é o mínimo de relevância/consistência que a chance deve ter e outra, diversa, o limiar mínimo de prova necessária (o mínimo de standard probatório de probabilidade suficiente) para considerar demonstrado o nexo causal entre o facto lesivo e o resultado/dano e, nesta linha de raciocínio, a exigência percentual poderia ser superior em relação ao standard probatório (de probabilidade suficiente) e poderia ser inferior para se afirmar a seriedade e consistência da chance. Mas, sem prejuízo da devida ponderação casuística (23), não parece que, no que diz respeito às perdas de chances processuais, tal distinção deva ser estabelecida, atenta a conexão entre o dano e o nexo causal, sendo a probabilidade deste que confere consistência à chance e esta consistência que alicerça o standard probatório.” Prossegue este Acórdão por salientar que “a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização. Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo. (…) visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este - face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) - que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).” Conclui este Acórdão Uniformizador que “para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar)”, é necessário a prova da sua consistência e seriedade, prova essa que cabe ao lesado. Temos assim como assente que sendo admissível a perda de chance como dano autónomo e indemnizável, este não se basta com a demonstração de uma conduta ou omissão ilícitas, é necessário demonstrar que a acção comprometida tinha uma probabilidade séria e consistente de sucesso, prova essa que cabe ao lesado (artº 342, nº1 do C.C.). Essa prova exige que se carreiem factos para a causa para que se proceda a um verdadeiro julgamento dentro do julgamento, com vista a fixar a indemnização devida pela oportunidade perdida. Revertendo ao caso em apreço, considerou o tribunal a quo que esta prova foi feita, o que aqui não é colocado em causa e que na fixação da indemnização teria de se ater ao facto de “neste caso, se deve afirmar a existência de uma probabilidade séria de “ganho de causa” na referida ação cível, ponderando a factualidade apurada, desde logo, a extinção da execução contra o sócio CC. Ora, estando o autor em situação idêntica à do (então) sócio, CC, tendo ambos cessado funções de gerente por motivo de renúncia em 26/06/1999, e provando-se que “no final do exercício de 1998 a sociedade “E..., Lda” tinha em caixa a quantia de 2.366.189$00, em depósitos à ordem a quantia de 1.556.297$00, as prestações de serviços a presentavam um saldo de 41.737.853$00 e dívidas a clientes o saldo de 9.041.285$00. Para além disso, provou-se que, em dezembro de 1999, a mesma sociedade tinha em caixa a quantia de 7.148.604$00, em depósitos à ordem a quantia de 8.338.779$60, as prestações de serviços apresentavam um saldo de 80.134.916$00 e as dívidas de clientes o saldo de 13.314.763$00. Assim sendo, mostra-se sustentada e consistente a tese defendida pelo autor, relativa aos danos sofridos, por reversão ilícita. Tais danos resultaram apurados no âmbito do presente processo, instaurado vários anos volvidos sobre a verificação da lesão. Consequentemente é de concluir pela existência de uma consistente probabilidade de “ganho de causa” que não se concretizou por o réu Dr. BB não ter atuado de forma diligente”. No entanto, atendendo ao facto de “a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida”, não podendo igualar-se à vantagem que se procurava. Impõe-se, pois uma tarefa de dupla avaliação que passa pela avaliação da decisão final para de seguida fixar o grau de probabilidade da obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo. Uma vez obtidos tais valores, haverá que aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação da decisão final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de chance. Consequentemente, não se busca uma efetiva indemnização pela perda do resultado desejado, mas antes uma compensação pela oportunidade perdida, desde que se possa concluir que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar a um prejuízo” e, nessa medida considerando uma probabilidade de ganho elevada, fixou uma percentagem de 70%. Contrapõe o A. no sentido de que só é admissível o recurso à equidade, quando não seja feita a prova integral dos danos, prova que foi neste caso e que “Isso mesmo vale para a doutrina da perda de chance, nos casos, como o dos autos, em que se encontra provado um determinado montante, ainda que inferior ao pedido global do processo. (…) Na verdade, a doutrina jurídica da perda de chance não permite ao julgador ter uma interpretação no sentido de dizer que se trata de mera compensação, já que o texto da letra da lei do art. 566.º n.º 3 não utiliza intencionalmente uma terminologia voltada para a compensação.” Vejamos. Volvendo às lições de Nuno Tomás Cardoso[34] o “dano da perda de chance pressupõe uma aléa ou uma incerteza no sentido de que a probabilidade da verificação do resultado final ainda não se apresenta como certa à data do dano, mas aparece como altamente potencial, no âmbito de um processo causal em curso, pois se o resultado for certo, já não estaremos perante o dano intermédio da chance, mas sim perante o dano certo do resultado final. Com efeito, se for possível estabelecer um nexo causal direto entre a lesão e o resultado final, o lesado terá direito à indemnização, não pelo dano da perda de chance, mas pelo dano da frustração do resultado final.” Ou seja, nos casos de perda de chance processual decorrente de responsabilidade civil do advogado, é necessário que previamente se efetue um julgamento dentro do julgamento, com vista a verificar, segundo o mesmo autor[35], “se o ato omitido foi causa adequada do desaparecimento da probabilidade favorável, mas já não da perda do resultado final, com o qual não existe nexo causal.” Assim é de facto. O dano de perda de chance surge apenas para dar resposta àqueles casos em que não é possível estabelecer o nexo causal entre a lesão e o resultado final. O que se indemniza é a perda de chance, séria e consistente, pelo que “o seu valor de indemnização nunca poderá ser idêntico ao do dano da perda do resultado final”[36]. Na realidade, segundo Rute Teixeira Pedro, se “se demonstrarem todos os requisitos fundantes da finalidade pretendida, também não se falará de uma chance de obter o resultado final, mas antes de um direito à obtenção do mesmo”[37], uma vez que ainda de acordo com Patrícia Costa[38] “o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano avançado constituído pela perda de chance”. Assim, o cálculo da indemnização da perda de chance, como dano autónomo, demonstrado o acto ilícito, a probabilidade séria e consistente de ganho de causa e o nexo de casualidade entre a actuação e a perda de oportunidade, terá de ser feito, não de acordo com um dano final concreto (o valor que se esperava obter ou em que se foi condenado), como pretende o A., mas conforme defende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-11-2018[39] “segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.” Ou seja, como primeiro critério terá de se apurar, efectuando um julgamento dentro do julgamento, a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria se não existissem danos, na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal, só se podendo lançar mão do critério da equidade caso não seja possível apurar esta diferença, embora em recente Acórdão do S.T.J. 09.03.2022[40] se tenha decidido que: “(…) o quantum indemnizatório não será determinado de acordo com critérios matemáticos, mas segundo a equidade, uma vez que a teoria da diferença não é adaptável ao dano “avançado” da perda de chance”. É, no entanto, sempre a perda de uma probabilidade séria e consistente que se visa indemnizar, verificados os demais requisitos da responsabilidade civil: a actuação ilícita e culposa e o nexo de causalidade entre esta actuação ou omissão ilícitas e a perda de oportunidade. Ora, nos presentes autos, resultou provado que tendo sido instaurados contra o A. os processos de execução fiscal nºs 11/2... e 2/02, por efeito de reversão da sociedade E..., Lda, do qual havia sido gerente, este, em junho 2001, apresentou a respetiva oposição, e que nos processos de oposição nºs 11/2... e 2/02, o autor e o sócio, CC, obtiveram procedência das oposições à execução deduzidas, donde resultou a extinção da respetiva execução fiscal. Contudo, no processo de execução fiscal nº ...1..., tendo sido deduzida oposição à execução com o nº 26/03...., pelo A. e pelo seu sócio, foi proferida sentença, que julgou procedente a exceção dilatória de coligação ilegal e, em consequência, absolveu a Fazenda Publica da instância. Mais resultou apurado que o R., Dr. BB, interpôs recurso dessa decisão que foi julgado improcedente e que, notificado dessa decisão, não interpôs em prazo nova oposição. Já o seu sócio CC, reagiu atempadamente e intentou nova oposição, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o nº 409/15...., a qual foi julgada procedente, por decisão de 05 de janeiro de 2021, e em consequência foi extinta a execução fiscal quanto ao oponente CC. Nesta oposição à execução nº 409/15...., o Tribunal determinou o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo de oposição à execução fiscal nº ...1..., na qual o aqui autor também foi parte. Na mencionada oposição à execução nº 409/15...., o Tribunal deu como provado em 8. que: “No final do exercício de 1998 a sociedade “E..., Lda” tinha em caixa a quantia de 2.366.189$00, em depósitos à ordem a quantia de 1.556.297$00, as prestações de serviços apresentavam um saldo de 41.737.853$00 e dívidas a clientes o saldo de 9.041.285$00. Na mesma decisão a que vimos de aludir, deu-se ainda como provado em 9. que: “Em dezembro de 1999, a sociedade “E..., Lda”, tinha em caixa a quantia de 7.148.604$00, em depósitos à ordem a quantia de 8.338.779$60, as prestações de serviços apresentavam um saldo de 80.134.916$00 e as dívidas de clientes o saldo de 13.314.763$00”. No processo de oposição à execução nº 2/02G-O, no qual o aqui autor também foi parte, o Tribunal deu como provado em E) que: “Através das Aps. nºs ...8, ...9, ...0 e ...06, da Conservatória do Registo Comercial ..., forma registadas as cessações de funções de gerente de AA, CC e de DD, todas por motivo de renúncia em 26/06/1999 (…).” Ou seja, naquele processo referente também à reversão ilícita por ilegitimidade do opoente, o tribunal pronunciou-se pela extinção da execução fiscal. É assim lícito afirmar que, caso tivesse sido instaurada a oposição à execução fiscal e beneficiando o A. dos mesmos meios de prova, a decisão teria com elevado grau de probabilidade sido a mesma. Não é, no entanto, possível considerar que, nesse caso, o ganho seria de 100%, existindo a final um dano certo resultante de um resultado certo e inatacável. Não é possível afirmá-lo pois que a acção (oposição fiscal) não foi proposta, nem a causa do A. efectivamente julgada, existindo sempre uma álea de incerteza associada que pode ser maior ou menor, consoante a probabilidade de ganho. Que a probabilidade de ganho do A. nesta causa era elevada, é certo, que este resultado fosse de 100%, já não o é. Vejamos. Nos autos nº 409/15...., discutia-se essencialmente a prescrição e a ilegitimidade do opoente, quer por não ter exercido a gerência de facto, quer por não ter culpa na insuficiência do património da devedora originária. Produzida a prova, com aproveitamento da que já tinha sido produzida no âmbito do processo de oposição à execução fiscal nº ...1..., mas também com análise de prova testemunhal e documental, concluiu o tribunal pela improcedência da excepção de prescrição e pela procedência da última excepção, ou seja, decidiu que o opoente tinha logrado afastar a presunção de culpa que sobre si impendia nos termos do artº 13 do C.P. Tributário e, nesta medida, declarou extinta a execução fiscal. Não é possível afirmar que, caso a oposição do A. tivesse sido interposta em prazo, a probabilidade do A. afastar esta presunção, pressupondo que invocaria os mesmo argumentos, seria absoluta, existindo assim um dano certo, mas antes que existia uma possibilidade séria, consistente e elevada de ganho de causa. Não se vê, assim, motivos para alterar a percentagem fixada pela primeira instância como possibilidade de ganho de causa (70%). Nesses termos, retomando o já afirmado em Acórdão desta mesma Relação de 18/02/2025[41] “no ordenamento jurídico português, o princípio geral que enforma o sistema indemnizatório é o da reparação natural do dano – as coisas atingidas pelo evento lesivo devem ser repostas com exactidão na situação anterior –, consagrado no art. 562.º do Código Civil: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” . Porém, de acordo com o n.º 1 daquele preceito legal, “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Emerge destes dispositivos legais que a obrigação de indemnizar se traduz numa reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (restituição natural), sendo que, nos casos dessa restituição não ser possível, ou ser insuficiente ou ser excessiva, a indemnização se concretizará, por sucedâneo, numa quantia monetária. Nessa fixação rege o princípio da teoria da diferença – “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 do art. 566.º do Código Civil) – e, subsidiariamente, o recurso à equidade – “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do art. 566.º do Código Civil). A data mais recente a que se refere o art. 566.º, n.º 2, é, nos termos do art. 611.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a correspondente “à situação existente no momento do encerramento da discussão”. Assim, fazendo apelo a este critério da teoria da diferença teremos de concluir como a primeira instância que, efectuando a prova de que o valor da dívida do A. por via desta reversão é de €57.097,27, a possibilidade de ganho que se fixou em 70%, se deve liquidar a indemnização pela perda de chance em €39.968,08. Aqui chegados importa decidir a 2ª questão colocada pelo recorrente. * III-Se os juros devidos se contam a partir da citação. Alega o recorrente que os juros devidos se devem calcular desde a citação e não desde o trânsito em julgado da decisão, pois que nos presentes autos não há lugar à fixação dos danos de acordo com a equidade. A decisão recorrida considerou o seguinte: “quanto à indemnização supra fixada (€ €39.968,08) reporta-se a danos computados equitativamente (logo, por cálculo atualizado). Nesta medida, quanto a tal parcela indemnizatória, bem como quanto aos danos morais ora fixado, os juros serão contabilizados desde a presente decisão, com base em cálculo atualizado, e não desde a citação como peticionado – cfr artigos citados e Ac STJ nº 4/2002, de 5/6 que fixou jurisprudência obrigatória – DR I-A, de 27/6/2002.” Efectivamente o AUJ nº 4/2002, fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.” A teoria da diferença explanada no nº2 do artº 566 do C.P.C., de acordo com a qual deve ser atendida a data mais recente pelo tribunal e a improcedência da pese do autor que, no fundo afastava o dano da perda de chance, pretendendo antes a fixação de um dano concreto causado por uma actuação concreta, determina a improcedência também desta pretensão. Os juros a considerar são contados desde a decisão actualizadora, ou seja, da que fixa uma indemnização pela perda de oportunidade e não desde a citação. Improcede, assim, o recurso interposto pelo autor. * Volvendo ao recurso da R. C... Company, vem esta impugnar o montante dos danos não patrimoniais fixados, alegando que deveriam ser fixados pelo montante de € 1.000,00, por ser esta a jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Cumpre-nos assim apreciar esta questão: III- Se deve ser alterada a decisão no que se reporta ao montante dos danos não patrimoniais fixados por excessiva. A primeira instância, considerou que “É hoje francamente maioritário o entendimento da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, desde logo porque os artigos 798º e 804º, nº 1, CC ao referirem-se à ressarcibilidade dos prejuízos causados ao credor não distinguem entre uma e outra classe de danos, não limitando a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais – cfr. Pinto Monteiro, Ac STJ de 17/1/1993, Ac STJ de 22/6/2005. Necessário é que tais danos não patrimoniais revistam gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito – cfr, artigo 496º, nº 1, CC. Ora, tem vindo a entender-se que a gravidade do dano deve ser medida por padrões objetivos, não devendo ser atribuída qualquer indemnização quando estejam em causa simples incómodos ou contrariedades – Pires de Lima e Antunes Varela. Por outro lado, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, à sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado – cfr. artigos 496º, nº 3 e 494º, CC. Tal questão, demandando uma apreciação casuística, não poderá perder de vista que os danos que emergem da violação dos direitos de personalidade em regra deverão ser considerados mais graves do que os que resultam da violação de direitos sobre as coisas. Assim, tem vindo a entender-se que só em casos excecionais o dano de afeição ou de apego resultante de lesão patrimonial beneficiará de relevância para merecer tutela jurídica No caso presente, os danos não patrimoniais apurados revestem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, revelando-se adequada a quantia indemnizatória de € 10.000,00”. Conforme nos ensina Antunes Varela[42], integram-se na categoria de danos não patrimoniais “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”. A ressarcibilidade destes danos mostra-se prevista no artº 496, nº1 do C.C., mas apenas quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, apurando-se essa gravidade caso a caso, em função da factualidade provada e seguindo um critério objectivo, de normalidade e bom senso prático. Ainda de acordo com Antunes Varela[43], a gravidade dos danos não patrimoniais deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.”. No caso em apreço, provou-se (factos 23 a 27) que o A. na sequência da manutenção da execução fiscal e para pagar estas dívidas (da sociedade, devedor originário), por não ter outra fonte de rendimento, viu-se obrigado a vender o prédio urbano, sito na ..., sofreu abalo e perturbação, tendo o sentimento de revolta sido acrescido pela circunstancia de o sócio CC ter sido ilibado, pelos mesmos factos, que tem tendência para perturbação depressiva recorrente, sendo acompanhado e medicado para o efeito e que em consequência da factualidade supra descrita, o autor sofreu acréscimo de perturbação de sono, dificuldade de concentração e irritabilidade. São factos consabidamente graves, que determinam um critério indemnizatório muito superior ao defendido pela seguradora recorrente, embora aceitemos que o ora fixado tendo em conta os danos sofridos e o critério seguido noutros casos (nomeadamente no Acórdão desta relação já citado), se entende fixar em €5.000,00. *** Resta-nos apreciar o último fundamento de recurso, invocado pela apelante A... IV-Se a responsabilidade pelo pagamento da indemnização fixada a título de danos patrimoniais deve ser repartida na proporção do capital seguro em cada contrato, com dedução posterior, nos termos também contratados, das franquias previstas em cada apólice. Vem esta invocar nas suas conclusões que “as seguradoras (R. A... e Interveniente C...) envolvidas no ressarcimento do dano (patrimonial) coberto pelos vários contratos deveriam/deverão (ao contrário do decidido na douta sentença) responder “entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro” (artigo 133º, nº 4, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril). Para o efeito alega , nas suas conclusões D a F, que a “A apólice ...22 (tituladora do contrato de seguro celebrado com a R./recorrente) prevê, além do mais, que “Existindo à data do sinistro mais de um contrato de seguro garantindo o mesmo risco, o presente contrato apenas funcionará nos termos previstos na lei” (vde. doc. 2 junto com o referido articulado – artigo 10º, nº 2, das Condições Gerais da Apólice) – negrito e sublinhado nossos” e as “apólices ...2... (doc. 1 junto com a contestação da Interveniente – Cláusula 13.1.2) e ...22A...87 (doc. 2 junto com a contestação da Interveniente – Cláusula 7.1.2.), tituladoras dos contrato de seguro celebrados com a Interveniente, prevêem, além do mais, que “Supondo que a apólice ou apólices de cobertura análoga subscritas pelas Sociedade de Advogados contenham uma previsão respeitante à concorrência de seguros em termos idênticos à presente, entende-se então que esta apólice atuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos” e que é ilícita a clausula limitativa das apólices ...2... e ...22A...87 (da interveniente). É pacífico na nossa jurisprudência que este é um seguro obrigatório de responsabilidade civil[44] nos termos do artº 99, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26.01) e do actual artº 104, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados vigente (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9/09). Como corolário da natureza obrigatória deste seguro o artº 101 nº4 do D.L. nº 72/2008 de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, doravante RJCS), dispõe que são inoponíveis ao lesado clausulas de exclusão com fundamento na violação de deveres de participação do sinistro, estipulando ainda que o lesado pode demandar directamente a seguradora (artº 146, nº1 do RJCS). Por sua vez, o artº 147 deste diploma legal dispõe que: “1-O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro. 2 - Para efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.” Quando existe mais do que um seguro, dispõe o artº 133 do RJCS que: “1 - Quando um mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período esteja seguro por vários seguradores, o tomador do seguro ou o segurado deve informar dessa circunstância todos os seguradores, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro. 2 - A omissão fraudulenta da informação referida no número anterior exonera os seguradores das respectivas prestações. 3 - O sinistro verificado no âmbito dos contratos referidos no n.º 1 é indemnizado por qualquer dos seguradores, à escolha do segurado, dentro dos limites da respectiva obrigação. 4 - Salvo convenção em contrário, os seguradores envolvidos no ressarcimento do dano coberto pelos contratos referidos no n.º 1 respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro.” Com efeito, conforme se referiu em Ac. desta Relação de 23/01/2024[45] “Pode dar-se o caso de um mesmo risco, relativo ao mesmo interesse, estar seguro por vários seguradores, i.e., de existir uma pluralidade ou concurso de seguros. Nesta hipótese, o sinistro é indemnizado por qualquer dos seguradores à escolha do segurado, dentro dos limites da respectiva obrigação e, salvo convenção contrária, os vários seguradores respondem entre si na proporção que cada um teria de pagar, se existisse um único contrato de seguro.” Esta regra da repartição na proporção prevista no nº4, por respeitar às relações entre as seguradoras demandadas para pagamento dos danos, pode ser livremente afastada por convenção em contrário estabelecida nos respectivos contratos. Nestes termos nada impede que se convencione que a apólice, outorgada entre a O.A. e a interveniente, visando a cobertura da responsabilidade dos “Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional;” apenas funcionará para os casos de insuficiência da primeira, constituindo esta uma clausula[46] livremente acordada entre o tomador de seguro e a seguradora, oponível ao lesado e que impede a regra do pagamento em função da proporção, prevista neste nº 4. Quer isto dizer, como bem alega a interveniente principal, que a clausula prevista na apólice ...2... (Cláusula 13.1.2) e na apólice ...22A...87 (Clausula 7.1) na qual se estipula que esta apólice apenas funcionará na falta ou insuficiência da apólice de seguro de responsabilidade civil profissional que garanta a Sociedade de Advogados, não é ilícita, nem constitui uma derrogação à obrigatoriedade do seguro, pois que já coberto pela apólice ...22, contratada entre a sociedade de Advogados, na qual se integrava o R. Advogado e a A..., nada estipulando esta em sentido contrário conforme resulta do artº 10, nº2 das Condições Gerais e Especiais desta apólice[47]. Sendo lícitas a estipulações de clausulas em sentido contrário à regra da repartição na proporção da quantia que cada uma das seguradoras teria de pagar em caso de concorrência de seguros, entende-se que é de permitir a estipulação desta clausula quando existe outro seguro obrigatório que cobre o risco em causa, funcionando esta apólice apenas no caso de insuficiência da primeira e para os danos nela não cobertos (como é o caso dos danos não patrimoniais). Esta clausula em nada prejudica o lesado, que é em último caso, o beneficiário deste seguro. A lei exige que este risco esteja coberto por um seguro obrigatório, mas não exige que esteja coberto por vários seguros obrigatórios com o mesmo objecto, podendo ser complementares. Improcede o recurso interposto pela interveniente principal. 
 * DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em: I- Não admitir o recurso do despacho proferido em 09/12/2024, condenando o A. em custas que se fixam em 1 UC. II- Julgar improcedente o recurso interposto pelo A., mantendo nessa parte a decisão recorrida; III- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela interveniente principal, Companhia de Seguros “C... SE , fixando-se a indemnização por danos não patrimoniais em € 5.000,00, confirmando-se no mais a decisão recorrida; IV- Julgar improcedente o recurso interposto pela R. Companhia de Seguros A... S.A. * Custas pelos apelantes e apelados, na proporção do decaimento na acção e no recurso (artº 527 do C.P.C.). Coimbra 30/09/25 
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