| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA DA CONCEIÇÃO MIRANDA | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL QUESTÃO PREJUDICIAL NÃO PENAL SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL PODERES DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA DURANTE O INQUÉRITO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA E ACRÉSCIMOS LEGAIS | ||
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| Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 7.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARTIGO 14.º, 40.º, N.º 2, 41.º, N.º 1, ALÍNEA B), 42º., N.º 2, E 47.º, N.º 1, DO RGIT/ LEI N.º 15/2001, DE 5 DE JUNHO ARTIGOS 29.º, N.º 1, 103.º, N.º 2 E 110.º E 111.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA | ||
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| Sumário: | I - O principio da suficiência do processo penal significa que o processo penal é, em regra, suficiente para resolver todas as questões, de natureza penal ou não, necessárias para a decisão da causa, admitindo-se a possibilidade excepcional de suspensão do processo penal para decisão de questão prejudicial. II - “Questão prejudicial”, que lei adjectiva penal não define, é aquela cuja prévia solução é indispensável para se decidir em definitivo uma outra, por a sua resolução ser susceptível de modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito. III - Resulta dos artigos 42.º, n.º 2, e 47.º, n.º 1, do RGIT que não basta a existência de um processo tributário para operar a suspensão do processo penal tributário, sendo, ainda, necessário que se verifique uma situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos. IV - Daqui decorre que o afastamento do princípio da suficiência do processo penal só se justifica no caso de se discutir em processo de outra natureza questão que verdadeiramente releve para a decisão da causa penal, ou seja, que contenda com os próprios elementos materiais do crime, revelando assim a sua prejudicialidade substantiva. V - Os deveres e regras de conduta constantes dos artigos 51.º e 52.º do Código Penal vigoram, apenas, para os delitos do direito penal clássico, sendo que para as infracções tributárias é aplicável a norma do n.º 1 do artigo 14.º do RGIT . | ||
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| Decisão Texto Integral: | * 
 Acordam os juízes na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra 
 I .Relatório Pelo Juízo Central Criminal de Castelo Branco - Juiz 3, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: “ - Absolve-se o arguido AA da autoria dos crimes de fraude fiscal qualificada p.p. pelos art.os 103.º/1/2/3 º 2 e 104.º, n.º 1-d)/e ) e n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), e de abuso de confiança fiscal pp 105/1/4 do RGIT, e * - Condena-se o arguido BB como autor material, cem concurso real, de : Um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos art.os 103/1/2/ 3 e 104/1/c/e/2/a/3 . praticado em representação da A..., na pena de dois anos e seis meses de prisão; Um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos art.os 103/1/2/ 3 e 104/1/c/e/2/a/3 e um crime de abuso de confiança fiscal pp 105/1/4 do RGIT, praticados em representação da B... L.da , na pena de 3 anos de prisão e 1 ano de prisão respectivamente e a sociedade nas penas de 700 e 90 dias de multa à taxa de 5 euros: Um crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelos art.os 103/1/2/ 3 e 104/1/2/B. praticado em representação da C... na pena de 1 ano e seis meses de prisão e a sociedade na pena de 400 dias de multa a taxa diaria de 5 euros. Em cúmulo, condena-se o arguido na pena de 4 anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição, como o impõe o art.º 14 do RGIT de proceder ao pagamento, até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos . * Sociedades arguida B... L.da foi condenada na pena de 700 e 90 dias de multa. Em cúmulo, jurídico, condena-se a sociedade na pena única de 730 dias de multa, à taxa diária de 5 euros. Cfr. art.15 do RGIT * Perda de vantagens: Declaram-se perdidas favor do Estado as vantagens obtidas nos termos sobreditos, ou seja: 32 645,79 euros pelo arguido BB; 1 045 757,84 euro pelo arguido BB e sociedade B... L.da 327 645,79 euros pelo arguido BB; 1 045 757,84 euro pelo arguido BB e sociedade B... L.da 145 306,88 euros pelo arguido BB e sociedade C... Unipessoal L.da.” 
 Inconformado com tal decisão, veio o arguido BB interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ 1. Os tipos penais enunciados nos art.ºs 103.º e 106.º do RGIT estão conformados em termos de replicarem, nos seus pressupostos constitutivos, pressupostos abstractos constantes do Tatbstand normativo das normas de incidência dos impostos e das contribuições para a segurança social, como os da relevância de “condutas ilegítimas tipificadas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição de receitas fiscais”. 2. A verificação da existência dos pressupostos de facto que preenchem os pressupostos normativamente enunciados no Tatbstand das normas de incidência tributária é realizada através do acto tributário de liquidação ou dos actos de determinação da matéria tributária que não dê lugar a pagamento do imposto. 3. Os actos tributários de liquidação são actos,material, funcional e organicamente administrativos, praticados no exercício da função administrativa, traduzindo-se na aplicação da lei material tributária aos factos tributários por banda da administração tributária ou em sua substituição legal (auto-liquidação), com vista a verificar declarativamente a obrigação tributária do imposto devido perante as normas tributárias. Conquanto declarativo da obrigação tributária, o acto de liquidação tem também uma função constitutiva, na medida em que corporiza o título legal formal com base no qual é exigido o cumprimento da obrigação. 4. Os actos de apuramento de imposto, praticados no processo de inquérito criminal, ao abrigo do RGIT, pelos OPCs ou até pelo tribunal criminal, não são actos tributários, nem lhes pode ser atribuído o mesmo efeito jurídico dos actos tributários de liquidação do imposto, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado nos art.ºs 110.º e 111.º, do art.º 103.º, n.º 2, e dos princípios da legalidade tributária e da subsidiariedade do direito criminal, este constante do art.º 29.º, n.º 1, todos os artigos da Constituição da República Portuguesa. 5. O processo criminal não é o meio ou instrumento próprio para fazer a aplicação da lei material aos factos tributários, por essa aplicação não pressupor a violação de qualquer bem jurídico ético-penal cuja defesa esteja atribuída ao direito criminal e estar cometida à administração tributária. 6. Daí que, ao contrário do entendido pela sentença recorrida, o cômputo coercivo dos valores de imposto devidos pelo contribuinte arguido segundo a lei material tributária não possa ser levado a cabo no processo criminal, pese embora a intervenção, durante o inquérito, de pessoas especialmente habilitadas para apreender essa realidade, como são os funcionários da Administração Tributária que levam a cabo a investigação criminal, sob delegação institucional do Ministério Público (Os OPCs). … 8. A intervenção, no processo de inquérito criminal pelos crimes, p. e p. nos art.ºs 103.º e 106.º do RGIT, por parte dos OPCs, que detêm o título profissional de agentes da Administração Tributária, não é efectuada a título de agentes da administração tributária e no exercício dessa função administrativa, mas enquanto órgãos de investigação criminal, agindo a coberto de competência delegada institucionalmente, ou até mesmo em concreto, do titular da acção penal – o Ministério Público, como resulta do disposto nos art.ºs 40.º, n.º 2,41.º, 42.º, 43.º e 50.º, n.º 2, do RGIT. 9. A investigação levada a cabo, no processo de inquérito criminal, sobre os factos tributários e o apuramento dos valores da matéria tributável ou de imposto devidos, não pode ser relevada, a se, como desempenho da função tributária que determine, com força coerciva e definitiva, a situação tributária dos contribuintes, ali arguidos. 10. O surpreendimento, no processo criminal, da existência de factos tributários e da expressão dos seus valores, a considerar como pressupostos constitutivos do tipo legal de crime de burla fiscal ou à segurança social, apenas relevará, no processo criminal, se os mesmos alcançarem efeitos jurídico-tributários, segundo as leis de tributação, e sejam determinados no procedimento administrativo próprio para definição da situação tributária do contribuinte, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado nos art.º 110.º e 111.º da CRP. 11. Salva a excepção constante do art.º 48.º do RGIT, enquanto não houver decisão administrativo-tributária que defina definitivamente a situação tributária do contribuinte relativamente aos pressupostos que integram também o quadro de pressupostos dos tipos penais, não pode ser exercida a acção penal, sob pena de violação do referido princípio da separação constitucional de poderes e tal não aconteceu porque o exercício da acção penal ocorreu antes de ter lugar antes de ser praticado o acto tributário de liquidação ou o acto administrativo de determinação da matéria tributável de que não decorra o apuramento de imposto. 12. A tese em que se abona a sentença recorrida é, ainda, de refutar por manifestamente incongruente com a unidade do sistema do processo penal tributário emergente dos art.ºs 40.º a 50.º do RGIT, bem como do estabelecido no art.º 45.º, n.º 5 da LGT, introduzido pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho. 13. A qualificação criminal dos factos, nestes tipos penais, está dependente da definição da concreta situação tributária, por os pressupostos de facto integradores do Tatbstand normativo gerador da obrigação tributária estarem igualmente assumidos na norma penal definidora do tipo penal e aquela definição declarativa é efectuada no procedimento de liquidação. 14. É exactamente por isso que, não obstante o legislador estabelecer, no n.º 1 do art.º 42.º do RGIT, por razões atinentes à celeridade e à prescrição penal, o prazo máximo de oito meses contados da data em que foi adquirida a notícia do crime, para a conclusão dos actos de inquérito delegados nos órgãos da administração tributária, da segurança social ou nos órgãos de polícia criminal, acaba por prescrever, no n.º 2 do mesmo artigo, visionando “o caso de ser intentado procedimento de contestação técnica aduaneira ou processo tributário em que se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos”, que “não será encerrado o inquérito criminal enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária”, suspendendo-se aquele prazo de oito meses. 15. E é também pela mesma razão que, no n.º 4 do mesmo artigo 42.º do RGIT, o legislador adverte que “não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza”. 16. Ora o apuramento da situação tributária só passível de ser efectuada no procedimento próprio estabelecido na lei de tributação para o efeito, por mor do princípio da legalidade administrativo-tributária. 17. Assim sendo, enquanto não tiverem sido praticados todos os actos procedimentais admissíveis, nesse procedimento de apuramento da situação tributária, não é possível dar-se como efectuado o apuramento administrativo-tributário definitivo que possa ser considerado como pressuposto prejudicial da qualificação criminal que dele depende. … 19. Ora, ao falar em apuramento da situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, a ter lugar em procedimento com prioridade sobre outros da mesma natureza, o legislador só pode estar a referir-se ao procedimento administrativo em que tal apuramento se pode fazer de modo definitivo e coercivo, pois, caso se tratasse do mesmo processo de inquérito, o legislador ter-se-ia referido directamente a ele. 20. Por outro lado, está suposto no preceito que a definição da situação tributária, declarada pelo acto administrativo-tributário, representa a concretização da responsabilidade pecuniária emergente dos factos tributários, ocorridos, perante as normas de tributação, não se confundindo com o apuramento da responsabilidade criminal emergente da prática do ilícito criminal, nesta compreendida além da sanção criminal também o dever de eventual indemnização pelo dano, sendo que esta responsabilidade é totalmente distinta e autónoma da decorrente da obrigação tributária. 21. Também o dever de comunicação para com a administração tributária ou da segurança social, constante do art.º 50.º, n.º 2 do RGIT, quando praticado nas fases de processo de inquérito anteriores ao exercício da acção penal (acusação) só se compreende enquanto visando dar-lhe a conhecer todos os possíveis elementos que possam interferir na definição da situação tributária a ser relevada no exercício da acção penal, de modo a que a acusação pelos factos integradores dos pressupostos dos crimes penais seja deduzida em função dos factos que, segundo o acto tributário da liquidação ou da determinação da matéria tributável que não dê lugar a liquidação, definam a situação tributária. 22. Por fim, a circunstância a sentença proferida em processo de impugnação judicial fazer caso julgado, para o processo penal, quanto à existência dos pressupostos de facto que definam a situação tributária do arguido e repliquem o preenchimento dos mesmos pressupostos abstractamente definidos dos tipos de crimes de burla fiscal ou à segurança social, quando tal questão de facto (ou até jurídica) haja sido decidida e nos termos em que o tenha sido, prevista no art.º 48.º do RGIT e o facto de a pendência do processo de impugnação judicial suspender o prazo de caducidade do imposto e, consequentemente, o apuramento da situação tributária a considerar no processo criminal, nos termos do art.º 45.º, n.º 5 da LGT, introduzido pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, denota, sem sombra de dúvida que, ressalvada a possibilidade do controlo da legalidade reconhecido ao poder jurisdicional sobre a liquidação praticada, quando o processo criminal está na fase de inquérito, se deve considerar o acto de liquidação tributário, praticado pela administração tributária, como integrando o mesmo tipo de pressuposto abstracto que informa o crime p. e p. pelos art.ºs 103.º e 106.º do RGIT. 23. Resulta, ainda, do mesmo art.º 45.º, n.º 5 da LGT, em face do princípio constitucional da igualdade na jurisdição, que, tendo o processo criminal de aguardar a definição do julgado no processo de impugnação judicial ou na oposição, para conhecer da questão criminal atinente ao preenchimento dos pressupostos abstractos concernentes à definição, através do acto de liquidação, da situação tributária do arguido, não pode a questão criminal analisada ter solução diferente, em caso de ainda não pendência do processo de impugnação ou da oposição. 24. A interpretação do art.º 7.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, no sentido de o tribunal criminal pode conhecer da questão da suficiência dos indícios criminais para efeitos do exercício da acção penal por parte do Ministério Público, na fase do inquérito criminal, com base na liquidação de imposto, nos apuramentos de imposto ou na determinação da matéria tributável que não dê lugar a imposto, que hajam sido efectuados no inquérito criminal pelos OPCs ou pelo Ministério Público, nas situações em que a existência dos pressupostos de facto tributários que constituem causa jurígena da obrigação do imposto/contribuição para a Segurança Social a cuja liquidação o arguido se eximiu, constituem, também, pressupostos da existência dos crimes de fraude fiscal e à Segurança Social, p. e p. pelos art.ºs 103.º e 106.º do RGIT, é materialmente inconstitucional por violação dos art.ºs 103.º, n.º 2 e 110.º e 111.º da Constituição da República, bem como, ainda, dos princípios da legalidade e da subsidiariedade do direito penal reflectidos no art.º 29.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental. 25. A aplicação do nº 1 do artigo 14.º do R.G.I.T. não derroga o nº 2 do artigo 51º do Código Penal (ou seja, o pagamento da quantia em causa deve ser razoavelmente exigível em face da situação económica do condenado), constituindo apenas uma especialidade em relação ao regime facultativo previsto no nº1 deste último preceito; tal especialidade impõe que a suspensão seja sempre sujeita ao pagamento de quantias indevidamente obtidas. 26. A fixação do montante concreto do condicionamento da prestação tributária com sujeição ao regime previsto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal (isto é, que o pagamento de tal montante seja exigível em face da situação económica do condenado) cumpre o princípio geral da humanidade das penas e da proporcionalidade, impondo que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas ou deveres irrealizáveis, sob pena de os fins da suspensão perderem racionalidade, tornando-se inoperantes. 27. Na ponderação exigida no Ac. do S.T.J. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, o raciocínio jurídico de penologia que faz depender a escolha da pena das possibilidades económicas do arguido situa-se à revelia das exigências de prevenção previstas nos arts. 40.º n.º1 e 70.º do Código Penal e importa uma distorção grave desta escolha. 28. Esse raciocínio persegue a ideia de que o pagamento integral da dívida do fisco pertence à fenomenologia da pena, numa ótica da eficácia do sistema penal tributário; no entanto, a verdade é que se descredibiliza a referida eficácia quando, na hipótese de o crime ser apenas punido com pena de prisão e se admite na suspensão da execução da pena a sujeição à condição de pagamento integral do valor devido, nos casos em que é de cumprimento impossível para o arguido (se for essa a condição económica apurada), essa solução representa um fracasso anunciado do pagamento imposto, colidindo com a lógica da suspensão, com perda completa da racionalidade e compreensibilidade da pena. 29. Normas jurídicas violadas: art.ºs 14º, 40.º, n.º 2, 41.º, 42.º, 43.º, 47.º, 48.º e 50.º, n.º 2, 103º e 104º do RGIT; 1º, 18, n.º 2, 29º, 110º e 111º, da CRP; 40º e 71º do Código Penal. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provido, com as legais consequências.” 
 Na 1ª. instância, o Ministério Público respondeu ao recurso … 
 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer … 
 Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º., nº. 2, do Código de Processo Penal. Efetuado exame preliminar, colhidos os vistos legais, foi realizada a conferência, a que alude o artigo 419º., do Código de Processo Penal. 
 II– Fundamentação Delimitação do objeto do recurso … Assim, atendendo às conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, e não se vislumbrando questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir: - Da suspensão do processo criminal por se verificar questão prejudicial - Da inconstitucionalidade do artigo 7º. nº. 1 e 2 do Código de Processo Penal. - Da violação dos princípios legalmente previstos para a determinação das penas, mormente no que diz respeito ao juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado, atenta a sua concreta situação económica, subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. 
 III. A Decisão Recorrida A decisão recorrida, na parte relevante, para a apreciação do recurso tem o seguinte teor. “ (…) Após o despacho que designou dia para audiência de julgamento não ocorreram nulidades ou excepções. Questão prévia: Da suficiência do processo penal. Dispõe o art.º 7 do CPP que: 1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa. 2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. O princípio da suficiência do processo penal tem como fundamento manifesto o de arredar obstáculos ao exercício do jus puniendi que, directa ou indirectamente, possam entravar ou paralisar a acção penal e só admite a suspensão para julgar questões não penais. Artigo 42.º do RGIT ( duração do inquérito e seu encerramento( dipôe que: 1 - Os actos de inquérito delegados nos órgãos da administração tributária, da segurança social ou nos órgãos de polícia criminal devem estar concluídos no prazo máximo de oito meses contados da data em que foi adquirida a notícia do crime. 2 - No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior. 3 - Concluídas as investigações relativas ao inquérito, o órgão da administração tributária, da segurança social ou de polícia criminal competente emite parecer fundamentado que remete ao Ministério Público juntamente com o auto de inquérito. 4 - Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos, cujo procedimento tem prioridade sobre outros da mesma natureza. Dispôe o art.º 47 do RGI que 1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças. 2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie. A estatuída suspensão do processo penal fiscal consagrada no citado art. 47º, n.º 1, do RGIT, configura um desvio ao princípio da suficiência, acentuando a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir questões de natureza tributária, face às peculiaridades e natureza altamente especializado dessas matérias que está subjacente ao normativo do artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, e que justificou mesmo a criação de uma ordem jurisdicional própria - os Tribunais Administrativos e Fiscais. Decorre de tais preceitos legais que ( ACÓRDÃO Nº 503/2015 do TC) “…, se o conhecimento de matéria penal fiscal depender da prévia apreciação de impugnação judicial tributária, esta constitui uma questão prejudicial ope legis ao conhecimento penal e, por isso, suspende o processo penal fiscal até que transite em julgado a decisão proferida em sede fiscal quanto à respetiva impugnação, sem necessidade, pois, de despacho judicial nesse sentido […]. No caso dos autos não existe causa prejudicial ( impugnação judicial), pelo que dúvidas não há ser o tribunal o competentes para apreciar todas as questões suscitadas nos autos, ainda que da área fiscal. Este entendimento em nada colide com o disposto nos art.ºs 103/2 110 e 11 da CRP, pois a competência dos “tribunais fiscais” se limita à apreciação dos litígios “emergentes das relações jurídicas … fiscais” (art.º 212.º, n.º 3, da Constituição da Republica Portuguesa), pertencendo o julgamento em matéria criminal à esfera de competência dos tribunais judiciais (art.º 211.º, n.º 1, da CRP), pelo que se julga improcedente a invocada inconstitucionalidade do art.º 7 do CPP. * Determinação da matéria colectável por métodos indirectos. Questionam os arguidos a admissibilidade de tal método de cálculo. Todavia, é admissível, o recurso a métodos indirectos para determinação da matéria colectável, face à impossibilidade da Administração Tributária, como o foi no caso dos autos, em determinar o valor efectivo, pelo que se julga válido o método de cálculo utlizado nos autos, único possível e adequado no combate à evasão e fraude fiscal, por não se terem verificado nos pressupostos da sua determinação ou na sua quantificação, o que se decide. * Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal. * 2. Da questão de facto Produzida a prova e discutida a causa, provou-se que: … 
 IV - Apreciação do mérito do recurso O arguido não se conforma com o acórdão, na parte, em que desatendeu a pretensão de ver decretada a suspensão do processo penal. Em ordem a fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que a qualificação penal dos factos está dependente da definição da situação tributária, mormente da quantificação dos valores do imposto devido Estado, cujo apuramento não pode ser levado a cabo no âmbito do processo criminal. Assim, não existiu qualquer ato formal de apuramento do imposto, através de liquidação, que compete à administração fiscal, pelo que, não é devido imposto e consequentemente inexiste um dos pressupostos formais do crime de fraude fiscal. Vejamos. Nos termos do artigo 7º., nº. 1, do Código de Processo Penal, "o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa", visando-se com o mesmo afastar os obstáculos ao exercício do "juris punendi", apenas devendo ser suspenso o processo penal "quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal". Esta norma consagra o principio da suficiência do processo penal, isto significa que o processo penal é, em regra, suficiente para resolver todas as questões necessárias para a decisão da causa independentemente da sua natureza penal ou não penal, admitindo, no entanto, no nº.2 a possibilidade de suspensão, unicamente a titulo excecional e submetida a requisitos, para que se resolva uma questão não penal -(nomeadamente do forro cível, laboral, fiscal ou administrativo) - quando a sua resolução for necessária para a decisão do processo penal. Dispõe o artigo 42º., nº2 do RGIT que “no caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior. Por seu vez, estabelece o artigo 47º, nº1, do RGIT que “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças.” Destes preceitos decorre que não basta a existência de um processo tributário para operar a suspensão do processo, sendo ainda necessário uma situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos. Isto significa que o afastamento do princípio da suficiência do processo penal consagrado, como regra, no artigo 7º do Código de Processo Penal, só se justifica no caso de se discutir em processo de outra natureza questão que verdadeiramente releve para a decisão da causa penal, ou seja, que contenda com os próprios elementos materiais do crime, revelando assim a sua prejudicialidade substantiva. A lei adjetiva penal não fornece uma definição da “questão prejudicial”, mas pode definir-se como aquela cuja prévia solução é indispensável para se decidir em definitivo uma outra, pois, efetivamente, a sua resolução é suscetível de modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito. No caso vertente, verificamos que, no inquérito, a realização das diligências respeitantes às relações e obrigações fiscais das sociedades comerciais A... e B... Lda., de que o arguido e ora recorrente era gerente, com vista ao apuramento da situação tributária, foi efetuado por agentes da autoridade tributária, sob a direção do Ministério Público. De salientar que o RGIT atribui à autoridade tributária e aduaneira, durante a fase do inquérito, os poderes de desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos arguidos e presume-se delegada a prática de atos que o Ministério Público pode atribuir a autoridade tributária, artigo 40º., nº2 e 41º, n.º 1, alínea b), ambos do RGIT, atuando esta entidade no inquérito sob a direção do Ministério Público e na sua dependência funcional. Como resulta da análise dos autos o Ministério Público, na sequência da participação efetuada pela Autoridade Tributária Aduaneira-Direção de Finanças de Castelo Branco, procedeu a abertura do inquérito contra os arguidos, delegou a competência para os atos de inquérito na Autoridade Tributária da área em que os factos ocorreram – (Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco) - , de acordo com o disposto no artigo 41º, nº.1, alínea b), do RGIT, vindo o relatório da inspeção a ser junto ao autos, bem como, depois, o parecer fundamentado a que se refere o artigo 42º, nº.3, do RGIT. O arguido não exerceu qualquer meio de defesa previsto na lei contra as operações de liquidação, e não há dúvida que poderia reagir contra o resultado da liquidação, caso com ela não concordasse, apresentando impugnações judiciais ou oposição à execução fiscal, no entanto, conformou-se com os valores do apuramento da matéria tributária efetuado pelos serviços fiscais, encontrando-se a correr os processos de execução com vista ao pagamento coercivo do imposto. Outrossim, o arguido não juntou aos autos qualquer elemento, nomeadamente documental com um grau de consistência e verosimilhança suscetíveis de infirmar o juízo probatório decorrente do ato de apuramento da matéria tributária e do resultado da liquidação levado a cabo pela Autoridade Tributária. O que tudo equivale a dizer que, no caso, não foi colocada em causa a substantiva relação jurídica tributária, fundamentada e baseada em critérios objetivos com incidência no processo crime. Ora, neste contexto, mostra-se definida a situação tributária, e por assim ser, o tribunal está suficientemente habilitado para conhecer os termos da relação fiscal substantiva com vista à qualificação penal dos factos imputados, não sendo essa situação fiscal passível de constituir questão verdadeiramente prejudicial para a decisão da causa a proferir nos presentes autos, com o sentido que se trata de questão que o tribunal penal não possa convenientemente decidir. Em suma, e ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, não há qualquer questão prejudicial capaz de alicerçar a suspensão do processo penal, nos termos do artigo 7º., nº. 2, do Código de Processo Penal. Argumenta ainda o recorrente que a norma do artigo 7º., nº1 e 2 do Código de Processo Penal, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 110.º e 111.º da Constituição da República, bem como, ainda, dos princípios da legalidade e da subsidiariedade do direito penal refletidos no artigo 29º., nº. 1 do mesmo diploma fundamental, da norma do artigo 7º., nº1 e 2 do Código de Processo Penal. A norma constante do artigo 7º. do Código de Processo Penal dá primazia à jurisdição fiscal para apreciação de questões emergentes de relações jurídicas fiscais em virtude do carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional da competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada, desde que não haja no processo crime os elementos que permitam uma clarificação da situação tributária ( em discussão numa impugnação judicial ou oposição a uma execução fiscal) de que dependa a qualificação jurídico penal dos factos. Não se discute que o tribunal a quo é o competente para conhecer acerca da prática do ilícito fiscal imputado ao arguido, e a apreciação da impugnação ou oposição da liquidação pertence aos tribunais administrativos. No caso em apreço verifica-se que a operação de apuramento da matéria tributária e liquidação não foi objeto de qualquer impugnação judicial ou oposição à execução que possa modificar a relação jurídica tributária, sendo assim não se verifica verdadeiramente qualquer questão não penal que não possa ser resolvida no processo penal, pelo que não há usurpação de jurisdições de tribunais de ordem diversa da dos tribunais comuns, nem consequentemente, violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 110.º e 111.º da Constituição da República nem dos princípios da legalidade e da subsidiariedade do direito penal. Nestes termos, necessário se torna concluir que improcede, este segmento, do recurso. A terceira questão trazida a nossa apreciação prende-se com o desrespeitado dos princípios legalmente previstos para a determinação das penas, nomeadamente no que diz respeito ao juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, subjacente à pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 5 anos, sob a condição de pagar, nesse período, a prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos . Nos presentes autos o arguido mostra-se condenado pela prática, em autor material e em concurso real, de crimes de fraude fiscal qualificada, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição, como o impõe o artigo 14 do RGIT de proceder ao pagamento, até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos.” Segundo o recorrente a sujeição obrigatória da suspensão da execução da pena de prisão à condição de pagamento das quantias tributárias e acréscimos legais mostra-se desajustada em face da sua situação económica e financeira. Neste particular, rege, em primeira linha, o artigo 14 do RGIT, justamente, com a epígrafe “suspensão da execução da pena de prisão”, que “ A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”. Por seu lado, dispõe o artigo 50º. do Código Penal: “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. Determina, por sua vez, o artigo 51º, nº 2 do Código Penal: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a)Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; b) Dar ao lesado satisfação moral adequada; c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente. 2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” Ora, trata de uma lei especial relativamente às normas dos artigos 51º a 54º do Código Penal, que prevê uma especial e única modalidade de suspensão da execução da pena de prisão para as infrações fiscais. De salientar que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, por diversas vezes, pela não inconstitucionalidade do artigo 14.º do RGIT, enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida, entre outros, Acórdão n.º 335/03, 500/05, 543/06, 29/07, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt. Percebe-se que assim seja, visto que a obrigação legal de pagar impostos ao Estado tem subjacente o dever geral de solidariedade, pois, todos os cidadãos e pessoas coletivas devem contribuir para assegurar o financiamento das despesas públicas, nomeadamente na área da saúde, educação, segurança e justiça, contribuindo para o bem-estar da comunidade e para o desenvolvimento sócio económico do país. No que concerne a este ponto escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 256/2003, “(…) o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente (sobre a suspensão da execução da pena como medida que “permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima”, veja-se Manso-Preto, “Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena”, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173). 10.9. As normas em apreço não se afiguram, portanto, desproporcionadas, quando apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, assume o interesse em arrecadar impostos. Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer. Esta impossibilidade, que não chegou a ser declarada pelo tribunal recorrido – pois que este analisou a questão em abstracto, sem averiguar se o ora recorrente efectivamente estava impossibilitado de cumprir (supra, 10.5.) –, não altera, todavia, a conclusão a que se chegou. Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade de suspensão da execução da pena. Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de cumprimento impossível. Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei – bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, irrelevante –, verificadas as condições gerais de suspensão da execução da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, indiferente. Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida. A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever (cfr. artigo 51º, n.º 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. (…)”. Com efeito, o disposto nos artigos 51º. e 52º. do Código Penal vigoram apenas para os delitos do direito penal clássico ou «mala in se», sendo o direito penal fiscal direito especial relativamente ao direito penal de justiça, portanto, é ao que se prescreve na norma do nº 1 do artigo 14º do RGIT que deverá atender-se, só sendo legítimo recorrer ao disposto nas normas do Código Penal naquilo que não vier especificamente regulado no RGIT - artigos 1º d) e 3º a) do RGIT- , não sendo o caso da situação dos presentes autos. Conclui-se, assim, que é obrigatória a imposição da condição do pagamento da prestação tributário e acréscimos legais nos termos estabelecidos no artigo 14º, nº.1 do RGIT. Improcede, pois, o recurso nesta parte. 
 V-Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes na 5ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em: - Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente. - Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Notifique-se 
 Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, consigna-se que o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas signatárias. 
 Coimbra, 24 de Setembro de 2025 
 As Desembargadoras Maria da Conceição Miranda Sara Reis Marques Cristina Pêgo Branco |