Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/21.5T8NLS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO MUITO GRAVE
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA
PRESCRIÇÃO DA COIMA
Data do Acordão: 06/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 81.º, N.º 3, AL. C) DO DL N.º 226-A/2007, DE 31 DE MAIO, ARTS. 22.º, N.º 4, AL. B), 23.º-A E 23.º-B, DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO; ARTIGO 40º DA LEI-QUADRO DAS CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS, LEI Nº 50/2006, DE 29 DE AGOSTO; ART. 28º Nº 3, DO RGCO – DEC. LEI 433/82 DE 27 DE OUTUBRO; LEI N.º 1-A/2020, DE 19 DE MARÇO; LEI N.º 4-B/2021, DE 1 DE FEVEREIRO
Sumário: 1 - O regime de suspensão da execução da coima em matéria contraordenacional por violação de normas ambientais rege-se em primeiro lugar pela LQCOA e, supletivamente, e desde que que daí não resulte conflito com as normas do RGCC, pelas normas do Código Penal atinentes à suspensão da execução da pena.

2 - O regime de suspensão da execução da coima, ainda que, estabelecida pelo legislador apenas para a fase administrativa do processo contraordenacional em matéria ambiental, não pode deixar de ter aplicação na fase judicial do mesmo, caso o processo transite daquela para esta.

3 - O prazo da suspensão da execução da coima decretada pela autoridade administrativa inicia-se quando a decisão da referida autoridade se tornou definitiva porque já não é passível de recurso de impugnação judicial.

4 - Quando a decisão de suspensão da execução da coima for proferida na fase judicial do processo contraordenacional em matéria ambiental, a contagem do prazo dessa suspensão deverá iniciar-se a partir do trânsito em julgado da respectiva decisão.

Decisão Texto Integral:

            Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I-Relatório
1. No Processo 1/21.5T8NLS, do Juízo de Competência Genérica de Nelas, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, em recurso de impugnação de decisão de autoridade administrativa em processo de contraordenação, foi proferida sentença, em 28.06.2021, na qual, além do mais, se decidiu manter a condenação da arguida A..., Lda. “ pela comissão, a título negligente, da contraordenação ambiental muito grave [incumprimento da obrigação de instalação de caudalímetro], prevista e punida pelo art. 81.º, n.º 3, al. c) do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e arts. 22.º, n.º 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B, todos da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, embora reduzindo a coima ao valor de €12.000,00 (doze mil euros).”


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2. Interposto recurso de tal decisão, veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 07.12.2021, no qual se decidiu “conceder parcial provimento ao recurso, suspendendo a execução da coima aplicada à recorrente pelo período de 2 (dois) anos, contados desde a data em que se esgotou o prazo de impugnação judicial da decisão condenatória.

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3. Por despacho proferido em 16.02.2025, nele veio a ser decidido “Verificado que está o previsto no n.º 5, alínea a), do artigo 20.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, revoga-se a suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos.”

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4. Não se conformando com o decidido no referido despacho, veio a A..., Lda. recorrer do mesmo, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O prazo da suspensão da execução da coima terminou em 27.07.2022, conforme atesta o Tribunal no despacho recorrido.

2. Até essa data, a Recorrente não foi condenada em nenhum processo de contraordenação.

3. Na data de 27.07.2022 esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal, pelo que não é possível cerca de dois anos após aquele prazo, alterar a decisão entretanto consolidada e transitada em julgado.

4. Não pode o Tribunal revogar uma sanção que já se extinguiu pelo cumprimento.

5. O tribunal conheceu de questão que não podia conhecer, o que fere de nulidade o despacho, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

6. É, pois, o despacho nulo por violação dos artigos 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável em processo penal por via do art. 4.º do Código de Processo Penal, e al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

7. Ainda que assim não se entenda, o processo está prescrito pelo decurso do prazo, ou seja desde a data do fato, 06.03.2017, já passou mais de 7 anos e 6 meses, de acordo com o previsto no artigo 40º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, conjugado com o previsto no art. 28º nº 3 do RGCO – Dec. Lei 433/82 de 27 de outubro.

8. Assim quando foi proferido o despacho em recurso, 06.02.2025, já desde 06.09.2024 que o procedimento contraordenacional estava prescrito.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser declarado nulo o despacho proferido, ou caso assim não se entenda prescrito o procedimento contraordenacional, com todas as legais consequências, assim se fazendo a tão acostumada

JUSTIÇA!”


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            5. Admitido o recurso, a ele respondeu a Exma. Procuradora da República na 1ª instância, concluindo na resposta da seguinte forma (transcrição):

                “I. A sociedade recorrente não concorda com o despacho que revogou a suspensão da execução da coima aplicada, invocando, a nulidade do mesmo, por entender que o prazo de dois anos da suspensão da execução da coima aplicada nos presentes autos terminou em 27/07/2022, porquanto é nessa data, que se considera cumprida a suspensão e bem assim, invocou a prescrição do procedimento.

                II. O Ministério Público entende não assistir razão à recorrente, não merecendo censura o despacho recorrido.

                Porquanto,

                III. Quanto à invocada nulidade do despacho, desde logo, porque a extinção da suspensão da execução da sanção aplicada, não surge automaticamente, como consequência do termo do prazo da suspensão, sendo necessário que o Tribunal avalie o cumprimento/incumprimento de tal suspensão.

            IV. No caso dos presentes autos, a suspensão da execução iniciou-se em 28/07/2020 e terminou em 27/02/2022.

                V. Tendo em conta que os factos pelos quais a sociedade recorrente foi condenada no processo n.º42/24.0T9NLS, contraordenação ambiental muito grave, ocorreram durante o período da suspensão da execução aplicada nos presentes autos, tal constituiu o motivo da revogação da suspensão.

                VI. Nos presentes autos o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e de suspensão previstas no regime geral, conforme decorre do artigo 40.º n.º 1 da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto.

                VII. Há ainda que ter em consideração os prazos de suspensão da prescrição estabelecidos pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os quais totalizam 161 dias.

                VIII. Neste conspecto, tendo em contaosprazos, ascausasde interrupção e suspensão, constata-se que na presente data, ainda não decorreu o prazo de prescrição de procedimento.

                Em face de tudo o exposto,

                IX. Não merece o despacho recorrido qualquer censura ou reparo, devendo assim improceder o recurso da sociedade Recorrente.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.


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                6. Antes da subida dos autos a este Tribunal da Relação, a Mma. Juiz a quo proferiu despacho, ao abrigo do disposto no art. 414º, nº4 do CPP, sustentando a decisão recorrida nos seguintes termos (transcrição):

                “A arguida A..., Lda. veio interpor recurso da decisão que revogou a suspensão da execução da coima que lhe foi aplicada nos presentes autos, através do qual, além do mais, arguiu a nulidade daquela decisão.

                Entende-se que não há qualquer nulidade do despacho proferido, sendo o mesmo sustentado pela signatária, nos termos que de seguida se expõe.

                A recorrente arguiu a nulidade da decisão em crise, defendendo, em suma, que, tendo o período de suspensão decorrido entre 28.07.2020 e 27.07.2022, mas sendo a condenação pela prática da outra contraodenação ambiental, proferida no âmbito do processo n.º 42/24.0T9NLS, proferida em 26.06.2024, isto é, no seu entender, “ dois anos após o terminus da suspensão proferida nos presentes autos”, não podia o Tribunal ter revogado a decisão de suspensão da execução da sanção, porque, segundo diz, em 27.02.2022 “o processo extinguiu-se pelo cumprimento.”

                A recorrente entende, assim, que, atingida a data do termo da suspensão da execução da sanção, nessa data a execução se considera cumprida.

                Incorre, no nosso entender, em erro, bastando para chegar a essa conclusão, tão somente, fazer um paralelismo com o que sucedido no processo penal, no que respeita à suspensão do cumprimento da pena de prisão.

                E assim porque, é após o decurso do prazo em que foi fixada a suspensão, que se vai aferir do cabal cumprimento dos deveres/injunções/condições/obrigações a que, durante esse período, o arguido se encontrava adstrito ao respectivo cumprimento, e, na afirmativa, declarar extinta a pena extinta pelo seu cumprimento, ou, na negativa, e se assim se entender, revogar a suspensão da execução de pena.

                E de outro modo não poderia ocorrer, dado que, o decurso do período de suspensão não é automático, naturalmente, carecendo de apreciação do cumprimento do que foi determinado ou do que dita a própria lei, o que, como é bom de ver, apenas se poderá fazer quando terminar o respectivo período, por referência ao dito período.

                Se o período de suspensão decorreu entre 28.07.2020 e 27.07.2022, apenas após esta data o Tribunal está em condições de apreciar o que se passou entre 28.07.2020 e 27.07.2022!

                Assim fazendo, e verificando que o arguido cometeu/praticou outra contraordenação ambiental entre 31.08.2020 e o início do mês de Outubro de 2020, isto é, no período em que decorria a suspensão da execução do pagamento da coima a que foi condenado nos nossos autos, foi revogada a suspensão da execução da coima aplicada à arguida, nos termos do disposto no artigo 20º-A, n.º 5, alínea a), da LQCOA.”


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            7. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se nos seguintes termos (transcrição):

            “Subscreve-se a fundamentada resposta do Ministério Público ao recurso da arguida, quer quanto à improcedência do alegado para a não revogação da suspensão da execução da pena, quer quanto à não verificação de prescrição, com a seguinte ressalva:

                No que respeita à prescrição, não faz sentido falar da prescrição do procedimento contraordenacional, mas sim, e quando muito, da prescrição da coima, porquanto a condenação que aplicou essa coima há muito que transitou em julgado.

                Todavia, os fundamentos, de facto e de Direito aduzidos na resposta valem, ainda assim, para a conclusão da não prescrição da coima, não só pelos prazos legais previstos para a prescrição das coimas, mormente da aplicada, como também pela suspensão prevista nas Leis 1-A/2020, de 19/03, e 4-B/2021, de 1/02 (vulgarmente designadas por leis Covid; sobre a aplicação deste regime de suspensão, vide, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/03/2022, processo 806/21.7T9PBL.C1, e o acórdão 500/2021, de 9/06/2021, do Tribunal Constitucional, que brilhantemente arreda qualquer inconstitucionalidade no entendimento de que se estabeleceu uma nova e excepcional causa de suspensão da prescrição em matéria criminal e contraordenacional, prevista no artigo 7º da Lei 1-A/2020, encontrando-se ambos publicados em www.dgsi.pt ).

                O despacho em crise está fundamentado, isento de vícios e não viola normas legais ou princípios de Direito.

            Em conclusão, aderindo à fundamentada resposta do Ministério Público na primeira instância, com a ressalva feita, somos de parecer que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.


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            8. Cumprido o art. 417º, nº2 do CPP, a recorrente respondeu ao parecer, reiterando o por si alegado no recurso quanto à incorreta revogação da suspensão da execução da coima, aduzindo, ainda, quanto à prescrição do procedimento contraordenacional, o seguinte (transcrição):

                “- Os factos ocorreram em 2017, e nos termos do artigo 4º da Lei 50/2006, de 29.08 “a punição da contraordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende” sendo que “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplica-se a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado.

                - Pelo que a responsabilidade pela prescrição deve ser exclusivamente imputada à inércia processual da Administração que demorou muito tempo (anos) a proferir a decisão, não podendo a arguida/Recorrente ser prejudicada pela aplicação de leis que apenas beneficiam e estimulam a falta de celeridade da autoridade administrativa na prolação das suas decisões.

                - Apenas seria de aplicar as leis que regulam as suspensões extraordinárias, se estas fossem concretamente, mais favoráveis ao arguido.

                - Trata-se de uma análise casuística, sendo certo que, no caso concreto dos autos, aquelas leis não se mostram mais favoráveis ao arguido, porquanto alargam o prazo de prescrição, violando, designadamente, o seu direito a obter uma decisão em prazo razoável, pelo que não podem ser-lhe aplicadas.

                - A não ser assim, isto é, a entender-se que são aplicáveis ao caso dos autos cuja vigência é posterior à data da prática dos factos e cuja aplicação é menos favorável ao arguido, estar-se-á a fazer uma interpretação anticonstitucionaldos mesmos, por violar os artigos 20º, nº4 e 29º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.

                - E isto vale para a prescrição do procedimento, bem assim, para a prescrição da coima”


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            9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

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            II- Fundamentação
A) Delimitação do objeto do recurso

            Dispõe o art. 412º, nº1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

            Definindo-se o objeto do recurso pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, nas quais deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso ( Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pág. 340, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, 2009, pág. 1027 a 1122, Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103), no caso em vertente as questões a decidir são:

            - Nulidade do despacho recorrido decorrente de nele se ter conhecido da revogação da suspensão da execução da coima;

- Prescrição da coima.

            B) Decisão Recorrida

            Com vista ao conhecimento das questões objeto do presente recurso supra enunciadas, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte (transcrição):

            “Por sentença proferida em 28.06.2021, a recorrente foi condenada “(…) a título negligente, da contraordenação ambiental muito grave [incumprimento da obrigação de instalação de caudalímetro], prevista e punida pelo art. 81.º, n.º 3, al. c) do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e arts. 22.º, n.º 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B, todos da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, embora reduzindo a coima ao valor de €12.000,00 (doze mil euros).”

                Interposto recurso daquela decisão, veio a ser proferido Acórdão pela Tribunal da Relação de Coimbra, em 07.12.2021, decidindo que: “(…) nesta Relação, se acorda em conceder parcial provimento ao recurso, suspendendo a execução da coima aplicada à recorrente pelo período de 2 (dois) anos, contados desde a data em que se esgotou o prazo de impugnação judicial da decisão condenatória.”

                Sobreveio entretanto informação que, no âmbito do processo n.º 42/24.0T9NLS, que correu termos neste Juízo de Competência Genérica, através de sentença proferida em 26.06.2024, devidamente transitada em julgado, a recorrente foi condenada “pela prática de um contraordenação ambiental muito grave correspondente ao incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, p. e p. pelo artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio e artigo 22.º, n.º 4, alínea b) do Decreto-Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto na coima de €15.000,00 (quinze mil euros)”.

                Nesta sequência, foi promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público se revogue a suspensão da execução da coima aplicada à recorrente, em virtude de a contraordenação em causa respeitar a factos praticados desde Fevereiro de 2019 a Setembro de 2020.

                Notificada para se pronunciar, a recorrente nada disse. Apreciemos.

                Nos termos do preceituado no artigo 20.º-A, n.º 5, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, “A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respectivo período, ocorrer uma das seguintes situações: a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território; b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas”.

                Conforme decorre de forma expressa do Acórdão proferido pela Relação do Tribunal de Coimbra, o prazo de dois anos da suspensão da execução da coima iniciou-se na data em que se esgotou o prazo de impugnação judicial da decisão condenatória, o que, de resto, é o que resulta do n.º 4, do artigo 20.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

                Assim, em primeiro lugar, importa aferir a data em que se iniciou a contagem do prazo de dois anos de suspensão da pena a que a recorrente foi condenada, e, consequentemente, quando se deu o seu termo.

                Vejamos.

                A decisão administrativa impugnada foi proferida em 19.06.2020, notificada à recorrente em 29.06.2020, dispondo esta de 20 dias após o conhecimento da decisão para interpor recurso de impugnação, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 59.º, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, de onde se concluiu que o prazo para a recorrente impugnar a decisão administrativa terminou em 27.07.2020.

                Como assim, iniciou-se em 28.07.2020 o prazo de dois anos da suspensão da execução da coima aplicada nos presentes autos, que terminou em 27.07.2022.

                Importa, agora, aferir a data da prática dos factos pelos quais a recorrente foi condenada no âmbito do recurso de contraordenação que correu termos sob o n.º de processo 42/24.0T9NLS, para o que é necessário socorrermo-nos de excertos da sentença aí proferida, por forma podemos determinar em que datas aqueles foram práticos, uma vez que, para o efeito, não basta atender aos factos provados, o que se passa a fazer:

                “No caso em apreço, temos que a recorrente, à data de 2 de novembro de 2020, possuía 2 captações de água (AC1 e AC2) que utilizava para o abeberamento animal, lavagem dos pavilhões agrícolas e para consumo humano nas suas instalações sanitárias. Temos, também, que a captação de água AC2 detinha, à data, a Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos para Captação de Água Subterrânea n.º A004811.2016.RH4 (TURH), emitida pela ARH-Centro a 14 de abril de 2016, sem data limite de validade.

                Mais consta daquela autorização que o titular se obriga a instalar um aparelho de medida que permita conhecer o volume de água captado, devendo as leituras ter uma periodicidade mensal e ser enviadas também mensalmente.

                Analisada a Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos para Captação de Água Subterrânea n.º A004811.2016.RH4 (TURH) resultam previstas como como condição específica a obrigação do seu titular utilizar um sistema que permita conhecer os volumes de água extraídos mensalmente, através de um sistema de registo, devendo enviar à entidade licenciadora os resultados com o formato definido. Mais consta daquela autorização que o titular se obriga a instalar um aparelho de medida que permita conhecer o volume de água captado, devendo as leituras ter uma periodicidade mensal e ser enviadas também mensalmente.

                No que se reporta ao período compreendido entre os meses de janeiro de 2019 e outubro de 2020, temos que a recorrente procedeu ao envio das leituras da seguinte forma: no dia 28 de fevereiro de 2019 relativamente ao consumo de água do mês de janeiro de 2019; no dia 18 de junho de 2019 relativamente aos consumos de água dos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2019; no dia 13 de agosto de 2019 relativamente aos consumos de água dos meses de junho e julho de 2019; no dia 24 de setembro de 2019 relativamente aos consumos de água dos meses de agosto e setembro de 2019; no dia 7 de novembro de 2019 relativamente aos consumos de água dos meses de outubro e novembro de 2019; no dia 10 de fevereiro de 2020 relativamente aos consumos de água do mês de dezembro de 2019 e do mês de janeiro de 2020; no dia 12 de maio de 2020 relativamente aos consumos de água dos meses de fevereiro, março e maio de 2020; no dia 26 de

junho de 2020 relativamente aos consumos de água do mês de junho de 2020; no dia 29 de junho de 2020 relativamente ao consumo de água do mês de abril de 2020; no dia 1 de julho de 2020 relativamente ao consumo de água do mês de julho de 2020; no dia 2 de novembro de 2020 relativamente aos consumos de água dos meses de agosto, setembro e outubro de 2020.

                Resulta, assim, que quanto aos meses de fevereiro, março, abril, junho, setembro e novembro de 2019 e dos meses de fevereiro, março, abril, agosto e setembro de 2020 a recorrente não procedeu ao envio das leituras com a periodicidade mensal que lhe era imposta pela Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos para Captação de Água Subterrânea n.º A004811.2016.RH4 (TURH).

                De facto, resulta daquela licença inequívoca a imposição de envio com periodicidade mensal. Significa, pois, que aquele título de utilização impunha que em cada um dos meses do ano fosse dada a conhecer o volume de água consumido pela recorrente, pelo que, a mesma sempre devia ser cumprida até ao final ou, no limite, ao início do mês a que se reporta, o que não sucedeu.”

                Do que precede decorre que, para o período que nos interessa, com relação ao consumo de água dos meses de Agosto e de Setembro de 2020, a recorrente não procedeu à comunicação do volume de água consumido, o que deveria ter feito, até 31.08.2020 ou ao início do mês de Setembro de 2020, no limite, relativamente ao consumo de Agosto, e até 30.09.2020 ou ao início de Outubro de 2020, no limite.

                Ora, se, pela prática de factos ocorridos entre 31.08.2020 e o início do mês de Outubro de 2020 a recorrente foi condenada pela prática de um contraordenação ambiental, significa isto que a recorrente praticou factos que configuraram a prática daquela contraordenação, pela qual foi condenada, no período de suspensão.

                Verificado que está o previsto no n.º 5, alínea a), do artigo 20.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, revoga-se a suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos.”


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            C) Apreciação do recurso

            - Da nulidade do despacho recorrido decorrente de nele se ter conhecido da revogação da suspensão da execução da coima

            Ao invocar a nulidade do despacho recorrido, com base no disposto no art. 379º, nº1, al. c) do CPP e no art. 613º, nº1 do CPC, a recorrente esgrime a seguinte argumentação, que resume nas conclusões 1ª a 6ª:

“1. O prazo da suspensão da execução da coima terminou em 27.07.2022, conforme atesta o Tribunal no despacho recorrido.

2. Até essa data, a Recorrente não foi condenada em nenhum processo de contraordenação.

3. Na data de 27.07.2022 esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal, pelo que não é possível cerca de dois anos após aquele prazo, alterar a decisão entretanto consolidada e transitada em julgado.

4. Não pode o Tribunal revogar uma sanção que já se extinguiu pelo cumprimento.

5. O tribunal conheceu de questão que não podia conhecer, o que fere de nulidade o despacho, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

6. É, pois, o despacho nulo por violação dos artigos 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável em processo penal por via do art. 4.º do Código de Processo Penal, e al. c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.”

             Começaremos por referir que o excesso de pronúncia a que se refere o invocado art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal, constitui uma nulidade da sentença (como resulta da respetiva epígrafe e do corpo do referido número), e quanto a esta nulidade, não existe norma de conteúdo idêntico ao do nº 3 do art. 380º do mesmo código.

            Doutra parte, com base na argumentação esgrimida pela recorrente em que esta sustenta a nulidade irrogada ao despacho recorrido não descortinamos qualquer motivo que justifique a correção deste, sendo certo que, a existir, também sempre essa correção se alavancaria no disposto no art. 380º do C. Penal, aplicável por força do disposto no art. 32º do RGCC, e não, ao abrigo do disposto no normativo que vem citado pela recorrente ( art.º. 613º do CPC).

            A questão que veio a ser decidida no despacho recorrido prendeu-se com a verificação dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da coima aplicada nos autos à ora recorrente.

            E foi isso, a nada mais do que isso, que nele se decidiu, com base na fundamentação de facto e de direito nele plasmada.

            Alcança-se que a recorrente não concorda com o sentido dessa decisão, mas daí não decorre que a mesma padeça de qualquer invalidade, e, menos, ainda, de excesso de pronuncia, sendo certo que este vício, só constitui causa de nulidade das sentenças e não também dos despachos.

            Em conclusão, não padece o despacho recorrido de nulidade.


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            Questão diferente e que parece ser aquela que, efetivamente, a recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal de recurso, é a de saber se se mostra acertada a decisão de revogação da suspensão da execução da coima que lhe foi aplicada nos presentes autos.

             Como se extrai da argumentação recursiva avançada pela recorrente, esta discorda dessa decisão por entender que o prazo da suspensão da execução da coima terminou em 27.07.2022 e, por isso, não podia decidir-se a revogação da mesma depois de ultrapassado esse prazo com base na condenação da contraordenação ambiental que veio a ser decidida no âmbito do Proc. 42/24.0T9NLS.

            Em causa está, pois, saber se deve ou não manter-se a decisão inserta no despacho recorrido que determinou a revogação da suspensão da execução da coima aplicada nos autos à recorrente, que é, a final, o desiderato pretendido por esta.

            Para cabal alcance da questão que se prende com o início do prazo da suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos, em torno da qual gravita a pretensão recursiva, convirá, antes de mais, tecer as seguintes considerações:

            Ressuma do despacho recorrido que neste se situa o início do prazo da suspensão da execução da coima aplicada nos autos à recorrente em 28.07.2020 e o seu terminus em 27.07.2022.

            Para tanto, aduz-se no despacho recorrido o seguinte:

            Conforme decorre de forma expressa do Acórdão proferido pela Relação do Tribunal de Coimbra, o prazo de dois anos da suspensão da execução da coima iniciou-se na data em que se esgotou o prazo de impugnação judicial da decisão condenatória, o que, de resto, é o que resulta do n.º 4, do artigo 20.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

                Assim, em primeiro lugar, importa aferir a data em que se iniciou a contagem do prazo de dois anos de suspensão da pena a que a recorrente foi condenada, e, consequentemente, quando se deu o seu termo.

                Vejamos.

                A decisão administrativa impugnada foi proferida em 19.06.2020, notificada à recorrente em 29.06.2020, dispondo esta de 20 dias após o conhecimento da decisão para interpor recurso de impugnação, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 59.º, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, de onde se concluiu que o prazo para a recorrente impugnar a decisão administrativa terminou em 27.07.2020.

                Como assim, iniciou-se em 28.07.2020 o prazo de dois anos da suspensão da execução da coima aplicada nos presentes autos, que terminou em 27.07.2022.”

                Percebe-se que o despacho recorrido se ancorou no que se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 7.12.2021, quanto ao início da contagem do prazo da suspensão da execução da coima aplicada à ora recorrente que por este veio a ser decidida, pelo período de 2 anos.  

            Na verdade, em tal acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, dando-se parcial procedência à pretensão recursiva da ora recorrente, veio a ser decidido suspender a execução da coima aplicada a esta pelo período de 2 (dois) anos, constatando-se, outrossim, que no mesmo acórdão, fazendo apelo ao disposto no art. 20º-A, nº4 da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto), se adiantou que a contagem do mesmo se iniciava a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória, entendimento que igualmente se transpôs para o respetivo dispositivo, nos seguintes termos:

            “ Termos em que, nesta Relação, se acorde em conceder parcial provimento ao recurso, suspender a execução da coima aplicada à recorrente pelo período de 2 (dois) anos, contados desde a data em que se esgotou o prazo de impugnação judicial da decisão condenatória”

            E, seguindo o assim decidido em tal acórdão, considerou-se no despacho recorrido que, tendo sido a recorrente condenada pela prática de outra contraordenação ambiental no âmbito do Proc. 42/24.0T9NLS, por factos ocorridos entre 31.08.2020 e o início do mês de Outubro de 2020, tal significa que a recorrente praticou estes factos - que configuraram a prática dessa contraordenação ambiental pela qual foi condenada no referido processo - no decurso do período da suspensão da execução da coima que lhe foi aplicada nos presentes autos, e, por isso, enveredou por considerar verificado o requisito previsto no n.º 5, alínea a), do artigo 20.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e decidiu revogar a suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos.

            Tal raciocínio assenta, porém, em pressupostos que, a nosso ver, se apresentam incorretos no que tange ao início da contagem do prazo da suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos, acabando por inquinar a decisão que, no despacho recorrido, veio a determinar a revogação da suspensão da execução dessa coima.

            Explicando.

            A interpretação sistemática efetuada com respeito pela harmonia do sistema, como é pressuposto da boa hermenêutica, impõe a conclusão de que o regime de suspensão da execução da coima em matéria contraordenacional por violação de normas ambientais se rege em primeiro lugar pela LQCOA e, supletivamente, e desde que que daí não resulte conflito com as normas do RGCC, pelas normas do Código Penal atinentes à suspensão da execução da pena.

            O regime da suspensão da execução de coima aplicada por força do cometimento de contraordenações ambientais está previsto no art. 20º-A da LQCOA, com a epígrafe“ Suspensão da sanção”, que reza o seguinte:

            “1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

            a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

            b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

            2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória.

            3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.

            4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.

            5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:

            a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território;

            b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.

            6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.”

            Ao, assim, gizar a possibilidade de suspensão da execução da coima para a fase administrativa do processo contraordenacional das contraordenações ambientais, o legislador do regime a estas atinente estabeleceu a possibilidade de ser decidido pela autoridade administrativa “suspender, total ou parcialmente, aplicação da coima “, não surpreendendo, por isso, que, no nº4 do mesmo, se estabeleça que “O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.”, uma vez que, sendo a autoridade administrativa a decidir a suspensão da execução da coima aplicada na decisão pela mesma proferida e o respetivo tempo de duração, compreende-se que se fixe o início da contagem do mesmo a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial dessa decisão, porque, só a partir de então, a decisão da autoridade administrativa se torna definitiva e o processo não chega, sequer, a entrar na fase judicial, projetando-se, assim, o início desse período de suspensão da execução da coima para o momento  em que a decisão da autoridade administrativa se tornou definitiva porque já não é passível de recurso de impugnação judicial e passando a decorrer, daí para a frente, o tempo de duração da mesma fixado ao abrigo do nº4 do citado artigo.

            O regime de suspensão da execução da coima, ainda que, estabelecida pelo legislador apenas para a fase administrativa do processo contraordenacional em matéria ambiental, não pode deixar de ter aplicação na fase judicial do mesmo, caso o processo transite daquela para esta.

            Na verdade, a suspensão da execução da coima aplicada pela prática de uma contraordenação ambiental, podendo não vir a ser decidida na fase administrativa pela competente autoridade, não deixa de o poder vir a ser na fase de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, seja pelo Tribunal da 1ª instância que conhece das questões alegadas na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, seja pelo Tribunal da Relação, no caso de interposto recurso da decisão da 1ª instância, no qual o recorrente pode suscitar as mesmas questões que tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e também outras que nesta não tenha alegado (art. 75º do RGCC).

            Contudo, quando tal decisão de suspensão da execução da coima venha apenas a ser decidida na fase judicial do processo contraordenacional em matéria ambiental, o início da contagem do prazo dessa suspensão tem, necessariamente, de ser ponderado em consonância com a fase em que o processo se encontra.

            Com efeito, em casos como o dos autos, em que a suspensão da execução da coima aplicada à recorrente pela prática de contraordenação ambiental veio apenas a ser decidida já na fase judicial do processo contraordenacional - mais concretamente, pelo Tribunal da Relação em sede de recurso da sentença da 1ª instância que conheceu da impugnação judicial deduzida pela recorrente à decisão da autoridade administrativa - afigura-se-nos que o início da contagem do período dessa suspensão não poderá ser decidido com base no disposto no citado nº4 do art. 20.º-A da LQCOA, porque este momento só foi pensando pelo respetivo legislador para os casos em que essa suspensão da coima é decidida, em definitivo, pela autoridade administrativa, sob pena de se fazer retroagir o início desse prazo a momento anterior aquele em que a suspensão da execução da coima ainda não tinha sido decidida.

            Uma tal solução conduziria a situações absurdas, como sejam, no limite, aquelas em que o prazo da suspensão da coima já se mostrasse esgotado quando a suspensão é decidida, ou, aquelas, como a que se equaciona nos autos, em que o cometimento de uma nova contraordenação ambiental sancionada noutro processo de contraordenação pudesse vir a determinar a revogação da suspensão da execução da coima que só veio a ser decidida depois do cometimento dessa nova contraordenação.

            Soluções essas que,  subverteriam o pensamento legislativo ínsito no nº5 do citado art. 20º-A da LQOCA, quando - nas alíneas a) e b) do mesmo - se preveem as situações que levam à revogação da suspensão da execução da coima, uma vez que, como se percebe, a verificação destas  só poderá ser aferida depois de decidida a suspensão da execução da coima, porque, só então, poderá constatar-se se o mesmo arguido cometeu uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território ou se violou as obrigações que lhe tenham sido impostas a essa suspensão da coima.

            Presidindo ao pensamento do legislador em matéria de contraordenações ambientais a importância de cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, ao introduzir no processo de contraordenações em matéria ambiental o regime de suspensão da execução da coima, não deixou de o ponderar fazendo-o depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infratores.

            Esta é a filosofia que se extrai do atual regime de suspensão da coima em contraordenações ambientais: educar, impondo obrigações para melhor prevenir.

            E, para que tal fim possa vir a ser alcançado, as medidas pedagógicas que subjazem à decisão de suspensão da execução da coima só poderão ser acatadas pelo condenado depois deste as conhecer, assim como a verificação ou não desse acatamento só poderá ser detetado depois de decorrido o tempo da duração imposta a essa suspensão.

            E se assim é, como nos parece não poder deixar de ser, sob pena de serem subvertidas as finalidades do instituto da suspensão da execução da coima, a aferição dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da coima aplicada à recorrente nos presentes autos terá de ser feita por referência ao período de 2 (dois) anos decidido pelo acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 7.12.2021, cujo início deverá contar-se a partir do trânsito em julgado deste, e não, como se considerou no despacho recorrido, a partir o momento em que se esgotou o prazo para a recorrente impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa, ou seja, em 28.07.2020, e, com base neste, aferindo o respetivo terminus em 27.07.2022.

            É certo que tal entendimento sufragado pela 1ª instância no despacho recorrido advém da decisão prolatada por este Tribunal da Relação, em 7.12.2021, quando nela se decidiu a suspensão da execução da coima, ponderando, certamente, o dever de obediência a esta, mas tal entendimento não vincula este Tribunal de recurso na decisão que nesta fase do processo cumpre apreciar relacionada com a decisão que revogou a suspensão da execução da coima.

            Com efeito, no caso em vertente, o que da decisão proferida pelo Tribunal da Relação no citado acórdão está abrangido pelo caso julgado formal, é o que nela se apreciou a respeito da suspensão da execução da coima aplicada à ora recorrente, porque, só o concernente à decisão de tal questão tem força obrigatória dentro do processo, na latitude exata do âmbito objetivo e extensão do conteúdo da decisão transitada, outro tanto,  não se verificando quanto à decisão da questão que se prende com a contagem do início do prazo da suspensão da execução da coima, porque esta não foi uma questão apreciada ex professu no citado acórdão do Tribunal da Relação.

            Em face disto, ainda que com base em diferente fundamentação da esgrimida pela recorrente, o despacho recorrido não poderá manter-se, uma vez que a revogação da suspensão da execução da coima nele determinada vem sustentada na prática pela ora recorrente de uma contraordenação ambiental praticada antes do início do prazo de duração fixado para a suspensão da execução da coima que lhe foi aplicada nos presentes autos, impondo-se, por isso, a sua substituição por outro que pondere a verificação dos pressupostos para a revogação dessa suspensão por referência ao aludido período de 2 (anos) contados a partir do trânsito em julgado daquele acórdão do Tribunal da Relação, proferido em 7.12.2021

, e em função disso, decida em conformidade.


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- Da prescrição da coima

A respeito, agora, do prazo de prescrição da coima que foi aplicada nos presentes autos à recorrente, como deve ser entendido o segmento que a recorrente aborda na sua argumentação recursiva como “prescrição do processo”, diremos:

Em matéria de prescrição no âmbito das contraordenações ambientais rege o art. 40º LQCOA, segundo o qual:

“1 - O procedimento pelas contraordenações graves e muito graves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.

2 - O procedimento pelas contraordenações leves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de três anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.

3 - O prazo de prescrição da coima e sanções acessórias é de:

a) Três anos, no caso das contraordenações graves ou muito graves;

b) Dois anos, no caso de contraordenações leves.

4 - O prazo referido no número anterior conta-se a partir do dia em que se torna definitiva ou transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.”

Tal normativo legal contempla não só o regime da prescrição do procedimento contraordenacional em matéria ambiental – nos seus nºs 1 e 2 – mas também o regime da prescrição da coima em matéria ambiental – nos seus nºs 3 e 4.

No caso em vertente, estando já decidida nos presentes autos, com trânsito em julgado, a condenação da ora recorrente pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave na coima de €12.000,00, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, o que importa aferir é se se verifica ou não o pressuposto para declarar a prescrição da coima, e não, como parece pretender a recorrente, a prescrição do procedimento contraordenacional.

Como deflui do que resulta do nº 3 do citado normativo, o prazo de prescrição da coima no caso de contraordenações muito graves – como é aquela por que foi condenada nos autos a recorrente – é de 3 anos.

E, de acordo com o nº 4 do mesmo preceito legal, tal prazo conta-se “a partir do dia em que se torna definitiva ou transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.”

No caso em análise, a decisão a ter em conta para efeito da contagem do prazo a que alude este normativo legal é a que foi proferida por este Tribunal da Relação, vertida no acórdão datado de 7.12.2021, cuja notificação à recorrente se desconhece para efeito de estabelecer a concreta data do respetivo trânsito, uma vez que esse trânsito em julgado só ocorre depois de esgotados os 10 dias de que a recorrente dispunha, a partir da notificação desse acórdão, para dele reclamar.

Ainda assim, certo é que tal decisão transitou em julgado e o aludido prazo de prescrição de 3 anos, previsto para a contraordenação ambiental por ela cometida, começou a correr com o trânsito em julgado desse acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Acontece que, não o regime da lei especial em matéria de contraordenações ambientais, mas o regime da lei geral em matéria de contraordenações, para cuja aplicação aquele remete no aludido nº4 do art. 40º (da LQCOA), prevê causas de interrupção e de suspensão da prescrição da coima, as quais constam dos arts. 30º e 30º-A do RGCC.

Segundo estes:

  Artigo 30.º

(Suspensão da prescrição da coima)

“A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que:

a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;

b) A execução foi interrompida;

c) Foram concedidas facilidades de pagamento.”

             Artigo 30.º-A

Interrupção da prescrição da coima

“1 - A prescrição da coima interrompe-se com a sua execução.

2 - A prescrição da coima ocorre quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”

            In casu, verifica-se como causa de suspensão da prescrição da coima a que se mostra contemplada no citado art. 30º alínea a) do RGCC, uma vez que por força do decidido pelo Tribunal da Relação, com base na lei, a execução da coima aplicada à recorrente não ocorreu enquanto perdurou a suspensão da execução da mesma fixada durante o período de 2 (dois) anos, razão pela qual o prazo de prescrição da coima - de 3 anos - previsto no nº 3, alínea a) do art. 40º da LQCOA, só começou a correr a partir do final desse período de suspensão.

            Mesmo que, neste momento, tal prazo de suspensão da execução da coima se tenha de admitir já como terminado - porque já decorreram 2 anos sobre a prolação do acórdão deste Tribunal da Relação, datado de 7.12.2021 - a verdade é que, depois disso, ainda não correu na totalidade esse prazo normal da prescrição - de 3 anos - fixado na alínea a) do art. 40º da LQCOA).

            Donde, há que concluir pela não prescrição da coima aplicada à ora recorrente nos presentes autos, improcedendo, por isso, a pretensão recursiva da mesma a esse propósito suscitada no presente recurso.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

            1. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente A..., Lda. e, em consequência:

            - revogar o despacho recorrido, ordenando a sua substituição por outro no qual se pondere a verificação dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da coima imposta à recorrente nos presentes autos, por referência ao período de 2 (anos) contados a partir do trânsito em julgado do acórdão deste Tribunal da Relação, de 7.12.2021, e decida em conformidade.

            2. Recurso sem tributação.


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Coimbra, 11 de junho de 2025

            (Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP)

(Maria José Guerra – relatora)                                      

(Helena Lamas – 1ª adjunta)

 (Isabel Gaio Ferreira de Castro – 2ª adjunta)