| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS CRAVO | ||
| Descritores: | RECURSO JUNÇÃO DE DOCUMENTOS SEGREDO PROFISSIONAL DISPENSA | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – MOIMENTA DA BEIRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – JUIZ 2 | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 425.º, 423.º, 651.º, Nº 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 92.º DA LEI N. 145/2015 DE 09 DE SETEMBRO - ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS. ARTIGO 3.º, N.º 4 DO REGULAMENTO N.º 94/2006, DE 12 DE JUNHO – REGULAMENTO DE DISPENSA DE SEGREDO PROFISSIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS | ||
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| Sumário: | I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do n.C.P.Civil e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Se numa ação de dívida, a Ré deduz na contestação a exceção de pagamento, detendo o A. documentos que consubstanciavam a alegada confissão da dívida por parte da Ré (proposta de pagamento da mesma), foi por imprevidência ou falta de diligência sua que não procedeu à respetiva junção com a apresentação da p.i. aperfeiçoada, ou, no limite, até ao encerramento da audiência de julgamento, já que sendo esses documentos um possível ou virtual meio de prova para contrariar a invocada exceção de pagamento, nenhum concludente meio de prova existia ainda nos autos (ou era possível produzir nos mesmos), pelo que devia ter previsto/antecipado que a junção dos documentos como o em referência já era então aconselhável, senão mesmo imprescindível, a querer efetivamente dirimido em seu favor a exceção de pagamento invocada nos autos pela contraparte. III – Ademais, preceitua-se no art. 3º, nº4 do “Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional” da Ordem dos Advogados [cf. Regulamento nº 94/2006, de 12 de Junho] que «(…) o requerimento deverá ser apresentado com antecedência em relação à data em que esteja marcada a diligência ou em que seja possível apresentar o documento (…).» IV – Pelo que, se o A., só após a absolvição da Ré do pedido, pela procedência da exceção do pagamento, e confrontado com uma tal decisão, veio a formular o “pedido de dispensa do Segredo profissional” junto do organismo competente da Ordem dos Advogados, a junção dos documentos – viabilizada pela decisão do organismo por último citado – nesta instância de recurso, é extemporânea à luz das disposições legais. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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| Decisão Texto Integral: | * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, titular do número de identificação fiscal ...09 residente na ..., ... – ..., ... ..., ..., intentou procedimento de injunção, para pagamento de obrigação emergente de transação comercial, atualmente a correr termos como ação de processo comum, nos termos do artigo 10.º n.º2 do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio, contra “A... UNIPESSOAL, LDA.” titular do número de identificação fiscal ...21 com sede na Rua ... – ..., pedindo a condenação da Requerida no pagamento da quantia de Eur.16.200,00 correspondente a uma fatura emitida e não paga, a que acrescem juros de mora no valor de Eur.464,47. Peticiona ainda o pagamento da quantia de Eur.150,00 a título de despesas com a cobrança da dívida e a quantia de Eur.153,00, pela taxa de justiça paga o que, tudo somado, perfaz a quantia de Eur.16.967,47 (dezasseis mil novecentos e quarenta e sete euros e quarenta e sete euros). Para o efeito alegou que se dedica à atividade de fruticultor e que, nessa sequência, vendeu à Requerida, maçãs, durante o ano de 2019 e 2020, cujo valor ascendia a Eur.16.200,00, e que tal valor não foi pago. A Requerida apresentou oposição, invocando o pagamento, a ineptidão do requerimento inicial e a prescrição da dívida. * Uma vez que estava em causa uma obrigação emergente de transação comercial de valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, foi determinado que os autos seguissem a forma de processo comum (artigo 10.º, do Decreto-Lei 62/2013 de 10 de Maio). Foi julgada improcedente a ineptidão do requerimento inicial e a Requerente convidada a aperfeiçoar o mesmo, o que fez. * Foi proferido despacho saneador no qual foi fixado o valor da causa e verificada a regularidade da instância. Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento em 8.01.2025, que decorreu com observância das formalidades legais, como consta da respetiva ata. Veio, em 28.01.2025, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que improcedia a exceção de prescrição, mas já quanto ao demais em causa, considerou-se que se verificava a exceção perentória do pagamento, cuja procedência importava a absolvição do pedido, termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «III. DISPOSITIVO Considerando toda a argumentação aduzida julga-se a ação totalmente improcedente e consequentemente: ? a) Absolve-se a Ré do pedido. ? b) Condena-se a Autora nas custas da ação. * Registe e notifique. » * Inconformado com essa sentença, apresentou o Autor recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1ª) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a douta sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento e erro na apreciação da prova, quer documental, quer testemunhal, proferindo desadequada decisão quanto à matéria de facto e, bem assim, no que à aplicação do direito diz respeito, pelo que não pode o Recorrente com a mesma conformar-se. 2ª) Insurge-se o Recorrente, no essencial, quanto à relação comercial que existiu entre as partes, no concretamente provado, e contra o facto do Meritíssimo Tribunal a quo ter concluído pela exceção perentória do pagamento que, sendo procedente, importa na absolvição da Ré do pedido. 3ª) Pugna-se, pois, pela condenação da Ré/Recorrida, atenta à existência do negócio, compra e venda de maçãs nos anos de 2019 e 2020, que não foram pagas, como confissão que fez. 4ª) E por se entender a existência de litigância de má fé da Recorrida, pois bem sabe que não pagou as mesmas maças, que comprou ao Recorrente nos anos de 2019 e 2020. 5ª) Constituindo estas, a par da impugnação da decisão de facto, as principais questões objeto do presente recurso de apelação. 6ª) Não se conforma igualmente o Recorrente com a douta decisão recorrida ao decidir que desconhece o preço acordado e que foi faturada (Eur. 16.200,00) e por outro lado concluir que pagou a Recorrida o montante de Eur. 16.500,00, referente à aquisição das maçãs faturadas. 7ª) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a douta sentença proferida não contempla uma adequada apreciação da prova e decisão de facto, nem uma apropriada aplicação do direito, pelo que se impõe a sua revogação, nos termos que passaremos a enunciar. 8ª) Apesar de ter sido alegado pelo Autor em sede de petição inicial aperfeiçoada e em sede de audiência de julgamento que a Ré havia confessado a divida, o Meritíssimo Tribunal a quo não teve acesso aos documentos que suportam esta confissão, uma vez, que o mandatário do Autor à data não tinha a certeza sobre o uso dos mesmos, por considerar negociações malogradas entre advogados. 9ª) Ora, em 13/02/2025 a dúvida sobre estas comunicações entre advogados foi clarificada pela Ordem dos Advogados, que entende que o advogado do Autor pode usar estas comunicações, uma vez, que sendo uma resposta à interpelação feita, não traduzem factos sujeitos a sigilo profissional. 10ª) Com efeito, e sempre com o máximo respeito por diversa opinião, este entendimento consignado na douta sentença recorrida com o qual a recorrente não se conforma, desde logo, de uma desadequada apreciação da prova produzida, especialmente havendo confissão da divida. 11ª) Na verdade, impunha-se julgar provado que a Ré assumiu a divida e que se propôs-se em pagar a mesma (valor faturado) em prestações a partir do fim do ano de 2024. 12ª) A existência da proposta de pagamento apresentada pela Ré (email datado do 23/04/2024, pelas 18h:18m) do email do mandatário deste (...6p@adv.oa.pt) para o email do mandatário do Autor (...8p@adv.oa.pt). Doc. 1 e 2 que se requer a junção aos autos. 13ª) Neste email, o mandatário da Ré/Recorrida responde por incumbência desta, identifica a Ré/Recorrida e reporta-se à carta (interpelação) que o mandatário do Autor/Recorrente lhe tinha remetido (Doc. 6 junto à petição inicial aperfeiçoada) assumindo que a Ré não pode pagar e que se propõe começar a pagar a fatura em novembro a 1ª prestação, e nos meses subsequente, sempre na quantia de € 1.000,00. 14ª) Em resposta por incumbência do seu cliente, o mandatário do Autor, através de email datado de 03/05/2024, pelas 15h47m, informa o mandatário da Ré que o seu cliente (aqui recorrente) não aceita a proposta apresentada e apresenta contraproposta. 15ª) A Ré assume a totalidade da divida, ou seja, confessa-se devedora do valor da fatura (FT 23/2) emitida pelo Autor. 16ª) Constata-se que da mesma se impunha decisão diversa da proferida no que tange aos factos vertidos nos pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos factos provados e nas alíneas D. e E. dos factos não provados. 17ª) Os concretos meios probatórios que demandavam decisão diversa da proferida, e que carecem de ser reapreciados por este Venerando Tribunal da Relação, são os que se passam a elencar: A não junção aos autos de qualquer documento pela Recorrida (sociedade por quotas) que sustentasse que os pagamentos que fez entre 20/11/2020 (ponto 8 dos factos provados) e 04/03/2024 (ponto 13 dos factos provados), fossem para pagar a compra de maçãs nos de 2019 e 2020 ao Recorrente. A confissão da divida feita em 23/04/2024 pela Recorrida, através das comunicações feitas entre os mandatários das partes. 18ª) Em rigor, e como se demonstrou infra, impunha-se julgar não provados os pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e julgar as alíneas D. e E. factos provados. 19ª) Analisados os depoimentos das testemunhas em que o Meritíssimo Tribunal a quo se fundou para conceder resposta positiva a tais factos provados e não provados (BB e CC), verifica-se que as mesmas, além de trabalharem na Ré/Recorrida, mantêm uma relação de proximidade com o responsável (socio/gerente) desta (pai e sogro), e se mostraram sobejamente empenhadas em sustentar a versão da Ré/Recorrida. 20ª) Perante as testemunhas da Ré/Recorrida que quiseram favorecer esta, em detrimento do Autor/Recorrente (note-se familiares), diga-se em abono da verdade que não lograram provar que pagaram o valor da compra destas maçãs (2019 e 2020) ao Autor/Recorrente. 21ª) Acresce a confissão da divida por parte da Ré/Recorrida conforme supracitado (email datado do passado 23/04/2024 do mandatário da Ré), no qual se propõe pagar o valor apresentado pela fatura emitida pelo Autor/Recorrente, e que a Ré/Recorrida não devia ignorar. 22ª) Sobretudo quando se constata que o referido email do mandatário da Ré/Recorrida (23/04/2024) tem data posterior ao último pagamento a que se reporta o ponto 13. dos factos provados (04/03/2024). 23ª) Ora, se o último pagamento (ponto 13. dos factos provados - 04/03/2024), no montante de € 500,00, fosse para acabar de pagar as compras das maçãs ao Autor/Recorrente nos anos de 2019 e 2020, nunca a Ré/Recorrida incumbiria o seu mandatário de propor pagamento reclamado em 23/04/2024. 24ª) É nada plausível que a Ré/Recorrida a viver com muitos problemas financeiros tenha pago (€ 16.500,00) mais que o valor faturado e reclamado (Fatura n.º FT 23/2, no montante de € 16.200,00). 25ª) Não valorou o Meritíssimo Tribunal a quo que após a recolha das maçãs, o Autor/Recorrente tenha interpelado a Ré/Recorrida para pagamento e que a Ré/Recorrida, após ter recebido a fatura, propôs-se pagar o valor faturado em prestações a partir do fim do ano de 2024 - 1.2 Factos não provados (D. e E.) 26ª) Acontece que estes factos não provados (D. e E.) e que não foram alvo de qualquer prova, salvo o devido respeito, não pode o Tribunal ad quo ignorar os mesmos, desde logo porque é a prova da Ré/Recorrida (testemunha fiel de armazém da Ré, CC) que reconhece que o Autor se deslocou várias vezes às instalações da Ré/Recorrida para cobrar o preço da venda das maçãs. 27ª) Em face da factualidade apurada, pelos testemunhos transcritos, julgamos ser seguro afirmar que a Ré/Recorrida confessa a divida, quando mandata o seu advogado para propor o pagamento da fatura em prestações mensais e a partir do mês de novembro de 2024. 28ª) Registe-se que os conteúdos da correspondência trocada entre os mandatários, no caso dos emails, não puderam antes ser juntos aos autos, por poderem ser consideradas negociações malogradas e protegidas pelo segredo profissional, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 3 dos Estatutos da Ordem dos Advogados. 29ª) Como o mandatário do Autor/Recorrente, só após ter sido proferida a douta sentença (28/01/2025), obteve o parecer da Ordem dos Advogados (Pedido de dispensa de sigilo profissional - Processo 28/.../2025-P – 13/02/2025) com a seguinte decisão: ``Considerando que o e-mail remetido pelo Dr. DD em 23.4.2024, às 18:18, ao aqui Requerente, não está sujeito a sigilo profissional…´´ 30ª) Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC e art.º 425.º do CPC requer admissão dos documentos (troca de correspondência – emails) feita pelos advogados do Autor/Recorrente e da Ré/Recorrida, alegados em sede de petição inicial aperfeiçoada no artigo 21º e em sede de audiência de julgamento, que se juntam sob o DOC. 1 e 2. 31ª) Na verdade, estes documentos (emails) não puderam antes ser juntos aos autos, tendo agora, se tornado necessário a junção aos autos dos mesmos, em virtude da decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal ad quo. 32ª) Do depoimento de parte do Autor/Recorrente, AA, podemos concluir que os negócios entre este e a Ré prologaram-se durante anos, que tinha de ir ao encontro dos responsáveis para Ré para receber, interpelando-os nas instalações deles, e que nunca recebeu qualquer montante por conta da venda das maças das colheitas nos anos de 2019 e 2020. 33ª) Do depoimento desta testemunha do Autor/Recorrente, EE, podemos concluir da existência dos negócios entre as partes (compra e venda de maçãs vários anos), que ouviu do responsável da Ré/Recorrida (Sr. FF) e do Autor/Recorrente que havia dividas destas vendas. 34ª) Do depoimento desta testemunha da Ré/Recorrente, BB, que gere a sociedade, que se contradiz, assume as compras das maçãs nos anos de 2019 e 2020 e que as pagou e logo de seguida, põe em causa a mesma compra. 35ª) Resulta do depoimento desta testemunha que a Ré/Recorrida, CC, que receberam a interpelação lhe remetida pelo mandatário do Autor/Recorrente (Doc. 6 junto à petição inicial aperfeiçoada), conforme ponto 6. dos Factos provados. 36ª) Admitiu esta testemunha que o Autor/Recorrente ia as instalações da Ré/Recorrida frequentemente para receber e pedido o pagamento das vendas das maçãs. 37ª) Podemos assim concluir que o Autor/Recorrente não tendo recebido o valor da venda das maçãs nos anos de 2019 e 2020 da Ré/Recorrida, apesar de interpelar a Ré/Recorrida para lhe pagar viu-se obrigado a intentar o competente procedimento judicial. 38ª) Julgamos ser seguro afirmar que a venda de maças das colheitas dos anos de 2019 e 2020 não foram pagas ao Autor/Recorrente. 39ª) Aliás, se tivessem sido pagas estas vendas de maças (Fatura n.º FT 23/2), no montante de € 16.200,00, teria a Ré/Recorrida instruído o seu mandatado nesse sentido, reclamando da mesma interpelação. 40ª) Por outro lado, registar que a Ré/Recorrida a viver com muitas dificuldades, não ia pagar mais do que é o valor reclamado pelo Autor/Recorrente. 41ª) Na verdade, a Ré/Recorrida fez os pagamentos dados como provados nos pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13 da douta decisão recorrida, mas para pagar vendas de maçãs nos anos anteriores ao ano de 2019. 42ª) Como já se referiu, a Ré/Recorrida vivia com muitas dificuldades e ia pagando, pelo que é nada plausível que em 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 as contas estivessem regularizadas. 43ª) Nos termos do art.º 875 do Código Civil, “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”, como resulta dos presentes autos. 44ª) Assim, no contrato de compra e venda, para o vendedor emerge a obrigação de transmitir a propriedade de uma coisa ou outro direito e para o comprador emerge a obrigação de pagar o preço estipulado. 45ª) Ao que se apurou dos documentos juntos aos autos (DOC. 6 junto à petição inicial aperfeiçoada) aos testemunhos oferecidos em audiência de julgamento e aos documentos que se juntam sob os Doc. 1 e 2, e que se requer junção aos autos nas presente alegações, deve ser substituída a douta sentença recorrida. 46ª) Em face do exposto, deve presente recurso ser julgado procedente, revogar-se a sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a Ré/Recorrida a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de € 16.200,00 e os juros de mora vencidos e vincendos à respetiva taxa legal. Assim se fazendo acostumada JUSTIÇA» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. 
 * A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído. * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir, são: - junção de documento na fase do recurso (como questão prévia); - desacerto da decisão proferida sobre matéria de facto [quer quanto aos pontos de facto “provados” sob pontos “8.”, “9.”, “10.”, “11.”, “12.”, “13.” e “14.” (os quais deviam ter sido julgados “não provados”), quer quanto às alíneas “D.” e “E.” dos factos “não provados” (as quais deviam transitar do correspondente elenco para o dos factos “provados”)]; - erro de decisão sobre a matéria de direito [deve «(…) revogar-se a sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a Ré/Recorrida a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de € 16.200,00 e os juros de mora vencidos e vincendos à respetiva taxa legal.»]? * 3 – QUESTÃO PRÉVIA Cabe apreciar se deve ser admitido o documento junto pelo A./recorrente com as suas alegações. Na verdade, com a apresentação das alegações recursivas, o A./recorrente requer a junção de 2 (dois) documentos, aduzindo para tanto «[N]os termos do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC e art.º 425.º do CPC requer admissão dos documentos (troca de correspondência – emails) feita pelos advogados do Autor/Recorrente e da Ré/Recorrida, alegados em sede de petição inicial aperfeiçoada no artigo 21º e em sede de audiência de julgamento, que se juntam sob o DOC. 1 e 2», ademais esclarecendo que «[A]pesar de ter sido alegado pelo Autor em sede de petição inicial aperfeiçoada e em sede de audiência de julgamento que a Ré havia confessado a divida (propondo-se pagar a mesma), o Meritíssimo Tribunal a quo não teve acesso aos documentos (correspondência trocada entre advogado) que suportam esta proposta de pagamento». De referir que para justificar a sua junção apenas com as alegações de recurso, o A./recorrente alega que «(…) estes documentos (emails) não puderam antes ser juntos aos autos, tendo agora, se tornado necessário a junção aos autos dos mesmos, em virtude da decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal ad quo», e bem assim que «(…) o mandatário do Autor à data não tinha a certeza sobre o uso dos mesmos, por se poder considerar negociações malogradas (segrego profissional) entre advogados. Ora, em 13/02/2025 a dúvida foi clarificada pela Ordem dos Advogados, que entende que o advogado do Autor pode usar estas comunicações, uma vez, que sendo uma resposta à interpelação feita, não traduzem factos sujeitos a sigilo profissional». Confrontado com este requerimento de junção de documentos, o Relator nesta instância de recurso, proferiu oportunamente o seguinte despacho liminar: «Afim de possibilitar aferir os requisitos de legitimidade e tempestividade da requerida junção dos dois documentos que acompanham as alegações de recurso [cf. arts. 92º da Lei n.º 145/2015 de 09 de Setembro, e 425º do n.C.P.Civil] notifique-se o A. para, em 5 dias, juntar o “Pedido de dispensa de sigilo profissional - Processo 28/.../2025-P –13/02/2025” a que alude, mormente comprovar a data de formulação desse pedido e o despacho final proferido, tudo devidamente certificado.» O A. correspondeu a tal determinação, juntando «Pedido formulado e comprovativo de envio (correio registado)» [pedido datado de 31.01.2025, e enviado em 3.02.2025] e «Despacho emitido pelo Conselho Regional do Porto, devidamente assinado em 13/02/2025, pela Vogal do Conselho Regional». Quid iuris? Estabelece o nº 1 do art. 651º do n.C.P.Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância». Por sua vez, prescreve o antecedente art. 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do n.C.P.Civil e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo certo que objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado, e que subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. Ora, nada tendo sido alegado para consubstanciar uma qualquer destas situações, não se pode considerar adquirida a sua verificação, isto é, não se pode considerar que o A./recorrente tenha feito prova quer da não disponibilidade tempestiva do documento, quer da inimputabilidade a uma culpa própria do não acesso a ele.[2] Ao invés é o próprio A./recorrente a reconhecer que era detentor dos dois documentos em causa já na fase dos articulados da causa (alegou o circunstancialismo que alegadamente deles decorria na p.i. aperfeiçoada), só não os tendo junto então e/ou na audiência de julgamento, por o seu Exmo. Mandatário ter dúvidas sobre a licitude da sua junção à luz das regras do “Segredo Profissional” dos Advogados, mais argumentando que só depois de confrontado com o resultado da ação (improcedência), e porque só agora na fase de recurso foi clarificada a dúvida pela Ordem dos Advogados, só agora (com as alegações de recurso) requer a junção dos documentos em causa. Sucede que após a instrução a que se procedeu nesta instância de recurso, resulta como insofismável que o Exmo. Mandatário do A. só solicitou o pedido de dispensa de Segredo Profissional junto da Ordem dos Advogados depois da proferida a sentença no Tribunal de 1ª instância: o julgamento teve lugar em 8.01.2025, a sentença foi proferida em 28.01.2025, e o pedido foi formulado junto do competente Conselho da Ordem dos Advogados em 3.02.2025. Ora, se efetivamente à luz do art. 92º da Lei n. 145/2015 de 09 de Setembro [Estatuto da Ordem dos Advogados], «O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento», mais se preceitua no art. 3º, nº4 do “Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional” [cf. Regulamento nº 94/2006, de 12 de Junho] que «(…) o requerimento deverá ser apresentado com antecedência em relação à data em que esteja marcada a diligência ou em que seja possível apresentar o documento, ressalvando-se situações de manifesta urgência ou excepcionais, devidamente justificadas, de modo a poder ser proferida uma decisão em tempo útil». [com destaque da nossa autoria] Neste quadro, temos que o A., ao ser confrontado, na fase dos articulados, com a exceção perentória de pagamento suscitada pela Ré relativamente à dívida cujo pagamento reclamava na ação, podia e devia ter percecionado/intuído que, dispondo de documentos que lhe permitiriam infirmar essa exceção, a saber, a alegada confissão da dívida por parte da Ré (proposta de pagamento da mesma), seria conveniente e mesmo necessária a junção correspondente nessa fase processual – ou antes do julgamento ou, em último caso, neste último. Apesar disso, não o fez. Sendo certo que nem se tratou de um atraso na “clarificação” da dúvida por parte da Ordem dos Advogados. É que “o pedido de dispensa do Segredo profissional” só veio a ser formulado depois de proferida a sentença! Pelo que, se as dúvidas sobre a licitude da junção dos ditos documentos, à luz das regras do “Segredo Profissional” dos Advogados, eram, à partida concebíveis/admissíveis, já é seguramente imputável ao A., ou consubstancia uma culpa própria, não ter o mesmo obtido o esclarecimento dessa dúvidas em tempo útil, de forma a que fosse possível a sua junção, em ordem a que na decisão dessa exceção do pagamento pudessem os documentos ser considerados. O que tudo serve para dizer que o A. podia e devia ter junto os documentos antes desta fase de recurso. Acresce que já foi sublinhado que «O desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, em suma, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.».[3] Já quanto ao segundo elemento, mormente tendo em atenção a alegação dos A./recorrente no sentido de que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, é pacífico o entendimento de que esta faculdade «não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância»[4]. Ora se assim é, cremos que a resposta à nossa questão é incontornável. É que se o A./recorrente não providenciou pela junção dos documentos em referência na 1ª instância e antes do julgamento, foi por imprevidência ou falta de diligência sua, já que sendo os mesmos um possível ou virtual meio de prova para contrariar a invocada exceção de pagamento, nenhum concludente meio de prova existia ainda nos autos (ou era possível produzir nos mesmos), pelo que devia ter previsto/antecipado que a junção dos documentos como o em referência já era então aconselhável, senão mesmo imprescindível, a querer efetivamente dirimido em seu favor a exceção de pagamento invocada nos autos pela contraparte. Portanto, a junção dos documentos nesta instância de recurso é extemporânea à luz das invocadas disposições legais. Nestes termos, impõe-se recusar a junção dos ditos documento, devendo o A./recorrente ser condenados em multa, que se fixa em 1 (uma) UC [art. 27º nos 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais e art. 443º nº 1 do n.C.P.Civil]. Notifique. * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 4.1 - Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo (factos que se consideraram provados na 1ª instância), sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o R./recorrente tal impugna. Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo: «1. O Autor é empresário em nome individual e dedica-se, entre outras, à atividade de fruticultor. 2. A Ré é uma sociedade unipessoal que se dedica à atividade de comercio de frutas. 3. A Ré adquire anualmente maçãs ao Autor desde, pelo menos 2014. 4. No âmbito da sua atividade comercial, entre agosto e setembro dos anos de 2019 e 2020, o Autor e a Ré acordaram que a Ré colhia e fazia suas as maçãs que o Autor produziu no seu pomar, mediante o pagamento de um preço. 5. Nessa sequência, a 15/03/2024, o Autor emitiu a respetiva fatura nº FT 23/2, no valor global de € 16.200,00 (Dezasseis mil e duzentos euros). 6. Por missiva datada de 10/04/2024, dirigida à Ré foi solicitado o pagamento da fatura n.º FT 23/2. 7. Tal missiva foi recebida por CC. 8. A Ré entregou ao Autor um cheque datado de 20/11/2020, com a quantia de Eur.5.000,00 (cinco mil euros), que este depositou. 9. A Ré entregou ao Autor um cheque datado de 23/02/2021, com a quantia de Eur.2.000,00 (dois mil euros), que este depositou. 10. No dia 13/09/2021, a Ré procedeu à transferência bancária de Eur.2.000,00 (dois mil euros) para a conta do Autor. 11. No dia 08/10/2021 a Ré procedeu à transferência bancária de Eur.5.000,00 (cinco mil euros) para a conta do Autor. 12. No dia 26/01/2022, a Ré procedeu à transferência bancária de Eur.2.000,00 (dois mil euros) para a conta do Autor. 13. No dia 04/03/2024, a Ré procedeu à transferência bancária de Eur.500,00 (quinhentos euros) para a conta do Autor. 14. As sobreditas quantias respeitam às maçãs adquiridas pela Ré nos anos de 2019 e 2020.» ¨¨ E os seguintes os factos que se consideraram não provados no tribunal a quo: «A. Os pomares do Autor produzem, em média, 40,5 toneladas de maçã. B. O preço foi fixado com base na estimativa das toneladas que os pomares têm produzido nos últimos 10 anos, com o preço de Eur.0,20 a maçã. C. Até ao ano de 2018, a Ré quando acabava o pagamento do preço acordado, emitia a fatura ao Autor. D. Após a recolha das maçãs, o Autor interpelou a Ré para o pagamento. E. A Ré, após ter recebido a fatura, propôs-se pagar o valor faturado em prestações a partir do fim do ano de 2024. F. As quantias referidas em 8 a 13 dizem respeito à venda de maçãs noutros anos, que não os de 2019 e 2020.» * 4.2 – O A./recorrente invoca o desacerto da decisão proferida sobre matéria de facto [quer quanto aos pontos de facto “provados” sob pontos “8.”, “9.”, “10.”, “11.”, “12.”, “13.” e “14.” (os quais deviam ter sido julgados “não provados”), quer quanto às alíneas “D.” e “E.” dos factos “não provados” (as quais deviam transitar do correspondente elenco para o dos factos “provados”)]. Como é bom de ver, os factos impugnados reportam-se ao pagamento (os “provados”) e à contraprova desse pagamento (os “não provados). Entendemos que a apreciação do conjunto dos apontados pontos de facto deve ser feita conjuntamente, por razões de lógica expositiva decorrentes da fundamentação que será apresentada. Vejamos então. O A./recorrente invoca a errada apreciação da prova, mas sempre dando especial importância e relevo ao que resultaria dos documentos cuja junção requereu com as alegações de recurso [o que supra se recusou]. Para além disso, invoca os depoimentos das testemunhas BB e CC [para os desvalorizar, por serem filho e nora do legal representante da Ré e não terem sido isentos nos seus depoimentos, para além de apontar contradições nos mesmos], EE [o qual devia ter sido valorizado] e bem assim as declarações do próprio Autor, AA [que não foi devidamente valorizado], procedendo áà transcrição de pequenos segmentos da gravação áudio de todos eles. Que dizer? Que tendo-se procedido à audição integral da gravação áudio do depoimentos e declarações de parte invocados, constata-se que ao depoimento da testemunha EE não se podia nem devia dar especial ou decisiva relevância na medida em que essa testemunha demonstrou ter apenas um conhecimento indireto e pouco preciso da situação (ouviu falar de dívidas). Já quanto às declarações de parte do Autor, o que ressalta é a afirmação repetida por parte do mesmo de que nunca recebeu o preço da venda das maças das colheitas nos anos de 2019 e 2020, sendo que o preço das colheitas dos anos anteriores, embora com atraso, foi pago. Ademais, enfatizou que “a partir de 2020, ele (o legal representante da Ré) não me fez pagamento nenhum” e que “a partir de 2020 não foi feito qualquer pagamento” [cf. minuto 10:00 em diante]. Ora é precisamente devido a esta afirmação segura e perentória que as declarações do mesmo são de desvalorizar. Atente-se que os pagamentos que aparecem discriminados nos pontos de facto “provados” sob “8.”, “9.”, “10.”, “11.”, “12.” e “13.”, tiveram documentos de suporte válidos e credíveis em seu abono, pelo que, porque tendo sido operados entre o final de Novembro de 2020 até Março de 2024, concatenados com a demais prova, designadamente os depoimentos das testemunhas BB e CC, determinaram que a Exma. Juíza de 1ª instância, tivesse formado convicção não só no sentido da sua verificação, mas sobretudo – facto crucial quanto a este particular – de que se reportaram ao pagamento do preço das maçãs adquiridas pela Ré nos anos de 2019 e 2020 [cf. facto “provado” sob “14.”]. Aliás, se bem compulsarmos as alegações recursivas, não deixe de se constatar que o A./recorrente nem sequer impugna, em si, os recebimentos dos valores que constam dos ditos pontos de facto “provados” sob “8.”, “9.”, “10.”, “11.”, “12.” e “13.”, mas tão só e verdadeiramente que os mesmos respeitassem ao pagamento do preço das maçãs adquiridas pela Ré nos anos de 2019 e 2020 [cf. facto “provado” sob “14.”]! De referir que para justificar a convicção positiva que se traduziu neste último ponto de facto “provado”, a Exma. Juíza de 1ª instância consignou o seguinte na sua “motivação”: «Por fim, quanto ao ponto 14, o Tribunal não teve dúvidas de que os pagamentos efetuados respeitam à aquisição das maçãs nos anos de 2019 e 2020. Por um lado, BB (que, segundo o próprio Autor, era quem tratava dos pagamentos), quando perguntado relativamente ao conhecimento do valor que, em concreto, teria de ser pago, uma vez que não tinha, ainda, sido emitida a fatura aqui em causa (que, quer esta testemunha quer o Autor reconheceram que não era usual no âmbito dos negócios estabelecidos, ou seja, não era comum o Autor emitir fatura) referiu que foi pago este valor de Eur.16.500,00 por ser o valor que tinha resultado das pesagens. No mesmo passo, também CC mencionou que o preço a pagar pelas maçãs foi cerca de Eur.8.000,00, o que é compatível com o mencionado pelo Autor em sede de declarações de parte, que igualmente indicou este valor. Como tal, tem-se que, ainda que as partes não tivessem acordado previamente um preço, ambas estavam de acordo na quantia de, pelo menos Eur.16.200,00. Também por este circunstancialismo se deu como não provado o ponto F. Mas não só. É que, embora a tese do Autor assentasse na ideia de que os pagamentos efetuados pela Ré se reportavam à aquisição de maçã em anos anteriores, e não aos anos de 2019 e 2020, a verdade é que o Autor, nas suas declarações, afirmou expressamente que, naquela altura (em 2019 e 2020), o único valor que se encontrava em dívida era o respeitante aos anos 2019 e 2020. Ora, se assim é, então os pagamentos efetuados posteriormente a essa data têm, necessariamente, que reportar-se à maçã adquirida em 2019 e 2020. Além disso o Autor não fez qualquer prova deste circunstancialismo que o próprio alegou no seu articulado.» Neste quadro, será que o A./recorrente conseguiu “abalar” esta síntese conclusiva com o que invocou nas suas alegações recursivas? Salvo o devido respeito, a nossa resposta é convictamente de sentido negativo. Atente-se que “mau grado” o eventual “interesse na causa e no desfecho desta” por parte das testemunhas BB e CC [as quais, recorde-se, confirmaram o pagamento nos termos que lograram acolhimento na sentença], não vislumbramos que daí se possa ou deva legitimamente concluir que o depoimento dela ficou abalado em termos de isenção e objetividade! Naturalmente que outra e diversa poderia ser a convicção, se pudessem ser apreciados e valorados os documentos que acompanharam as alegações recursivas e cuja junção foi recusada nesta instância, mas o que é certo é que os elementos probatórios que podem validamente ser apreciados são os vindos de referir, e só estes… Por outro lado, mutatis mutandis, mormente por ausência de qualquer prova documental, não se vislumbra com que base probatória poderia esta instância de recurso fazer transitar as alíneas “D.” e “E.” dos factos “não provados” do correspondente elenco para o dos factos “provados”. Aliás, quanto à materialidade da alínea “D.” em referência, nem nenhum elemento probatório concreto foi invocado! A esta luz, compulsando as alegações recursivas, não resulta de todo que o A./recorrente tenha intentado contrariar em suficiente grau e medida o juízo probatório e apreciação e decisão sobre o valor probatório da prova produzida tal como feita pelo Tribunal a quo. Na verdade, perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é impetrada uma decisão à luz do disposto no art. 662º do n.C.P.Civil, a “Fundamentação”/“Motivação” do tribunal a quo vai ser o objeto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a deteção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo). Sem embargo, «não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento».[5] E assim o é em atenção ao entendimento de que a efetiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662º do n.C.P.Civil), impõe que a Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no dito art. 607º, nº5 do n.C.P.Civil, o qual vale com idêntica amplitude na 2ª instância. Ora, confrontando as alegações recursivas no que aos referenciados meios de prova diz respeito, designadamente os segmentos das respectivas gravações que foram transcritos para fundamentar o recurso nesta parte, o que desde logo ressalta é que não se encontra aí apoio consistente e concludente para a pretensão do A./recorrente. Quanto a nós, mais do que uma simples divergência em relação ao assim entendido, era necessário que se demonstrasse, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, pois que, à Relação apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou, apontando-se como casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas – v.g. por distração – determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais. Nesta linha de entendimento, já doutamente se concluiu que «A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.»[6] Assim, se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente do ora Recorrente o depoimento da testemunhas e declarações de parte referenciados, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas – os princípios da imediação e oralidade). Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de se manter no atual art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Atente-se que as regras da experiência comum ou do normal acontecer aportam toda a credibilidade e verosimilhança à versão do efetivo pagamento do preço das maçãs adquiridas pela Ré nos anos de 2019 e 2020, atentos os meios de prova vindos de discriminar e sua valoração conjugada (mormente o momento temporal em que os pagamentos foram operados), por contraponto à desmentida versão por parte do A. de que a partir de 2020 não lhe foi feito pagamento nenhum, acrescida da perentória e segura afirmação por parte do mesmo de que, naquela altura (em 2019 e 2020), o único valor que se encontrava em dívida era o respeitante aos anos de 2019 e 2020! Ora se assim é, não se vislumbra de todo como é que o A./recorrente pode ter acolhimento à sua sustentação de ter havido um erro notório na apreciação da prova. Dito de outra forma: só existindo um erro evidente na apreciação da matéria de facto é que devem ser modificadas as respostas dadas ao concreto tema de prova (in casu, o do “pagamento”). O que o A./recorrente não logrou consistente e concludentemente explicitar… Sendo certo que tal também não se evidencia manifestamente! Ademais, consabidamente, «na impugnação da matéria de facto, ao recorrente não basta fazer uma apreciação geral de toda a prova, fazendo dela a sua interpretação e tirar a conclusão de que todos os factos impugnados devem ser dados como provados na forma por si apontada. (…) [E]sta não é manifestamente a forma de alterar a matéria de facto, pela via da impugnação ampla, ou seja com base em erro de julgamento, em que na reapreciação da concreta prova se vai constatar se a testemunha disse ou não o que foi vertido na sentença, que não tem a ver com a valoração que o tribunal dá ao depoimento. Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum. Não se verifica o vício do erro quando o tribunal, face às versões contraditórias, justifica devidamente a sua opção.».[7] Por último, não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: «Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.».[8] Assim sendo, na medida em que não foi evidenciado minimamente – nem se vislumbra! – erro de julgamento que sustente a reclamada alteração à decisão sobre a matéria de facto em causa, importa sancionar plenamente apenas os meios de prova documentais e testemunhais credibilizados pela decisão recorrida, na interpretação e valoração que deles foi feita, que o mesmo é dizer, bem andou, assim, o Exmo. Juiz de 1ª instância em integrar a factualidade em causa [os ditos pontos de facto “provados” sob “8.”, “9.”, “10.”, “11.”, “12.”, “13.” e “14.”, e as alíneas “D.” e “E.” dos factos “não provados”] nos elencos correspondentes, opção esta que, por tais razões, se entende manter nos seus precisos termos. Em conclusão: por não se constatar qualquer erro de julgamento neste particular, conclui-se, sem necessidade de maiores considerações, pela inapelável improcedência desta pretensão do A./recorrente. * 5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido erro de decisão sobre a matéria de direito [deve «(…) revogar-se a sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a Ré/Recorrida a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de € 16.200,00 e os juros de mora vencidos e vincendos à respetiva taxa legal»]: Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável. É que foi o próprio A./recorrente a sublinhar e reconhecer que a procedência desta sua linha de argumentação estava dependente da prévia procedência da impugnação à decisão sobre a matéria de facto que havia apresentado. Assim, na medida em que a essa impugnação não foi dada qualquer procedência pelo enquadramento vindo de fazer imediatamente supra, não vemos como possa dar-se acolhimento ao recurso do A./recorrente em termos de fundamentação de direito da sentença recorrida. Sendo, assim, de sancionar inteiramente a conclusão expressa na sentença recorrida no sentido de que «Por sua vez, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de Eur.16.500,00, referente à aquisição das mesmas maçãs. Como tal, tem de se concluir que pagou o preço. Deste modo, verifica-se a exceção perentória do pagamento que, sendo procedente, importa a absolvição da Ré do pedido.» Donde, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso no que à questão substantiva da procedência da ação concerne. * 6 - SÍNTESE CONCLUSIVA (…). * 7 - DISPOSITIVO Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos. Custas do recurso pelo A./recorrente. Coimbra, 30 de Setembro de 2025 Luís Filipe Cravo Carlos Moreira João Moreira do Carmo 1º Adjunto: Des. Carlos Moreira 2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo [2] Cf., quanto a estes requisitos, o acórdão do T. Rel. do Porto de 26.09.2016, proferido no proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp; acresce, como pertinazmente se sublinhou no acórdão do T.Rel. de Coimbra de 18.11.2014, proferido no proc. nº 628/13.9TBGRD.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc, «a questão não é o que “não se sabe”, “porque não se sabe” – ninguém sabe aquilo que não teve a curiosidade ou o cuidado de averiguar – a questão é o que justificadamente alguém “não podia saber, mas veio a saber mais tarde” e só neste caso se fala em superveniência subjectiva». [3] Assim no acórdão do STJ de 30.04.2019, proferido no proc. nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, acessível em www.dgsi.pt/jstj. [4] cfr. o acórdão do T. Rel. Coimbra, de 08/11/2011, no Proc. nº 39/10.8TBMDA.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc. [5] Citámos o Ac. do T.R de Coimbra de 17-04-2012, proc. nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, que embora tendo sido prolatado na vigência do C.P.Civil, perfilha um entendimento perfeitamente transponível para o atual n.C.P.Civil; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar”, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.T.J. de 15-09-2010, proferido no proc. nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, relativamente ao qual também se invoca a atualidade do entendimento nele perfilhado. [6] Assim no acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, cujo texto integral pode ser acedido em www.dgsi.pt/jstj. [7] Cf. o acórdão do TRC de 13-09-2017, proferido no proc. nº 390/14.8PCLRA.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc. [8] Assim no acórdão do TRG de 30-11-2017, proferido no proc. nº 1426/15.0T8BGC-A.G1, acessível em www.dgsi.pt/jtrg. |