| Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CHANDRA GRACIAS | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO REGIME APLICÁVEL NRAU RENÚNCIA AO USUFRUTO ÓBITO DA USUFRUTUÁRIA CADUCIDADE DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS | ||
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| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 26.º, 27.º, 28.º, 57.º, N.º 1, AL.ªS D) E E), 59.º, N.º 1, 65.º, N.º 2, DO NRAU, 20.º, N.ºS 1 E 4, 65.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 216.º, 1051.º, AL.ª C), 1052.º, AL.ª B), E 1476.º, N.ºS 1, AL.ª E), E 2, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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| Sumário: | I – No segmento da impugnação de facto, nas conclusões do recurso há uma total omissão de referência aos factos sobre os quais incide a discórdia, a razão dessa divergência por remissão para testemunhos, documentos ou qualquer outro suporte probatório ou o sentido que, na óptica do Recorrente, devia ter colhido. II – Esta demissão absoluta de elencar qualquer facto ou meio de prova que espelhe o seu descontentamento, conduz, inexoravelmente, à rejeição deste segmento (art. 640.º, n.º 1, parte final, lido em conjugação com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 148/2025, Proc. n.º 245/24, de 18-02-2025). III – Também não é caso de convite ao aperfeiçoamento porquanto o Recorrente nada disse, podendo e devendo tê-lo feito atempadamente, por ser um ónus que sobre si recaía, o que não contende com princípios constitucionais (v.g., direito ao recurso, proporcionalidade, segurança jurídica ou tutela da confiança), na medida em que não se trata de uma cominação desrazoável, desconhecida, ou intolerável para a parte onerada com tal ónus, dentro do funcionamento equilibrado do sistema de justiça. IV – O Despacho Saneador que contenha uma mera referência tabelar sobre a legitimidade não forma caso julgado formal, o que implica que a questão possa ser levantada no momento processual de recurso e o Tribunal possa dela conhecer. V – Nada sendo excepcionado, se a celebração do contrato de arrendamento data de 1 de Março de 1988, mantendo-se vigente aquando da revogação do Regime do Arrendamento Urbano, por parte do Novo Regime do Arrendamento Urbano, é este o regime aplicável. VI – A renúncia ao usufruto, como acto abdicativo, é ope legis, uma causa de extinção do direito de usufruto, a qual, através do fenómeno da expansão de direito em paralelo comprimido (direito de propriedade), irá consolidar a propriedade plena no nu proprietário. VII – É o óbito da que fôra usufrutuária – e não a renúncia –, consubstanciando também uma causa nominada e automática de extinção do usufruto, que leva à caducidade do contrato. VIII – Se o arrendatário não comprova a indispensabilidade das benfeitorias, isto é, que a habitabilidade do arrendado dependesse dessa realização para evitar a perda, destruição ou deterioração do mesmo ou que aquelas tenham aumentado o valor do bem imóvel, falham os pressupostos ínsitos ao art. 216.º do Código Civil e alicerce da pretensão indemnizatória. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu/Juízo Central Cível de Viseu (J1) Recorrente: AA 
 Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…). 
 
 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]: 
 I. Em 10 de Novembro de 2021, BB e marido, CC; DD e marido, EE; FF e marido, GG; HH e marido, II; JJ e marido, KK; LL e mulher, MM; MM; NN e mulher, OO, PP e marido, QQ, propuseram por si e na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de RR e mulher, SS, acção declarativa de condenação visando o despejo, contra AA[2], todos ali melhor identificados. Em síntese invocaram que o prédio urbano constituído por casa de habitação, sito na Estrada Nacional n.º ..., ..., no Concelho ..., faz parte integrante da referida herança, tendo-lhes advindo por inventário obrigatório efectuado por óbito, em 1986, de NN, o qual deixou como herdeiros os seus ascendentes, RR e SS, e um testamento, instituindo usufrutuária de todos os seus bens TT, sendo ainda certo que os AA. são os únicos herdeiros dos indicados RR e SS, daí se aferindo a respectiva legitimidade para a propositura desta acção (art. 2091.º do Código Civil). Há mais de 30 anos que usam e usufruem do dito prédio, à vista de todos, sem oposição, ininterruptamente e de boa-fé, convictos que o mesmo lhes pertence, exercendo os poderes correspondentes ao direito de propriedade, pelo que, e na falta de outro título, adquiriram-no por usucapião. Em l de Março de 1988, TT, na qualidade de usufrutuária, deu-o de arrendamento para habitação, ao R., vindo a renunciar ao usufruto em 22 de Março de 1994, e tendo falecido em 7 de Fevereiro de 2021. A 17 de Fevereiro de 2021, por via postal registada enviada ao R., os AA. informaram-no do decesso daquela e, consequentemente, da caducidade do aludido contrato de arrendamento, solicitando a restituição do bem imóvel decorridos que fossem seis meses após o seu óbito, mas tal carta foi devolvida por não reclamada. A 1.ª A., na qualidade de cabeça de casal, remeteu novas comunicações, igualmente devolvidas em virtude do R. não as ter recolhido nos serviços postais. Finalizam, na procedência da acção, para: «a) Ser declarado e reconhecido que os autores por si e na qualidade de herdeiros da herança aberta e indivisa por óbito de RR e mulher SS, são os legítimos proprietários e possuidores do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial; b) Ser declarada e reconhecida a resolução, por caducidade, do contrato de arrendamento mencionado no artigo 15º desta petição e os réus serem condenados a entregarem e a restituírem imediatamente o identificado prédio livre e devoluto de pessoas e bens; E ainda, c) Em caso de incumprimento, serem os réus condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, não inferior ao montante de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso.». Em Contestação o R. arguiu a nulidade de citação (por óbito da cônjuge), a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário (necessidade de estarem presentes na lide os filhos comuns), e o caso julgado (repetição de anterior acção de despejo, do extinto 2.º Juízo Cível do mesmo Tribunal, Proc. n.º 411/96, com fundamento que seria para sua habitação própria) , e alegou que a usufrutuária já havia renunciado ao mesmo no inventário a que se procedeu por óbito de NN, que os ora AA., invocando a qualidade de senhorios, comunicaram-lhe, em 17 de Junho de 2013, a renúncia ao usufruto, pedindo a actualização da renda e, por último, que o cabeça de casal, II, em carta de 15 de Julho de 2013, disse «Na qualidade de senhorios casa de habitação…vimos notificar V.ªs Exªs, nos termos do artigo 30º da Lei 31/2012 de 14 de Agosto, da transição do contrato de arrendamento para NRAU e da atualização da renda…», propondo a renda futura de 513 € (quinhentos e treze euros), com contrato com prazo certo e duração de 5 anos, a que os RR. se opuseram, e, por isso, por carta que remonta a 3 de Dezembro de 2013, o cabeça de casal, invocando, de novo, a qualidade de senhorios, propôs-lhe a renda de 176,90 € (cento e setenta e seis euros e noventa cêntimos)/mês – a qual tem sido pontualmente paga –, e comunica que pode promover a transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, opondo-se os RR. Em Reconvenção, pela feitura de obras de manutenção e conservação no bem arrendado, pediu a condenação dos AA. no pagamento de 47 700 € (quarenta e sete mil e setecentos euros). Rematou pugnando pela ocorrência de abuso de direito e condenação da contraparte como litigante de má-fé. Em sede de Réplica, os AA. pronunciaram-se circunstanciadamente sobre cada uma das excepções, rebatendo-as, bem assim, sobre a litigância de má-fé, e impugnaram os factos reconvencionais, ao mesmo tempo que solicitaram a condenação do R. como litigante de má-fé. O Despacho Saneador, entre o mais, conheceu e desatendeu a matéria excepcional quanto à citação, à ilegitimidade passiva e ao caso julgado, em termos que não foram sindicados pelas partes. 
 Em 15 de Novembro de 2024 foi lavrada Sentença, cujo dispositivo contém: «Declara-se e reconhece-se que os Autores, por si e na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de RR e mulher SS, são os legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho e distrito ..., constituído por uma casa de habitação composta de rés-do-chão com duas salas, um escritório, três casas de banho, um anexo com duas lojas e uma garagem, sito na Estrada Nacional n.º ..., ..., a confrontar do norte com UU, do sul e do poente com VV, do nascente com a estrada, inscrito sob o artigo ...06, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28 da dita freguesia e concelho. Declara-se que o contrato de arrendamento celebrado por TT, na qualidade de usufrutuária, e pelo Réu caducou a 7 de fevereiro de 2021, em virtude do decesso daquela ocorrido naquela data e em consequência condena-se o Réu a entregar e a restituir imediatamente o prédio urbano vindo de identificar, livre e devoluto de pessoas e bens. Absolve-se o Réu do demais peticionado pelos Autores e do pedido de condenação como litigante de má-fé. Com os fundamentos de facto e de direito, julga-se a Reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência: Absolvem-se os Autores do pedido reconvencional e do pedido de condenação como litigantes de má-fé.». 
 II. Inconformado, o R. interpôs Recurso de Apelação, decorrendo das suas alegações as seguintes «CONCLUSÕES (…)». 
 III. Os AA. contra-alegaram, retirando-se estas «CONCLUSÕES (…)». 
 IV. Questões decidendas Sem embargo da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil): - Da impugnação da matéria de facto. - Da (i)legitimidade activa e passiva. - Do quadro legal do contrato de arrendamento (Decreto-Lei n.º 321-B/1990 ou Lei n.º 6/2006). - Da postergação de princípios constitucionais, pela aplicação retroactiva desta Lei. - Da caducidade do arrendamento (decesso da usufrutuária), ou da sua manutenção em vigor (actuação dos Recorridos após a renúncia ao usufruto). - Da ineficácia das notificações enviadas pelos Recorridos. - Da indemnização a título de benfeitorias. 
 V. Questão Prévia Da Impugnação da Factualidade Aquando da interposição deste recurso, o Recorrente anunciou o seu propósito de impugnar a Sentença, no tocante aos factos e ao Direito. Sucede, no entanto, que perlustradas as conclusões do recurso – transcritas, supra –, apura-se a completa omissão de referência aos factos sobre os quais incide a discórdia, a razão dessa divergência por remissão para testemunhos, documentos ou qualquer outro suporte probatório ou o sentido que, na sua óptica, devia ter colhido. Este aspecto é, precisamente, assinalado pelos Recorridos, nas suas Conclusões 4.ª ss. Com o art. 640.º do Código de Processo Civil, o legislador visou arredar a instância recursiva não séria (tabelar, vaga ou não pormenorizada), por ser contrária aos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, pois só desta forma se poderá assegurar uma efectiva reapreciação da matéria de facto em 2.ª Instância, a qual não se destina a efectuar um segundo julgamento integral da causa, mas antes analisar a parcela factual concretamente sindicada, para formar uma convicção autónoma e própria – art. 662.º. Em sintonia com aquela disposição legal, constata-se que o recorrente tem o ónus de especificar obrigatoriamente, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que tem por incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que servirão para proferir nova decisão, e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida[3]/[4]. Enquanto que, no que concerne ao primeiro segmento – concretos pontos de facto –, este ónus pretende delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto, já a segunda exigência – concretos meios de prova –, tem sobretudo como função servir de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação[5]. No que tange ao último requisito legal – decisão substitutiva –, assinala-se que o respectivo impugnante não carece de indicar, nas conclusões das suas alegações, a decisão alternativa que deveria prevalecer, desde que o tenha feito de modo perceptível no texto das suas alegações, o que encontra respaldo no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023[6]. Na sua síntese conclusiva o Recorrente discute o enquadramento de direito, mas demite-se, em absoluto, de elencar qualquer facto ou meio de prova que espelhe o seu descontentamento, postergando os princípios do dispositivo e da vinculação do objecto, o que conduz, inexoravelmente, à rejeição deste segmento, segundo flui do art. 640.º, n.º 1, parte final. Paralelamente deixa-se consignado que esta não é uma das situações para as quais se preveja o (direito ao) convite ao aperfeiçoamento, a medida em que nada há a aperfeiçoar, porquanto o Recorrente, neste conspecto, nada disse, podendo e devendo tê-lo feito atempadamente, por ser um ónus que sobre si recaía. A tanto não se opõem os princípios constitucionais, como sejam o do direito ao recurso, o da proporcionalidade, da segurança jurídica ou o da tutela da confiança, como tem sido sistematicamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Constitucional[7], na medida em que não se trata de uma cominação desrazoável, desconhecida (isto é, surpreendente, com a qual não pudesse legitimamente contar), ou intolerável para a parte onerada com tal ónus, dentro do funcionamento equilibrado do sistema de justiça. Como assim, rejeita-se o recurso no que tange à impugnação da matéria fáctica. 
 VI. Dos Factos Vêm provados os seguintes factos (transcrição): 1) Na freguesia ..., concelho e distrito ... existe um prédio urbano constituído por uma casa de habitação composta de rés-do-chão com duas salas, um escritório, três casas de banho, um anexo com duas lojas e uma garagem, sito na Estrada Nacional n.º ..., ..., freguesia ..., deste Concelho ..., a confrontar do norte com UU, do sul e do poente com VV, do nascente com a estrada, inscrito sob o artigo ...06, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28 da dita freguesia e concelho. 2) O direito de propriedade sobre este prédio encontra-se registado a favor de RR e mulher SS pela apresentação 56 de 1999/12/14 na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ..., tendo como causa a partilha e como sujeito passivo NN, filho daqueles. 3) O prédio adveio a RR e a SS, por inventário obrigatório a que se procedeu por óbito de seu filho, NN, que correu seus termos no Tribunal Judicial de Viseu no 2º Juízo Cível, 2ª Secção com o n.º 22/1987 e encontra-se identificado na verba nº 116 da “Descrição de Bens”. 4) NN faleceu no dia ../../1986, no estado de solteiro, deixando como herdeiros os seus ascendentes, RR e SS, e testamento no qual deixou o usufruto de todos os seus bens a favor de TT. 5) No dia ../../1997 faleceu SS, no estado de casada com RR. 6) No dia ../../2002 faleceu RR, no estado de viúvo de SS. 7) Os únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de SS e RR são os autores BB, DD, FF, HH, JJ, LL, MM, NN e PP. 8) Há mais de 30, 40, 50 anos por si e seus antepossuidores os autores usam e usufruem o dito prédio, retirando do mesmo todas as utilidades de que é suscetível. 9) Conservando-o, vigiando-o, praticando nele todos os demais atos normais de proprietários e suportando os encargos correspondentes a tais atos, pagando os respetivos impostos. 10) À vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de uma forma ininterrupta, de boa-fé, na convicção de que o prédio lhes pertence e que sobre ele sempre exerceram os poderes correspondentes ao direito de propriedade. 11) Nunca ninguém questionou o direito de propriedade dos autores ou dos respetivos antecessores sobre o referido prédio. 12) Em l de março de 1988 TT, na qualidade de primeira outorgante e o Réu AA, na qualidade de segundo outorgante, celebram o escrito denominado de “contrato de arrendamento”, nos termos do qual acordaram que, a primeira outorgante cedia o uso do prédio identificado no ponto 1 da factualidade provada ao segundo outorgante para sua habitação, com início nesse mesmo dia, pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos, pela renda mensal inicial de 10.000$00, ou seja, € 50,00 (cinquenta euros). 13) Mais acordaram que o segundo outorgante fica autorizado a fazer obras e benfeitorias no prédio independentemente de autorização da primeira outorgante. 14) No dia 22 de março de 1994, TT declarou na “Acta de Conferência” que teve lugar no inventário por morte de NN (que correu seus termos no Tribunal Judicial de Viseu no 2º Juízo Cível, 2ª Secção com o n.º 22/1987) que renuncia ao direito de usufruto sobre todos os bens da herança. 15) No dia 7 de fevereiro de 2021 faleceu a dita usufrutuária, TT. 16) A Autora BB enviou uma carta registada com aviso de receção enviada ao Réu AA e a WW, registada nos CTT a 19.02.2021, a qual veio devolvida a 04.03.2021 por não ter sido reclamada. 17) A autora BB, na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de RR e mulher, remeteu ao Réu AA e a WW uma carta datada de 30 de junho de 2021, enviada em correio registado com aviso de receção, a qual veio devolvida a por não ter sido reclamada junto dos serviços postais, com o seguinte teor: “Na qualidade de cabeça de casal da herança deixada por RR e mulher SS e da qual faz parte uma casa de habitação, composta de rés-do-chão com duas salas, um escritório, três casas de banho, um anexo com duas lojas e uma garagem, sita na Estrada Nacional n.º ..., ..., freguesia ..., deste Concelho ..., a confrontar de norte com UU, do sul com VV, do nascente com a estrada, inscrita sob o artigo ...06, descrita na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28 da dita freguesia e concelho, de que V.ªs Ex.ªs são arrendatários, vimos informar que no passado dia 7 de fevereiro de 2021 faleceu a Senhora TT, conforme cópia da certidão de óbito que se junta. TT celebrou em 01-03-1988 com V.ªs Ex.ªs o contrato de arrendamento relativo ao prédio anteriormente identificado, na qualidade de usufrutuária e, à data detentora dos poderes de administração do mesmo. Nos termos do artigo 1476º n.º 1 alínea a) do Código Civil, o usufruto extingue-se por morte do usufrutuário. Consequentemente, nos termos do artigo 1051º alínea c) do Código Civil, o contrato de locação caduca porque findaram os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado. Acresce que, nos termos do artigo 1052º alínea b) do Código Civil o contrato de arrendamento caduca, verificando-se o termo normal do usufruto. A restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade (artigo 1053º do Código Civil), ou seja, seis meses após a morte da usufrutuária. Consequentemente, solicitamos desde já, que procedam à restituição do arrendado, devoluto de pessoas e bens, decorridos que sejam seis meses após a morte da usufrutuária, ou seja, após 7 de fevereiro de 2021. As chaves do arrendado devem ser entregues à cabeça de casal, ora signatária, devendo, para tanto, contactar o número de telemóvel ...38 para o efeito”. 18) Foi enviada nova missiva data de 3 de agosto de 2021 com o mesmo teor, tendo igualmente sido devolvida por não ter sido reclamada junto dos serviços postais. 19) II, enviou uma missiva datada de 17 de junho de 2013, ao Réu AA, que a recebeu, com o seguinte teor: “(…) Assunto: Contrato de Arrendamento O signatário II é cabeça de casal da herança indivisa por óbito de seus pais RR e SS. Conforme resulta da escritura de habilitação de 30 de Novembro de 1999 celebrada no Cartório Notarial ... (…) os autores da herança não fizeram testamento ou qualquer outra disposição de última vontade e como únicos herdeiros sucederam-lhe sete filhos que igualmente subscrevem a presente comunicação, a saber: II casado com MM, BB casada com CC, DD casada com EE, FF casada GG, MM casada com II, JJ casada com KK e LL casado com MM. De referida herança Indivisa faz parte integrante uma casa de habitação (…) descrita na Conservatória do Registo Predial ... com ...28 da fita freguesia e concelho. Os autores da herança adquiriram tal prédio urbano bem como todos os bens móveis que no mesmo se encontram e que estão relacionados sobre as verbas 4 a 114 no inventário facultativo por óbito de seu filho Dr. NN, que correu termos no Tribunal de Viseu no 2º Juízo, 2ª Seccão com o n.º 22/1987, (…). Acontece que o falecido Dr. NN deixou testamento no qual instituiu TT usufrutuária de todos os seus bens. Na qualidade de usufrutuária a referida TT deu de arrendamento a Vª Ex.ª prédio anteriormente identificado. bem assim como os anexos no fundo do terreno e recheio existente no mesmo. Tal arrendamento foi celebrado em 1 de Março de 1988, com inicio nesse mesmo dia, pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos de tempo. Conforme resulta da cópia certificada ora junta como documento 3 a referida TT renunciou ao usufruto através de declaração expressa na conferência conforme consta da ata que consta a fls. 527 e 528 do doc. 3 ora junto. Desta forma e face ao exposto, solicita-se que o valor mensal das rendas vencidas a partir do recebimento da presente comunicação, seja depositado na conta com & NIB: ...59 da Banco 1... Com os melhores cumprimentos, (…)”. 20) II entregou, a 15.10.2013, em mão ao réu AA uma missiva com o seguinte teor: “(…) Assunto: Atualização de Renda nos termos do artigo 30º da Lei n. 31/2012 14 de Agosto Exmos Senhores. Na qualidade de senhorios casa de habitação composta (…) vimos notificar V.'s Ex.'s, nos termos do artigo 30º da Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, da transição do contrato de arrendamento para o NRAU e da atualização da renda que atualmente e com referência ao mês Julho de 2013 é de € 50,87 (cinquenta euros e oitenta e sete cêntimos). Assim, propomos: 1. Valor da renda futura: € 513,00 (quinhentos e treze euros); 2. Tipo de Contrato: Contrato com prazo certo; 3. Duração do Contrato: 5 (cinco) anos.(…)” 21) O Réu AA opôs-se ao teor da proposta contida na missiva referida no ponto 19, e, em consequência, 22) II enviou ao Réu nova missiva datada de 3 de dezembro de 2013, com o seguinte teor: “(…) Acuso a receção da V/carta na qual consta que o rendimento anual bruto (RABC) do V/agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas (RMNA) e ainda ter idade superior a 65 anos. Face ao exposto e aplicando os critérios legais previstos no artigo 35° n. 2 alínea c) e ii) e n.º 3 da Lei 31/2012 de 14 de Agosto o valor da renda mensal passará a ser de €176.90 (cento e setenta e seis euros e noventa cêntimos), valor este que é devido no primeiro dia do segundo més seguinte ao da receção da presente comunicação. De harmonia com o disposto na Lei, o valor da renda acima referido vigora por um período de cinco anos. (…) Findo o período de cinco anos, os signatários na qualidade de senhorios podem promover a transição do contrato para o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano). (…)” 23) Desde então a renda vem sendo paga através de depósito em conta no IBAN indicado e comunicado pelos Autores. 24) Os Autores não ignoram os factos descritos no ponto 19, 20, 21, 22 e 23. 25) O Réu AA procedeu à substituição da canalização de água em todo o prédio. 26) Procedeu a várias pinturas do imóvel, nas paredes, corredores e tetos. 27) Substituiu os móveis da cozinha e de casas de banho, com colocação de novas bancas, tampos de granito, pias e torneiras e adaptação da tubulação de água e colocação de novo aquecedor a gás. 28) Por conta dos factos descritos no ponto 25, 26 e 27, o Réu despendeu do montante total de €47 700,00 – quarenta e sete mil e setecentos euros. 
 Factos não provados (transcrição): 1) A missiva referida no ponto 16 da factualidade provada continha a informação do falecimento de TT e, consequentemente, da caducidade do contrato de arrendamento, solicitando a restituição do arrendado devoluto de pessoas e bens decorridos que fossem seis meses após a morte desta. 2) O facto descrito no ponto 25 da factualidade provada ocorreu por apodrecimento da canalização existente. 3) O Réu reformulou e substituiu a canalização dos esgotos e reforçou os alicerces. 4) O Réu procedeu ao arranjo e substituição do chão do prédio que ficou danificado com a rotura das canalizações, substituindo mosaicos em todo o prédio e procedeu à aplicação de massa acrílica. 5) Substituiu todos os móveis que existiam na cozinha e nas três casas de banho porque estes estavam deteriorados. 6) Realizou “obras” de modo a escoar a água da chuva que se acumulava nos fundos do terreno do prédio, em virtude de este fazer um ligeiro declive. 
 VII. Do Direito Estando definitivamente adquirida a factualidade, impõe-se aquilatar das objecções opostas pelo R., iniciando-se com o pressuposto processual da legitimidade, legalmente configurada como excepção dilatória que leva à absolvição da instância (arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e), e 578.º, todos do Código de Processo Civil). No tocante à ilegitimidade activa, os Recorridos sustentam que se trata de matéria nova, cujo conhecimento está vedado neste âmbito. É consabido que os recursos se destinam à reapreciação do decidido e não incidem sobre matéria sobre a qual não tenha sido pedida a intervenção do Tribunal recorrido, ou sobre a qual esse Tribunal não tivesse que se ter pronunciado. Aduzem os Recorridos que aquando da apresentação da Contestação, o Recorrente não suscitou a excepção quanto àqueles, mas tão-só na parte que a si próprio respeitava (ilegitimidade passiva), daí que o Despacho Saneador contenha uma referência tabelar sobre a legitimidade activa e se tenha debruçado sobre o lado passivo da lide. Esta mera referência genérica não forma caso julgado formal, o que implica que a questão possa ser levantada neste momento processual e o Tribunal pode dela conhecer quando não tenha havido uma pronúncia concreta e específica sobre a mesma. «O caso julgado formal reporta-se aos despachos recorríveis relativos a questões de carácter processual, só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, é uma exigência do conceito de processo, enquanto conjunto encadeado de atos, bem como da necessidade da estabilização de tais actos do mesmo decorrentes, essencial à realização das finalidades desse processo.»[8]. Se «A questão de legitimidade é simplesmente uma questão de posição quanto a relação jurídica substancial.»[9], então a ilegitimidade de qualquer das partes só se verifica quando em juízo não se encontrem os titulares da relação jurídica material controvertida – art. 30.º do Código de Processo Civil[10]. Na herança indivisa (ou impartilhada) está-se perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários, mas apenas titulares em comunhão de tal património[11]. Atentos os pedidos e a causa de pedir elencados pelos Recorridos e a determinação do art. 2091.º, n.º 1, do Código Civil[12], é inequívoca a sua legitimidade ad causam, configurando um caso de litisconsórcio necessário (arts. 33.º e 35.º, 1.ª parte, ambos do Código de Processo Civil). Ensinava Alberto dos Reis que «O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material. Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos na presença de um caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se julgar o caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm que figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção»[13]. Relativamente à excepção de ilegitimidade, por suposta preterição de litisconsórcio necessário passivo, o Tribunal a quo conheceu-a extensamente, julgando-a improcedente. Tal decisão, acaso tivesse transitado em julgado, impediria que essa questão fosse agora objecto de nova apreciação, traduzindo-se num limite objectivo da decisão final. Com efeito, extrai-se das disposições combinadas dos arts. 595.º, n.º 3, e 620.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, que o Despacho Saneador que aprecie concretamente uma excepção dilatória, ganha força de caso julgado formal logo que ocorra o trânsito em julgado. Não obstante, como esta decisão não se subsume a nenhuma das hipóteses prevenidas no art. 644.º, n.ºs 1 e 2, que contém as denominadas apelações autónomas, é passível de ser impugnada a final (no recurso da Sentença). Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, em linha com o art. 33.º, não é caso de litisconsórcio necessário passivo, posto que o contrato foi outorgado consigo (facto provado n.º 12), nem a lei nem o negócio, nem ainda a relação jurídica, demandam a presença de outrem, e não há mais nenhum interessado em face do decesso da sua cônjuge (que remonta a momento temporal muito anterior à instauração desta acção, não sendo equacionável o art. 34.º, n.ºs 1 e 3). Destarte, improcede a excepção, tanto do lado activo, como do lado passivo. 
 No plano substancial surge, em primeiro plano, a problemática do enquadramento jurídico deste contrato de arrendamento, entre o Decreto-Lei n.º 321-B/1990, de 15 de Outubro (Regime do Arrendamento Urbano), ou a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (Novo Regime do Arrendamento Urbano), que operou a revogação do primeiro diploma, segundo se alcança do seu art. 60.º, n.º 1. Na perspectiva do Recorrente o contrato é regido pelo Regime do Arrendamento Urbano, não tendo transitado para o Novo Regime, e foi desconsiderado o regime transitório deste constante, contrapondo os Recorridos que a caducidade do contrato de arrendamento não se mostra excepcionada pelos arts. 26.º e 28.º, donde as questões suscitadas nos autos têm de ser vistas à luz deste Novo Regime. O Tribunal a quo raciocinou deste modo, acolhendo a tese dos Recorridos: «Como questão prévia à apreciação das enunciadas questões, urge esclarecer que a cessação do contrato de arrendamento em causa nos autos se encontra sujeita ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (doravante designado por NRAU), introduzido pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. O NRAU entrou em vigor a 28 de junho de 2006, sendo aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias, nos termos do disposto no artigo 59º, n.º 1 e 65º da referida Lei n.º 6/2006. O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado a 1 de março de 1988, por TT, na qualidade de usufrutuária, e o Réu AA. A usufrutuária veio a falecer a 7 de fevereiro de 2021, já na vigência do NRAU. Assim, e uma vez que a caducidade do contrato de arrendamento não se mostra excecionada pelos artigos 26º e 28º (que criaram um regime transitório para determinadas matérias), as presentes questões serão apreciadas à luz do regime do NRAU.». Rememorando, do facto provado n.º 12 resulta que a celebração deste contrato remonta a 1 de Março de 1988, mantendo-se vigente aquando da revogação do Regime do Arrendamento Urbano, por parte do Novo Regime do Arrendamento Urbano. Este foi publicado a 27 de Fevereiro de 2006, constando do seu art. 59.º, n.º 1, que «O NRAU aplica-se …. às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.», e do art. 65.º, n.º 2, quanto à sua entrada em vigor, que «As restantes disposições entram em vigor 120 dias após a sua publicação.». No que às normas transitórias se reporta, regem os arts. 26.º («Contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro»), 27.º e 28.º («Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro»), sendo que esta última disposição, seu n.º 1[14], manda aplicar o disposto pelo art. 26.º[15]. Também deste art. 28.º se retira a aplicação do art. 31.º, em cujo n.º 10 expressamente se lê que «Caso o arrendatário aceite o valor da renda proposto pelo senhorio, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção da resposta: a) De acordo com o tipo e a duração acordados; b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.». Volvendo aos factos provados (n.ºs 19 a 23), nada estando excepcionado, tem-se como aplicável ao caso em exame o Novo Regime do Arrendamento Urbano. 
 A coberto de uma singela e nada densificada alegação de inconstitucionalidade (cf. al. «h)- A decisão recorrida viola princípios constitucionais, como a proteção da confiança e a segurança jurídica, ao aplicar retroativamente dispositivos legais que não regem a matéria em discussão;»), parece que o Recorrente visa a declaração de inconstitucionalidade material e formal quanto ao art. 57.º, n.º 1, als. d) e e)[16], do Novo Regime do Arrendamento Urbano, por atentar contra os princípios da igualdade, da protecção da confiança, da segurança jurídica, do direito à habitação, dos direitos adquiridos e da irretroactividade da lei. Seja perante os documentos, seja em atenção aos factos apurados, não se descortina em que medida é que a norma citada pelo Recorrente assuma importância nesta acção. Igualmente não se detecta – nem o Recorrente o explica – qual é a medida da afectação dos seus direitos (adquiridos) que ficam postos em causa com a aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, ou em que é que se corporiza a interpretação da decisão recorrida e a aplicação retroactiva da lei que belisca, entre outros, o seu direito à habitação (art. 65.º da Constituição da República Portuguesa). Em suma, perante uma invocação imprecisa, só é possível afirmar-se que não se antevê que tenha havido desrespeito de direitos com inscrição constitucional. 
 Seguidamente deve deixar-se bem claro que a renúncia ao usufruto, formalizada em Março de 1994 (facto provado n.º 14), como acto abdicativo, é ope legis, uma causa de extinção do direito de usufruto (art. 1476.º, n.ºs 1, al. e), e 2, do Código Civil), a qual, através do fenómeno da expansão de direito em paralelo comprimido (direito de propriedade), irá consolidar a propriedade plena no nu proprietário, que passa a ter o uso e gozo totais do bem, in casu, os Recorridos. Aqui chegados vinca-se que a renúncia ao usufruto não conduziu à caducidade deste contrato de arrendamento, por expressa ressalva dos arts. 1051.º e 1052.º, al. b), ambos do Código Civil, que só iria caducar, conforme dimana deste último preceito, «…pelo termo normal do usufruto.». É o óbito da que fôra usufrutuária, ocorrido em Fevereiro de 2021 (facto provado n.º 15), consubstanciando também uma causa nominada e automática de extinção do usufruto [arts. 1443.º e 1476.º, n.º 1, al. a)], que leva à caducidade do contrato (arts. 1051.º, al. c), e 1052.º, al. b), parte final), desatendendo-se, portanto, a alegação do Recorrente sobre a irrelevância do seu decesso e a constituição de uma nova relação locatícia com os aqui Recorridos. Voltando aos factos adquiridos na acção, a conduta dos Recorridos, ao actualizarem e cobrarem a renda, não equivale à feitura ou ao reconhecimento de um novo contrato de arrendamento, mas, atendendo à renúncia ao usufruto, não mais cabia à usufrutuária (arts. 1439.º, 1445.º e 1446.º), o recebimento da contrapartida monetária pela fruição do bem imóvel pelo Recorrente [art. 1038.º, al. a)], mas sim aos primeiros. 
 O Recorrente prossegue com a alegação que as notificações através das quais os Recorridos lhe deram conta do decesso, da caducidade e da sua intenção de reaverem o bem imóvel arrendado, são-lhe inoponíveis, por ineficazes, com comprometimento irremediável do princípio do contraditório. Sem razão, adiante-se. A despeito do facto não provado n.º 1, por remissão para o facto provado n.º 16, da análise do acervo documental e dos factos provados n.ºs 17 e 18, é seguro que a 1.ª Recorrida, na sua especial qualidade de cabeça de casal, remeteu ao Recorrente, por duas vezes temporalmente distintas e por via postal registada, cartas com aquelas menções, para a morada deste, correctamente mencionada, e que não chegaram ao seu conhecimento apenas porque o mesmo não as levantou dos serviços postais. O Estado de direito democrático e o direito fundamental de acesso aos Tribunais co-envolvem e exigem o processo equitativo – cf. art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[17], 2.º, 8.º, n.º 2, e 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e 3.º do Código de Processo Civil. Aqui se integra a garantia dos direitos de defesa, cuja dimensão mais impressiva é a do exercício do princípio do contraditório, implicando, desde logo, a proibição de indefesa, a qual consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe são respeitantes. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses[18]. A efectividade do direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo demandado do processo contra ele instaurado; o conhecimento, pelas partes, das decisões proferidas no processo; o conhecimento da conduta processual da parte contrária; a concessão de um prazo razoável para o exercício dos direitos de oposição e de resposta; e a eliminação ou atenuação de gravosas preclusões ou cominações, decorrentes de uma situação de revelia ou ausência de resposta à conduta processual da parte contrária, que se revelem manifestamente desproporcionadas[19]. A lei adjectiva não obriga o conhecimento por parte do destinatário, o que demanda é a comunicação registada, para o seu domicílio conhecido e efectivo, só dando relevância ao desconhecimento acaso tenha resultado de facto que não seja imputável àquele. O Recorrente não logrou demonstrar a existência de circunstâncias alheias à sua vontade, pelas quais não é responsável, e que teriam determinado que, sem culpa sua, não tivesse sabido dessa notificação, entre o mais, para a restituição do local arrendado. Sibi imputet. Invocou tal circunstância, mas não a logrou comprovar, enquanto que os Recorridos mostraram ter assegurado as garantias processualmente exigíveis. Improcede, desta feita, este fundamento recursivo. 
 Por último, o Recorrente pretende ser indemnizado, pelos Recorridos, do montante despendido em benfeitorias necessárias[20] para a habitabilidade do arrendado, sob oposição expressa da contraparte que impugnou, v.g., a sua realização; a classificação como úteis e necessárias; que tenham aumentado o valor do bem imóvel; que, a terem sido executadas, o foram em proveito próprio, aditando que o seu custo global é desproporcionado ao valor mensal da renda (Conclusões g) e 38.ª ss., respectivamente). A decisão em crise julgou improcedente o pedido reconvencional. Tratando-se de factos constitutivos do direito do Recorrente (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), sobre si impendia o ónus de prova. Está assente que: «25) O Réu … procedeu à substituição da canalização de água em todo o prédio. 26) Procedeu a várias pinturas do imóvel, nas paredes, corredores e tetos. 27) Substituiu os móveis da cozinha e de casas de banho, com colocação de novas bancas, tampos de granito, pias e torneiras e adaptação da tubulação de água e colocação de novo aquecedor a gás. 28) Por conta dos factos descritos no ponto 25, 26 e 27, o Réu despendeu do montante total de €47 700,00 – quarenta e sete mil e setecentos euros.». Tendo-se dado como não provado que: «2) O facto descrito no ponto 25 da factualidade provada ocorreu por apodrecimento da canalização existente. 3) O Réu reformulou e substituiu a canalização dos esgotos e reforçou os alicerces. 4) O Réu procedeu ao arranjo e substituição do chão do prédio que ficou danificado com a rotura das canalizações, substituindo mosaicos em todo o prédio e procedeu à aplicação de massa acrílica. 5) Substituiu todos os móveis que existiam na cozinha e nas três casas de banho porque estes estavam deteriorados. 6) Realizou “obras” de modo a escoar a água da chuva que se acumulava nos fundos do terreno do prédio, em virtude de este fazer um ligeiro declive.». Da conjugação dos factos provados e não provados emerge que, em data indeterminada, o Recorrente – contratualmente autorizado a fazer obras e benfeitorias no prédio independentemente de autorização da usufrutuária, no dizer do facto provado n.º 13 (art. 1074.º do Código Civil) –, efectuou obras no bem imóvel onde reside, ao nível da canalização (mas dando-se como não provado que tenha sido por apodrecimento da canalização existente), pintura, cozinha e casas de banho (dando-se como não provado que tenha sido porque, em ambos os casos, os respectivos móveis tivessem apodrecido), computadas em 47 700 € (quarenta e sete mil e setecentos euros), de que quer ser ressarcido. Relativamente ao dever de manutenção e restituição da coisa a que alude o art. 1043.º, n.º 1, decorre que «Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.» O Recorrente ali reside desde 1988, sendo expectável e da normalidade das situações de vida que, neste interregno, tivesse tido a necessidade de fazer reparações; todavia, não comprovou a sua indispensabilidade, isto é, que a habitabilidade do arrendado dependesse dessa realização. Ademais, não estando em causa benfeitorias voluptuárias, restam as úteis ou necessárias; contudo, não ficou demonstrado que aquelas obras tenham aumentado o valor do bem imóvel, nem que se tenham destinado a evitar a perda, destruição ou deterioração do mesmo, pressupostos ínsitos ao art. 216.º do Código Civil e alicerce da pretensão indemnizatória. 
 Perante o integral vencimento, o Apelante está adstrito ao pagamento das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil). 
 VIII. Decisão: Com os fundamentos invocados, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. O pagamento das custas processuais compete ao Apelante. Registe e notifique.   (assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) 
 [6] Cuja prolação ocorreu no Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, de 17-10-2023, uniformizando jurisprudência no sentido que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». [7] Por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1, de 06-06-2018, «I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste. II. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso.». Mais recentemente, no Proc. n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1, de 10-04-2024, indicou que «O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595/3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias.». Cf., Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa in, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, pp. 720/721; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, pp. 657/658, e Paulo Pimenta in, Processo Civil Declarativo, 2015, p. 253. [10] Manuel de Andrade in, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, p. 83, elucida que a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada. [11] Oliveira Ascensão in, Direito Civil - Sucessões, 4.ª Edição, pp. 511 ss. [12] Epigrafado Exercício de outros direitos: «1. Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.». [13] In, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, p. 95. [18] Gomes Canotilho e Vital Moreira in, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 164. [19] Lopes do Rego in, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, p. 17. |