Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/24.9T8CVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO
PRESTAÇÃO PARCIALMENTE IMPOSSÍVEL
PEDIDOS ALTERNATIVOS
PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS
INCOMPATIBILIDADE DOS PEDIDOS
COLIGAÇÃO PASSIVA SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – COVILHÃ – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 543.º, 808.º, N.º 1, 802.º, N.º1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 36.º, N.º 1 E 2, 37.º, N.º 1, 39.º, 553.º, Nº 1, 554.º N.º 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Estabelecendo o art. 553º, nº 1, do NCPC, que é permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa, é nomeadamente alternativo o direito de crédito a uma prestação alternativa, nos termos do art. 543º, nº 1, do CC, ou resolve-se em alternativa quando o credor pode, em caso de incumprimento do devedor, optar por uma das soluções que a lei lhe apresenta em alternativa, como o caso da opção do credor entre insistir pelo cumprimento e resolver o contrato depois de passado prazo razoável (do art. 808ºº, nº 1, do CC) ou quando a prestação se torna parcialmente impossível (art. 802º, nº 1, do CC);

2. E só a alternatividade real pode dar lugar a pedido alternativo, não a alternativa aparente, isto é a situação em que o autor formula dois ou mais pedidos, reconhecendo que só um é substantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito, pois a alternativa aparente só é possível sob a forma de subsidiariedade, tendo o autor de escolher aquele de, entre os pedidos, que quer deduzir a título principal, passando o restante ou restantes a pedidos subsidiários;

3. No nosso caso isso verifica-se que a A. sabe que só um do seu grupo de pedidos é substantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito; invoca uma causa de pedir e formula pedidos em relação aos 1º a 3º RR que é/são diferente(s) da causa de pedir e pedidos deduzidos contra o 4º R., em lado algum se constatando ou concluindo que os direitos invocados são por sua natureza ou origem alternativos ou se resolvem alternativamente;

4. Estatui o art. 554º, nº 1, do NCPC, que podem formular-se pedidos subsidiários, que é aquele que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior, enquanto que, no caso da alternatividade prevista no art. 553º as pretensões se equivalem juridicamente, no caso da subsidiariedade há uma graduação das pretensões do autor, graduação essa que não tem de obedecer a uma prevalência substantiva: o autor, ordena o pedido principal e o pedido subsidiário como muito bem lhe aprouver;

5. Nada impedindo até que o autor deduza pedido principal e subsidiário incompatíveis (art. 554º, nº 2, do NCP, salvo os casos contados, previstos na lei processual no art. 37º, nº 1);

6. Se o A. sabe que só um do seu grupo de 2 pedidos é substantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito, e, para isso, graduou-os como muito bem entendeu, estamos perante pedidos subsidiários;

7. Em quarto lugar, como é pacífico e evidente estamos defronte uma coligação passiva, prevista no art. 36º, nº 1 e 2, do NCPC, para pedidos e causas de pedir diferentes;

8. Verificamos que a A. demanda vários R., por pedidos diferentes, o que nos termos do nº 1 é possível quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência ou prejudicialidade;

9. Um pedido é dependente de outro quando, para ele ser julgado procedente, é indispensável que o seja o principal, enquanto na prejudicialidade, a procedência do pedido subordinado depende da improcedência do pedido principal prejudicial;

10. É o nosso caso, pois o pedido da A. contra o 4º R. vai depender da improcedência do seu pedido deduzido contra os 1º a 3º RR, pelo que em princípio ou abstracto, face ao disposto na 2ª parte de tal art. 36º, nº 1, será possível a coligação passiva na presente acção;

11. A especialidade da presente acção, é a de, na coligação de RR, a A. ter introduzido um pedido subsidiário, o que a lei consente (art. 39º do NCPC), coligação subsidiária que está sujeita aos requisitos gerais da coligação (arts. 30º e 31º), mas tal como em qualquer outro caso de pedido subsidiário, não requer a compatibilidade substantiva entre este e o pedido deduzido a título principal;

12. No referido art. 39º prevê-se a dedução de pedido subsidiário, contra réu diverso do que é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, que corresponde à figura da coligação subsidiária;

13. A expressão o sujeito da relação controvertida não se limita a exigir uma univocidade respeitante à relação material controvertida ou uma mesma relação material controvertida, pois a lei o que prevê é uma previsão mais alargada;

14. No nosso caso a A. não formula pedidos contra os 1º a 3º RR e o 4º R no âmbito da mesma relação jurídica, bem diferentemente invoca causas de pedir diversas, respectivamente nulidade da venda e responsabilidade civil por factos ilícitos, e não visa a mesma pretensão, bem diferentemente, pede respectivamente a declaração dessa nulidade e respectivas consequências e indemnização civil, com base na dúvida fundada sobre qual o sujeito das 2 diferentes relações jurídicas controvertidas que expôs na p.i.; mas duas relações jurídicas ligadas entre si por a existência de uma depender da inexistência da outra.

15. Por conseguinte, no nosso caso a lei permite a coligação passiva subsidiária.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *
I – Relatório


1. A... Lda., com sede na ..., instaurou acção declarativa contra AA, residente na ..., BB, residente na ..., CC, residente em ... e contra Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ..., com domicilio na ..., pedindo sejam os 1º a 3º RR vendedores condenados a:
a) Reconhecerem que as árvores por si vendidas à A. através dos contratos de compra e venda celebrados em 3/07/2022 e referidos em 2 deste articulado, lhes não pertenciam e, consequentemente,
b) Ver declarada a nulidade de tais contratos e do negócio que os mesmos titulavam;
c) Devolver à A. a quantia que em virtude de tal negócio receberam, correspondente ao preço da venda efectuada, ou seja o valor de 15.000 €;
d) Pagarem à A. as despesas efectuadas com vista à execução do corte das árvores que não se efectuou, nomeadamente a deslocação de funcionários e maquinaria pesada, no montante de 2.480 €;
e) Pagarem à A. a titulo de lucros cessantes a quantia de 3.000 €.
Ou, em alternativa, caso os RR vendedores venham a demonstrar que as árvores vendidas são de sua propriedade, ser o R. Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de ..., condenado a:
f) Reconhecer que indevidamente e sem justificação obstaculizaram e impediram totalmente à A. o corte das árvores por aquela adquiridas aos primeiros RR, através dos contratos identificados em 2 deste articulado;
g) Reconhecer que essa sua conduta ilícita causou elevados prejuízos à A., cujo ressarcimento é da sua exclusiva responsabilidade e, consequentemente
h) Pagar à A. a quantia de 10.000 € equivalente à desvalorização que desde a data em que a A. pretendeu cortar as árvores e foi impedida, até ao presente, valor esse a ser actualizado à data da prolação da competente sentença:
i) Pagar a titulo de despesas efectuadas com vista à execução do corte das árvores que não se efectuou, nomeadamente a deslocação de funcionários e maquinaria pesada, no montante de 2.480,00€;
j) Pagar à A. a titulo de lucros cessantes a quantia de 3.000 €.
Alegou, em síntese, que adquiriu conjuntamente aos 1º a 3º RR as árvores existentes nos prédios de que os mesmos se arrogaram legítimos titulares pelo preço global de 15.000 €, tendo o 4o R. se oposto à execução de qualquer corte de árvores pela A., pois as mesmas não pertenciam aos 1º a 3º RR, mas sim aos Baldios, ignorando, porém, a quem os prédios em causa pertencem, se aos vendedores das arvores ora RR, ou se ao Baldio que igualmente se diz dono dos mesmos. Sabe, contudo, que se encontra prejudicada, no referido montante, pois está impedida de abater e negociar as árvores, por parte do 4º R., a que acresce as despesas com deslocação de máquinas e pessoal para o local a fim de proceder ao corte das árvores adquiridas, despesas essas que se computam em 2.480 €, a que acresce também o indicado valor dos lucros cessantes, já que os RR vendedores se recusam a devolver o preço que receberam e recusando-se o 4º R. a permitir o corte das mesmas, que entretanto arderam num fogo e agora têm um valor residual de 5.000 €, com a quotidiana desvalorização. Se for verdadeira a posição do 4º R. então os RR vendedores fizeram uma venda alheia, que é nula (art. 892º do CC), e importa declarar, mais as suas consequências legais, mas por outro lado caso se demonstre que as árvores vendidas pelos 1º a 3º RR a eles pertenciam recai sobre o 4º R. a obrigação de indemnizar a A., pelos prejuízos que para esta resultaram do facto de lhe haver impedido o acesso aos prédios e o corte das árvores objecto do negocio, impedimento esse que se consubstancia na prática por tal R. de um facto ilícito que o faz incorrer na obrigação de indemnizar pelos prejuízos que com a sua conduta causou.
O 4º R. contestou, pedindo a sua absolvição dos pedidos.
O 1º R. contestou, e, além de dizer que as árvores vendidas não pertenciam ao 4º R., invocou a inadmissibilidade da dedução de pedidos alternativos com coligação de réus, com alternatividade também de causas de pedir. Ou seja, a causa de pedir que a A. aponta contra os RR vendedores é a nulidade contratual resultante da compra e venda celebrada, acrescida da restituição do indevido e um pedido de indemnização adicional por despesas inúteis e lucros cessantes, assim como respectivos factos constituintes, e, por seu turno, a causa de pedir que dirige contra o 4º R. assenta na responsabilidade civil pela prática de actos ilícitos, e na consequente obrigação, do respectivo agente, de indemnizar pelos concomitantes prejuízos, e respectivos factos constituintes. Tal configuração processual viola, não só o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 36º do NCPC, como também o disposto no nº 1 do seu art. 553º, pelo que os RR devem ser absolvidos da instância.
O 2º R. contestou, alegando que as árvores vendidas não pertenciam ao 4º R., e pediu a sua absolvição dos pedidos.
O 3º R. contestou, e também invocou a inadmissibilidade da dedução de pedidos alternativos com coligação de réus, pelas mesmas razões jurídicas das invocadas pelo 1º R., além de afirmar que as árvores vendidas não pertencem ao 4º R., pedindo a sua absolvição da instância.
A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção invocada pelo 1º e 3º RR.
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Foi proferida decisão que absolveu da instância a R. Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de ....
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2. O 1º R. AA recorreu concluindo que:
A) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor da PI dos autos, designadamente o articulado em 15º, e 27º a 39º da mesma, assim como o respectivo petitório; dá-se também por reproduzido o articulado em 5º a 11º da contestação do R. ora recorrente, assim como o respectivo petitório;
B) Em sede de conhecimento de questão prévia, veio a Mmª Juiz a quo pronunciar-se no douto Despacho Saneador, nos seguintes termos:
“(… Reprodução de texto)”
C) Assim, objecto do presente recurso é precisamente a Douta Decisão, transcrita no ponto anterior, de fixar que existe uma relação de subsidiariedade de pedidos, e não da sua alternatividade, assim prosseguindo a instância, mas apenas em relação a um dos grupos de RR., ao invés de a declarar inteiramente extinta, como era pretendido pelo Co-R. ora recorrente, assim como a restante matéria decidida no Douto Despacho, saneador, na medida em que pressupõe a prossecução dessa instância.
D) Muito embora a douta decisão de que se recorre se afirme de deferimento, não o é realmente, já que, tendo o Co-R. ora recorrente deduzido a extinção da instância, tal foi implicitamente indeferido pela Mmª Juiz a quo, quando esta ordenou o seu prosseguimento;
Não prevendo actual Lei Processual Civil não prevê a relevância da decisão implícita (razão porque em princípio o Douto Despacho, não formaria, caso julgado quanto à não fixação da deduzida extinção de instância), há no entanto que atentar ao facto de o julgamento implícito em causa ter conduzido ao prosseguimento da instância, quando, pelo menos sob o ponto do vista do Co-R. ora recorrente, esta deveria ter sido extinta (Neste sentido, entre outros, Douto Ac. do TRC de 08.11.2016, proferido no Procº 170/14.0TBCTB-A.C1 –Relator Exmº Senhor Desembargador Jorge Arcanjo- (in www.dgsi.pt )
E) Em circunstâncias, como a vertente, em que, aparentemente deferinda a pretensão deduzia a título principal, esta não o foi efectivamente, ao proferir despacho sobre matéria que não consubstancia qualquer cumulação aparente de pedidos, e sem que desde logo formalize e fundamente cabalmente posição de forma expressa, quer essa decisão implícita, quer a decisão expressa que venha a formar a esse respeito deve ser livremente recorrível, por força do disposto no artº 631º/1 do CPCivil, tendo para isso legitimidade e interesse em agir, como imposto nos nºs 2 e 3 do seu artº 30º, o que expressamente se invoca;
F)- A A. configurou a causa de pedir numa relação de alternatividade., já que não tomou nos articulados qualquer posição quanto a quem entende serem os responsáveis pelos prejuízos que sofreu, ou seja, quem são os efectivos proprietários dos terrenos onde se encontram os pinheiros que adquiriram aos Co-RR. vendedores, desonerando-se de assumir qualquer posição sobre esse direito, assumindo expressamente que deverão ser os os RR. -Baldios por um lado e Vendedores pelo outro- quem se devem degladiar em juízo na produção da prova de quem efectivamente é esse proprietário, não concretizando o seu efectivo proprietário são o R. Associação de Baldios, para que se possa concluir que o pedido que deduzem contra este tenha natureza meramente subsidiária.
G)- A A. configurou o seu petitório por forma que deduziu pedidos a que expressamente conferiu alternatividade, em consonância com a feição que deu ao seu articulado;
H) Para que existisse uma relação de subsidiariedade na causa de pedir invocada, por forma a substanciar um pedido subsidiário, a A., ainda e sempre salvo o devido respeito e melhor opinião, deveria ter articulado factos que pressupõem que os RR. vendedores não são proprietários dos terrenos em causa e, logo, ao vender venderam coisa alheia, não tendo, porém, tomado qualquer posição a esse respeito, reconhecendo que não sabe quem é o efectivo proprietário, mas que, seja quem este, algum deles tem que a indemnizar, como se se colocasse fora da lide, nas bancadas, e atirasse os RR. para a arena, cometendo-lhes o fardo da prova e contra-prova.
I) Nessa medida, ao interpretar o pedido deduzido pela A. como pedido subsidiário – e não alternativo-, assim ordenando a prossecução da instância quanto aos RR. vendedores, e não a sua plena extinção, violou, o douto despacho recorrido, o disposto nos artº 553º/1, 555º/1 e 186º/1, e 2, al c), todos do Código de Processo Civil, sendo que se impunha decisão diversa, a de decretar a extinção da instância em relação a todos os RR. ou, pelo menos, ordenar a correcção da petição inicial, o que não sucedeu. Assim, deve a douta Decisão Recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que assim o fixe, o que desde já expressamente se requer.
Subsidiariamente,
Sem conceder, por mera cautela e dever de ofício, e a mero título subsidiário, apenas caso Vªs Exªs entendam não ser procedente o fundamento de recurso deduzido a título principal, sempre haveria a invocar o seguinte
J) Ainda entendendo (o que se não aceita) que os pedidos deduzidos pela A. têm entre si uma relação de subsidiariedade, certo é que a A. não articula na sua PI factos nos quais defenda que os RR.-Vendedores não são os proprietários dos terrenos onde se situa a madeira que lhe venderam, ou, melhor dizendo, que a Associação de Baldios seja a sua proprietária, verificando-se, pois, um vício de insuficiência notória da causa de pedir ou, melhor dizendo, nos factos que nela são articulados, quanto ao pedido ali formulado (V., entre outros, o Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 17.06.2021, proferido no processo 112/20.4T8TNV-E1 (Relator Exmº Senhor Desembargador Tomé de Carvalho), disponível em www.dgsi.pt )
L) Nessa medida, ao interpretar o pedido deduzido pela A. como pedido subsidiário, desconsiderando a contradição entre pedido e causa de pedir daí resultantes, assim ordenando a prossecução da instância quanto aos RR. vendedores, e não a sua plena extinção, violou, o douto despacho recorrido, o disposto nos artº 555º/1, e 186º/1, e 2, al b), ambos do Código de Processo Civil, sendo certo que se impunha decisão diversa, a de decretar a extinção da instância em relação a todos os RR. ou, pelo menos, ordenar a correcção da petição inicial, o que não sucedeu. Assim, deve a douta Decisão Recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que assim o fixe, o que desde já expressamente se requer, embora a título meramente subsidiário do deduzido na conclusão i).
Termos em que o R. Recorrente requer a Vªs Exªs, Senhores Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, dando provimento ao presente recurso, venham revogar o Douto Despacho agora recorrido, nos termos constantes das conclusões e, consequentemente, anular todo o processado que lhe foi subsequente, assim fazendo como é de Justiça
3. Inexistem contra-alegações.


II – Factos Provados


A factualidade provada é a que dimana do Relatório supra.


III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Absolvição da instância do R./recorrente (e outros 2 RR).

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:
Da inadmissibilidade de dedução de pedidos alternativos com coligação passiva
Os Réus AA e CC, em sede de contestação, vieram deduzir excepção de inadmissibilidade de dedução de pedidos alternativos com coligação passiva alegando, em suma, a incompatibilidade de pedidos em virtude de os efeitos jurídicos que a Autora pretende obter com os mesmos estarem, entre si, numa relação de contradição, o que acarreta a ineptidão da petição inicial.
Convidada a exercer o contraditório à matéria exceptiva em apreço a Autora pronunciou-se no sentido de inexistir qualquer vício quanto aos pedidos formulados, por serem compatíveis entre si.
Perpassada a petição inicial verifica-se que a Autora deduz pedidos, não alternativos, mas sim subsidiários: um primeiro conjunto de pedidos principais e outro conjunto de pedidos subsidiários aos primeiros; visto que, de acordo com a formulação da Autora, os pedidos de condenação da Ré Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ... apenas deverão ser tomados em linha de conta no caso de não procederem os pedidos de condenação dos Réus AA, BB e CC, como a própria indica no articulado (sendo que a distinção entre pedidos alternativos e subsidiários consiste, precisamente, no facto de nos primeiros, o réu tem a faculdade de escolher um deles, dada a equivalência das prestações pretendidas pelo autor, enquanto, nos segundos, a sua apreciação depende da improcedência do chamado pedido principal).
Nos termos do art. 554.º n.º 2 do C.P.Civil, a oposição entre pedidos não impede que os mesmos sejam deduzidos, desde que a isso não obstem as circunstâncias que impedem a coligação.
Nos termos do art. 37.º do mesmo diploma legal, inexistem obstáculos à coligação no que respeita à compatibilidade processual, que se verifica, já que seguem ambos os conjuntos de pedidos a mesma forma de processo.
No entanto, constata-se que cada um dos grupos de pedidos (principais e subsidiários) radicam em causas de pedir diferentes:
- o primeiro grupo de pedidos contra os Réus vendedores AA, BB e CC, tem como causa de pedir a compra e venda de bens alheios que comporta a nulidade do negócio – pedidos a serem considerados no caso de se provar que os Réus em causa venderam árvores que não lhes pertenciam (mas sim à Ré Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...);
- o segundo grupo de pedidos contra a Ré Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ..., tem como causa de pedir a responsabilidade civil extracontratual, reconduzindo a Autora a conduta desta Ré - ao obstaculizar o corte das árvores que não eram alegadamente suas, no caso de assim se provar - a uma actuação ilícita que comportou danos.
Assim vejamos,
Nos termos do art. 36.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, é admissível a coligação activa e/ou passiva relativamente ao mesmo pedido ou a pedidos diferentes, “quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência”, sendo a coligação permitida, ainda “quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas” – cfr. art. 36.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil.
Tratando-se de uma situação de subsidiariedade, convoca-se o art. 39.º do C.P.Civil que admite a dedução de um mesmo pedido ou pedido diverso por autor ou contra réu diverso do que aquele que demanda ou é demandado a título principal, nos casos em que exista dúvida fundada sobre os sujeitos que são titulares da relação material controvertida.
Porém, nestes casos em que há pluralidade subsidiária (activa ou passiva), ainda que a lei conceba a dedução do mesmo pedido ou de pedido subsidiário contra outro réu distinto, pressupõe-se existir uma univocidade no que respeita à relação material controvertida; tendo esta norma surgido para resolver tanto situações em que o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou no facto que serve de causa de pedir; como eventualidades em que o credor da pretensão ignora se é titular activo dela ou se é o único titular activo. Ou seja, o normativo está previsto para suprir uma situação de indefinição dos titulares de uma mesma relação material controvertida.
No caso concreto, a Autora, apesar de partir da mesma factualidade, formula um grupo de pedidos subsidiários, com causa de pedir subsidiária contra a segunda Ré, para a hipótese de improceder o primeiro grupo de pedidos que, com base noutra causa de pedir, formula contra os primeiros Réus a título principal.
Logo, conclui-se, assim, que a Autora apresenta no articulado da petição inicial um quadro subsidiário ao nível subjectivo e objectivo, porquanto configura uma relação material controvertida subsidiária à respeitante ao pedido principal, em desrespeito do sentido e teor da norma ínsita no referido art. 39.º do C.P.Civil.
A pluralidade subjectiva subsidiária fora dos casos previstos no art. 39.º constitui uma excepção dilatória, nos termos do art. 577.º al. g) do C.P.Civil, que conduz à absolvição do Réu da instância cfr. art. 278.º n.º 1 al. e) do mesmo diploma legal.
Assim, julga-se procedente, por provada da referida excepção dilatória, absolvendo-se a Ré Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de ... da instância.”.
O recorrente discorda, pelos motivos, constantes das suas conclusões de recurso – as A) a L). Mas não tem razão.
Expliquemos, por partes.
Em primeiro lugar, há que afastar logo o que o recorrente invoca, com a referência aos arts. 555º, sobre cumulação de pedidos, e 186º, nº 2, b) e c), sobre ineptidão da p.i. – cfr. as conclusões de recurso I) e L).
Há cumulação de pedidos no pedido contra os 1º a 3º RR, - entre os a) a e) acima indicados – e também há no pedido contra o 4º R. – entre os f) e j), acima indicados, mas como resulta cristalinamente do exposto/alegado e peticionado pela A. na p.i., quer naqueles, quer nestes, não se descortina minimamente, dentro do respectivo grupo, que o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou que se tivessem cumulado causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. Os respectivos pedidos das indicadas alíneas são lineares e as causas de pedir escorreitas e compreensíveis, não manifestando qualquer oposição ou incompatibilidade entre si. Nem o recorrente aponta ou especifica em concreto quais elas seriam.
Em segundo lugar, o que está verdadeiramente em jogo no recurso é saber se estamos perante pedidos alternativos, como alegou a A. na p.i., e também defende o recorrente, ou perante pedidos subsidiários.
A qualificação jurídica atribuída pelas partes não define a realidade das figuras jurídicas processuais, nem condiciona o juiz à sua aceitação (art. 5º, nº 3, do NCPC). Elas emergem, sim, do seu recorte adjectivo.
Neste campo, no art. 553º, nº 1, do NCPC, estabelece a lei que é permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa.
É nomeadamente alternativo o direito de crédito a uma prestação alternativa, nos termos do art. 543º, nº 1, do CC, pelo que enquanto não houver escolha (nº 2 do preceito e 569º desse código), o credor, se recorrer a juízo, deduzirá disjuntivamente, o pedido de condenação do devedor numa das duas prestações, sem a determinar (vide Lebre de Freitas, anterior CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 2. ao anterior 468º = ao actual art. 553º, pág. 256).
Por sua vez, o direito que o autor quer fazer valer resolve-se em alternativa quando o credor pode, em caso de incumprimento do devedor, optar por uma das soluções que a lei lhe apresenta em alternativa. É o caso da opção do credor entre insistir pelo cumprimento e resolver o contrato depois de passado prazo razoável (do art. 808ºº, nº 1, do CC) ou quando a prestação se torna parcialmente impossível (art. 802º, nº 1, do CC) – vide o mesmo autor e obra, nota 3., pág. 257.
E só a alternatividade real pode dar lugar a pedido alternativo, não a alternativa aparente, isto é a situação em que o autor formula dois ou mais pedidos, reconhecendo que só um é substantantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito. A alternativa aparente só é possível sob a forma de subsidiariedade, tendo o autor de escolher aquele de, entre os pedidos, que quer deduzir a título principal, passando o restante ou restantes a pedidos subsidiários (vide, outra vez, o mesmo autor e obra, na nota 6., pág. 258).  
Ora, no nosso caso nada disso se verifica, a A. sabe que só um do seu grupo de pedidos é substantantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito.
Invoca uma causa de pedir e formula pedidos em relação aos 1º a 3º RR que é/são diferente(s) da causa de pedir e pedidos deduzidos contra o 4º R., em lado algum se constatando ou concluindo que os direitos invocados são por sua natureza ou origem alternativos ou se resolvem alternativamente. É, pois, de afastar a alternatividade de pedidos invocada pela A. e defendida pelo R. apelante 
Em terceiro lugar, concorda-se com a fundamentação jurídica da sentença recorrida quando conclui estarmos perante pedidos subsidiários.            
Neste âmbito, estatui o art. 554º, nº 1, do NCPC, que podem formular-se pedidos subsidiários, que é aquele que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
Recorrendo outra vez ao mesmo autor e obra (nota 2. ao anterior art. 469º do CPC = ao actual art. 554º, pág. 259), o autor manifesta preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar (pedido principal) e, por isso, é este pedido que, em primeiro lugar, o tribunal vai analisar e ao qual vai dar resposta, só se debruçando sobre o pedido formulado em segundo lugar (pedido subsidiário) se concluir pela improcedência do primeiro.
Enquanto que, no caso da alternatividade prevista no art. 553º as pretensões se equivalem juridicamente, no caso da subsidiariedade há uma graduação das pretensões do autor, de tal modo que, mesmo quando ele próprio duvide sobre qual delas deve proceder, tem de as apresentar ao tribunal hierarquizadas. Essa graduação não tem de obedecer a uma prevalência substantiva: o autor, por estar incerto relativamente ao seu direito ou por admitir que o tribunal possa ter dúvidas quanto a ele, ordena o pedido principal e o pedido subsidiário como muito bem lhe aprouver.    
Nada impedindo até que o autor deduza pedido principal e subsidiário incompatíveis (art. 554º, nº 2, do NCP, salvo os casos contados, previstos na lei processual no art. 37º, nº 1, sobre os obstáculos que impedem a coligação e que agora não interessa cuidar).
Foi o que a A. fez. Sabe que só um do seu grupo de 2 pedidos é substantivamente procedente, e pede ao tribunal que atenda apenas um deles, porque só a um sabe ter direito. E, para isso, graduou-os como muito bem entendeu.
Estamos, pois, perante pedidos subsidiários.
Em quarto lugar, como é pacífico e evidente estamos defronte uma coligação passiva, prevista no art. 36º, nº 1 e 2, do NCPC, para pedidos e causas de pedir diferentes.
Afastando as três hipóteses contempladas no aludido nº 2, que nem a 1ª instância considerou na sua fundamentação jurídica, nem o apelante as invoca, e nós reconhecemos não ocorrerem, verificamos que a A. demanda vários R., por pedidos diferentes, o que nos termos do nº 1 é possível quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência ou prejudicialidade.
Um pedido é dependente de outro quando, para ele ser julgado procedente, é indispensável que o seja o principal. Como é patente, a procedência dos pedidos contra o 4º R. não depende da procedência contra os 1º a 3º RR. Portanto, não há dependência entre os pedidos.
Ao contrário, na prejudicialidade, a procedência do pedido subordinado depende da improcedência do pedido principal prejudicial. É o nosso caso, pois o pedido da A. contra o 4º R. vai depender da improcedência do seu pedido deduzido contra os 1º a 3º RR.
Em princípio ou abstracto, seria, assim, face ao disposto na 2ª parte de tal art. 36º, nº 1, possível a coligação passiva na presente acção.    
Em quinto lugar, a presente acção apresenta a especialidade de na coligação de réus a A. ter introduzido um pedido subsidiário, o que a lei consente no art. 39º do NCPC, coligação subsidiária que está sujeita aos requisitos gerais da coligação (arts. 30º e 31º), mas tal como em qualquer outro caso de pedido subsidiário, não requer a compatibilidade substantiva entre este e o pedido deduzido a título principal (vide, de novo, o autor e obra citada, nota 5. ao anterior artigo 469º = ao actual art. 554, pág. 260, e nota 3. ao anterior art. 31º-B = ao actual art. 39, pág. 71, mas neste último caso, no Vol. 1ª, 2ª Ed.).  
Debruçando-nos agora sob o referido art. 39º, aí se preceitua que é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, contra réu diverso do que é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
A 1ª parte do preceito consagra a situação de litisconsórcio subsidiário e a 2ª parte a de coligação subsidiária, como aliás decorre do texto legal (vide o autor citado, no Vol. 1º indicado, nota 2. ao mencionado art. 31º- B, pág. 70). Até este ponto acompanhamos a fundamentação de direito da decisão recorrida.
Em sexto lugar, divergimos de tal fundamentação, exposta na parte final, quando o tribunal a quo afirma que “Porém, nestes casos em que há pluralidade subsidiária (activa ou passiva), ainda que a lei conceba a dedução do mesmo pedido ou de pedido subsidiário contra outro réu distinto, pressupõe-se existir uma univocidade no que respeita à relação material controvertida; …
Ou seja, o normativo está previsto para suprir uma situação de indefinição dos titulares de uma mesma relação material controvertida.
No caso concreto, a Autora, apesar de partir da mesma factualidade, formula um grupo de pedidos subsidiários, com causa de pedir subsidiária contra a segunda Ré, para a hipótese de improceder o primeiro grupo de pedidos que, com base noutra causa de pedir, formula contra os primeiros Réus a título principal.
Logo, conclui-se, assim, que a Autora apresenta no articulado da petição inicial um quadro subsidiário ao nível subjectivo e objectivo, porquanto configura uma relação material controvertida subsidiária à respeitante ao pedido principal, em desrespeito do sentido e teor da norma ínsita no referido art. 39.º do C.P.Civil.”.
Na verdade, cremos que não será preciso haver uma univocidade respeitante à relação material controvertida ou uma mesma relação material controvertida, pois a lei o que prevê é uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, que se afigura ser uma previsão mais alargada.
Na verdade, no projecto de revisão do CPC dizia-se ser admitida a formulação de pedidos subsidiários contra réus diferentes dos demandados em consequência do pedido principal, desde que todos os pedidos formulados se situassem no âmbito da mesma relação jurídica ou visassem essencialmente a realização da mesma pretensão. Mas o DL 329-A/95 que consagrou a dita revisão, na sequência de crítica formulada, substituiu o requisito da referência à mesma relação jurídica ou à mesma pretensão pelo da dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida (segundo a sugestão de Teixeira de Sousa, em Apreciação de alguns aspectos na revisão do processo civil/projecto, na Rev. da Ordem dos Advogados, 1995, II, pág. 379, e CPC Online, notas 2 (a) e 3 (a), ao art. 39º, págs. 53/54).
No nosso caso a A. não formula pedidos contra os 1º a 3º RR e o 4º R no âmbito da mesma relação jurídica, bem diferentemente invoca causas de pedir diversas, respectivamente nulidade da venda e responsabilidade civil por factos ilícitos, e não visa a mesma pretensão, bem diferentemente, pede respectivamente a declaração dessa nulidade e respectivas consequências e indemnização civil, com base na dúvida fundada sobre qual o sujeito das 2 diferentes relações jurídicas controvertidas que expôs na p.i. Mas duas relações jurídicas ligadas entre si por a existência de uma depender da inexistência da outra.
Entendemos, por conseguinte, que no nosso caso a lei permite a coligação passiva subsidiária, que, por isso, não leva à procedência da excepção dilatória como foi declarada.
Assim, não procede a apelação no sentido de estender a si e aos co-RR 2º e 3º a absolvição da instância, como o recorrente pretendia.          
Dir-se-á que a A. foi prejudicada e o 4º R. beneficiado com a procedência de tal excepção dilatória, mas da parte da A., a sua reacção a tal decisão deveria ter sido a interposição de recurso, o que não fez !.
3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão


Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
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Custas pelo 1º R. AA.
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                                                                  Coimbra, 30.9.2025

                                                                  Moreira do Carmo

                                                                  Fonte Ramos

                                                                  Fernando Monteiro