Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7681/21.0T8LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE ARGUMENTOS
AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE ERRO JUDICIÁRIO
PROVA DO ERRO NO PROCESSO ONDE FOI COMETIDO
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – GUARDA – JUÍZO CÍVEL E CRIMINAL – JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 615.º E 608.º, N.º 2, 1.ª PARTE, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 3.º, N.º 1, 13.º, N.º 2 DA LEI 67/2007 DE 31 DE DEZEMBRO - REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS.
Sumário: 1. A sentença só é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, designadamente devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, pelo que o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado:

2. Mas esse conhecimento só é imperativo se não estiver prejudicado pelo anterior conhecimento e decisão de outra questão (art. 608º, nº 2, 1ª parte, do NCPC);

3. Se na p.i., o A. abordou a questão da prévia revogação da decisão de pronúncia – condição de procedência da acção de responsabilidade civil do Estado decorrente do exercício da função jurisdicional -, o mesmo tendo feito na contestação o Mº Pº, onde contestou tal conclusão e afirmou o contrário, a que o A. foi convidado a responder pelo tribunal a quo, nos termos do art. 3º, nº 3, do NCPC, quando o tribunal recorrido conhece e decide sobre tal questão não pode falar-se de decisão surpresa para o A.;

4. O erro judiciário deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização;

5. Se não se fizer essa prova da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário (art. 13º, nº 2, do citado Regime), não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deve necessariamente improceder.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

I – Relatório

 

1. AA, com domicílio em ..., intentou acção declarativa de condenação contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade extracontratual, no valor global de 98.710.04 €, sendo 68.710.04 € a título de danos patrimoniais, e 30.000 € por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais, contados desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, muito em síntese, que, dia 10 de novembro de 2017, foi constituído arguido nos autos de inquérito nº 267/14...., tendo lhe sido aplicada, na referida data, a medida de coação termo de identidade e residência.

No âmbito do referido processo foi proferida acusação e pronúncia contra si, com base nos elementos de prova existentes nos autos criminais, que revelam que a função jurisdicional do Estado foi grosseiramente negligenciada pelos seus operadores da Justiça - MP e JIC -, titulares do aludido processo crime, e que submeteu o autor a julgamento, acusando-o e pronunciando-o pela prática de um crime de insolvência dolosa de forma absolutamente infundada e ilegal, tendo o autor, em consequência, sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretende ser ressarcido.

O réu contestou, por exceção e por impugnação, designadamente sustentando que o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, o que não se verifica, e que não se verificam os pressupostos legais de que depende a sua condenação por actos cometidos no exercício da função jurisdicional, pedindo a improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho a convidar o autor para, nos termos do art. 3º, nº 3, do NCPC, responder à defesa por excepção, o que o autor fez.  

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A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

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2. O R. recorreu, formulando as seguintes conclusões:
O Recorrente não se conforma com a sentença de absolvição proferida pelo Tribunal a quo, que entendeu verificada a exceção de ausência da previa revogação da decisão danosa, a inexistência dos erros grosseiros imputados ao MP e ao JIC, a ausência de ilicitude e da culpa, quando deveria o Tribunal, ter dado como procedente esta ação de responsabilidade cível do Réu, pelas razões que se expõem.
2º NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONUNCIA: o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões colocadas à sua apreciação e julgamento, tais como os erros judiciários cometidos pelo Magistrado do Ministério Publico (MP) e pelo Juiz de Instrução Criminal (JIC), invocados pelo Recorrente nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, o que configura uma nulidade que não se invoca e não se prescinde ver apreciada (artigo 615º nº. 1 al. d) CPC).
O Recorrente alegou e provou os comportamentos ilícitos e culposos praticados pelo MP e pelo JIC, perpetrados na interpretação e valoração da factualidade constante do processo criminal 267/14...., que correu termos no Tribunal da Guarda e serviu para constituírem arguido AA em 10 de Novembro de 2017, ora recorrente e o acusarem e pronunciarem pela prática de um crime de insolvência dolosa na Sociedade A..., SA.
O Recorrente exerceu funções de administrador de insolvência (AI) na A..., SA, ao abrigo do processo judicial 2/06.... que correu termos no Tribunal Judicial da Guarda, desde Dezembro de 2007 até abril de 2009.
No ano de 2023 a A..., SA veio a ser novamente declarada insolvente, no processo judicial 631/13...., que correu termos no mesmo Tribunal Judicia da Guarda.
Na presente ação cível, o Recorrente imputou ao MP e ao JIC a prática de vários erros judiciários, nas várias questões submetidas à apreciação do Tribunal a quo, tais como: B... LIMITED/ C..., LDA.; B... LIMITED / D... / AA; CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL E ADENDA; PROCURAÇÃO; CONTABILIDADE A...; CONCLUSÕES DO MP E DO JIC. (Cfr. 58º a 282º da petição inicial para a qual se remete leitura e para os elementos probatórios ai identificados.

Todas estas questões objeto de inquérito e de instrução pelo MP e JIC, no processo-crime 267/14...., foram grosseiramente apreciadas e interpretadas por estes Magistrados, para acusar e para pronunciar o Recorrente pela prática de um crime de insolvência dolosa na A....

8º CONTRATO PROMESSA DE CEDÊNCIA DE CRÉDITOS – B... LIMITED / C..., LDA. (cfr. artigos 28, 35, 43, 52, 53, 54, 56, 127, 128, 133, 140, 142 acusação/pronuncia do proc. 267/14.... para os quais se remete leitura cotejando com os documentos ai identificados. O MP e JIC concluiram que os créditos da B... Limited eram fictícios; que os créditos no processo de insolvência 631/13 não foram reconhecidos; que a B... tinha como representante fiscal a D... – Outsourcing Serviços de Contabilidade e Organização, Lda.”, pessoa colectiva n.º ...97, cuja sede é a mesma do domicílio profissional de AA, então, nessa esteira de raciocínio era este o responsável pelos créditos fictícios.

O arguido (ora recorrente), esclareceu e alertou para a errada interpretação que estava a ser atribuídas pelos Magistrados à questão da representação fiscal da D..., e que os créditos da B... tinham efetivamente sido reconhecidos no processo de insolvência 631/13 (ao contrário do que se afirmavam na acusação e pronuncia). Juntou todos os elementos probatórios que no corpo alegatório melhor se identificam e que daquele processo-crime, constavam.

10º O MP e JIC erraram grosseiramente na apreciação desses factos e nas provas, ao considerarem que o AI (ora recorrente), tinha criado e reconhecido créditos fictícios.

11º Como se pode verificar esta questão não foi apreciada pela M. Juiz a quo na sentença, não se pronunciou e por conseguinte, estamos perante uma omissão de pronuncia, que se reclama perante o Tribunal ad quem.

12º REPRESENTAÇÃO FISCAL 2013- B... LIMITED – BB (cfr. 52º, 53º, 55º da acusação/ pronuncial para os ququais se remete leitura). O MP e o JIC afirmaram que a D... era representante fiscal da Sociedade B..., e situaram cronologicamente a representação fiscal na data dos contratos de

promessa, em setembro de 2007, no período de mandato do AI, para assim concluírem que ele conhecia os contratos de promessa, criou e reconheceu os créditos fictícios.

13º O Recorrente juntou aos autos criminais na fase de instrução o Registo do RNPC, o ofício da AT e a certidão da AT, que demonstravam que em 16 de julho de 2013 um colaborador da D... solicitou no RNPC o número de contribuinte fiscal português, para a B... Limited, para fins de participação societária em sociedade portuguesa como acionista. São documentos públicos que deviam constar do inquérito criminal que terminou em dezembro de 2017.

14º Foram apontados estes erros judiciários praticados pelo MP e JIC, que a M. Juiz a quo não se pronunciou na sentença, assim sendo, estamos perante uma omissão de pronuncia que se reclama perante o tribunal ad quem.

15º CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL e ADENDA (cfr. 58 a 64, 77 e 81 da acusação/pronuncial e elementos probatórios respetivos para os quais se remete leitura). O arguido em sede de instrução esclareceu que este contrato de cessão de exploração foi negociado na sede da CGD em ..., autorizado pelos representantes da Comissão de Credores A..., LDA, pela CGD, Segurança Social, E... e F..., e juntou prova documental ao processo-crime.

16º Também esta questão, invocado pelo recorrente como erros judiciários perpetrados pelo MP e JIC, foram levados à apreciação na presente ação, mas a M. Juiz a quo não se pronunciou, o que consubstancia omissão de pronuncia.

17º PROCURAÇÃO (cfr. 56º 77, 78, 79, 80 acusação/pronúncia cotejando com os documentos respetivos). O MP e o JIC censuraram criminalmente o AI (ora recorrente), de ter emitido a procuração a CC, por estar a transmitir as funções e os poderes próprios do administrador de insolvência.

18º O arguido AA, esclareceu em inquérito e em instrução o propósito dessa procuração, mas de nada lhe valeu, os Magistrados do processo-crime, mantiveram integralmente os artigos atrás identificados.

19º Também estes erros judiciários invocados e demonstrados à a M. Juiz a quo, não tiveram a devida apreciação, omissão de pronuncia, que se reclama perante o Tribunal ad quem.

20º CONTABILIDADE A... – (cfr. 72, 73, 74, 92 e 131 da acusação/pronúncia para os quais se remete leitura). Acusaram o arguido de ocultar a real contabilidade da A..., SA; que a documentação contabilística e financeira não se encontrava na sede da A... e que a contabilidade A... desde o ano de 2007 nunca refletiu a realidade.

21º O arguido (ora recorrente) junto do MP e JIC, provou que eram acusações falsas acusações, mais esclareceu e provou que durante o seu mandato, as contas da A... foram assinadas por um TOC, visadas pela Comissão de Credores, certificadas por um ROC, comunicadas à AT, depositadas e divulgadas nos termos legais, dotadas de fé publica e, que era, absolutamente falso o afirmado em 131º da acusação/pronuncia. (Cfr. 5 e 10, no RAI como doc. 39 e na contestação como doc. 31).

22º Tanto assim que o Juiz do julgamento criminal a fls. 27 da sentença, perante a análise dos mesmos documentos, refere que: “trata de uma afirmação vaga e genérica, sem que se contraponha a contabilidade existente com pontos reais ou lançamentos diversos que então tivessem (ou não) de ter sido efectuados, e sem qualquer sustento probatório minimamente fidedigno.”

23º Foram erros grosseiros cometidos pelo MP e JIC que o Autor alegou e demonstrou nesta ação de responsabilidade civil, mas a M. Juiz a quo, não apreciou nesta sentença, omissão de pronuncia, que se reclama perante o Tribunal ad quem.

24º CONCLUSÕES DO MP E DO JIC – (cfr. 56º, 145º a 150º para os quais se remete leitura cotejando com os elementos probatórios). Trata-se de conclusões infundadas, falsas, absurdas, que provavam notoriamente os graves erros judiciários, grosseiros, crassos, praticados pelo MP e pelo JIC no processo criminal 267/14...., demonstrados com uma vasta documentação constante daqueles autos criminais (toda identificada foi apreciada no corpo alegatório e para a qual se remete), mas a Juiz a quo, não se pronunciou, nulidade que se invoca e omissão de pronuncia, que se reclamam junto do Tribunal ad quem.

25º NULIDADE POR EXCESSO DE PRONUNCIA COM VIOLAÇÃO DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO – Art. 615º nº. 1 al. d) do CPC. O Tribunal a quo, nas páginas 100 a 109 da sentença, decide uma exceção de ausência da prévia revogação da decisão de pronuncia, com clara violação dos direitos do Autor ao exercício do contraditório, o que não se aceita e não se prescinde de exercer o contraditório.

26º O Réu contestou em 30.0.2021 (refª. citius 29934663) com a exceção, incompetência material e territorial; o Autor respondeu às exceções invocadas (refª. cituis 32142138); Veio a ser proferido despacho saneador em 07.09.2022, ( citius 29629712), que apreciou a exceção de incompetência absoluta e entendeu que, não existem outras exceções que cumpra apreciar, fixando o objeto do litígio e os temas da prova. Contudo na sentença final, a M. Juiz veio apreciar uma exceção de ausência de prévia revogação da decisão danosa, nos termos do disposto no artigo 13º 2 da lei 7/2007, conjugado com os artigos 571 e 576/1/3.

27º Se o Tribunal a quo, entendia estar perante uma exceção que conduz à absolvição do pedido, não podia conhecer, sem dar ao Autor a possibilidade de se pronunciar sobre a mesma, sob pena de lhe vedar os direitos legais, processuais e constitucionais, e praticar uma nulidade na sentença, o que se sucedeu.

28º A violação do contraditório configura uma nulidade da própria sentença, por excesso de pronúncia, nos termos artigos 3º/3, 615º, nº 1, al. d), 666º/1 CPC, o que se invoca e reclama junto do Tribunal da Relação.

29º IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATERIA DE FACTO - Os factos não provados da sentença a quo, nas alíneas d), e), f), g), i), j), K e l) deveriam ter sidos considerados provados, assim como os factos provados em 30 e 55, pelo que se requer ao TR a modificação da decisão sobre esta matéria de facto (art. 662º nº. 1 do CPC)

30º O JIC não analisou, não interpretou, nem valorou nada do que fora alegado pelo arguido no RAI, nem o interrogatório judicial, assim como também não analisou os documentos, constante dos factos provados em 19), 20). 28), 29), 30), 32), 42), 43), 44), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54) desta sentença, que aqui se dão por reproduzidos e para os quais se remete leitura. O interrogatório do arguido vem referido na página 86 da sentença, documento 7 de fl. 526 (CD gravação do NUIPC nº. 267/14....).

31º Os meios probatórios que impunha uma decisão diversa sobre os factos não provados em d), e), f) e g) da sentença, são: o Interrogatório do arguido AA perante o JIC, reproduzido nesta audiência no dia 01/07/2024. (ata de audiência final, refª. 3147491.) Assim como todos os meios de prova juntos com o RAI para os quais nos remetemos.

32º Impunham uma decisão diferente em relação ao consignado na sentença a quo, em d), e), f), e g) dos factos não provados, já que a decisão de pronuncia do arguido AA

, não teve em consideração nada do que foi alegado e nada do que foi documentado pelo arguido no seu RAI, como se pode constatar da analise da mesma.

33º Impõe-se em conformidade a eliminação das alíneas d), e), f) e g) dos factos não provados e o aditamento aos factos provados, com a redação que se apresenta e que se requer ao Tribunal ad quem: 23-A): Nada do que foi alegado e documentado pelo arguido AA em sede de instrução e de interrogatório judicial, mereceu analise e apreciação do JIC na decisão de pronuncia por si proferida. O despacho de pronuncia nos pontos i. a cxciv, fez uma reprodução textual dos acontecimentos narrados e interpretados pelo Inspector DD da Polícia Judiciária no relatório emitido.

34º O Tribunal a quo, também errou ao considerar não provado o facto elencado na alínea i) da sentença a quo.

35º Os Meios probatórios que impunha uma decisão diversa: O arguido demonstrou em instrução que não houve incidente de habilitação do adquirente/cessionário, como impõe o artigo 356.º do CPC; que do artigo 140º da acusação/pronuncia, resulta que só em dezembro de 2013 é que foi celebrado a escritura definitiva; e que o Incidente de Cessionário se deu no processo judicial 631/13.....

36º O recorrente na audiência destes autos, no dia 29/02/2024, depoimento gravado, com início às 11:13H e termo às 12:38H nas passagens 00:45:26 a 01:00:29, disse que não lhe tinha existido comunicação dos contratos de cedência de créditos e que o MP e o JIC sabiam disso.

37º Impõe-se em conformidade a eliminação do i) dos factos não provados e a passagem para o elenco dos factos provados, o que se requer ao Tribunal ad quem do seguinte modo: 81) O Juiz de Instrução criminal e o Ministério Público sabiam não ter existido comunicação dos contratos de cedências ao aqui autor, enquanto Administrador de Insolvência, por parte da Caixa Geral de Depósitos e E....

38º O Tribunal a quo também errou ao consignar incorretamente o facto provado em 55, e ao considerar não provados os factos elencados na alínea j) e k), no que se refere à factualidade retirada do relatório da Autoridade Tributária (cfr. Doc. 5 junto com a pi, do qual consta sob o nº. 39).

39º Impõe-se em conformidade a eliminação das alíneas j) e k) dos factos não provados e a alteração do facto provado em 55), com a redação que se apresenta, o que se requer ao

Tribunal ad quem: 55) O ora autor carreou para a fase de instrução o documento da Autoridade Tributária junto nos autos a fls. 469 a 472, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 55- A) A ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade Tributária mencionada no artigo 55) da factualidade provada, teve lugar na sede da empresa em ..., tendo verificado no local a regularidade da documentação contabilística; 55-B) Da ação inspetiva mencionada no artigo 58) da factualidade provada, não resultou qualquer correção relevante.

40º O Tribunal a quo errou ainda ao considerar não provado os factos elencados na alínea l), para o qual se remete analise em conjugação com os factos provados de 70 a 80.

41º Se o recorrente tem a formação que vem elencada em 70), 74), 75), 76), exerce os cargos que estão elencados 70), 71), 72), 73), então, é por demais evidente que a afirmação do artigo 131º da acusação pública/pronuncia que “ A contabilidade da Sociedade A..., SA desde o ano de 2007 nunca reflectiu a realidade” , atinge diretamente o bom nome do autor, a sua honorabilidade e idoneidade e indiretamente atinge a D... de forma grave.

42º Para além de ser falsa e absurda a afirmação contida no 131º da acusação e pronuncia, para o autor e para a D..., foi muito grave e perigosa, ademais, os factos provados acima identificados, evidenciam suficientemente.

43º O recorrente relatou em audiência no dia 29/02/2024 nas passagens 00:00:45 – 00:44:21, a gravidade e repercussões desta falsa afirmação.

44º Impõe-se em conformidade a eliminação das alíneas l) dos factos não provados, e a passagem para o elenco dos factos provados, o que se requer ao Tribunal ad quem do seguinte modo: 81. A afirmação contida no artigo 131º da acusação pública e da pronúncia atinge diretamente o bom nome do autor, a sua honorabilidade e idoneidade e indiretamente atinge a D... de forma grave.

45º Da Errada valoração da prova e qualificação jurídica no que diz respeito ao CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS CELEBRADO ENTRE AS SOCIEDADES E..., SA E C..., LDA. ( cfr. factos provados 12, 13, 14, 15 e os factos da acusação/pronuncia 28 a 50, 56, 145 a 150), 16, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 41 (dentro deste os factos da sentença absolutória), para todos se remete leitura e todos expostos no corpo alegatório).

46º Relativamente a este contrato de cessão de créditos, o MP e o JIC atribuíram efeitos imediatos na data da sua celebração em 20/12/2006, conforme consta dos factos da acusação/pronuncia em 37, 38, 39, 40, 42, 47, 48, 49, 50, 56, 145 a 150, e censuraram a conduta do AI, por Ter permitido o credor E... participar, votar o plano na Assembleia de Credores realizada no Tribunal da Guarda em 17/05/ 2007; participar na reunião da comissão de credores de 29.09.2008, quando já não o podia fazer por ter cedido os créditos mediante um contrato de cedência de créditos a C... Lda, realizado em 20/12/2006. (cfr. pontos 35 a 42, 47 a 50, 56, 75, 76, 77, 78, 147, 148, 150 da acusação, identificados no corpo alegatório).

47º O arguido (ora recorrente) alertou insistentemente o MP e JIC, mediante requerimentos feitos aos autos- doc. 3, 5, 7, 11, doc. 7, para a existência da clausula suspensiva do contrato, juntou aos autos a certidão com o transito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência no proc. 2/06, demonstrando que a sentença de homologação ocorreu em 15.02.2008, transitada em 06.11.2008, data a partir do qual o contrato passou a produzir efeitos.

48º Na sentença absolutória (cfr doc. 4) constam o aditamento de novos factos provados, sob as alíneas AL) e CO), consignando não provados os factos 50, 145 a 150 da acusação/pronuncia, no elenco dos factos não provados - 2, 20, 21, 22, 23, 25.

49º Para este Tribunal criminal que absolveu o arguido (ora recorrente), a conclusão jurídica é apenas uma: até 06/11/2008, não existia título que legitimasse e permitisse a sociedade C..., Lda, participar, votar e aprovar o plano de insolvência ou qualquer deliberação, alterar o credor e crédito no processo 2/06, uma vez que o credor da A..., continuava a ser a E... SA. (cfr. sentença absolutória).

50º Sucede que, na sentença a quo, deparamo-nos com uma decisão errada, com culpa grave na apreciação deste contrato, e errada apreciação do direito.

51º Entendeu o Tribunal a quo, inexistir erros grosseiros do MP e JIC na análise e valoração jurídica deste contrato, porque o Autor conhecia o contrato, omitiu-o aos credores, e essa omissão, quiçá terá causado prejuízo aos credores, concorreu para a causa direta e necessária da 3ª insolvência declarada no processo 631/13.

52º O Tribunal a quo, deveria ter apreciado o que consta do facto provado em 21), que em 26 de outubro de 2018, o arguido AA, deu entrada de outro requerimento de aditamento ao RAI e juntou quatro documentos: - a listagem da relação

de créditos do proc. nº 2/06 e do proc. nº 631/13, que evidenciam a diminuição dos créditos de €14.592 296, pertencentes a 161 credores (proc. nº 2/06), para créditos no montante de €5.763.195 + juros de 1.785.299, pertencentes a 17 credores (proc. nº 631/13), o que demonstra pagamentos das dívidas dos credores. Acresce que, nunca foram ouvidos nenhum dos credores, sequer identificados, que se sentissem prejudicados.

53º A M/juiz que ajuizou sobre o conhecimento do Autor com base nos testemunhos do JIC e do MP, e não naquilo que o recorrente lhe esclareceu nesta audiência, concluindo assim: que embora o contrato tenha uma clausula suspensiva, produzindo só efeitos em 06.11.2008, o Autor tinha conhecimento do contrato porque pediu o adiamento da assembleia de credores de fevereiro de 2007, para elaborar como elaborou novo plano de insolvência onde passou expressamente a constar a possibilidade de conversão de créditos em capital, e omitiu esse contrato à comissão de credores e credores, caso não o tivesse omitido quiçá o destino da insolvente teria sido outro diferente da insolvência subsequente, 631/13.

54º Como se sabe, o MP e o JIC censuraram a conduta do arguido (ora recorrente), por este ter permitido o credor E... participar, votar o plano na Assembleia de Credores realizada no Tribunal da Guarda em 17/05/ 2007; participar na reunião da comissão de credores de 29.09.2008, quando já não o podia fazer por ter cedido os créditos mediante um contrato de cedência de créditos a C... Lda, realizado em 20/12/2006. (cfr. pontos 35 a 42, 47 a 50, 56, 75, 76, 77, 78, 147, 148, 150 da acusação);

55º Ora o Tribunal a quo foi seguir o mesmo errado raciocínio, constante do Relatório da Polícia Judiciaria, constante da acusação do MP e do JIC na pronúncia. E errou ao fundamentar esta matéria no depoimento do JIC, quando tinha elementos documentais probatórios que lhe permitiam afirmar, que o contrato não produziu efeitos imediatos na data da sua celebração, mas sim em 07.11.2008 e que não existiu incidente de habilitação durante o seu mandato.

56º O AI não podia alterar a relação de créditos e de credor, e impedir o credor E... de votar o plano, de participar e votar nas assembleias, sem o incidente de habilitação de cessionário (artigos 583.º nº 1 CC e 356.º do CPC)

57º Ademais os efeitos do contrato de cessão de créditos, rege-se pelo disposto no artigo 577.º nº 1, 583.º nº 1, e art. 270.º do CC, 619.º do CPC

58º Ao MP e ao JIC cabia-lhe investigar de forma seria, analisar, valorar a prova documental dos autos (a cláusula 5.º do dito contrato e a certidão judicial de transito em julgado de homologação da sentença de aprovação do plano no proc. 2/06, a diminuição de créditos e credores entre a insolvência 2/06 e a 631/13, o que não sucedeu e por isso erraram grosseiramente ao constituir arguido AA e ao acusá-lo e pronunciá-lo dum crime de insolvência dolosa da A... (art.º 227.º nº 3 do CP).

59º O Tribunal a quo, na mesma esteira, errou na valoração da prova, na interpretação jurídica e consequentemente, violou o disposto nos artigos 583.º nº 1 do Código Civil e 356.º do CPC, 406, 577.º nº 1, 270, todos do Código Civil, 619.º do CPC, e 227.º do Código Penal, o que se reclama apreciação do Tribunal da Relação.

60º Da errada apreciação da prova e qualificação jurídica do CONTRATO PROMESSA DE CEDÊNCIA DE CRÉDITOS E TRANSFERÊNCIA DE GARANTIAS – CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS / C..., LDA. O Tribunal a quo, consignou a matéria factual sobre o no elenco dos factos provados 12, 13, 14, 15 (dentro deste os factos da acusação/pronuncia 35, 37, 43, 44, 47, 48, 56, 145 a 150), 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 41 (dentro deste os factos da sentença absolutória), todos identificados no corpo alegatório e para os quais se remete leitura.

61º Mais uma vez o Autor/recorrente alegou e demonstrou os erros grosseiros praticados pelo MP e pelo JIC quanto a este contrato de promessa para o qual se remete leitura.

62º Foi censurada a conduta do arguido, acusado e pronunciado (cfr consta dos factos elencados como provados em 12, 15 e 22: “ ter igualmente omitido a existência do contrato promessa celebrado em 04/04/2007 entre a Caixa Geral de Depósitos e C..., onde esta cedeu a quase totalidade do crédito que detinha sobre a A... e ainda assim manter o mesmo crédito sobre a A..., continuar a participar e a votar as deliberações que diziam respeito à mesma, nomeadamente o referido plano de recuperação apresentado na Assembleia de Credores a 17/05/2007”.

63º O arguido demonstrou no inquérito e instrução que se tratava de um contrato promessa de cessão de créditos e transferência de garantias, que não lhe foi comunicada a promessa de cedência de créditos; que não existiu o incidente de habilitação de cessionário durante o processo de insolvência 2/06 onde foi AI; que estava obrigado a manter a CGD como credora. E que, só no processo de insolvência 631/13 foi celebrada a escritura publica definitiva da cedência, tanto assim que nesse processo de insolvência a CGD ainda reclamou o mesmo crédito. Saliente-se, a sentença que absolveu o arguido, entendeu deste modo a factualidade (cfr. sentença absolutória).

64º A M/Juiz teve opinião diferente da sentença absolutória, afirmou que o Autor tinha conhecimento do contrato promessa, porque requereu juntamente com a CGD o adiamento da Assembleia de credores em 15.02.2007, em virtude de a CGD andar à procura de investidor, por conseguinte, não deveria ter mantido os mesmos créditos da CGD sobre a A..., e não deveria ter permitido à CGD participar e votar nas assembleias de credores na comissão de credores. (Baseada no documento, Ata de 15.02.2007 e no depoimento do JIC, Dr. EE).

65º Foi erradíssimo o raciocínio do JIC, assim como é o da M/Juiz a quo. É inconcebível que Magistrados Judiciais perante um contrato de promessa, façam interpretações jurídicas tão erróneas. (cfr. sentença a quo). Evidentemente, que nada na lei obrigava o AI perante aquele contrato promessa, alterar a relação de créditos, alterar o crédito da Caixa Geral de Depósitos pelo valor que prometeu ceder a outra sociedade!

66º Vejamos o documento a que se refere o Tribunal a quo - doc. 5 junto na pi, Ata da Assembleia de credores de 15.02.2007, na parte respetiva: » o doc. 5 de fls. 284 verso a 315 verso, do qual consta o requerimento de abertura de instrução apresentado por AA no NUIPC nº 267/14...., e os documentos que o acompanham, de fls. 316 a 480 (vol. II), nomeadamente (…) a ata da Assembleia de credores de 15.02.2007 de fls. 396 a 400), da qual consta, para além do mais, que o Autor tinha conhecimento que a Caixa Geral de Depósitos estava “em fase adiantada de negociações com vista a encontrar (…) parceiro estratégico que possa efetuar (…) investimentos, podendo então ceder-lhe os créditos necessários à entrada no capital social da sociedade.” Por essa razão, o aqui Autor, na qualidade de administrador de insolvência da “A...”, de comum acordo com o mandatário da Caixa Geral de Depósitos, Dr. FF, requereu o adiamento da assembleia de credores por forma a poder ser apresentado novo plano que contemple a existência de um mínimo obrigatório de créditos a converter em capital, situação que, tal como foi reconhecida, pelo Autor, corresponde a uma “alteração estrutural” (sublinhado nossos); 67º Apela-se à leitura integral da ata (cfr. A Ata de 15.02.2007, (…) refere, de acordo com o plano de insolvência constata-se a necessidade de investimentos futuros de cerca de 7 milhões de euros que irão implicar a necessidade de encontrar parceiro estratégico sem o qual o plano se mostra inviável…….. De seguida foi posto à discussão o requerido pelo

Sr. Administrador e pela CGD, tendo-se procedido à votação com o seguinte resultado - total de votos para votação 13.038.988 votos 89.99%, (,..) total de votos a Favor : 10.542.736 votos -94.82%.; Total de votos contra 575.569 votos-5.18%- Despacho(…)

68º Ora, cerca de 100% dos credores concordaram em que assim fosse, cabendo-lhes optar, ou não, pela conversão de créditos em capital, e investir na sociedade o valor necessário para a viabilização da sociedade, o que veio a suceder e consta dos factos provados.

69º Foi uma erradíssima apreciação do Tribunal a quo, que o Autor teve conhecimento do contrato, e isso levar à 3ª insolvência da sociedade (4 anos após o seu mandato de AI!).

70º O mecanismo legal para a substituição do credor, consta dos artigos 583.º nº 1 CC e 356.º do CPC, sendo que os credores não lançaram mão, nem tinham obrigação legal de o fazer. 71º Foram erros muito grosseiros do MP e JIC, com culpa grave, ao acusarem e pronunciarem o arguido, e que no julgamento destes autos, foram aceites pelo M. Juiz a quo.

72º Veja-se os elementos probatórios constantes do inquérito e instrução sobre esta matéria: artigo 112 da pi, o relatório da PJ (62 e 64) em que o Inspetor DD refere: “ também nada consta sobre a comunicação das cedências da CGD ao devedor a que alude o disposto no artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil”: O 75.lxxv. da instrução.

73º Mais, o arguido prestou declarações perante o JIC (cfr. CD) e em audiência no dia 01.07.2024, com início às 10h17 e termo às 12h38 minutos, aos minutos 00:01:25 a 00:56:01, (transcrição do depoimento gravado no corpo alegatório e anexo ao recurso).

74º O Autor foi também ouvido na audiência destes autos, no dia 29.02.2024, com início às 11h13 e termo às 12h38, aos minutos 00:50:50 a 00:56:01, (supratranscrito no corpo alegatório). Alias, o Autor a este propósito, questionou a julgadora a quo: “qual a norma jurídica que violei”? Mas não obteve resposta em audiência, nem na sentença que se recorre.

75º A verdade é esta: a CGD independentemente do contrato promessa, continuava credora, podia participar e a votar nas deliberações do processo de insolvência 2/06, enquanto membro e Presidente da Comissão de Credores. Durante todo o processo de insolvência 2/06, em que o Autor, naquele processo fora AI, a credora CGD tinha legitimidade e era a titular dos créditos sobre a A..., SA.

76º Impunha-se, quer ao MP, quer ao JIC, quer à M/Juiz a quo, aplicar ao citado contrato de promessa as regras do direito, mormente os art.º 410.º, 577.º, 578º, 583.º do CC e 378.º do CPC, o que não sucedeu, pelo contrário, optaram por erradas interpretações jurídicas, com violação dos imperativos legais.

77º É inadmissível que a M/Juiz afirme que o Autor não podia manter os mesmos créditos da CGD, porque por via daquele contrato promessa celebrado com uma sociedade terceira, cedeu os créditos por um valor mais baixo!

78º A M/Juiz ao entender como entendeu e que o AI causou a 3.º insolvência da A..., motivos para a imputação ao arguido (ora recorrente), da prática de um crime de insolvência dolosa, consubstanciam erros tão gritantes também da M/Juiz!

79º A M/juiz erra na apreciação dos elementos de prova (Ata da Assembleia de Credores de 15.02.2007), e deveria ter consignado os factos já descritos na matéria consignada como provada, devia ter apontado as erradas condutas do MP e JIC e imputar-lhes erros grosseiros no exercício das suas funções, o que se requer ao douto Tribunal da Relação.

80º O Tribunal a quo errou na valoração da prova, na interpretação jurídica e consequentemente, violou o disposto nos artigos 583.º nº 1, 356.º do CPC, 410.º, 406º, 577.º nº 1 todos do Código Civil, artigo 619.º do CPC e artigo 227.º do Código Penal, violações que se reclamam junto do Douto Tribunal da Relação.

81º O Tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de Direito ao considerar não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado.

82º Não faremos impugnação em matéria de direito no que diz respeito à invocada exceção da prévia revogação da decisão jurisdicional, atendendo à nulidade (supra descrita), que supera se invocou e não se prescinde ver apreciada pelo Tribunal ad quem, o que se requer.

83º Os factos provados elencados na sentença a quo, que se impugnaram em matéria de facto, revelam claramente que a acusação do MP e a decisão de pronuncia do JIC, proferidas contra AA da pratica de um crime de insolvência dolosa (nº 3 do artigo 227º do CP), foram erros grosseiros, quer na valoração que fizeram da factualidade constante daqueles autos criminais, quer na interpretação do direito que lhe atribuíram.

84º A M. Juiz a quo, errou nas suas comparações que fez à sentença absolutória, quando aquele julgador criminal não lhe cabia apreciar a existência de erros judiciários, mas sim decidir, se o comportamento do arguido à luz do artigo 227º do código penal configurava um crime de insolvência dolosa, e notoriamente não configurava (cfr. sentença absolutória).

85º A sentença absolutória, permite constatar que as provas documentais, por si só, não sustentavam uma acusação, sequer uma pronúncia da prática do crime de insolvência dolosa, já que, nenhuns atos criminosos se retiram do trabalho desenvolvido pelo administrador de insolvência, AA, ora recorrente, durante o seu mandato na empresa insolvente A..., ora recorrente.

86º É tão notório que o MP errou na interpretação que deu à prova documental que carreou para o inquérito, assim como errou ao não investigar outros factos essenciais da insolvente A..., ademais, quando o processo de insolvência 2/06 e o 631/13, correram termos na mesma Comarca do Tribunal da Guarda.

87º O JIC persistiu, notoriamente, nos mesmo erros grosseiros do MP (e do Inspetor DD), com a agravante que, na fase da Instrução, já constavam todos os elementos do processo insolvência da A... 2/06 e do processo 631/13, carreados pelo próprio arguido AA, que demonstravam absolutamente límpida, a inexistência do crime de insolvência dolosa da A..., por banda do arguido, ora recorrente. 88º Não existiam indícios nenhuns da prática de atos criminosos por banda do arguido AA, toda a prova para apreciar e valorar os factos, eram documentos judiciais, documentos dotados de fé publica, constavam da investigação.

89º Razão para se afirmar, sem dúvidas nenhumas, que o MP e o JIC praticaram violações grosseiras das regras jurídicas, infundadas, ilegais e inconstitucionais, fizeram um mau uso do sistema de Justiça e causaram danos ao Recorrente todos enumerados na sentença a quo e para os quais se remete, que merecem a tutela do Direito por via desta ação de responsabilidade jurídica e a condenação do Recorrido, o que se requer ao Tribunal da Relação.

90º A responsabilidade civil do Estado nos termos do artigo 22º da Constituição, emerge quando se prove que os seus órgãos ou agentes atuaram de um modo arbitrário, sustentado em premissas inexistentes ou absurdas ou com erro notório, crasso ou palmar. (Ac. TRL 7348/06 de 23/01/2007), o que ficou sobejamente demonstrado nestes autos e que o Tribunal a quo, julgou tão mal.

91º Se a responsabilidade do Estado fundada em erro judiciário só ocorre em casos de erros manifestos, patentes, inequívocos, evidentes, no caso em apreço, esses erros foram cometidos, revestem gravidade e intensidade, por isso são censuráveis à luz do ordenamento jurídico e do artigo 13º da Lei 67/2007 de 31/12, e merecem ser indemnizados, o que se requer ao Tribunal ad quem.

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exªs:

Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado provado, procedente em matéria de facto e procedente em matéria de direito, e em consequência:

- Alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos requeridos;

- Ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue totalmente procedentes por provados, os pedidos formulados pelo Recorrente, designadamente, a condenação do Estado Português no pagamento da indemnização ao Recorrente no montante global de €98.710.04€ (noventa e oito mil setecentos e dez euros e quatro cêntimos) valor acrescido de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

3. O Mº Pº contra-alegou, concluindo que:

1º. O autor/recorrente AA vem interpor recurso da Douta Sentença que julgou a ação improcedente por não provada e absolveu o Réu – Estado Português dos pedidos contra si formulados pelo Autor, designadamente do pagamento da indemnização no valor de 98.710,04EUR (noventa e oito mil setecentos e dez Euros e quatro cêntimos), correspondente a: indemnização a título de danos patrimoniais no montante de 68.710,04EUR (sessenta e oito mil setecentos e dez Euros e quatro cêntimos), indemnização a título de danos morais no montante de 30.000,00EUR (trinta mil Euros) e a todas as quantias indemnizatórias reclamadas, deverão acrescer os juros de mora legais que se vencerem desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

2º. Alega o autor/recorrente: “A sentença é nula, a M. Juiz a quo, não se deu ao trabalho de se pronunciar sobre os factos e questões refentes à B... LIMITED / C..., LDA.; B... LIMITED/D... /AA, CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL e ADENDA, PROCURAÇÃO, CONTABILIDADE A..., bem como sobre as CONCLUSÕES EFECTUADAS PELO MP E JIC, quando esta mesma factualidade é que deu lugar à acusação e pronuncia do arguido pela pratica de um

crime de insolvência dolosa da A..., que agora, noutro prisma fundamenta esta ação de responsabilidade civil contra o Estado, pela simples e autêntica razão, de que, com base nesta factualidade nenhum crime de insolvência se VIA, sequer ACUSAR e muito menos PRONUNCIAR.

Somente, explicado pelos erros grosseiros perpetrados pelo MP e pelo JIC, os quais queremos ver apreciados e julgados nesta causa e por isso se recorre para o Tribunal da Relação.

3º. Não assiste qualquer razão ao autor/recorrente AA quando alega a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, porquanto a Douta Sentença recorrida se encontra suficiente e devidamente fundamentada, na medida em que analisa a factualidade considerada como provada e não provada, bem como a subsume aos normativos legais aplicáveis e toma posição sobre todas as questões controvertidas suscitadas.

4º. Na verdade, o Tribunal a quo começou por explicar na sua motivação que: “Sem prejuízo de termos consciência de que boa parte da prova esmagadoramente documental que se irá referenciar em seguida consta repetidamente e por várias vezes dos autos e seus apensos, enunciaremos então e antes do mais de onde resulta (designadamente) a prova e a convicção acerca dos factos que demos como provados, um por um, seguindo tudo o alegado no despacho de pronúncia, conjugado com o que de relevante vem alegado pelos arguidos nas respetivas contestações”, elencando de seguida de forma exaustiva toda a documentação que serviu de base à sua decisão (fls. 45-51 da Sentença) e explanando e expurgando todas as razões de facto que contribuíram para a decisão nos termos prolatados na Douta Sentença (fls. 51-69).

5º. Nos presentes autos não ocorreu nem um excesso de pronúncia – por violação do princípio do dispositivo – nem tão pouco se verificou uma decisão surpresa – em violação do princípio do contraditório.

6º. Na verdade, o Tribunal a quo ao pronunciar-se quanto à 0 fê-lo de acordo com a lei e porque entendeu que tal requisito legal carecia de ser apreciado com vista à subsunção da factualidade alegada à lei vigente.

7º. Mais, essa questão encontra-se expressamente consagrada na lei, tal como se infere da leitura do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31-12), sob a epígrafe Responsabilidade por erro judiciário: “O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”, e disso tinha conhecimento o autor/recorrente, tanto mais que o aflorou no seu articulado inicial – pontos 342 e 356 – contudo, não o aprofundou, pois que sabia que não o poderia fazer, uma vez que tal não ocorreu, ou seja, não houve revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

8º. Deste modo, a Meritíssima Juiz a quo, pese embora o autor/recorrente não se tenha pronunciado sobre esta exceção – porque não lhe era favorável – tinha de o fazer, pois que esta

questão era condição de apreciação do pedido efetuado pelo autor, como supra se aduziu, e por esse motivo de conhecimento oficioso.

9º. O autor/recorrente alegou que “os factos não provados consignados na sentença nas alíneas d), e), f), g), i), j), K) e l) deveriam ter sidos considerados provados pelo Tribunal a quo, na redação que se apresentará, assim como ampliado o facto provado em 30 e 55), requerendo-se ao Tribunal da Relação a modificação da decisão sobre essa matéria de facto, nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC. O Tribunal a quo andou mal ao considerar não provados os factos elencados nas alíneas d), e), f), g), i), j), K e l), e indevidamente consignado o facto provado em 30 e 55), factualidade que resultou provada em audiência com a produção de prova documental, testemunhal e as declarações de parte, matéria relevante para a identificação e apreciação dos erros judiciários perpetrados pelo MP e pelo JIC e para os danos sofridos e reclamados pelo Recorrente e por conseguinte, para uma correta decisão a proferir nestes auto cíveis.”

10º. Na verdade, o autor/recorrente não recorre verdadeiramente da matéria de facto dada como provada, apenas explana os motivos pelos quais discorda do teor dos Despachos de Acusação e de Pronúncia, no âmbito do processo n.º 267/14...., reiterando, que no seu entendimento, aqueles deveriam ter um conteúdo, e consequentemente, uma decisão diferente, que fosse favorável ao ora autor/recorrente, arguido naqueles autos.

11º. Contudo, o Tribunal a quo fez uma apreciação adequada de toda a prova produzida em julgamento bem como de toda a prova documental junta aos autos, designadamente a Meritíssima Juiz discriminou os factos que considerou provados e os que considerou como não provados, analisou criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

12º. Na Douta Sentença a quo concluiu a Meritíssima Juiz que “da conjugação dos documentos juntos nos autos, afigura-se-nos ser crível ao Ministério Público e ao JIC concluírem, numa fase

meramente indiciária, existirem indícios suficientes para considerar que, na data em que foi aprovado o plano de insolvência (17.05.2007), o autor tinha conhecimento, pelo menos, do avançado estado das negociações que levaram à celebração dos contratos (promessa) de cedência de créditos, pois se assim não fosse não faria sentido ter sido o próprio, juntamente com a CGD, requerer (de comum acordo) o adiamento da diligencia com o único propósito de alterar o plano de insolvência inicialmente apresentado para contemplar a possibilidade de converter créditos em capital.”

13º. o Tribunal ao decidir, como decidiu, procedeu a uma correta apreciação e valoração da prova produzida, de acordo com as regras da experiência e de critérios lógicos e racionais, fazendo, assim, um correto uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

14º. O autor/recorrente referiu, em síntese, que: “Os factos provados elencados na sentença a quo e os que se impugnaram em matéria de facto, revelam claramente que a acusação do MP e a decisão de pronuncia do JIC, proferidas contra AA pela prática do crime de insolvência dolosa (nº 3 do artigo 227º do CP), foram erros grosseiros, quer na valoração que fizeram da factualidade colhida, quer na interpretação do direito que lhe deram. A M. Juiz a quo, errou nas suas comparações que fez com a sentença absolutória, emitiu juízos absolutamente incorretos, ademais, àquele julgador criminal não lhe cabia apreciar erros judiciários, mas sim o comportamento do arguido à luz do artigo 227º do código penal.

15º. Na realidade, como supra já se expôs, o ora autor/recorrente ao longo das suas alegações de recurso, insurge-se contra o teor do Despacho de Acusação proferido no âmbito do processo com o NUIPC 267/14...., bem como contra o Despacho de Pronúncia proferido nesses autos.

16º. Contudo, a Douta Sentença proferida nestes autos não versa sobre essa questão, mas sim sobre saber se os Magistrados titulares dos autos, em cada uma das fases processuais, atuaram, ou não com erro grosseiro, de molde a responsabilizar o Estado pelo pagamento de um montante indemnizatório devido a esse erro judiciário.

17º. Contudo, a Douta Sentença proferida nestes autos não versa sobre essa questão, mas sim sobre saber se os Magistrados titulares dos autos, em cada uma das fases processuais, atuaram, ou não com erro grosseiro, de molde a responsabilizar o Estado pelo pagamento de um montante indemnizatório devido a esse erro judiciário.

18º. Ora, no caso do processo com o NUIPC 267/14...., entendeu a Magistrada titular desses autos que, findo o Inquérito, existiam indícios suficientes de que o então arguido AA, ora autor/recorrente, havia praticado os factos que lhe vinham imputados e que eram suscetíveis de integrar a prática de um crime de insolvência dolosa, p.p. pelo artigo 227.º, n.º, 2, do Código Penal.

19º. Por esse motivo, e no âmbito do referido processo de inquérito foi o denunciado AA constituído como arguido e nessa qualidade foi-lhe aplicada a medida de coação de Termo de Identidade e Residência.

20º. Saliente-se que a falta de constituição de um suspeito como arguido e a aplicação do respeito Termo de Identidade e Residência é que configuraria uma nulidade, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

21º. Na verdade, na fase de inquérito, o Ministério Público aprecia da existência de indícios da prática de um crime por parte de um determinado indivíduo, que posteriormente será submetido a julgamento, onde o Juiz aprecia da existência, não de indícios, mas sim de prova bastante para condenar esse indivíduo pela prática da factualidade que lhe foi imputada.

22º. É por esse motivo que o primado constitucional da presunção de inocência vigora no nosso ordenamento jurídico, ou seja, até ao trânsito em julgado de uma decisão – Sentença ou Acórdão – um arguido tem de presumir-se inocente.

23º. E tanto assim é que o ora autor/recorrente, apesar de ter sido acusado da prática de um crime de insolvência dolosa, veio em julgamento a ser absolvido, e isso é tão-só a justiça penal portuguesa a funcionar.

24º. Por esse motivo é que o juízo que se faz no inquérito é indiciário, e no julgamento é um juízo de certeza, pois que perante uma situação de dúvida razoável, deverá o julgador absolver, de acordo com o princípio do in dúbio pro reo.

25º. Como se concluiu na Douta Sentença recorrida: “Para além disso, como é consabido, o juízo de condenação é necessariamente mais exigente que o juízo de indiciação, sendo de salientar que, in casu, a absolvição ocorreu não porque tenha sido demonstrada, de forma positiva, a inocência do autor, mas porque não foi feita prova bastante de todos elementos objetivos e subjetivos do crime de insolvência dolosa de que vinha acusado.”

26º. Ora, no caso em apreço, como foi já amplamente aduzido não existiu qualquer erro grosseiro por parte do magistrado do Ministério Público titular daquele inquérito, houve, como se disse, um juízo indiciário, de acordo com todos os elementos carreados para os autos até à prolação do despacho de acusação, que levou a que fosse proferido despacho de acusação.

27º. E nessa senda, também o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal entendeu que se mantinham os indícios, tal como havia sido aduzido pelo Ministério Público na Acusação, pelo que decidiu pronunciar o arguido e submete-lo a julgamento.

“Tendo o Tribunal de julgamento apreciado todos os meios de prova, a circunstância de chegar a uma conclusão distinta quanto ao preenchimento de um tipo de ilícito não significa que exista qualquer erro grosseiro. Pelo contrário, os objetivos projetados pelo legislador no que concerne à maior exigência na apreciação da culpa do arguido não se destinam somente a encontrar patologias reconduzíveis a erros da acusação e/ou da decisão de pronuncia.

Para além disso, no que concerne ao preenchimento dos elementos do crime de insolvência dolosa, o cometimento do ilícito estava dependente da prova positiva dos factos de índole subjetiva, que resultaram não provados. E tal sucedeu da análise conjugada da prova documental e testemunhal produzida em julgamento.”

28º. Note-se por fim que, não se vislumbra qualquer violação ou má aplicação/interpretação da lei, reiterando-se que bem andou o Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, absolvendo o Réu do pedido.

29º. Consequentemente, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, a Douta Sentença a quo não violou qualquer norma aplicável, no caso em apreço, tendo em conta a prova produzida e a legislação aplicável.

30º. Por tudo o que ficou supra exposto, necessariamente, terá de improceder o recurso interposto pelo recorrente devendo, em consequência, ser mantida na íntegra e nos seus precisos termos a Douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – J4, que julgou totalmente improcedente, por não provada, a ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado.

Nestes termos, não deverá ser concedido provimento ao recurso interposto por GG e em consequência, deverá ser mantida a douta decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida.

Assim e fazendo a costumada Justiça!__

II – Factos Provados

 

1) No período compreendido entre 22 de dezembro de 2006 a abril de 2009, o autor, exerceu funções de Administrador de Insolvência no Processo de insolvência n.º 2/06...., a correr termos no Tribunal Judicial da Guarda, no âmbito do qual a sociedade “A..., S.A.” foi declarada insolvente, em 01 de agosto de 2006.

2) No referido processo de insolvência nºs 2/06...., o autor exerceu funções de Administrador de Insolvência em substituição do anterior administrador de insolvência, Dr. HH.

3) À data em que foi nomeado Administrador de Insolvência, o autor exercia funções na sociedade “D... & Associados”, que se dedica à auditoria e consultoria especializada em processos de recuperação de empresas a nível internacional e nacional com acesso a metodologias e técnicas para prepararem um plano de recuperação da empresa.

4) Havia, na D..., uma equipa de profissionais que incluía ROCs, TOCs e Advogados, que a todo o tempo apoiaram o autor nesse processo de insolvência e em muitos outros.

5) Apesar de o arguido ter atuado em termos individuais, como administrador de insolvência, fê-lo como membro e com a utilização dos recursos da “D... & Associados”.

6) A nomeação como administrador de insolvência do autor, ocorreu numa fase em que a relação de credores e de créditos, assim com a nomeação da CGD como presidente da comissão de credores, já estavam definidos no processo de insolvência.

7) No dia 20 de abril de 2009, o Processo de insolvência nº 2/06...., foi judicialmente declarado encerrado e, desde essa data, o autor não mais exerceu funções de Administrador de Insolvência, nem quaisquer outras na sociedade “A..., S.A.”.

8) Os autos de inquérito nº. 267/14.... tiveram origem numa denúncia efetuada, no dia 10 de março de 2014, por II, Administrador de Insolvência nomeado no processo nº 631/13...., a correr termos no Tribunal Judicial da Guarda, onde, em 5 de agosto de 2013, voltou a ser judicialmente declarada a insolvência da sociedade “A... S.A.”

9) Do processo nº 631/13, resultaram várias impugnações das decisões tomadas por esse Administrador de Insolvência Dr. II, incidentes processuais, que deram origem a vários apensos, da letra A à letra T, e que durante a fase do inquérito, findaram, mediante decisões judiciais.

10) No dia 10 de novembro de 2017, o autor foi confrontado com a sua constituição como arguido no processo de inquérito NUIPC 267/14...., a correr termos nos serviços do Ministério Publico - DIAP-1ª Secção, junto do Tribunal Judicial da Guarda, tendo lhe sido aplicada, na referida data, a medida de coação termo de identidade e residência.

11) O autor foi colhido de surpresa, com a sua constituição de arguido, volvidos mais de 8 anos do exercício das funções de administrador de insolvência na sociedade “A... S.A.”, nunca imaginando que sobre si viessem a recair suspeitas da prática dum crime.

12) Naquele dia 10 de novembro de 2017 da sua constituição de arguido, o Inspetor da Polícia Judiciária, Dr. DD, comunicou-lhe os factos que lhe estavam a imputados nos autos de inquérito nº 2/06, designadamente:

- Ter omitido durante todo aquele processo de insolvência quer ao Juiz quer aos credores a existência de um contrato a 20/12/2006 entre a E... SA e C... Lda., onde aquela cedeu a este a totalidade do crédito que detinha sobre a “A...” e assim poder continuar a participar e votar nas deliberações que lhe diziam respeito nomeadamente a aprovação do plano de 17/05/ 2007;

- Ter igualmente omitido a existência de um contrato celebrado em 04/04/2007 entre a Caixa Geral de Depósitos e C..., onde esta cedeu a quase totalidade do crédito que detinha sobre a A... e ainda assim continuar a participar e a votar as deliberações que diziam respeito à mesma, nomeadamente o referido plano de recuperação apresentado na Assembleia de Credores a 17/05/2007;

- Ter celebrado a 2/01/2008, em representação A... um contrato de cessão de exploração industrial a favor da G... SA representada por CC, quando esta sociedade ainda não existia como sociedade anonima, nem com a referida nominação social, com efeito C... apenas foi transformada em sociedade anonima G... SA em 04/04/2008. Por outro lado, CC apenas assumiu a gerência de H... em 26/03/2008. Acresce que o dito contrato não foi previamente autorizado pelos credores e não constava o objetivo do plano aprovado que era o da recuperação da sociedade A...;

- Ter cedido em 14/05/2008 à G... os Códigos de Barra e a marca G... detida pela insolvente A...;

- Ter permitido a CC representar a A... nas negociações com a Câmara identificando-se a 21/05/2008 como diretor da mesma;

- Ter participado numa reunião da comissão de credores da A... em 29/09/2008 e ter omitido à CGD e Segurança Social que já havia celebrado o contrato de exploração daquela empresa a favor da G...;

- Ter omitido a 30/09/2008 uma procuração a favor de CC para gerir toda a atividade da A... e na prática para aquele realizar tarefas que lhe competiam a si como administrador de insolvência supostamente com uma autorização concedida na aludida reunião da comissão de credores onde estiveram a CGD e a E... que já tinham cedido os seus créditos;

- Ter celebrado em 30/09/2008 uma adenda ao contrato de cessão de exploração, omitindo aos seus credores, e ter também omitido ao juiz as medidas tomadas a 29/09/2008 no seu ofício de 7/1/2009 aquando da sua informação sob o estado do processo.

13) O arguido AA pasmo com as suspeitas que lhe estavam a ser feitas pelos órgãos investigadores, com as interpretações que estavam dadas àqueles documentos (contratos, atas das assembleias credores, procuração), requereu no dia 15.11.2017 a consulta dos autos de inquérito, tendo sido diferida pelo MP e notificada ao arguido em 04.12.2017.

14) Ne seguida, deslocou-se de ... ao Tribunal da Guarda, pelo menos, a sua Advogada, Dra JJ (cfr. fls. 746), para consultar o processo de inquérito composto por vários volumes, requerendo cópias de documentação constante dos autos, que em conjunto com as cópias que ainda mantinha arquivadas na D..., referentes ao seu mandato de Administrador de Insolvência na sociedade “A..., S.A.” no processo de insolvência nº 2/06, lhe permitiu elaborar o requerimento junto a fls. 91 a 101, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que dirigiu ao Ministério Publico.

15) Com data de 19 de dezembro de 2017, no âmbito do referido processo de inquérito n.º 267/14...., o Ministério Público deduziu a acusação pública junta nos autos a fls. 269 a 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, imputando ao aqui autor a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227.º nº 2 do Código Penal, na qual e no que diz respeito ao autor se imputam, para além do mais, e em síntese, os seguintes factos:

“(…)

26. Em 05/01/2006, a sociedade E..., SA requer pela segunda vez, junto do Tribunal da Comarca da Guarda, a insolvência da sociedade A..., SA – Processo n.º 2/06.....

(…)

28. Em 04/05/2006, as sociedades E..., SA e A..., SA celebraram no âmbito do processo n.º 2357/03...., do Tribunal da Comarca da Guarda, um “termo de transação”, onde se reconhecem mutuamente credoras e devedoras uma da outra e que apuradas as contas e feitas as respetivas compensações a segunda deve à primeira o valor de 2.300.000,00 Euros.

29. Em 01/08/2006 foi declarada, por Douta Sentença no Processo n.º 2/06.... a insolvência da sociedade A..., SA e nomeados, como administrador de insolvência: HH; e como Presidente da Comissão de Credores: a Caixa Geral de Depósitos.

30. Em 16/08/2006, a E..., SA reclamou créditos no processo, no valor de 2.327.633,22 Euros.

(…)

32. Em 30/08/2006, a Caixa Geral de Depósitos reclamou créditos no processo, no valor de 7.038.948,82 Euros.

33. Em 23/10/2006, em assembleia de credores, procedeu-se à substituição do administrador de insolvência HH pelo arguido AA.

34. Em 20/12/2006, o arguido AA dirige ao processo um ofício a aceitar a sua nomeação como administrador de insolvência da sociedade A..., SA.

35.Em 20/12/2006 (mesma data), a E..., SA (representada por KK e LL) cede à sociedade C..., LDA (doravante designada por C..., LDA) os seus créditos na A..., SA, no valor de 2.327.633,22 Euros, por apenas 500.000,00 Euros, através de contrato celebrado na ....

36. Em 21/11/2006, o arguido AA, apresenta o relatório nos termos do artigo 188.º n.º 2, do CIRE, a considerar a insolvência fortuita.

37. Em 22/12/2006, o arguido AA, apresenta uma proposta de Plano de Insolvência da sociedade A..., SA, onde entende que a empresa é viável, desde que os respetivos credores aceitem reduzir em 70% os créditos privilegiados e garantidos, recebendo o remanescente no prazo de 2 a 8 anos e aceitem reduzir em 80% os créditos comuns, com o remanescente a ser pago no mesmo prazo.

38. Nesse plano nada foi referido quanto à cedência de créditos já efectuada pela E..., SA, dois dias antes.

39. Em 16/01/2007 o arguido AA apresenta aos autos uma relação de créditos atualizada, mantendo-se inalterado o crédito da E..., SA.

40. Em 15/02/2007 para análise da proposta apresentada pelo administrador de insolvência, o arguido AA, estão presentes, entre outros, os credores E..., SA representada por MM (com 17,85 % de créditos); Caixa Geral de Depósitos, representada por FF (com 48,58 % de créditos); e a “I..., Lda.” representada pelo arguido CC (com 2,76 % de créditos).

41. O arguido CC (representante da “I..., Lda”) é filho de C..., sócio-gerente da C..., LDA à qual a E..., SA cedeu a totalidade dos seus créditos.

42. Entre 22/02/2007 a 4.04.2007 o valor do crédito da E..., SA indicado nos autos pelo administrador de insolvência, o arguido AA manteve-se inalterado.

43. Em 04/04/2007, é celebrado entre a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, representada por NN e a C..., LDA, representada por C..., um “contrato-promessa de cedência de créditos e transferência de garantias”, onde a primeira promete ceder à segunda, créditos sobre a A..., SA existentes à data de 01/08/2006, no valor de 6.824.506,33 Euros, por apenas 3.250.000,00 Eu

44. Na primeira cláusula do referido contrato-promessa, a Caixa Geral de Depósitos prometeu ceder à sociedade C..., LDA, créditos que detém sobre a sociedade A... SA, no valor de 6.824.506,33 Euros, bem como transferir as garantias, reais e pessoais, descritas no considerando segundo do mesmo contrato-promessa pelo valor de 3.250.000,00 Euros.

45. Em 24/04/2007 a A..., SA requereu junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o registo da marca verbal e de imagem G..., com o n,º ...96, que é concedido a 18/08/2008.

46. O pedido é subscrito pelo Advogado Dr. MM, representante da E..., SA.

47. Em 17/05/2007 em assembleia de credores é aprovado o Plano de Insolvência da A..., SA (versão de 22/02/2007) apresentado pelo arguido AA.

48. Participam e votam favoravelmente o plano, entre outros, os credores E..., SA (com 17,85 % dos créditos), representada pelo advogado MM; a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA (com 48,58 % dos créditos), representada pelo advogado FF; e a I..., LDA (com 2,76 % dos créditos), representada pelo arguido CC

49. Em 24/05/2007, o advogado MM, em representação das sociedades E..., SA e I..., LDA dirigiu dois ofícios ao administrador de insolvência, o arguido AA, a manifestar a intenção das mesmas em converterem parte dos seus créditos, já reduzidos, em participações sociais da sociedade A..., SA nos valores de 50.000,00 Euros e 5.000,00 Euros, respetivamente.

50. Nada foi referido quanto à cedência de créditos já efetuada pela E..., SA a C..., LDA.

51. Em 05/09/2007 foi celebrado entre as sociedades C..., LDA e B... LIMITED sediada em ..., República Popular da China, um “contrato-promessa de cessão de créditos”, através do qual a primeira promete ceder à segunda, créditos que detém sobre a sociedade A..., SA que havia adquirido ou prometido adquirir à CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA.

52. A sociedade B... LIMITED tem como representante fiscal em Portugal, a “D... – Outsourcing Serviços de Contabilidade e Organização, Lda.”, pessoa coletiva n.º ...97, com sede na Av. ..., ..., ... ..., endereço correspondente ao domicílio profissional do arguido AA, autor do plano de insolvência da A..., SA. 53.Em 24/09/2007, é celebrado entre a sociedade “C..., Lda.” (representada por C...) e a “B... Limited” (alegadamente representada por OO), um “contrato promessa de cedência de créditos”, onde a primeira promete ceder à segunda, créditos sobre a A..., LDA no valor de 5.038.948,82 Euros, por apenas 1.000,00 Euros, através de um contrato celebrado em ....

53. Em 24/09/2007, é celebrado entre a sociedade “C..., Lda.” (representada por C...) e a “B... Limited” (alegadamente representada por OO), um “contrato promessa de cedência de créditos”, onde a primeira promete ceder à segunda, créditos sobre a A..., LDA no valor de 5.038.948,82 Euros, por apenas 1.000,00 Euros, através de um contrato celebrado em ....

54. Em 28/09/2007, a “C..., Lda.” e a “B..., Limited” celebram novo contrato-promessa de cessão de créditos, onde a primeira cede à segunda, créditos sobre a sociedade A..., SA no valor de 1.867.654,22 Euros, ficando a “B..., Limited” de receber o montante de apenas 10.000,00 Euros, do Plano de Insolvência.

55. Em 02/10/2007, a “C..., Lda.” e a “B..., Limited” celebram ainda outro contrato-promessa de cedência de créditos, onde a primeira cede à segunda, pelo montante de apenas 500,00 Euros, créditos sobre a sociedade A...,SA, novamente no valor de 1.867.654,22 Euros.

56. Efetivamente, os arguidos AA e CC, em comunhão de esforços e intenções, decidiram, em data não concretamente apurada, próxima do mês de Outubro de 2007, delinear um plano, mediante a prática de atos sucessivos e postergados no tempo, apto a transferir o património da A..., SA para a G..., SA, incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, ficcionando contratos de cedência de créditos, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresenta-los, privilegiando determinados credores em detrimento de outros, ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência, com o claro propósito de provocarem a insolvência A..., SA e prejudicarem os seus credores, fazendo com que estes ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

57. Com tal objetivo, em 2/01/2008 a sociedade C..., LDA alterou a sua sede, de ..., ..., para o Loteamento Industrial da ..., ..., onde se localizam as instalações industriais da sociedade A..., SA.

58. Na mesma data, em 02/01/2008 foi celebrado entre a sociedade A...,SA e a C..., LDA um “contrato de cessão de exploração industrial” celebrado entre a sociedade “A..., SA”, representada pelo administrador de insolvência o arguido AA, e a G..., SA representada pelo arguido CC, onde a primeira cede à segunda a licença de exploração da água da nascente G... (fonte PP) e a exploração da unidade industrial, pelo prazo de 10 anos, contados a partir do dia 02/01/2008.

59. Como contrapartida da cedência mencionada a G..., SA compromete-se a pagar à A..., SA até ao dia 8 de cada um dos meses de vigência do contrato, o valor de 10.000,00 Euros, acrescido de IVA.

60. A G..., SA comprometeu-se ainda a transferir (para seu nome) os contractos de eletricidade e água, bem como a integrar nos seus quadros os trabalhadores da A..., SA afetos à unidade industrial.

61. Mais se estipulou que eram da exclusiva responsabilidade da G..., SA as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade, designadamente a renovação das licenças necessárias a esse exercício de atividade, as contribuições, impostos, multas ou coimas, dívidas a fornecedores e os seguros obrigatórios que tenham que ser celebrados em função da exploração do estabelecimento indústria.

62. Na data da sua celebração (02/01/2008), a sociedade C..., LDA ainda não tinha sido transformada em sociedade anónima, nem alterado a sua denominação social para G..., SA, o que apenas veio a suceder a 04/04/2008.

63. À data de 02/01/2008, o arguido CC não podia representar a C..., LDA uma vez que apenas assumiu a gerência da mesma a 26/03/2008, entrando depois como sócio a 31/03/2008.

64. Este contrato foi celebrado pelo administrador de insolvência, o arguido AA, sem o conhecimento e autorização dos credores da sociedade A..., LDA designadamente da CGD e da Segurança Social.

65. Em 04/04/2008, a sociedade C..., LDA é transformada em sociedade anónima e altera a sua sede para ... e a sua denominação social para G..., SA.

66. Em 28/04/2008, a G..., SA requer junto da EUIPO (European Union Intellectual Property Office), congénere do INPI a nível internacional, o registo da marca “G...”, sob o n.º ...25, que é recusado.

67. O pedido é formulado pelo Advogado MM.

68. Em 14/05/2008, o administrador de insolvência da sociedade A..., SA, o arguido AA cedeu à G..., SA, os códigos CEPs (Códigos de Empresa Portuguesa), GLNs (Códigos de Localização GS1) para a EDI (Transferência Eletrónica de Documentos) e da marca G... detidos pela A..., SA.

69. Em 21/05/2007, o arguido CC enviou por fax à Câmara Municipal ..., identificando-se como “Diretor Geral” da sociedade A..., SA cópia do “contrato de cessão de exploração industrial” celebrado entre aquela sociedade e a G..., SA.

70. Sucede que a cópia enviada tem data de 20/12/2007, enquanto o contrato junto ao Processo de Insolvência tem data de 01/02/2008.

71. Em 22/05/2014, a G..., SA requer junto da EUIPO o registo da marca “J...”, sob o n.º ...62, que é concedido a 14/01/2015.

(…)

72. Em 03/07/2008 na qualidade de administrador de insolvência, o arguido AA apresenta ao Mmo Juiz o ponto da situação do plano e remete as contas da sociedade A..., SA até Junho de 2008.

73. Acontece que, em março de 2008, a contabilidade da sociedade A..., SA foi transferida de ... para a zona de ....

74. Os arguidos CC e AA sempre em comunhão de esforços e intenções ocultaram a real contabilidade da A..., SA. 75.Em 14/07/2008, foi alterado o pacto social da sociedade A..., SA, com a redução do capital a zero, seguido de aumento para 55.000,00 Euros, subscrito pelas sociedades; 50.000,00 Euros, pela “C..., Lda.”; 5.000,00 Euros, pela “I..., Lda.”;

76. À data, o arguido CC era sócio-gerente de ambas as sociedades, assumindo assim a sociedade C..., LDA a intenção que inicialmente era manifestada pela E..., SA em subscrever o capital social da A..., SA.

77. Em 29/09/2008 numa reunião da Comissão de Credores da sociedade A..., SA a qual teve lugar na Agência da Guarda da Caixa Geral de Depósitos, com a participação desta instituição bancária, representada por QQ; da E..., SA, representada pelo advogado MM; do INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA, IP, representado pelo advogado RR; e do administrador de insolvência, o arguido AA, foi dada autorização ao administrador de insolvência para celebrar um contrato de cessão de exploração da sociedade A..., SA, contrato esse que já tinha sido celebrado a 20/12/2007.

78. Acresce que na mesma reunião também foram dados ao administrador de insolvência, ou a quem ele indicasse, todos os poderes necessários e suficientes para, em nome da sociedade A..., SA proceder junto da Câmara Municipal ... ou de qualquer outra entidade, ao pedido ou alteração de processos relativos aos loteamentos ou terrenos da sociedade, ao pedido ou alteração de processos de licenciamento de obras e ao pedido ou alteração de todos os processos de licenciamento que fossem necessários para a laboração da sociedade, praticando todos os atos ou assinando todos os documentos que para o efeito fossem necessários.

79. Em 30/09/2008 e na sequência daquela deliberação o administrador de insolvência, o arguido AA emitiu no dia seguinte uma procuração a favor do arguido CC, concedendo-lhe poderes para representar a sociedade A..., SA, em todos os assuntos junto da Câmara Municipal ..., bem como requerer a alteração dos processos relativos aos loteamentos dos terrenos da sociedade, aos licenciamentos inerentes à laboração da sociedade, praticando todos os atos e/ou assinando todos os documentos e requerimentos que para o efeito sejam necessários, conforme ata da reunião da Comissão de Credores, solicitar todos os atos de registo incluindo declarações complementares de vontade a realizar junto de todas e quaisquer Conservatórias do Registo Predial ou Comercial e Repartições de Finanças, e negociar contractos e assinando todos os documentos necessário.

80. Esta procuração constituiu na prática, uma transmissão das funções e poderes próprios do administrador de insolvência a favor do arguido CC, ato que contribuiu para o propósito delineado no ponto 56 do presente despacho.

81. Em 30/09/2008 (mesma data), e supostamente em sequência da autorização concedida na reunião do dia anterior, é celebrada uma “adenda” ao contrato de cessão de exploração industrial”, entre a A..., SA, representada pelo administrador de insolvência, o arguido AA e a G..., SA.

82. Em 09/10/2008 o arguido CC, munido da procuração atrás citada, remeteu um ofício à Câmara Municipal ... com “um conjunto de elementos importantes para o prosseguimento do processo negocial em curso, bem como para a continuação da resolução dos assuntos constantes da ata da última reunião”.

83. Em 09/10/2008 (mesma data), o administrador de insolvência, o arguido AA dirigiu um ofício à CM de ... a dar conta da procuração que emitiu a favor do arguido CC, para o representar em todos os atos relacionados com a A..., SA em conformidade com a autorização dada pela Comissão de Credores desta sociedade em 29/09/2008.

84. No mesmo ofício refere que tem conhecimento de que já foi enviado para a Câmara Municipal ..., por correio, o original do “contrato de cessão de exploração” autorizado por decisão unânime da Comissão de Credores, o que foi desmentido pela referida Câmara Municipal.

85. Em 22/10/2008, é a sociedade G..., SA e não a A..., SA quem envia à Direcção-Geral de Geologia e Energia os boletins de análises bacteriológicas efetuadas às colheitas de amostras de água.

86. Em 04/11/2008, são designados para o Conselho de Administração da sociedade A..., SA os mesmos membros do Conselho de Administração da G..., SA, o arguido CC (Presidente), SS e TT.

87. Em 07/01/2008, o administrador de insolvência, o arguido AA oficia ao Processo N.º2/06.... que o plano de recuperação da sociedade A..., SA está a ser cumprido.

88. Todavia, omitiu as decisões tomadas pela Comissão de Credores em 29/09/2008 e a Procuração que emitiu a favor do arguido CC.

(…)

91. Em 20/04/2009 o Processo de Insolvência n.º 2/06.... foi declarado encerrado.

92. Em 22/09/2009, na qualidade de administrador de insolvência, o arguido AA informou o Processo de Insolvência n.º 2/06.... de que durante o decurso do plano de insolvência, a sociedade A..., SA esteve em pleno funcionamento, tendo mantido a sua normal atividade fabril, e que a respetiva documentação contabilística e financeira se encontra disponível na sede da sociedade, o que não correspondia à verdade.

(…)

119. Em 09/07/2013, foi declarada a insolvência da sociedade A..., SA por sentença proferida no âmbito do Processo N.º 631/13...., do Tribunal da Comarca da Guarda.

120. II foi nomeado administrador de insolvência.

(…)

127. Em 16/08/2013, a sociedade “B..., Limited” reclamou créditos sobre a A..., SA nos valores de 1.867.654,22 Euros + 721.255,78 Euros de juros, alegando que o primeiro valor se trata de um crédito adquirido em 28/09/2007 à C..., LDA, agora G..., SA.

128. Em 18/09/2013, a sociedade “B..., Limited” reclamou créditos sobre a A..., SA agora nos valores de 5.038.650,00 Euros + 1.945.955,70 Euros de juros, alegando que o primeiro valor se trata de um crédito adquirido em 05/09/2007 à C..., LDA agora G..., SA..

(…)

131. A contabilidade da sociedade A..., SA desde o ano de 2007 nunca refletiu a realidade.

(…)

133. Não foram reconhecidos os créditos da sociedade “B..., Limited” sobre a A..., SA.

(…)

140. Em 7/04/2014 a CGD declara que em abril de 2007 “prometeu” ceder créditos sobre a A..., SA à sociedade “C..., Lda”, cuja cedência se concretizou apenas no âmbito do Processo de Insolvência N.º 631/13.... (a 12.12.2013, cfr. escritura no Notário Privado da CGD).

(…)

145. Desde pelo menos o mês de Outubro de 2008 que os arguidos CC e AA, enquanto respetivamente, administrador de facto e posteriormente de direito da A..., SA e administrador da insolvência, agiram de forma intencional ao esvaziarem o património desta em favor da G..., SA, sabendo que com este procedimento violavam o plano de insolvência aprovado e causavam graves prejuízos à A..., SA impedindo-a desenvolver a sua atividade.

146. Posteriormente, com a colaboração do arguido UU, praticaram atos cujo único objetivo foi o de desvincular os dois primeiros arguidos, de qualquer responsabilidade na gestão da empresa A..., SA e no incumprimento das diversas obrigações a que, enquanto administrador de facto e posteriormente de direito da A..., SA e administrador da insolvência, estavam obrigados.

147. Todos os arguidos nos momentos temporais supra descritos, agiram de forma concertada e intencional, praticando atos que sabiam serem prejudiciais à sociedade A..., SA e que ao atuarem dessa forma, além causarem um efetivo prejuízo à empresa impedindo-a de poder continuar a desenvolver a sua atividade, causaram também prejuízo aos credores da mesma, que viram extinta a garantia de solvabilidade dos seus créditos e em benefício da G..., SA.

148. Todas as condutas supra descritas levadas a cabo por todos os arguidos, concretizadas na dissipação, ocultação e dissimulação do património da sociedade A..., SA – praticadas durante a vigência do plano de insolvência no âmbito do Processo n.º 2/06.... – foram causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência desta sociedade no âmbito do processo n.º 631/13.... do Tribunal da Comarca da Guarda.

149. Ao ocultar os elementos contabilísticos da sociedade insolvente, os arguidos obstaram ao conhecimento real da situação contabilística e financeira daquela, mormente o seu património.

150. Agiram todos os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo que todas as suas descritas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.

(…)”

16) O autor é licenciado em Direito, MBA em Gestão e Sénior Partner da Sociedade D..., com experiência académica e profissional na área do Direito Fiscal, Gestão e Contabilidade.

17) Não se conformando com a acusação pública deduzida contra si, em 22 de janeiro de 2018, o autor requereu a abertura da instrução, com os fundamentos exarados a fls. 284 a 315, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos, no qual, para além do mais, suscitou a nulidade da acusação, por entender verificar-se a “violação do disposto no nº3, al. c) do artigo 283º e 118º, nº1, 120º, nº1 e nº3 al. c), todos do CPP.”.

18) Como se encontrava pendente o processo de insolvência nº 631/13, respeitante à sociedade “A..., S.A., no Tribunal da Guarda, o autor juntou aos autos de instrução, cópias da sentença homologatória desse processo nº 631/13 e da transação efetuada entre o Administrador de Insolvência, Dr. II e a Sociedade G... (anterior C... Lda.), da qual constava a desistência de todos os apensos, por entender que esse processo de insolvência nº 631/13, continha matéria relevante que, na sua opinião, não corroboraram os factos que lhe estavam imputados.

19) No dia 14.09.2018, o autor prestou declarações, na qualidade de arguido, perante o JIC, para esclarecer os factos que lhe diziam respeito e que, na sua perspetiva, eram suscetíveis de afastar as imputações feitas na acusação pública contra si deduzida.

20) O debate instrutório foi conduzido pelo JIC, Exmo Sr. Dr. EE, tendo o arguido solicitado ao Tribunal para ler os documentos e decisões judiciais juntas no âmbito do processo de insolvência.

21) Em 26 de outubro de 2018, o arguido AA, deu entrada de outro requerimento de aditamento ao requerimento de abertura de instrução e juntou quatro documentos, a saber:

- a sentença proferida em 2014, de reconhecimento de créditos da sociedade B..., extraída do apenso C. do proc. 631/13, tentado demonstrar por decisão judicial a licitude desses créditos;

- a certidão da Autoridade Tributaria e Aduaneira relativa à representação fiscal da D... à Sociedade B... Limited, para a solicitação de NIF para ato societário, em 2013, tentando demonstrar por documento da AT que não era representante fiscal;

- a listagem da relação de créditos do proc. nº 2/06 e a listagem de créditos e credores do proc. nº 631/13, que evidenciam a diminuição dos créditos de €14.592 296, pertencentes a 161 credores (proc. nº 2/06), para créditos no montante de €5.763.195 + juros de 1.785.299, pertencentes a 17 credores (proc. nº 631/13), tentando demonstrar por decisão judicial o pagamento das dívidas dos credores.

22) Finda a Instrução, no dia 16.12.2018, o Juiz de Instrução Criminal proferiu a decisão instrutória de pronúncia junta nos autos, a fls. 209 a 267, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, contra, para além do mais, o aqui autor, e na qual manteve inalterados todos os 150 artigos da acusação pública.

23) No ponto C) da mencionada decisão de pronuncia, sob o título “Resultado das diligencias realizadas na instrução quanto aos factos imputados”, fez-se constar:

“Prestando declarações, o arguido AA veio explanar quase tudo o que havia vertido no seu requerimento de abertura de instrução, referindo não reconhecer nenhum facto da acusação que lhe fosse imputado, que a D... não tem nada a ver com a B..., que unicamente solicitou o NIF desta, nada mais.

Que o contrato de cessão de exploração que foi celebrado visou unicamente a venda de água engarrafada por VV (de frisar que se referia sempre à pessoa singular e não à sociedade), uma vez que a A... estava em “processo de insolvência” e os grupos comerciais para quem eram vendidas as águas não admitia a concurso empresas em processo de insolvência, sendo que foi o tribunal que se atrasou, e muito, a homologar o plano de recuperação.

Referiu que no tempo em que foi administrador de insolvência sempre procurou, a todo o custo, a recuperação da A..., que houve pagamento da E... à A... resultantes do contrato de cessão de exploração e que a redução de capital foi aprovada em Assembleia de Credores. (…)”

24) No Ponto F) Subsunção dos factos aos referidos elementos do tipo legal do crime em causa, consta: “Conjugados os elementos recolhidos no âmbito das várias diligências de investigação realizadas somos a concluir que existem fortes indícios de todos os factos pelos quais o Ministério Público deduzir acusação pública quanto aos arguidos. Com efeito, da análise ao processo constata-se que de um historial de insolvência que a A... teve, está foi a única onde houve diminuição do seu património, chegando a desaparecer o mesmo – pelo menos da sua contabilidade, v.d. imobilizações corpóreas, folhas 1967 e ss - as quais foram a favor do arguido CC, tendo a AI tido conhecimento de tal e nada fez, pois se houve uma restruturação da dívida, com um perdão de 80%, logo houve um perdão da dívida de mais de 10 milhões.

Se pelo contrato de cessão de exploração a E... pagou mais de 2 milhões, num ano, se a dívida, após o perdão passou a ser de pouco mais de 3 milhões e se só o valor da captação da água valia cerca de 6 milhões, fora o valor da imobilizado corpóreo, sempre teremos que perguntar para onde foram tais valores??? Ora, todos os “esquemas” de engenharia financeira e até logística (a mudança da sede de uma empresa que lave milhões para a casa de alguém de vende colchões porta a porta, levaram a que se tentasse, a todo o custo, esconder tudo o que estava a ser feito em detrimento da A....

Assim, existem fortes indícios de que e sobretudo CC, com a conivência dos restantes arguidos, terá tirado proveito da situação em que a insolvente se encontrava, para seus benefício (basta lembrar que o mesmo detinha a cessão de exploração e pagava renda a si próprio – gerência da A..., ou seja, fez um negócio consigo mesmo.”

25) Na audiência de julgamento que se seguiu, o aqui autor, na qualidade de arguido optou por não prestar declarações.

26) No dia 04 de fevereiro de 2020, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda foi proferida a sentença de absolvição dos três arguidos acusados/pronunciados, transitada em julgado a 05.03.2020, junta nos autos a fls. 180 a 208 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual, e em síntese, fez-se constar que:

“(…) Enquadramento Jurídico Penal (…)

Ora, revertendo ao nosso caso concreto, e não obstante os profusos e extensos factos que foram dados como provados, pensamos que deles não resulta de forma clara nem suficiente que qualquer dos aqui arguidos, quer em representação direta de direito ou de facto da devedora e insolvente “A..., S.A.”, quer como terceiro com conhecimento de tal devedora ou em benefício desta, tenha destruído, danificado, inutilizado ou feito desaparecer parte do património da devedora; ou tenha diminuído ficticiamente o seu ativo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida; ou tenha criado ou agravado artificialmente prejuízos ou reduzido lucros da devedora; ou para retardar falência, tenha comprado mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente.

E muito menos resulta que qualquer um dos arguidos haja praticado quaisquer de tais atos com a específica intenção de prejudicar os credores da aqui devedora e insolvente “A..., S.A.”.

E foi alegado, mas foi não provado que os arguidos AA e CC, em comunhão de esforços e intenções, tenham decidido, em data próxima do mês de Outubro de 2007, delinear um plano, mediante a prática de actos sucessivos e postergados no tempo, aptos a transferir o património da “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, ficcionando contratos de cedência de créditos, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, privilegiando determinados credores em detrimento de outros, e ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência, com o claro propósito de provocarem a insolvência “A..., S.A.” e prejudicarem os seus credores, fazendo com que estes ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

E mais foi alegado, mas não provado, que no mês de Maio de 2013, à data da entrada do processo de insolvência n.º 631/13...., o arguido CC, com o intuito de não ser responsabilizado criminalmente e pessoalmente pela insolvência da “A..., S.A.”, cuja dissipação de património tivesse iniciado anos antes, tenha decidido, em comum acordo com o arguido UU, forjarem documentos que tenham vindo a apresentar neste processo de insolvência, com o objetivo de isentar CC de qualquer responsabilidade relativa à gestão da empresa “A..., S.A.”, nomeadamente no que diz respeito à dissipação de património.

E mais sobretudo foi ainda alegado, mas não provado, que desde pelo menos o mês de Outubro de 2008 que os arguidos CC e AA, enquanto respetivamente, administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, tenham agido de forma intencional ao esvaziarem o património desta em favor da “G..., S.A.”, sabendo que com este procedimento violassem o plano de insolvência aprovado e causassem graves prejuízos à “A..., S.A.”, impedindo-a desenvolver a sua atividade. E igualmente não se provou que posteriormente, com a colaboração do arguido UU, os mesmos arguidos CC e AA tenham praticado atos cujo único objetivo tenha sido o de desvincular estes últimos arguidos de qualquer responsabilidade na gestão da empresa “A..., S.A.” e no incumprimento das diversas obrigações a que, enquanto administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, estivessem obrigados.

E mais não se provou ainda que todos os arguidos tenham agido de forma concertada e intencional, praticando atos que soubessem ser prejudiciais à sociedade “A..., S.A.” e que ao atuarem dessa forma, além de causarem um efetivo prejuízo à empresa impedindo-a de poder continuar a desenvolver a sua atividade, causassem também prejuízo aos credores da mesma, que tenham visto extinta a garantia de solvabilidade dos seus créditos e em benefício da “G..., S.A.”.

E também não se provou que todas as condutas aqui descritas e levadas a cabo pelos arguidos tenham sido causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência da sociedade “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 631/13...., do Tribunal da Comarca da Guarda, bem como que ao ocultar elementos contabilísticos da sociedade insolvente, os arguidos tenham obstado ao conhecimento real da situação contabilística e financeira daquela, mormente o seu património, e ainda que tenham agido todos os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo que todas as suas condutas aqui descritas fossem proibidas e criminalmente punidas.

Assim, em face do exposto, é evidente que não se preencheram sequer os elementos objetivos nem subjetivos do tipo de crime de insolvência dolosa que vem imputado a qualquer um dos arguidos, em qualquer das suas formas previstas nos n. os 1 a 3 do artigo 227º do Cód. Penal, razão pela qual não faz sentido apreciar da ilicitude, culpa ou punibilidade das condutas de quaisquer dos arguidos, devendo ser por isso todos pura e simplesmente absolvidos da prática dos crimes pelos quais vieram pronunciados, como a final se decidirá.”

27) A circunstância do autor ter sido sujeito a audiência de julgamento causou-lhe sofrimento.

28) No âmbito do processo crime supra mencionado, o autor chamou a atenção para o teor da cláusula 5º do contrato de cessão de créditos datado de 20 de dezembro 2006, junto nos autos a fls. 742 verso a 744 verso, que refere: “O presente contrato entra em vigor na data da respetiva assinatura por ambos os outorgantes, sem prejuízo de se considerar que os créditos apenas se consideram cedidos no dia imediatamente a seguir à data da homologação judicial do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores.”

29) Mais referiu que, o citado contrato de cessão de créditos, previa uma condição suspensiva, que impedia a cedência dos créditos antes da homologação judicial do plano de insolvência, razão pela qual, a sociedade C... não podia fazer parte da lista dos credores no processo nº ...6 e não podia participar, votar ou deliberar sobre qualquer assunto referente ao processo de insolvência da A..., SA, designadamente, o plano apresentado pelo AI no processo judicial de insolvência.

30) No âmbito do processo inquérito NUIPC 267/14...., o autor sustentou perante o JIC que a sociedade C... Lda deveria lançar mão do Incidente de habilitação do cessionário, para dessa forma seguir na causa, o que não aconteceu.

31) Na supra mencionada sentença absolutória fez-se constar que: (…) Por seu turno, mais nos parece que no despacho de pronúncia se pretende dar a entender que o arguido AA ocultou as cessões de créditos que se encontram provadas da “E...” e da Caixa Geral de Depósitos, ambas à “C..., Lda.” na proposta de plano de insolvência, em assembleias de credores e na relação de créditos que apresentou na insolvência de 2006, quando na verdade na cessão efetuada pela “E...” foi acordado que a mesma só produziria efeitos após a homologação do plano de insolvência, e esta ainda não tinha ocorrido, só tal tendo sucedido por sentença proferida a 15/02/2008 e transitada em julgado apenas a 06/11/2008; e a alegada cessão de créditos efetuada pela Caixa Geral de Depósitos tratou-se inicialmente de uma simples promessa, cujo contrato definitivo apenas viria a ser concretizado em 12/12/2013, ou seja, até já depois de ter sido decretada a insolvência de 2013.

Aliás, ainda neste âmbito, o despacho de pronúncia parece assentar numa lógica de que, se essas supostas cessões de créditos se encontravam logo “ab initio” já efetuadas e definitivas, então a “E...” e a Caixa Geral de Depósitos não deviam ter participado em assembleias de credores posteriores e aprovado o plano de insolvência do processo de insolvência de 2006, até porque tal plano importou redução significativa de todos os créditos.

No entanto, não se pode concluir prejuízo para os credores nem intenção de o criar por esta via, na medida em que, como já vimos antes, tais cessões de créditos, ou não produziram imediatamente efeitos, ou não passaram de mera promessa. (…)

E aliás, diga-se, nos próprios termos do despacho de pronúncia, e em face da qualidade de que se revestia e das funções que se lhe encontravam atribuídas, o arguido AA não tinha sequer de saber de quaisquer cessões de créditos, a não ser que as mesmas lhe fossem comunicadas (por não ser nelas interveniente), ou que houvesse lugar a incidentes de habilitação de cessionário, algo que nunca se alegou nem se provou que tivesse sucedido. “

32) Relativamente ao documento junto nos autos a fls. 745, que constava de fls. 441 a 452, vol. 2, dos autos de inquérito acima aludidos, denominado “Contrato-Promessa de Cedência de Créditos e Transferência de Garantias”, celebrado em 04/04/2007 entre a Caixa Geral de Depósitos representada por NN e C..., Lda, representada por C..., no qual a CGD prometeu ceder os créditos que detinha na Sociedade “A...”, no valor de €6.824.506.33, por €3.250.000,00, o autor tentou demonstrar que, nos autos de insolvência nº 2/06, não tinha ocorrido o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, que permitisse substituir a CGD, nem, na sua opinião, tal poderia ter ocorrido, por se tratar de um contrato-promessa e não de um contrato definitivo de cedência de créditos e transferência de garantias.

33) No âmbito do processo crime supra mencionado, o autor juntou aos autos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no apenso do processo de insolvência n.º 631/13...., para tentar demonstrar que a G... SA, (anteriormente C... Lda), só havia adquirido o crédito por escritura de compra e venda em 12.12.2013, no decurso do processo de Insolvência 631/13...., ou seja, em data muito posterior ao encerramento do processo de insolvência n.º 2/2006 e às funções enquanto Administrador de Insolvência.

34) Do ponto 163 do Relatório da Polícia Judiciária junto no mencionado processo crime, consta que o incidente de habilitação do cessionário C... Lda, foi requerido em 13/01/2014, no âmbito do processo de insolvência nº 631/13.

35) De igual modo, no ponto clxiii de fls. 73 da decisão de pronuncia consta que: “Em 13/01/2014, a “G..., SA” requer ao Mm.º Juiz para ser habilitada no lugar do credor CGD, em virtude de ter ficado com o respetivo crédito e garantias hipotecárias, por escritura celebrada a 12/12/2012 (vide requerimento e documentos de suporte constantes de fls. 108 a 140, do apenso n.º 3).”

36) A este propósito, na sentença absolutória supra mencionada em 26) fez-se constar, na factualidade dada por não provada, que: “Os arguidos AA e CC, em comunhão de esforços e intenções, tenham decidido, em data próxima do mês de Outubro de 2007, delinear um plano, mediante a prática de atos sucessivos e postergados no tempo, aptos a transferir o património da “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, ficcionando contratos de cedência de créditos, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, privilegiando determinados credores em detrimento de outros, e ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência, com o claro propósito de provocarem a insolvência “A..., S.A.” e prejudicarem os seus credores, fazendo com que estes ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

37) Referindo-se a tal propósito na motivação que: “(…) a alegada cessão de créditos efetuada pela Caixa Geral de Depósitos tratou-se inicialmente de uma simples promessa, cujo contrato definitivo apenas viria a ser concretizado em 12/12/2013, ou seja, até já depois de ter sido decretada a insolvência de 2013. Aliás, ainda neste âmbito, o despacho de pronúncia parece assentar numa lógica de que, se essas supostas cessões de créditos se encontravam logo “ab initio” já efetuadas e definitivas, então a “E...” e a Caixa Geral de Depósitos não deviam ter participado em assembleias de credores posteriores e aprovado o plano de insolvência do processo de insolvência de 2006, até porque tal plano importou redução significativa de todos os créditos. No entanto, não se pode concluir prejuízo para os credores nem intenção de o criar por esta via, na medida em que, como já vimos antes, tais cessões de créditos, ou não produziram imediatamente efeitos, ou não passaram de mera promessa.”

38) Ao contrário do que consta no artigo 133º da acusação pública deduzida e do despacho de pronuncia, os créditos reclamados pela B... Limited, no montante de €1.867.654,22, acrescidos de €721.255,78 de juros, foram reconhecidos por sentença proferida no Processo de insolvência nº 631/13.

39) No ponto 52 da acusação e pronuncia supra mencionadas, o Ministério Público e o Mmo Juiz de Instrução Criminal, fizeram constar que “A sociedade B... LIMITED tem como representante fiscal em Portugal, a “D... – Outsourcing Serviços de Contabilidade e Organização, Lda.”, pessoa coletiva n.º ...97, com sede na Av. ..., ..., ... ..., endereço correspondente ao domicílio profissional do arguido AA, autor do plano de insolvência da A..., SA.”

40) Ao ser confrontado pelo Mmo Juiz de instrução com a descrita representação fiscal, o autor juntou aos autos de inquérito, o Registo do RNPC, o ofício da Autoridade Tributaria e a certidão da Autoridade Tributaria para esclarecer que apenas em 16 de julho de 2013, ou seja, em data posterior ao encerramento do processo de insolvência nº 2/06...., um colaborador da D... havia solicitado no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o número de contribuinte fiscal Português, para uma sociedade B... Limited, para fins de participação societária em sociedade portuguesa como acionista.

41) Na sentença absolutória supra mencionada em 26), fez-se constar, que:

BB) A sociedade “B... Limited” teve como representante fiscal em Portugal, a “D... – Outsourcing Serviços de Contabilidade e Organização, Lda.”, pessoa coletiva n.º ...97, com sede na Av. ..., ..., ... ..., sendo certo que tal representação se destinou à prática de ato isolado em Portugal em 16/07/2013, como sendo a atribuição do NIF ...67 e participação societária em sociedade portuguesa como acionista.

BC) E tal endereço (Av. ..., ..., em ...) é o mesmo correspondente ao domicílio profissional do arguido AA, autor do plano de insolvência da “A..., S.A.”.

BD) Em 24/09/2007, foi celebrado entre a sociedade “C..., Lda.” (representada por C...) e a “B... Limited” (alegadamente representada por OO), um “contrato promessa de cedência de créditos”, onde a primeira promete ceder à segunda, um crédito sobre a “A..., Lda.” no valor de €5.038.948,82, pelo valor de €1.000,00, tendo o contrato sido celebrado em ....

BE) Em 02/10/2007, a “C..., Lda.” e a “B..., Limited” celebraram um contrato de cedência de créditos, onde a primeira declarou ceder à segunda, pelo montante de €500,00, créditos sobre a sociedade A..., S.A.”, no valor de €1.867.654,22.

BF) Em 2/01/2008, a sociedade “C..., Lda.” alterou a sua sede, de ..., ..., para o Loteamento Industrial da ..., ..., onde se localizam as instalações industriais da sociedade “A..., S.A.”.

BG) Foram formalizados dois contratos intitulados de “cessão de exploração industrial” entre a sociedade “A..., S.A.”, representada pelo administrador de insolvência e arguido AA, e a “G..., S.A.”, representada pelo arguido CC, tendo um deles aposta a data de 02/01/2008 (conforme consta de fls. 262 a 265 do apenso 2 e aqui se dá por pressuposto), e tendo outro aposta a data de 20/12/2007 (conforme consta de fls. 1185 a 1191 e aqui se dá por pressuposto).

BH) Mediante ambos esses contratos, a “A..., S.A.” declarou ceder à “G..., S.A.” a exploração da unidade industrial, pelo prazo de 10 anos, contados a partir do dia 01/01/2008 (no contrato datado de 20/12/2007) ou a partir de 02/01/2008 (no contrato datado de 02/01/2008).

BI) E no contrato com data aposta de 02/01/2008, a “A..., S.A.” declarou ceder à “G..., S.A.” a licença de exploração da água A... G... (fonte PP).

BJ) Como contrapartida da cedência mencionada, a “G..., S.A.” comprometeu-se em ambos os aludidos contratos a pagar à “A..., S.A.” até ao dia 8 de cada um dos meses de vigência dos contratos, o valor de €10.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

BL) E em ambos os contratos a “G..., S.A.” comprometeu-se ainda a transferir para seu nome os contratos e os encargos de electricidade e água.

BM) E no contrato com data aposta de 02/01/2008, a “G..., S.A.” comprometeu-se ainda a integrar nos seus quadros os trabalhadores da “A..., S.A.”.

BN) E mais se estipulou em ambos tais contratos que eram da exclusiva responsabilidade da “G..., S.A.” as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade, designadamente a renovação das licenças necessárias a esse exercício de atividade, as contribuições, impostos, multas ou coimas, dívidas a fornecedores e os seguros obrigatórios que tenham que ser celebrados em função da exploração do estabelecimento industrial.

BO) À data de 02/01/2008, a sociedade “C..., Lda.” ainda não tinha sido transformada em sociedade anónima, nem havia alterado a sua denominação social para “G..., S.A.”, o que apenas veio a ser deliberado a 04/04/2008 e registado a 14/04/2008.

BP) À data de 02/01/2008, o arguido CC ainda não era gerente da “C..., Lda.” uma vez que apenas assumiu a gerência da mesma por deliberação de 26/03/2008 e registo de 07/04/2008, tendo entrado como sócio de tal sociedade a 31/03/2008.

BQ) Em 15/02/2008 foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 2/06...., que decidiu homologar o plano de insolvência anteriormente referido, apresentado pelo arguido AA e votado favoravelmente pelos credores.

BR) Em Março de 2008, a realização de atos de contabilidade da sociedade “A..., S.A.”, nomeadamente por via eletróncia, foi transferida de ... para a zona de ..., mais concretamente para a localidade de ..., no concelho ....

BS) Em 04/04/2008, a sociedade “C..., Lda.” deliberou a sua transformação em sociedade anónima, alterou a sua sede para o loteamento industrial da ..., em ..., e alterou a sua denominação social para “G..., S.A.”, tudo o que foi registado a 14/04/2008.

BT) Em 28/04/2008, a “G..., S.A.” requereu junto da EUIPO (European Union Intellectual Property Office), congénere do INPI a nível internacional, o registo da marca “G...”, sob o n.º ...23, que é recusado, tendo o pedido sido formulado pelo advogado MM.

BU) Em 21/05/2007, o arguido CC enviou um fax à Câmara Municipal ..., identificando-se como “Diretor Geral” da sociedade “A..., S.A.”

BV) Em 14/05/2008, o administrador de insolvência da sociedade “A..., S.A.”, o arguido AA, emitiu uma declaração em que declarou aceitar a cedência à “G..., S.A.”, os códigos CEPs (Códigos de Empresa Portuguesa), GLNs (Códigos de Localização GS1) para a EDI (Transferência Eletrónica de Documentos) e da marca G... detidos pela “A..., SA.”

BX) Em 03/07/2008 na qualidade de administrador de insolvência, o arguido AA apresenta ao Mm.º Juiz o ponto da situação do plano e remete as contas da sociedade “A..., S.A.” até Junho de 2008.

BZ) Em 14/07/2008, foi alterado o pacto social da sociedade “A..., S.A”, com a redução do capital a zero, seguido de aumento para €55.000,00, o qual é subscrito em €50.000,00 pela “C..., Lda.”, e em €5.000,00 pela “I..., Lda.”, ambas as quais tinham o arguido CC como gerente.

CA) Em 29/09/2008, numa reunião da comissão de credores da sociedade “A..., S.A.”, a qual teve lugar na agência da Guarda da Caixa Geral de Depósitos, com a participação desta instituição bancária, representada por QQ; da “E..., S.A.”, representada pelo advogado MM; do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, representado pelo advogado RR; e do administrador de insolvência, o arguido AA, foi dada autorização ao administrador de insolvência para celebrar um contrato de cessão de exploração da sociedade “A..., S.A.”.

CB) Acresce que na mesma reunião também foram dados ao administrador de insolvência, ou a quem ele indicasse, todos os poderes necessários e suficientes para, em nome da sociedade “A..., S.A.” proceder junto da Câmara Municipal ... ou de qualquer outra entidade, ao pedido ou alteração de processos relativos aos loteamentos ou terrenos da sociedade, ao pedido ou alteração de processos de licenciamento de obras e ao pedido ou alteração de todos os processos de licenciamento que fossem necessários para a laboração da sociedade, praticando todos os atos ou assinando todos os documentos que para o efeito fossem necessários.

CC) Em 30/09/2008 e na sequência daquela deliberação, o administrador de insolvência, o arguido AA, emitiu uma procuração a favor do arguido CC, concedendo-lhe poderes para representar a sociedade “A..., S.A.”, em todos os assuntos junto da Câmara Municipal ..., bem como requerer a alteração dos processos relativos aos loteamentos dos terrenos da sociedade, aos licenciamentos inerentes à laboração da sociedade, praticando todos os atos e/ou assinando todos os documentos e requerimentos que para o efeito sejam necessários, conforme ata da reunião da comissão de credores; solicitar todos os atos de registo incluindo declarações complementares de vontade a realizar junto de todas e quaisquer Conservatórias do Registo Predial ou Comercial e Repartições de Finanças, e negociar contratos e assinando todos os documentos necessários.

CD) Em 30/09/2008 (mesma data), é celebrada uma “adenda” aos contratos de “cessão de exploração industrial” anteriormente referidos e datados de 02/01/2008 e de 20/12/2007, entre a “A..., S.A.”, representada pelo administrador de insolvência, o arguido AA e a G..., S.A.”, representada pelo arguido CC.

CE) Em tal “adenda”, cujo teor integral consta de fls. 268 a 270 do apenso 2 e aqui se dá por pressuposto, estipulou-se designadamente na respetiva cláusula 3ª que se alterava o “contrato de cessão industrial de 2 de Janeiro de 2008”, devido à “difícil e complexa” situação em que a “A..., S.A.” se encontrava.

CF) E mais aí se estabeleceu que como contrapartida de tal cessão, a “G..., S.A.” se comprometeria a pagar “A..., S.A.”, até ao final de cada ano, um valor a determinar anualmente pela fórmula (número de litros engarrafados x valor litro anualmente acordado), e que a esse valor deveria acrescer a taxa legal de IVA em vigor.

CG) E que o valor do litro anualmente acordado deveria ser encontrado de acordo entre a “A..., S.A.” e a “G..., S.A.”, e de forma a que a “A..., S.A.” fizesse face aos seus compromissos financeiros, sendo certo que o valor a pagar pela “G..., S.A.” não poderia ser inferior a €120.000,00 por ano.

CH) E mais se estabeleceu na respetiva cláusula 4ª de tal “adenda” que durante os dois primeiros anos de vigência de tal contrato, a assembleia de credores e a comissão de credores da “A..., S.A.” poderiam decidir unilateralmente denunciá-lo, mediante um aviso prévio de 30 dias, sem que a “G..., S.A.” tivesse direito a qualquer compensação, e devolvendo esta os ativos no mesmo estado em que se encontravam no momento em que lhe foram entregues.

CI) Em 09/10/2008 o arguido CC, munido da procuração atrás citada, deu entrada de um ofício à Câmara Municipal ... com “um conjunto de elementos importantes para o prosseguimento do processo negocial em curso, bem como para a continuação da resolução dos assuntos constantes da ata da última reunião”.

CJ) Em 09/10/2008 (mesma data), o administrador de insolvência, o arguido AA dirigiu um ofício à Câmara Municipal ... a dar conta da procuração que emitiu a favor do arguido CC, para o representar em todos os atos relacionados com a “A..., S.A.” em conformidade com a autorização dada pela Comissão de Credores desta sociedade em 29/09/2008.

CL) No mesmo ofício refere que tem conhecimento de que já foi enviado para a Câmara Municipal ..., por correio, o original do “contrato de cessão de exploração” autorizado por decisão unânime da Comissão de Credores, o que foi desmentido pela referida Câmara Municipal.

CM) Em 22/10/2008, é a sociedade “G..., S.A.” e não a “A..., S.A.” quem envia à Direcção-Geral de Geologia e Energia os boletins de análises bacteriológicas efetuadas às colheitas de amostras de água.

CN) Em 04/11/2008, são designados para o Conselho de Administração da sociedade “A..., S.A.” os mesmos membros do Conselho de Administração da “G..., S.A.”, o arguido CC (Presidente), SS e TT.

CO) Em 06/11/2008 transitou em julgado a sentença homologatória do plano de insolvência anteriormente referida (proferida no processo n.º 2/06....), relativamente ao plano que havia sido apresentado pelo arguido AA e votado favoravelmente pelos credores.

CP) Em 07/01/2009, o administrador de insolvência, o arguido AA oficia ao processo n.º 2/06.... informando que o plano de recuperação da sociedade “A..., S.A.” está a ser cumprido, e não menciona as decisões tomadas pela comissão de credores em 29/09/2008 e a procuração que emitiu a favor do arguido CC.

CQ) Em 06/03/2009, o arguido CC, enquanto Presidente do Conselho de Administração da sociedade “A..., S.A.” solicitou à Direcção-Geral de Energia e Geologia, a emissão de uma declaração comprovativa de licença em vigor atribuída à mesma empresa, para engarrafamento de água da nascente G.../fonte PP. CR) E em 12/03/2009, a Direcção-Geral de Energia e Geologia emite e remete à “A..., S.A.” a declaração solicitada.

CS) Em 20/04/2009 o processo de insolvência n.º 2/06.... foi declarado encerrado.

CT) Em 22/09/2009, na qualidade de administrador de insolvência, o arguido AA informou o processo de insolvência n.º 2/06.... de que durante o decurso do plano de insolvência, a sociedade “A..., S.A.” esteve em pleno funcionamento, tendo mantido a sua normal atividade fabril, e que a respetiva documentação contabilística e financeira se encontrava disponível na sede da sociedade.

CU) Em 08/06/2010 foi celebrada entre o Município ... e a sociedade “A..., S.A.” representada pelo arguido CC, uma “adenda à escritura de adjudicação do projeto da unidade industrial de engarrafamento de águas de mesa – de 02.07.1993 – e ao contrato de exploração – de 28.12.1993 – ambos outorgados pelo Município e a “A..., S.A.”.

CV) Em 28/03/2011, o Município ... apresentou contra a sociedade “A..., S.A.” uma injunção, registada sob o n.º 5981/11...., a reclamar a alegada falta de pagamentos no âmbito do contrato e sua adenda por último referidos, em alegado atraso desde fatura emitida a 16/09/2010.

CX) E a sociedade “A..., S.A.” apresentou a sua oposição ao requerimento de injunção do Município ..., assumindo “grosso modo” que não procedeu a qualquer pagamento no âmbito do contrato/adenda celebrado a 08/06/2010, porque o Município ... “foi adiando a formalização da cessão de direitos” da sociedade “A..., S.A.” para a “G..., S.A.” conforme negociações entre as partes.

CZ) Em 21/06/2011, no âmbito do processo n.º 2/06...., foram julgados sem efeito a moratória e o perdão previsto no plano de insolvência da “A..., S.A.” já anteriormente referido, em relação à credora “K..., Lda.”, na sequência de requerimento da própria nesse sentido.

DA) Em 24/11/2011, no âmbito do processo n.º 2/06...., foram julgados sem efeito a moratória e o perdão previsto no plano de insolvência da “A..., S.A.” já anteriormente referido, em relação à credora “L..., Unipessoal, Lda.”, na sequência de requerimento da própria nesse sentido.

DB) Em 28/09/2011, a Banco 1... alegou no processo n.º 2/06.... que a sociedade “A..., S.A.” não teria cumprido os pagamentos àquela instituição bancária acordados no plano aprovado, encontrando-se em atraso desde Outubro de 2010, pelo que, requereu a reabertura do processo de insolvência com a liquidação do património da mesma, fim da moratória e do perdão de parte da dívida, sendo certo que tal requerimento foi indeferido.

DC) A sociedade “A..., S.A.” deixou caducar a licença da marca “G...” n.º ...27 (mista, com figuras e palavras), por falta de pagamento de uma taxa de renovação.

DD) Com a data nele aposta de 02/01/2012, foi celebrado um “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial”, entre a sociedade “A..., S.A.” e “G..., Lda.” ambas representadas pelo arguido CC, e cujo teor e seus anexos constam de fls. 41 a 58 do anexo 2, que aqui se dá por pressuposto.

DE) Em 07/12/2012 o Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... dirigiu um ofício à Direção de Serviços de Recursos Hidrogeológicos, Geotérmicos e Petróleo, a alegar que a licença de exploração da fonte PP foi atribuída à Câmara Municipal ... indevidamente, solicitando informações sobre os procedimentos a adotar para transferir a licença para seu nome.

DF) Em 12/12/2012, e em resposta, a Direção Geral de Energia e Geologia dirigiu ao Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... um ofício a informar que para a licença de exploração da fonte PP se manter válida, deverá ser celebrado um contrato de exploração com a titular da licença “A..., S.A.”.

DG) Em 19/02/2013, o Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia ... denunciou perante o Ministério Público o contrato celebrado entre o Município ... e a sociedade “A..., S.A.” que atribuiu a esta última a licença de exploração da fonte PP, o que viria a dar origem ao processo de inquérito n.º 245/13...., junto dos correspondentes serviços do Ministério Público.

DH) Em 21/05/2013, a sociedade “K..., Lda.” requereu a insolvência da sociedade “A..., S.A.”, o que deu origem ao processo n.º 631/13...., do Tribunal Judicial da Guarda.

DI) Em 06/06/2013 (pelas 16:31) foram registadas as seguintes alterações no pacto social da sociedade “A..., S.A.”: renúncia do administrador único, o arguido CC, com data de 23/04/2013; designação do novo administrador único, o arguido UU, com data de 03/05/2013; mudança da sede da sociedade para a Rua ..., ..., ..., ....

DJ) Ao arguido UU não teve acesso a quaisquer documentos contabilísticos ou fiscais respeitantes à sociedade “A..., S.A.”, não recebeu quaisquer bens ou património da sociedade, a cujas instalações industriais nunca se deslocou e não realizou na mesma qualquer acto de gestão, tendo-se limitado a assinar uns documentos, a pedido do arguido CC, que apenas lhe solicitou a indicação de um endereço postal para receber correspondência relativa à sociedade “A..., S.A.”.

DL) O referido endereço postal - Rua ..., ..., em ..., ... - corresponde a uma casa de habitação pertencente a WW, a quem ambos os arguidos UU e CC contactaram pessoalmente para o efeito.

DM) Em 12/06/2013, a Direção Regional da Economia do Centro averbou a favor da “G..., S.A.”, o processo de licenciamento industrial n.º ...88, que estava em nome da sociedade “A..., S.A.”, com base numa certidão permanente apresentada pela primeira, e comunica a decisão à “G..., S.A.”.

DN) Em 30/06/2013, a sociedade “A..., S.A.” apresentou no balancete acumulado, entre outros, os seguintes credores: “I..., Lda.” – €75.355,28; Município ... – €96.770,94; “G..., S.A.” (amortização empréstimo) – €586.800,00; Ajustamento plano de insolvência CGD – €2.687.781,58; Ajustamento plano de insolvência “E..., S.A.” – €1.878.931,65; Ajustamento plano de insolvência “I..., Lda.” – €256.880,86.

DO) Em 01/07/2013, o arguido UU em comum acordo com o arguido CC, intitulando-se administrador único da sociedade “A..., S.A.” dirigiu à Direcção-Geral de Energia e Geologia, um ofício a solicitar a transferência da licença de exploração e da licença de estabelecimento a favor da empresa “G..., S.A.”, em conformidade com a “deliberação da Comissão de Credores em 2008” e com o “contrato de transmissão de unidade industrial” estabelecido entre as duas empresas em 01/01/2012.

DP) Em 02/07/2013, a sociedade “A..., S.A.” foi condenada pelo Tribunal da Guarda, no âmbito do processo n.º 5981/11...., a pagar ao Município ..., os valores em dívida de €31.013,32 + €8.472,19 a título de juros, pelo consumo de água da fonte PP, em conformidade com a supramencionada “adenda” de 08/06/2010.

DQ) Em 03/07/2013, a “A..., S.A.” informou o processo n.º 631/13...., de que as respetivas funcionárias da contabilidade, XX e YY, possuíam domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ..., ou seja, na sede (anterior) da “G..., S.A.”.

DR) À data de 21.03.2013 a “A..., S.A.” devia ao Instituto da Segurança Social, IP, um total acumulado de €715.800,55 (incluindo juros), referente a contribuições declaradas e não pagas entre Novembro de 2001 e Janeiro de 2013.

DS) Em 09/07/2013, foi novamente declarada a insolvência da sociedade “A..., S.A.” por sentença proferida no âmbito do processo n.º 631/13...., do Tribunal da Comarca da Guarda, sentença essa que transitou em julgado no dia 5 de Agosto de 2013.

DT) E em tal sentença foi II nomeado administrador de insolvência.

DU) Em 11/07/2013, a Associação de Compartes dos Baldios da Freguesia de ... e a “G..., S.A.”, representada pelo arguido CC, dirigem um ofício à Direcção-Geral de Energia e Geologia a requerer a transmissão da licença de exploração da fonte PP da sociedade “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, alegando a aludida Associação de Compartes que é proprietária da referida nascente, conforme decisão do Tribunal da Comarca da Guarda, proferida no âmbito do processo n.º 245/13...., ainda não transitada em julgado.

DV) Em 17/07/2013, a Direcção-Geral de Energia e Geologia aprovou a transmissão da licença de exploração da fonte PP da sociedade “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, com base no “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial”, celebrado entre aquelas duas sociedades com data de 02/01/2012, ambas representadas no ato pelo arguido CC.

DX) Em 30/07/2013, o administrador de insolvência II procedeu à apreensão, a favor da massa insolvente da “A..., S.A.”, dos bens móveis e imóveis registados em nome desta sociedade, incluindo os bens móveis que foram objeto de transmissão e constavam do anexo I do “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial” que anteriormente se referiu.

DZ) Em 01/08/2013, um oficial de justiça do Tribunal da Comarca de ... deslocou-se à Rua ..., ..., ..., para notificação, na qualidade de administrador, do arguido UU, morada que lhe foi fixada na sentença que declarou a insolvência, tendo tal oficial de justiça apurado que nem o visado nem a empresa “A..., S.A.” ali estiveram alguma vez instalados.

EA) Em 14/08/2013, o administrador de insolvência II apresentou o relatório no âmbito do artigo 155º do CIRE, no qual afirmou que até à data ainda não lhe tinha sido dado acesso à contabilidade da sociedade “A..., S.A.”, tendo apurado entretanto junto das Finanças que a empresa tinha cessado a atividade para efeitos de IVA a 09/07/2013.

EB) Em 16/08/2013, a sociedade “B..., Limited” reclamou créditos sobre a “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 631/13...., nos valores de €1.867.654,22 + €721.255,78 de juros, alegando que o primeiro valor se trata de um crédito adquirido em 28/09/2007 à “C..., Lda.”, posterior “G..., S.A.”.

EC) Em 18/09/2013, a sociedade “B..., Limited” reclamou créditos sobre a “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 691/13...., agora nos valores de €5.038.650,00 + €1.945.955,70 de juros, alegando que o primeiro valor se trata de um crédito adquirido em 05/09/2007 à “C..., Lda.”, posterior “G..., S.A.”.

ED) Em 05/11/2013, a Direcção-Geral de Energia e Geologia revogou o despacho de 17/07/2013 que havia deferido o pedido de transmissão da referida licença de exploração da água de nascente (fonte PP) da sociedade “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”.

EE) Em 22/11/2013, o administrador de insolvência II remeteu em relatório as diligências por si efetuadas e os resultados obtidos até à data, sublinhando que o processo de insolvência n.º 631/13.... teve origem no incumprimento do plano de recuperação aprovado no âmbito do processo de insolvência n.º 2/06.....

EF) Os créditos reclamados pela sociedade “B..., Limited” sobre a “A..., S.A.” e supra referidos não foram reconhecidos pelo administrador de insolvência II.

EG) Em 12/12/2013, no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, foi celebrada a escritura pública constante de fls. 112 a 119 do apenso 3 e que aqui se dá como pressuposta, mediante a qual a Caixa Geral de Depósitos e a “G..., S.A.” (esta representada pelo arguido CC) declaram que a primeira, à data de 08/07/2013, é credora da “A..., S.A.” da quantia total de €1.587.988,94; que a primeira cede tal crédito à segunda pelo preço de €1.587.988,44, com as mesmas garantias hipotecárias que haviam sido prestadas pela devedora “A..., S.A.” à Caixa Geral de Depósitos; e que tal preço era pago nessa mesma data da escritura, dando a cedente completa quitação.

EH) Em 16/12/2013, o arguido UU dirige uma carta manuscrita ao administrador de insolvência II, a solicitar a sua renúncia ao cargo de administrador da sociedade “A..., S.A.”, com efeitos a partir de 09/07/2013.

EI) Em 30/12/2013, a Direcção-Geral de Energia e Geologia informa o administrador de insolvência e a “G..., S.A.” de que por despacho de 05/11/2013, o anterior despacho de 17/07/2013, que havia autorizado a transmissão da licença de estabelecimento para exploração de águas de nascente, da sociedade “A..., S.A.” para a “G..., S.A.” é revogado, por falta de competência do respetivo autor para o efeito.

EJ) Em 09/01/2014, o administrador de insolvência procedeu à resolução do “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial” celebrado entre a “A..., S.A.” e a “G..., S.A.”, com data aposta de 02/01/2012 e já anteriormente referido, declarando o mesmo nulo e sem efeitos.

EL) Tal resolução foi judicialmente impugnada pela “G..., S.A.” no processo de insolvência n.º 631/13...., e tendo posteriormente sido colocado termo a tal diferendo (entre todos os outros pendentes em tal processo na altura) mediante a “transação” celebrada entre a massa insolvente de da “A..., S.A.” (representada pelo Administrador de Insolvência II) e a “G..., S.A.” (representada pelo arguido CC), conforme consta de fls. 2879 (vol. 8) e que aqui se dá como pressuposta.

EM) E em tal transação foi estipulado o seguinte: “Pagamento de 130 mil euros, à massa insolvente, a compensar no valor que couber à G... em rateio final, sendo tal valor, desde já, deduzido no montante a receber por esta, em sede de rateio parcial; Pagamento de 40 mil euros, à massa insolvente, a compensar no valor que couber à G... em rateio final, sendo tal valor, desde já, deduzido no montante a receber por esta, em sede de rateio parcial, pela aquisição da verba 3 e das marcas; Redução a zero do crédito da G... sobre a A..., e da A... sobre a G... (reclamado no processo especial de revitalização n.º 291/14....), pelo que nada mais teriam a haver seja de que natureza for; Desistência de todas as ações pendentes, sendo as custas no processo n.º 631/13.... a suportar por ambas as partes em partes iguais e, nos demais processos pendentes, pela parte que teve impulso processual.”.

EN) Tal transação foi judicialmente homologada por sentença proferida no dia no apenso R de tal processo n.º 631/13...., no dia 22 de Junho de 2018.

EO) Em 03/03/2014, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial informou o administrador de insolvência de que averbou a favor da massa insolvente da sociedade “A..., S.A.”, o registo n.º ...60, da marca verbal “G...”.

EP) Em 7/04/2014, numa diligência judicial de tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo n.º 631/13...., a Caixa Geral de Depósitos declarou que em Abril de 2007 “prometeu” ceder créditos sobre a “A..., S.A.” à sociedade “C..., Lda.”, cuja cedência definitiva apenas se concretizou no âmbito deste processo de insolvência n.º 631/13...., mais concretamente no dia 12/12/2013, como anteriormente se referiu.

EQ) E nessa mesma diligência judicial, o arguido CC declarou que considera possível a obtenção de um acordo com a “B..., Limited”, designadamente admitindo esta que a reivindicada cessão de créditos em seu favor nunca chegou a ocorrer, por força da não transmissão para a “C..., Lda.” dos créditos sobre a Caixa Geral de Depósitos.

ER) Em 22/04/2014 a “B..., Limited” desiste do crédito reclamado que declarou que havia adquirido à “C..., Lda.”.

ES) Em 22/05/2014, a “G..., S.A.” requereu junto da EUIPO o registo da marca “J...”, sob o n.º ...62, que é concedido a 14/01/2015.

ET) Foi o arguido CC que, em representação da sociedade “A..., Lda.”, assinou e redigiu documentos na qualidade de administrador inclusivamente já durante o processo de insolvência n.º 631/13.... da empresa “A..., Lda.”, tal como o arguido UU.

EU) Em 16/06/2014 foi proferida sentença no processo n.º 631/13...., mediante a qual se julgou parcialmente procedente uma reclamação que “B..., Limited” havia apresentado contra a lista de credores apresentada pelo administrador de insolvência II, e consequentemente se reconheceu a aludida reclamante como sendo credora comum da insolvente “A..., S.A.”, no valor de €1.867.654,22, acrescido de juros de mora contabilizados em €721.255,78, e como sendo esse crédito proveniente de cessão de créditos que havia sido efetuada à reclamante pela “C..., Lda.”.

(…)

2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Discutida a causa, com relevância para a decisão da mesma, entendemos que resultaram como não provados os seguintes factos:

1) Em 31/10/2003, a sociedade “M..., S.A.” tenha avaliado a unidade industrial da “A..., S.A.”, em €6.948.000,00, sendo €2.306.000,00 referentes a instalações, e €4.642.000,00 referentes a equipamentos.

2) Os arguidos AA e CC, em comunhão de esforços e intenções, tenham decidido, em data próxima do mês de Outubro de 2007, delinear um plano, mediante a prática de actos sucessivos e postergados no tempo, aptos a transferir o património da “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, ficcionando contratos de cedência de créditos, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, privilegiando determinados credores em detrimento de outros, e ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência, com o claro propósito de provocarem a insolvência “A..., S.A.” e prejudicarem os seus credores, fazendo com que estes ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

3) Qualquer um dos contratos de “cessão de exploração industrial” entre a “A..., S.A.” e a “G..., S.A.” que se referem nos factos provados tenha sido celebrado concretamente no dia 2/01/2008, ou no dia 20/12/2007.

4) E no contrato de “cessão de exploração industrial” com data aposta de 20/12/2007, a “A..., S.A.” tenha declarado ceder à “G..., S.A.” a licença de exploração da água da nascente G... (fonte PP).

5) E no contrato de “cessão de exploração industrial” com data aposta de 20/12/2007, a “G..., S.A.” se tenha comprometido a integrar nos seus quadros os trabalhadores da “A..., S.A.” afectos à unidade industrial.

6) E qualquer um de tais contratos de “cessão de exploração industrial” tenha sido celebrado pelo administrador de insolvência, o arguido AA, sem conhecimento e autorização dos credores da sociedade “A..., Lda.” designadamente da Caixa Geral de Depósitos e da Segurança Social.

7) O fax enviado em 21/05/2007 pelo arguido CC à Câmara Municipal ... e que se refere nos factos provados remetesse igualmente uma cópia do “contrato de cessão de exploração industrial” celebrado entre aquela sociedade e a “G..., SA”, sendo essa cópia a do contrato com data aposta de 20/12/2007.

8) Em 05/09/2007 tenha sido celebrado entre as sociedades “C..., Lda.” e “B... Limited”, sediada em ..., um “contrato-promessa de cessão de créditos”, através do qual a primeira prometesse ceder à segunda, créditos que detivesse sobre a sociedade “A..., S.A.” que houvesse prometido adquirir à Caixa Geral de Depósitos.

9) Os arguidos CC e AA, sempre em comunhão de esforços e intenções, tenham ocultado a real contabilidade da “A..., S.A.”.

10) A procuração passada pelo arguido AA em favor do arguido CC a 30/09/2008 e que se refere nos factos provados tenha constituído, na prática, uma transmissão das funções e poderes próprios do administrador de insolvência a favor do arguido CC, ato este que tenha contribuído para qualquer propósito comum entre ambos.

11) A declaração efetuada pelo arguido AA referente ao dia 22/09/2009 e que se refere nos factos provados, no sentido de que respetiva documentação contabilística e financeira se encontrava disponível na sede da sociedade “A..., S.A.”, não correspondesse à verdade.

12) A caducidade da marca “G...” com o n.º ...27 que se refere nos factos provados tenha ocorrido no dia 09/12/2011, e a taxa de renovação que aí igualmente se refere fosse no valor de cerca de €100,00.

13) Em 31/12/2011, a sociedade “A..., S.A.” tenha vendido “ativos fixos tangíveis”, no valor total de €680.998,00, à empresa “N..., Lda.”, supostamente com sede em Angola, sem que tal valor tivesse dado entrada nas contas da primeira, pelo menos até 30/06/2013.

14) O “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial” que se refere nos factos provados tenha sido efetivamente formalizado no dia 02/01/2012.

15) E tal contrato tenha sido lançado na contabilidade da “A..., S.A.” no ano de 2012.

16) E a “G..., S.A.” nada tenha pago à “A..., S.A.” no âmbito desse mesmo “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial”.

(…)

18) A contabilidade da sociedade “A..., S.A.”, desde o ano de 2007, nunca tenha refletido a realidade.

(…)

20) Desde pelo menos o mês de Outubro de 2008 que os arguidos CC e AA, enquanto respetivamente, administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, tenham agido de forma intencional ao esvaziarem o património desta em favor da “G..., S.A.”, sabendo que com este procedimento violassem o plano de insolvência aprovado e causassem graves prejuízos à “A..., S.A.”, impedindo-a desenvolver a sua atividade.

21) E posteriormente, com a colaboração do arguido UU, os mesmos arguidos CC e AA tenham praticado atos cujo único objetivo tenha sido o de desvincular estes últimos arguidos de qualquer responsabilidade na gestão da empresa “A..., S.A.” e no incumprimento das diversas obrigações a que, enquanto administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, estivessem obrigados.

22) Todos os arguidos tenham agido de forma concertada e intencional, praticando atos que soubessem ser prejudiciais à sociedade “A..., S.A.” e que ao atuarem dessa forma, além de causarem um efetivo prejuízo à empresa impedindo-a de poder continuar a desenvolver a sua atividade, causassem também prejuízo aos credores da mesma, que tenham visto extinta a garantia de solvabilidade dos seus créditos e em benefício da “G..., S.A.”.

23) Todas as condutas aqui descritas e levadas a cabo pelos arguidos tenham sido causa direta e necessária da decisão judicial de declaração de insolvência da sociedade “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 631/13...., do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda.

24) Ao ocultar elementos contabilísticos da sociedade insolvente, os arguidos tenham obstado ao conhecimento real da situação contabilística e financeira daquela, mormente o seu património.

25) Tenham agido todos os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo que todas as suas condutas aqui descritas fossem proibidas e criminalmente punidas.

* 3. MOTIVAÇÃO

Sem prejuízo de termos consciência de que boa parte da prova esmagadoramente documental que se irá referenciar em seguida consta repetidamente e por várias vezes dos autos e seus apensos, enunciaremos então e antes do mais de onde resulta (designadamente) a prova e a convicção acerca dos factos que demos como provados, um por um, seguindo tudo o alegado no despacho de pronúncia, conjugado com o que de relevante vem alegado pelos arguidos nas respetivas contestações:

- Quanto ao item A), resulta da certidão permanente de fls. 234 e 235, vol. 1;

- Quanto ao item B), resulta do ofício de fls. 1077, vol. 4;

- Quanto ao item C), resulta da escritura de fls. 219 a 225 do apenso 1;

- Quanto ao item D), resulta do despacho de fls. 1071, vol. 4;

- Quanto ao item E), resulta do contrato de fls. 227 a 230 do apenso 1, bem como da deliberação certificada a fls. 62 e 63 do apenso 1;

- Quanto ao item F), resulta da informação prestada pelo Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia ... ao Ministério Público, a fls. 558 a 560, vol. 2;

- Quanto ao item G), resulta da certidão permanente de fls. 237, vol. 1;

- Quanto ao item H), resulta do “print” de fls. 902, vol. 3;

- Quanto ao item I), resulta de fls. 124 (vol. 1) e de fls. 60 do apenso 2;

- Quanto ao item J), resulta do ofício de fls. 123 (vol. 1) e de fls. 59 do apenso 2;

- Quanto ao item L), resulta da informação prestada pelo Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia ... ao Ministério Público, a fls. 558 a 560, vol. 2;

- Quanto ao item M), resulta da certidão de fls. 539 a 552, vol. 2;

- Quanto ao item N), resulta do acordo constante de fls. 454 a 456 do apenso 5

- Quanto ao item O), resulta do contrato de fls. 11 a 16 do apenso 4;

- Quanto ao item P), resulta da certidão permanente de fls. 244, vol. 1;

- Quanto ao item Q), resulta da carta constante de fls. 17 e 18 do apenso 4;

- Quanto ao item R), resulta da certidão permanente de fls. 244 e 245, vol. 1;

- Quanto ao item S), resulta do termo de rescisão de fls. 19 e 20 do apenso 4;

- Quanto ao item T), resulta do termo de reconhecimento de fls. 21 do apenso 4;

- Quanto o item U), resulta da certidão permanente de fls. 245, vol. 1;

- Quanto ao item V), resulta do relatório e contas de fls. 1039 do apenso 6 e da sentença de fls. 550 e 551 do apenso 5;

- Quanto ao item X), resulta dos ofícios de fls. 971 a 992 do apenso 6;

- Quanto ao item Z), resulta do ofício de fls. 993 a 1002 do apenso 6;

- Quanto o item AA), resulta do requerimento inicial de fls. 1 a 10 do apenso 4;

- Quanto ao item AB), resulta da contestação de fls. 22 a 89 do apenso 4;

- Quanto ao item AC), resulta do termo de transacção de fls. 595 do apenso 5;

- Quanto ao item AD), resulta da sentença de fls. 114 a 127 do apenso 4;

- Quanto ao item AE), resulta da reclamação de créditos de fls. 589 a 591 do apenso 5;

- Quanto ao item AF), resulta do requerimento de fls. 130 a 132 do apenso 4;

- Quanto ao item AG), resulta do requerimento e seus documentos anexos de fls. 599 a 638 do apenso 5;

- Quanto ao item AH), resulta da ata de fls. 685 a 691 do apenso 5;

- Quanto ao item AI), resulta do requerimento de fls. 684 do apenso 5;

- Quanto aos itens AJ) e AL), resultam do contrato de fls. 457 a 461, vol. 2;

- Quanto ao item AM), resulta do relatório de fls. 950 a 970 do apenso 6;

- Quanto aos itens AN) e AO), resultam da proposta de plano de insolvência de fls. 693 a 722 do apenso 5;

- Quanto ao item AP), resulta da relação de créditos de fls. 569 a 572 do apenso 5;

- Quanto ao item AQ), resulta da ata de assembleia de credores de fls. 780 a 787 do apenso 6;

- Quanto ao item AR), o mesmo foi confessado pelo arguido CC nas suas declarações, assim como decorre da identificação do próprio;

- Quanto ao item AS), resulta da proposta de plano de insolvência de fls. 333 a 374, vol. 2 e de fls. 788 a 843 do apenso 6, bem como da lista de credores de fls. 639 a 652 do apenso 5;

- Quanto aos itens AT) e AU), resultam do contrato-promessa de cessão de créditos de fls. 441 a 452, vol. 2;

- Quanto ao item AV), resulta do “print” de fls. 938, vol. 3, e do pedido de registo de fls. 943 a 945, vol. 3;

- Quanto aos itens AX) e AZ), resultam da acta de fls. 844 a 850 do apenso 6;

- Quanto ao item BA), resulta dos ofícios de fls. 656 e 657 do apenso 5;

- Quanto ao item BB), resulta do ofício da Autoridade Tributária de fls. 704, vol. 3, conjugado com a certidão da mesma Autoridade Tributária de fls. 2696 a 2699, vol. 8;

- Quanto ao item BC), resulta da cópia de cartão de identificação de fls. 415, vol. 2;

- Quanto ao item BD), resulta do contrato de fls. 436 a 439, vol. 2; - Quanto ao item BE), resulta do contrato de fls. 453 a 456, vol. 2;

- Quanto ao item BF), resulta da certidão permanente de fls. 1115, vol. 4;

- Quanto aos itens BG) a BN), resultam do contrato a fls. 262 a 265 do apenso 2, este com a data aposta de 2/1/2008, e do contrato a fls. 1185 a 1191, vol. 4, este com a data aposta de 20/12/2007;

- Quanto ao item BO), resulta da certidão permanente de fls. 1116, vol. 4;

- Quanto ao item BP), resulta da certidão permanente de fls. 1115, vol. 4;

- Quanto ao item BQ), resulta da sentença de fls. 2656 a 2659, vol. 8;

- Quanto ao item BR), o mesmo foi confirmado e confessado pelo arguido CC em audiência de julgamento, assim como em parte resultou do depoimento da testemunha YY, sem prova claramente em sentido diverso;

- Quanto ao item BS), resulta da certidão permanente de fls. 1116, vol. 4;

- Quanto ao item BT), resulta dos “prints” de fls. 983 e 984, vol. 3;

- Quanto ao item BU), resulta do fax de fls. 1184, vol. 4;

- Quanto ao item BV), resulta da “declaração” de fls. 977, vol. 3;

- Quanto ao item BX), resulta do ofício e documentos anexos de fls. 868 a 880 do apenso 6;

- Quanto ao item BZ), resulta da certidão permanente de fls. 247 e 248, vol. 1;

- Quanto aos itens CA) e CB), resultam da ata de reunião de fls. 282 a 284 do apenso 2;

- Quanto ao item CC), resulta da procuração de fls. 391, vol. 2;

- Quanto aos itens CD) a CH), resultam da “adenda” a contrato de fls. 268 a 270 do apenso 2;

- Quanto ao item CI), resulta do ofício de fls. 1180, vol. 4;

- Quanto ao item CJ), resulta do ofício de fls. 388 e 389, vol. 2;

- Quanto ao item CL), resulta do ofício de fls. 388 e 389, vol. 2, e fls. 1179, vol. 4

- Quanto ao item CM), resulta do ofício de fls. 1064, vol. 4;

- Quanto ao item CN), resulta das certidões permanentes de fls. 248 e 249, vol. 1, e 266 a 269, vol. 1;

- Quanto ao item CO), resulta da certidão de trânsito em julgado de fls. 2647 e 2648, vol. 8;

- Quanto ao item CP), resulta do ofício de fls. 670 a 679 do apenso 5;

- Quanto ao item CQ), resulta do ofício de fls. 1063, vol. 4;

- Quanto ao item CR), resulta do ofício de fls. 1061 e 1062, vol. 4;

- Quanto ao item CS), resulta da certidão permanente de fls. 251, vol. 1;

- Quanto ao item CT), resulta do ofício de fls. 927 do apenso 6;

- Quanto ao item CU), resulta do contrato de fls. 62 a 66 do apenso 2;

- Quanto ao item CV), resulta da petição inicial de fls. 239 a 248 do apenso 1;

- Quanto ao item CX), resulta da oposição de fls. 252 a 256 do apenso 1;

- Quanto ao item CZ), resulta do despacho judicial de fls. 330 e 331, vol. 2;

- Quanto ao item DA), resulta do despacho judicial de fls. 945 e 946 do apenso 6

- Quanto ao item DB), resulta do requerimento e do despacho judicial de fls. 934 e 935 do apenso 6;

- Quanto ao item DC), resulta do “print” de fls. 902 a 906, vol. 3, conjugado com o depoimento prestado em audiência pela testemunha ZZ;

- Quanto ao item DD), resulta do contrato e seus anexos de fls. 41 a 58 do apenso 2;

- Quanto ao item DE), resulta do ofício de fls. 556, vol. 2;

- Quanto ao item DF), resulta do ofício de fls. 557, vol. 2;

- Quanto ao item DG), resulta do requerimento de fls. 558 a 560 e ofícios de fls. 563 e 564, vol. 2;

- Quanto ao item DH), resulta da certidão e petição inicial de fls. 1 a 17 do apenso 1;

- Quanto ao item DI), resulta da certidão permanente de fls. 254, vol. 1;

- Quanto ao item DJ), disse-o o arguido CC em audiência de julgamento, no que foi confirmado até pelas testemunhas AAA e DD, sendo certo na verdade não se vê qualquer ligação deste arguido UU aos interesses diretos ou indiretos da “A...”, da “G...”, ou de quaisquer das demais empresas ou credores que são referenciados nestes autos, para além de se tratar de uma pessoa que será um simples vendedor de colchões ortopédicos;

- Quanto ao item DL), o mesmo foi genericamente confessado pelo arguido CC em audiência de julgamento, e sobretudo resulta dos relatórios de diligência externa da Polícia Judiciária e seus registos fotográficos de fls. 591 a 602, vol. 2, e de fls. 1126, vol. 4, bem como do depoimento das testemunhas DD e WW, sem qualquer prova em sentido diverso; e ainda do contrato de fls. 2888, vol. 8);

- Quanto ao item DM), resulta da informação e ofícios de fls. 74 a 76 do apenso 2

- Quanto ao item DN), resulta do balancete de fls. 77 a 87 do apenso 2;

- Quanto ao item DO), resulta do ofício de fls. 1212, vol. 4;

- Quanto ao item DP), resulta da sentença de fls. 258 a 287 do apenso 1;

- Quanto ao item DQ), resulta dos ofícios e ata de fls. 212 e 213 e 301 do apenso 1;

- Quanto ao item DR), resulta do ofício e certidão de fls. 214 e 215 do apenso 1

- Quanto aos itens DS) e DT), resultam da certidão e sentença de fls. 300 a 321, vol. 1;

- Quanto ao item DU), resulta do ofício e seu anexo de fls. 1055 a 1058, vol. 4;

- Quanto ao item DV), resulta dos documentos de fls. 1059 e 1060, vol. 4;

- Quanto ao item DX), resulta do auto de apreensão de fls. 10 a 28 do apenso 3;

- Quanto ao item DZ), resulta da certidão negativa de fls. 1 do apenso 2;

- Quanto ao item EA), resulta do relatório do administrador de insolvência de fls. 11 a 15 do apenso 2;

- Quanto ao item EB), resulta da petição de reclamação de créditos de fls. 89 a 93 do apenso 2;

- Quanto ao item EC), resulta da petição de reclamação de créditos de fls. 97 a 101 do apenso 2;

- Quanto ao item ED), resulta do despacho e parecer prévio de fls. 1031 a 1034, vol. 4;

- Quanto ao item EE), resulta do ofício de fls. 36 a 40 do apenso 2;

- Quanto ao item EF), resulta do depoimento da testemunha II, bem como da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, e sua nota explicativa, de fls. 40 a 48 do apenso 3, sendo certo que neste ponto houve necessidade de se precisar que o não reconhecimento dos créditos que aqui se referem se verificou apenas por parte do administrador de insolvência II, e não (na sua totalidade) pelo Tribunal, atendendo ao que infra se dá como provado em sentido contrário e nesta parte sob o item EU);

- Quanto ao item EG), resulta da escritura pública de fls. 112 a 119 do apenso 3;

- Quanto ao item EH), resulta da carta de fls. 171 do apenso 2;

- Quanto ao item EI), resulta dos ofícios de fls. 1029 e 1030, vol. 4;

- Quanto ao item EJ), resulta da carta remetida conforme consta de fls. 469 a 498, vol. 2, e das notificações de fls. 207 a 223, vol. 1;

- Quanto aos itens EL) e EM), resultam da transação de fls. 2879, vol. 8; - Quanto ao item EN), resulta da sentença de fls. 3012 e 3013, vol. 9;

- Quanto ao item EO), resulta do ofício de fls. 901, vol. 3, e do “print” de fls. 861, vol. 3;

- Quanto aos itens EP) e EQ), resultam da acta de diligência de fls. 63 a 66 do apenso 3;

- Quanto ao item ER), resulta do requerimento de fls. 68 a 70 do apenso 3;

- Quanto ao item ES), resulta do “print” de fls. 985 e 986, vol. 3;

- Quanto ao item ET), resulta diretamente de outros factos que se deram ou darão como provados;

- Quanto ao item EU), resulta da sentença de fls. 2395 a 2406, vol. 7;

(…)

Isto posto, pensamos já fundamentado de forma suficiente a nossa convicção quanto a todos os factos que demos como provados, sem necessidade ainda de quaisquer considerações adicionais, porque supérfluas.

Quanto aos factos que demos como não provados, diremos desde logo, genericamente, e antes do mais, que os mesmos ou foram negados ou não foram confirmados pelo arguido CC nas declarações que prestou em audiência de julgamento, sendo certo que este foi o único arguido que prestou declarações, tendo-se os demais arguidos remetido ao silêncio.

Por outro lado, mais diremos, sobretudo, que a nosso ver, tais factos que demos como não provados não foram de todo suportados de forma clara nem suficiente por qualquer um dos demais meios de prova produzidos nos autos, nem com base em quaisquer dos depoimentos testemunhais produzidos, nem com base na (aliás, profusa) prova documental constante dos autos.

E acrescentemos ainda que os factos a respeito do conhecimento e intencionalidade dos arguidos nas suas atuações, que igualmente demos como não provados, não resultam a nosso ver, de todo, nem de forma suficiente, dos demais factos objetivos (apesar de extensos) que demos como provados, nem à luz das regras da experiência comum, nem à luz de toda a prova que foi produzida.

Isto posto, mais concretamente, quanto ao facto não provado constante do item 1), diremos que não consta dos autos nem dos seus apensos a avaliação a que aí se alude, sendo a mesma apenas mencionada (ao que se sabe) no item 22º da denúncia que foi apresentada e que deu origem aos presentes autos (fls. 7 e 8, vol. 1), não sendo por isso este simples elemento de todo suficiente.

Quanto ao facto não provado constante do item 7), pensamos simplesmente que não é isso que resulta do único elemento probatório que supostamente lhe serve de base, como sendo o fax de fls. 1884 do apenso 4, e daí a não prova deste facto.

Quanto ao item 8) dos mesmos factos não provados, verifica-se que o contrato aí referido não consta dos autos nem de qualquer um dos seus apensos, sendo apenas mencionado e alegado na reclamação de créditos que consta de fls. 406 a 411 do vol. 2, o que não é de todo suficiente para afirmar a existência do contrato em causa.

Quanto ao item 10) dos mesmos factos não provados, pensamos que se trata de uma afirmação que claramente não é legítimo efetuar, em face do teor da procuração que está em causa, sendo aquela que consta designadamente de fls. 391, vol. 2, isto nomeadamente na medida em que os poderes próprios de um administrador de insolvência são muito diversos e vão muito para além do que consta da procuração aqui em apreço, a qual foi claramente dirigida apenas a tratar-se de assuntos burocráticos junto da Câmara Municipal ... e de Conservatórias de Registo Predial ou Comercial, a respeito de terrenos e loteamentos pertencentes à insolvente, e tudo mais a mais num caso como este, em que a insolvente continua em laboração e tem uma administração própria.

Quanto ao item 12) ainda dos factos não provados, entendemos simplesmente que nem o “print” de fls. 902 a 906, vol. 3, nem o depoimento da testemunha ZZ, nem qualquer outro elemento de prova permitem concluir claramente neste sentido.

Quanto ao item 19) dos mesmos factos não provados, diremos que o próprio arguido CC o negou nas declarações que prestou em audiência ao afirmar que era gerente igualmente de outras empresas, não se fez prova clara deste facto, e resulta até o contrário da informação prestada pela Segurança Social a fls. 707 a 710, vol. 3.

Prosseguindo, agora genericamente quanto aos demais factos constantes dos itens 2) a 6), 9), 11) e 13) a 18) que demos como não provados, diremos antes do mais que os atos que foram praticados pelos arguidos se encontram todos eles genericamente documentados, registados, patenteados perante autoridades públicas (Estado, tribunal e Município ...) e foram sujeitos a controlo por parte dos próprios credores, em assembleia e comissão de credores, isto pelo menos até ser encerrado o processo de insolvência de 2006, o que ocorreu já em Abril de 2009. Torna-se desde logo difícil de conceber que alguém que se encontra conscientemente a praticar um crime providencie para que praticamente todos os seus atos de execução sejam feitos constar de documentos escritos e que são do conhecimento real ou potencial de uma série de entidades e/ou autoridades.

Por seu turno, mais nos parece que existe aqui uma dificuldade que decorre desde logo da circunstância de que, no momento em que se iniciam as atuações de quaisquer dos arguidos, mesmo nos termos constantes do despacho de pronúncia, a sociedade “A... S.A.” já se encontrava para todos os efeitos declarada insolvente, através da insolvência que foi declarada ainda em 2006, no âmbito do processo n.º 2/06...., não existindo factos que permitam concluir sequer com segurança se tal real situação de insolvência se teria propriamente deixado de verificar ao longo do tempo até ser novamente declarada em 2013, no âmbito do processo n.º 631/13..... E é esta última insolvência que foi declarada neste processo n.º 631/13...., já no ano de 2013, que vem aqui imputada aos arguidos como sendo “dolosa”, ou seja, como tendo sido basicamente provocada pelos arguidos através das suas atuações, quando, repita-se, a situação de insolvência já existia desde momento anterior àquele em que qualquer um dos arguidos teve qualquer atuação ou intervenção, uma vez que já tinha sido decretada logo no muito anterior processo n.º 2/06...., ainda no ano de 2006.

Por seu turno, mais nos pareceu sintomático que nenhum credor ou antigo administrador da insolvente tenha manifestado desconhecimento, descontentamento ou surpresa perante os atos praticados pelos arguidos, nem tenha manifestado sentir-se lesado com os mesmos, antes pelo contrário.

Por outro lado ainda, não podemos olvidar algo que nos parece relevante, no sentido de que, apesar de tudo, em 14/07/2008, a “C..., Lda.” e “I..., Lda.”, ambas sob a gerência atual ou futura do arguido CC, investiram um total de €55.000,00 na subscrição integral do capital social da “A..., S.A.”, assim como a “C..., Lda.” (posterior “G..., S.A.”) investiu igualmente valores muitíssimo elevados na aquisição de créditos sobre a insolvente, que anteriormente pertenciam às credoras “E...” e Caixa Geral de Depósitos, tudo como resultou especificamente como provado.

E igualmente não será de esquecer que a insolvência, liquidação e encerramento da insolvente “A..., S.A.” após todos os atos praticados pelos arguidos (nomeadamente o arguido CC e AA), como viria a ser decretada em 2013, iria necessariamente constranger, limitar e porventura impedir a continuação da atividades da “G...” e cercear os recursos que esta teria disponíveis, algo que torna a intenção de provocar essa insolvência e o prejuízo para os credores ainda mais duvidoso, na perspetiva de que a atividades da “G...” sempre seria aquela que a mais longo prazo se pretenderia acima de tudo manter.

Por outro lado, para além do exposto, mais se nos afigura que sempre seria difícil provar dissipação de património e intenção de prejuízo aos credores sem se comparar o ativo e o passivo antes e depois da atuação dos arguidos, nomeadamente até por recurso aos bens e direitos que teriam sido apreendidos na insolvência de 2006 com os bens e direitos que por sua vez teriam sido apreendidos na insolvência de 2013, e sem comparar os créditos e credores que existiriam num momento e no outro, como nunca se fez especificamente ao longo de todo o despacho de pronúncia.

De todo o modo, mais uma vez será sintomático registar que os credores que foram reconhecidos pelo administrador de insolvência e aqui arguido AA na insolvência de 2006 eram em muito maior número, e com créditos muito mais elevados dos que os que vieram a ser reconhecidos pelo administrador de insolvência II na insolvência decretada em 2013. Bastará ver a lista de créditos da insolvência de 2006 a fls. 534 a 559 do apenso 5, da qual resulta um total de 160 credores reconhecidos, com um total de créditos de €14.484.113,24, e comparar com a lista de créditos da insolvência de 2013 a fls. 39 a 43 do apenso 3, da qual consta um total de apenas 16 credores reconhecidos, com um total de créditos de €4.959.585,84. E isto sobretudo se mais se tiver presente que, de acordo com o disposto no artigo 218º, n.º 1, al. b), do CIRE, o perdão dos créditos e a moratória concedidos no plano da insolvência de 2006 ficaram todos sem efeito quanto a todos os créditos aí em causa, por simples efeito da nova declaração de insolvência de 2013.

Por seu turno, e ainda genericamente, mais diremos que, perante a prova que foi produzida em audiência de julgamento ou constante dos autos, não se vê que exista qualquer ligação pessoal palpável entre os arguidos CC e AA, nenhum interesse pessoal ou comercial que ambos tivessem notoriamente em comum, nem qualquer interesse que AA tivesse relacionado com a “G...”, nem com a insolvente “A...”, nem com qualquer das demais sociedades geridas por CC, nem com qualquer dos credores de qualquer um dos processos de insolvência que aqui se referem. Em suma, não há qualquer prova clara que nos leve a concluir que a intervenção do arguido AA tivesse qualquer propósito ou intuito para além do exercício normal e habitual das suas funções como administrador de insolvência, da mesma forma que já o teria efeito em numerosos outros processos semelhantes.

E igualmente não se vê absolutamente nenhuma ligação visível, demonstrada ou palpável entre o arguido AA e o arguido UU, nem mesmo através ou por intermédio do arguido CC.

E mais não se vê quaisquer atos que sejam sequer imputados ao arguido AA e por este praticados depois de 22/09/2009, bem como nomeadamente após o encerramento do processo de insolvência de 2006, e que, portanto, pudessem implicar a sua responsabilidade ou a participação em qualquer “plano” que levasse ao sucedido após estes momentos, e muito menos a uma nova insolvência que apenas viria a ser decretada em 2013, ou seja, quase quatro anos depois de toda a sua intervenção ou atuação cessar.

E quanto ao arguido UU, é o próprio despacho de pronúncia que alega (como aliás se prova) que tal arguido nunca teve acesso a quaisquer documentos contabilísticos ou fiscais respeitantes à sociedade “A..., S.A.”, não recebeu quaisquer bens ou património da sociedade, a cujas instalações industriais nunca se deslocou e não realizou na mesma qualquer ato de gestão, tendo-se limitado a assinar uns documentos, a pedido do arguido CC, que apenas lhe solicitou a indicação de um endereço postal para receber correspondência relativa à sociedade “A..., S.A.”. E por isso, assim sendo, não se vê de que forma é que os factos ao respetivo conhecimento e intencionalidade na sua atuação poderiam resultar facilmente como provados, nomeadamente para a prática consciente, determinada e articulada com o arguido CC, de quaisquer dos atos típicos do crime que aqui lhe vem imputado.

Enfim, mas passando agora mais concretamente ao facto que se deu como não provado sob o item 2), diremos desde logo que não se provaram, e em grande medida nem sequer se alegaram, quaisquer factos objetivos e concretos dos quais decorresse e se pudesse concluir, sem margem para dúvidas, que os arguidos que aqui se refere hajam incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, tenham ficcionado contratos de cedência de créditos, tenham reconhecido créditos fictícios, tenham incitado terceiros a apresentá-los, tenham privilegiado determinados credores em detrimento de outros, ou tenham ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência (de 2013?) “A..., S.A.”, fazendo com que os credores desta insolvente ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

A este respeito, dir-se-á, ao contrário, que apenas se comprova que efetivamente houve incumprimento do plano de insolvência relativamente às credoras “L...” e “K...” (e nada mais), isto com base nos requerimentos efetuados por estas no sentido de que fosse julgado sem efeito o perdão de dívida e a moratória que tinham concedido, e lhes foi deferido pelo Tribunal, conforme se encontra provado; perguntar-se-á que contratos de cedência de créditos é que se poderá dizer que tenham sido “ficcionados”, pois isso nem sequer claramente se alega; que créditos é que poderão ter sido “fictícios” e como tal reconhecidos, pois tal também não se alega claramente; não existe qualquer alegação e prova de que alguém tenha sido incitado a apresentar quaisquer créditos que fossem, muito menos “fictícios”; não se sabe que credores é que poderão ter sido “privilegiados” em relação a outros, pois também isso não se alega de forma clara; e igualmente não se alegaram nem se provaram factos concretos de ocultação de contabilidade.

Aliás, justamente quanto a este último ponto, a testemunha YY afirmou no seu depoimento em audiência que enviou ao administrador de insolvência II tudo o que dispunha e que por este lhe foi solicitado, o referido II não o negou no seu depoimento, e note-se que o mesmo escreveu nos itens 17º a 20º da resolução de contrato que efetuou em benefício da massa insolvente, conforme consta a 63 e 64 (vol. 1), que a aludida YY lhe enviou diversos emails em 13/09/2013 que continham demonstrações financeiras individuais, relatório fiscal e certificação de contas respeitantes à escrita da “A...” dos exercícios de 2010, 2011 e 2012, além de diversos balancetes analíticos mensais dos exercícios económicos e fiscais de 2011, 2012 e 2013, bem como “entre outros documentos”, o extrato do Diário de Operações Diversas e de Vendas correspondente ao exercício do ano de 2011. Aliás, veja-se os documentos nesse sentido que constam de fls. 309 a 361 do apenso 3, e que terão sido juntos pelo próprio administrador de insolvência II (em representação da massa insolvente) ao apenso I do processo de insolvência de 2013, no dia 20 de Maio de 2014.

E mais se verifica que o arguido AA foi prestando contas ao processo de insolvência de 2006, em que exerceu as funções de administrador de insolvência, durante os anos de 2007 e 2008, não se tendo levantado qualquer questão quanto às mesmas, e mais tendo as mesmas sido largamente visadas pela comissão de credores, como resulta designadamente de fls. 2783 a 2804, vol. 8.

Por seu turno, mais nos parece que no despacho de pronúncia se pretende dar a entender que o arguido AA ocultou as cessões de créditos que se encontram provadas da “E...” e da Caixa Geral de Depósitos, ambas à “C..., Lda.” na proposta de plano de insolvência, em assembleias de credores e na relação de créditos que apresentou na insolvência de 2006, quando na verdade na cessão efetuada pela “E...” foi acordado que a mesma só produziria efeitos após a homologação do plano de insolvência, e esta ainda não tinha ocorrido, só tal tendo sucedido por sentença proferida a 15/02/2008 e transitada em julgado apenas a 06/11/2008; e a alegada cessão de créditos efetuada pela Caixa Geral de Depósitos tratou-se inicialmente de uma simples promessa, cujo contrato definitivo apenas viria a ser concretizado em 12/12/2013, ou seja, até já depois de ter sido decretada a insolvência de 2013.

Aliás, ainda neste âmbito, o despacho de pronúncia parece assentar numa lógica de que, se essas supostas cessões de créditos se encontravam logo “ab initio” já efetuadas e definitivas, então a “E...” e a Caixa Geral de Depósitos não deviam ter participado em assembleias de credores posteriores e aprovado o plano de insolvência do processo de insolvência de 2006, até porque tal plano importou redução significativa de todos os créditos. No entanto, não se pode concluir prejuízo para os credores nem intenção de o criar por esta via, na medida em que, como já vimos antes, tais cessões de créditos, ou não produziram imediatamente efeitos, ou não passaram de mera promessa.

Por outro lado ainda, quanto a tudo o que aqui se alega em relação à “B... Limited”, não só não se comprova que os correspondentes créditos fossem fictícios, até porque foram em parte judicialmente reconhecidos (não obstante o administrador de insolvência II não os haja reconhecido de todo, como se deu como provado), como igualmente não colhe efetuar qualquer ligação visível e palpável entre esta entidade e o arguido AA. É certo que este arguido, quando foi nomeado administrador de insolvência no processo de insolvência de 2006, tinha domicílio profissional em “D... Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas”, com sede em Av. ..., ..., ..., conforme resulta designadamente de fls. 690 do apenso 5. E é igualmente certo que a referida “B...” teve como representante fiscal em Portugal, a “D... – Outsourcing Serviços de Contabilidade e Organização, Lda.”, pessoa coletiva n.º ...97, com sede na mesma Av. ..., ..., ....

No entanto, não nos parece que esta suposta (e extremamente ténue) ligação assuma aqui qualquer relevância em especial, ou que dela se devam aqui extrair quaisquer consequências em concreto, sobretudo se mais tivermos presente que ambas as entidades “D...” que aqui se referem não têm sequer designações inteiramente coincidentes uma com a outra, e sobretudo se mais tivermos presente (como igualmente se provou) que a referida representação fiscal se destinou apenas à prática de um ato isolado em Portugal já em 16/07/2013, como sendo a atribuição do NIF ...67 e participação societária em sociedade portuguesa como acionista.

E aliás, diga-se, nos próprios termos do despacho de pronúncia, e em face da qualidade de que se revestia e das funções que se lhe encontravam atribuídas, o arguido AA não tinha sequer de saber de quaisquer cessões de créditos, a não ser que as mesmas lhe fossem comunicadas (por não ser nelas interveniente), ou que houvesse lugar a incidentes de habilitação de cessionário, algo que nunca se alegou nem se provou que tivesse sucedido.

Passando agora aos contratos de “cessão de exploração industrial” que se referem nos factos provados, ambos entre a “A...” (representada pelo arguido e administrador de insolvência AA) e a “G..., S.A.” (representada pelo arguido CC) tem-se na realidade de entender que existem de facto dois contratos deste género, sendo um deles datado de 02/01/2008, e o outro datado de 20/12/2007, sendo certo que, embora o essencial que foi contratado seja idêntico, existem várias diferenças entre um e outro.

Com efeito, no contrato datado de 02/01/2008 omitem-se todas as menções nos considerandos e nas cláusulas que por sua vez constam do contrato de 20/12/2007 e que referem que a “A..., S.A.” foi declarada insolvente e está em processo de insolvência, que tem um plano de insolvência a cumprir, que tal plano de insolvência pressupõe a continuação da atividade e a realização de investimentos, e que a “A.... S.A.” pretende uma candidatura do QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional) e tal não é possível por se encontrar em situação de insolvência.

E no contrato de 02/01/2008 refere-se que se cede a licença de exploração de água da “A..., S.A.” à “G..., S.A.”, sendo que na versão de 20/12/2007 já isso não se refere.

E no contrato de 02/01/2008 refere-se que a “G..., S.A.” se compromete a integrar nos seus quadros os trabalhadores da “A..., S.A.”, sendo que no contrato de 20/12/2007 já isso não se refere, dizendo-se antes que a “G..., S.A.” se compromete a pagar os salários e as contribuições dos trabalhadores afetos à unidade industrial da insolvente.

E no contrato de 02/01/2008 omite-se toda a cláusula 4ª que consta do contrato 20/12/2007, e de onde resultava designadamente que a “G..., S.A.” se compromete a observar todas as recomendações que lhe sejam fornecidas pela “A..., S.A.” em tudo o que esteja relacionado com o processo industrial de produção de águas de mesa e outras bebidas não alcoólicas, bem como no que diz respeito aos preços a praticar na comercialização; e que a “G..., S.A.” tem direito a toda a receita decorrente da exploração da unidade industrial, embora assuma a responsabilidade pela manutenção dos utensílios e equipamentos; e que a “A..., S.A.” tem direito a utilizar os espaços existentes no edifício para as atividades do seu objeto social, desde que com prévia autorização e isso não comprometa a atividades da “G..., S.A.”.

E no contrato de 02/01/2008 omite-se toda a cláusula 7ª que consta do contrato de 20/12/2007, e de onde resulta que a entrada em vigor do contrato dependeria de prévia autorização, por escrito, da comissão de credores.

E no contrato de 02/01/2008 omite-se toda a cláusula 8ª que consta do contrato de 20/12/2007, e de onde resulta que nos primeiros anos de vigência do contrato, a assembleia de credores ou a comissão de credores poderão decidir unilateralmente denunciá-lo, mediante um aviso prévio de 30 dias, sem que a “G..., S.A.” tivesse direito a qualquer compensação, e tendo esta que devolver os ativos que recebera em exploração.

E o contrato com data de 02/12/2008 declara que produz efeitos desde 02/01/2008, enquanto o contrato com data de 20/12/2007 declara que produz efeitos desde 01/01/2008.

Ora, na verdade, todas estas divergências e ambas as datas diversas que se encontram apostas em tais contratos geram efetivamente bastantes dúvidas e perplexidades, a ponto de não se ter podido dar como provado sequer que qualquer um dos aludidos contratos tenha sido propriamente celebrado em qualquer das datas de 02/01/2008 ou de 20/12/2007.

Com efeito, e desde logo, verifica-se que, quer em 20/12/2007, quer em 2/1/2008, a designação “G..., S.A.” ainda nem sequer existia, uma vez que a “C..., Lda.” apenas alterou a sua designação para “G..., S.A.” por deliberação de 4/4/2008, com registo a 14/4/2008. E o arguido CC apenas assumiu a gerência da “C..., Lda.” por deliberação de 26/03/2008 e registo a 7 de Abril de 2008, não obstante tenha assinado ambos os contratos (com datas apostas anteriores) na qualidade de legal representante da “G..., S.A.”. E, por seu turno, o arguido CC, nas declarações prestou em audiência, tanto disse que a data real de um suposto e único contrato era Dezembro de 2007, como disse que a “data-valor” era de 2 de Janeiro de 2008 para produzir efeitos nessa data, como disse que “o contrato” (mais uma vez como se fosse apenas um) teria sido assinado em Maio de 2008, porque nesta altura já era gerente da “C..., Lda.”. Enfim, daqui nada de concreto e sólido se extrai, permanecendo todas as dúvidas e perplexidades acima apontadas.

De todo o modo, tendo presentes essas divergências que se apontam entre o teor de um contrato e de outro, daí já resultam os motivos pelos quais se deram como não provados os factos constantes dos itens 4) e 5).

Quanto ao facto não provado constante do item 6), existe na verdade o demais facto incontornável que se deu como provado, no sentido de que apenas no dia 29/09/2008 (data que é posterior a qualquer das datas que constam dos contratos que vimos referindo) é que houve lugar a uma reunião da comissão de credores da sociedade “A..., S.A.”, realizada na agência da Guarda da Caixa Geral de Depósitos, com a participação desta instituição bancária, representada por QQ; da “E..., S.A.”, representada pelo advogado MM; do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, representado pelo advogado RR; e do administrador de insolvência, o arguido AA, em que foi dada autorização ao administrador de insolvência para celebrar um contrato de cessão de exploração da sociedade “A..., S.A.”.

Com efeito, quer-se daqui dar a entender igualmente que nesta reunião da comissão de credores de 29/09/2008 se ocultou a pessoa do arguido CC (que não compareceu), porque não se disse que seria ele o que viria a beneficiar da procuração que os credores deram poderes ao arguido AA para passar (seria a quem este bem entendesse), assim como se ocultou a real natureza e teor dos contratos de cessão de exploração ou a entidade com quem os mesmos viriam a ser celebrados, porque apenas se diz na ata correspondente que foi disponibilizada aos presentes “uma minuta” do contrato, sem mais especificações.

No entanto, resultou do depoimento do arguido CC e da generalidade da prova testemunhal que foi produzida com conhecimento a este respeito (nomeadamente as testemunhas BBB, CCC, QQ e MM), que o arguido CC e o seu pai, ainda antes da declaração de insolvência de 2006, já eram genericamente conhecidos da administração e dos demais credores, clientes e fornecedores da “A..., S.A.”, na medida em que a “C..., Lda.” e a “I..., Lda.” realizavam transportes e logística das águas recolhidas e engarrafadas na “A..., S.A.”, daí terem surgido igualmente como credores na insolvência de 2006.

Por seu turno, o próprio plano de insolvência que viria a ser aprovado e homologado judicialmente na insolvência decretada em 2006 já previa especificamente que seria necessária a realização de investimento externo para a recuperação da empresa, nomeadamente com a possibilidade de os credores converterem os seus créditos em participações sociais na insolvente, tendo sido justamente isso que as aludidas “C..., Lda.” (posterior “G..., S.A.”) e a “I..., Lda.” efetuaram, sem surpresa, mantendo-se a logística e a capacidade de intervenção no mercado de que estas outras empresas já dispunham, em sinergia com os meios de produção e instalações de que dispunha a insolvente “A..., S.A.”

Aliás, e por outro lado ainda, foi sobejamente referido nos aludidos depoimentos em geral que a cessão da exploração industrial aqui em causa da insolvente para uma outra entidade (no caso, a “G..., S.A.”) foi entendida por todos, nomeadamente pela antiga administração da insolvente e pela comissão de credores, como útil e necessária, sobretudo atendendo a que, caso tivesse sido determinado o puro e simples encerramento e liquidação da “A..., S.A.” na insolvência que foi decretada em 2006, a perspetiva em geral dos credores nessa altura era a de que apenas a Caixa Geral de Depósitos, como principal credora, privilegiada e garantida, é que iria ser ressarcida, em parte, do seu crédito, e nenhum outro credor o seria. E assim sendo, como tal, antes houve interesse numa solução de continuidade e eventual recuperação, com a consequente necessidade de se manter os negócios, os clientes e o mercado, aceder ao crédito bancário e concorrer aos concursos (que eram anuais) de fornecimento às grandes superfícies comerciais (nomeadamente a “Sonae”, “Continente”, “Pingo Doce” e “Auchan”), tudo o que não era possível fazer em nome de uma empresa que se encontrava já insolvente (como era o caso da “A..., S.A.”), e tudo agravado pelo facto de ter existido um grande lapso de tempo desde que a insolvência foi decretada em 2006 até que finalmente o plano de insolvência aí aprovado pelos credores fosse judicialmente homologado com decisão transitada em julgado.

Na verdade, veja-se até a este respeito que a insolvência de 2006 foi decretada a 1 de Agosto de 2006 e o respetivo plano de insolvência foi aprovado pelos credores em 17 de Maio de 2007. No entanto, tal plano apenas veio a ser judicialmente homologado por sentença proferida 15 de Fevereiro de 2008, e tal sentença apenas transitou em julgado a 6 de Novembro de 2008. Ou seja, decorreu um período de tempo total de cerca de 2 anos e 3 meses desde a declaração de insolvência até ao trânsito em julgado do despacho judicial que homologou o respetivo plano, o que se tem de conceder que se tratou de um período de tempo bastante extenso para a normalidade dos casos, com o inerente prejuízo para uma empresa caso a indefinição do seu futuro se arrastasse durante todo esse período.

Por seu turno, pelo menos na versão datada de 20/12/2007, ainda do contrato de cessão de exploração industrial aqui em causa, foram feitos constar determinados considerandos que vieram a ser no geral confirmados pelos já aludidos depoimentos. Tais considerandos, no essencial, são os de que a “A..., S.A.” se encontrava em processo e plano de insolvência; que a continuação da sua atividade seria viável mas necessitaria de um projeto financeiramente estável e de determinados investimentos que a insolvente não estava em condições de fazer devido a tal situação de insolvência; que seria útil à “A..., S.A.” concorrer a um QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional), não o podendo fazer por se encontrar em situação de insolvência, e daí a necessidade de ser outra entidade a fazê-lo; e que era de toda a conveniência para a região e pequena localidade de ... a manutenção em funcionamento da unidade industrial da insolvente, bem como a manutenção dos empregos de todos os trabalhadores que aí desenvolviam a sua atividade.

Enfim, decorreu claramente da aludida prova produzida que foi neste contexto e neste quadro que, no essencial, surgiram os contratos de cessão de exploração industrial aqui em causa, mais tendo sido explicado ainda que a existência de dois contratos, com duas versões e textos diversos, se poderá ter devido à existência de versões de trabalho assinadas, ou pelo menos ao intuito que houve em apresentar nomeadamente à “Sonae” e ao “Continente” uma versão que não contivesse qualquer menção específica a uma situação de insolvência ou à necessidade de o contrato ter de ser aprovado ou consentido previamente por qualquer comissão de credores.

E aliás, veja-se ainda que a “adenda” a tal contrato (ou contratos) que (esta sim) foi já celebrada após a aludida reunião da comissão de credores de 29/09/2008, conforme resulta dos factos provados, e que no essencial se apresenta mais conforme com a versão do contrato de cessão datada de 20/12/2007, onde se prevê até a possibilidade de a remuneração por parte da “G..., S.A.” à “A..., S.A.” poder ser mais elevada do que aquela que foi inicialmente contratada, bem como a possibilidade de o contrato ser revogado pela comissão ou pela assembleia de credores, sem qualquer compensação para a “G..., S.A.”.

Enfim, é com base neste quadro que se vem referindo que se vê também aqui com bastante dificuldade que estes contratos de cessão de exploração industrial tenham sido celebrados com a intenção de prejudicar os credores da insolvente, diminuir ou dissipar o seu património ou de fazer com que a insolvente deixasse de ter forma de prover aos seus compromissos, sobretudo quando, como também já se foi dizendo, nenhuma prova foi feita de que as contrapartidas por parte da “G..., S.A.” à insolvente “A..., S.A.” no âmbito de tais contratos não tenham sido efetuadas, e aliás, em bom rigor, tal nem sequer consta como expressamente alegado no despacho de pronúncia.

É certo que a partir de dado momento a “G..., S.A.” passou a ser acionista maioritária e credora da insolvente, mas ainda assim os contratos de cessão de exploração que se vêm referido, e mesmo o posterior contrato de “transmissão de unidades de negócio” celebrado com data de 02/01/2012 que igualmente se refere nos factos provados, para além de serem temporários, são onerosos, não se podendo presumir que não existiram as contrapartidas contratadas para a insolvente, ou que afinal teriam sido gratuitos, até porque nenhuma prova se fez de que essas contrapartidas não se tivessem operado (como aliás se deu como não provado sob o item 16)), e existiam as dívidas da insolvente e do plano de insolvência para cumprir. E aliás, o depoimento da testemunha YY em audiência de julgamento sugere até que terão existido pagamentos e/ou contrapartidas da “G..., S.A.” para a “A..., S.A.” neste âmbito, embora sem certezas nem clareza suficiente no seu depoimento, mais sendo certo que o demais depoimento da testemunha II não nos pareceu de todo suficiente nem convincente em contraponto, sobretudo porque foi o próprio que disse que se baseou apenas em elementos contabilísticos que considerou incompletos e não fiáveis.

Concede-se, quando muito, que efetivamente este último “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial”, a mudança de sede da insolvente para ..., ..., bem como toda a intervenção do arguido UU como “testa de ferro”, tudo efetuado pouco tempo antes de ser requerida e declarada a insolvência de 2013, acabam afinal por ser aqui os factos que levantam mais dúvidas e perplexidades.

Contudo, mesmo este contrato não deixa de surgir de certo modo na sequência ainda lógica de atos anteriores, como não se diz no despacho de pronúncia nem se percebe dos meios de prova produzidos então o que terá mudado o curso e a intenção (pelo menos inicial) do arguido CC a que já supra aludimos, se é que algo verdadeiramente mudou.

E qualquer modo, verifica-se que o administrador de insolvência e testemunha II, na insolvência de 2013, apreendeu para a massa insolvente todos os bens móveis que teriam sido objeto do referido “contrato de transmissão das unidades de negócio (unidades económicas) e de arrendamento de unidade industrial”, assim como se constata que a transação que foi celebrada já na insolvência de 2013 entre a massa insolvente e a “G..., S.A.” que se refere nos factos provados (itens EL) e EM)) sugere que as marcas da titularidade da insolvente apenas foram transmitidas para a “G..., S.A.” já no âmbito da liquidação dessa insolvência (e não antes), assim como o mesmo resultou igualmente do depoimento da testemunha ZZ, pelo que não se vê que tais bens hajam sido propriamente dissipados ou hajam desaparecido, muito menos prejudicando os interesses dos credores ou as finalidades da nova insolvência que viria a ser decretada em 2013.

Aliás, quanto às marcas e à caducidade de marca que se refere nos factos provados (item DC)), convirá ter presente que dos autos decorre que existiam pelo menos quatro marcas com os dizeres “G...” (verbais, escritas e mistas), todas que são ou já foram da titularidade da insolvente, nomeadamente a marca n.º ...27 (fls. 902); a marca n.º ...96 (fls. 938); a marca n.º ...23 (fls. 983 e 984); e a marca n.º ...60 (fls. 861), todas do processo principal. E assim sendo, não se vê sequer especial relevância ou consequências que aqui se devam ou possam extrair deste simples facto.

Quanto ao facto que se deu como não provado sob o item 13), verificamos que o arguido CC, no seu depoimento, disse que o negócio a que aqui apenas vagamente se alude nunca se concretizou. Por seu turno, não se sabe sequer o que se pretende dizer neste caso com o termo genérico “ativos fixos tangíveis”, nem de que ativos deste género e em concreto é que se está a falar (até porque, ao que julgamos saber, podem aqui ser incluídas realidades tão diversas como terrenos e recursos naturais, edifícios e outras construções, equipamento básico, equipamento de transporte, equipamento administrativo, equipamentos biológicos, depreciações acumuladas ou perdas por imparidade acumuladas), nem com base em quê é que surge o seu correspondente e alegado valor. E mais nos parece que o depoimento da testemunha II não é suficiente para que este facto se dê como provado, na medida em que se baseia apenas no balancete de Junho de 2013 que consta do processo, assim como próprio disse que não teve acesso à contabilidade em geral e disse que os elementos de que dispunha não os considerava fidedignos; e mais se dirá ainda que o depoimento da testemunha YY igualmente não afirma este facto de forma clara.

Prosseguindo, quanto ao facto não provado constante dos itens 14) e 15), parece evidente que o contrato que aí se refere não terá sido propriamente celebrado no dia 02/01/2012, na medida em que faz uma alusão à Lei n.º 31/2012, a qual apenas foi publicada no posterior dia 14 de Agosto desse ano de 2012. E não se fez qualquer prova de que tal contrato tenha sido lançado na contabilidade nesse ano de 2012.

Quanto ao que se deu como não provado sob o item 17), e na sequência de muito do que já vimos dizendo, pensamos que de todo não se pode concluir por tal facto de forma clara, nem dos demais factos objetivos, nem das regras da experiência comum, nem das provas disponíveis nos autos, E, aliás, não se vê como é que o arguido CC poderia ser desta forma desresponsabilizado por atos que já teria praticado, não se concretiza que documentos é que tenham sido “forjados”, e muito menos que tenham sido (então) por estes arguidos apresentados em qualquer processo de insolvência.

Quanto ao alegado e que se deu como não provado sob o item 18), no sentido (simplesmente e sem mais) de que a contabilidade da sociedade “A..., S.A.”, desde o ano de 2007, nunca teria refletido a realidade, pensamos que é manifesto que se trata apenas de uma afirmação vaga e genérica, sem que se contraponha a contabilidade existente com factos reais ou lançamentos diversos que então tivessem (ou não) de ter sido efetuados, e sem qualquer sustento probatório minimamente fidedigno. E é assim, portanto, que entendemos que este facto apenas poderia resultar como não provado, da forma como resultou.

Por seu turno, e ainda a mesmo respeito, verifica-se (e repita-se) que o arguido AA foi prestando contas ao processo de insolvência de 2006, em que exerceu as funções de administrador de insolvência, durante os anos de 2007 e 2008, não se tendo levantado qualquer questão quanto às mesmas, e tendo as próprias sido largamente visadas pela comissão de credores, como resulta designadamente de fls. 2783 a 2804, vol. 8. E mais se verifica ainda que a Autoridade Tributária realizou uma inspeção externa à contabilidade da insolvente “A..., S.A.”, relativa aos exercícios de 2008 e 2009, sem que se tenha deparado com dificuldades ou questões relevantes, e mais dessa inspeção resultando que os elementos necessários estariam disponíveis na sede da insolvente em ..., tudo como consta documentado designadamente a fls. 2806 a 2832, vol. 8.

E agora, finalmente, quanto ainda a tudo o que de mais se deu como não provado sob os itens 20) a 25), para além de tudo o que já ficou anteriormente dito e para onde se remete, pensamos que pura e simplesmente não há factos provados que permitam concluir pelo “esvaziamento de património” que aqui se alega; não se provou em que termos exatos é que terá sido inobservado o plano de insolvência para além do que diz respeito às credoras “K...” e “L...”, para além de nem sequer se ter alegado nem provado quais eram os créditos destas no panorama geral; não se vê como é que qualquer um dos arguidos poderia ser “desvinculado” ou “desresponsabilizado” por quaisquer atos por si anteriormente praticados e aliás largamente constantes de documentos escritos; nada nos permite afirmar que todas as condutas aqui descritas e levadas a cabo pelos arguidos tenham sido causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência da sociedade “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 631/13...., para além de que, lida a sentença proferida em tal processo, não é propriamente isso que resulta; e a suposta ocultação de elementos contabilísticos não se provou, como já anteriormente se disse.

**

B) DA ANÁLISE DOS FACTOS E APLICAÇÃO DO DIREITO (…)

Ora, isto posto, revertendo ao nosso caso concreto, e não obstante os profusos e extensos factos que foram dados como provados, pensamos que deles não resulta de forma clara nem suficiente que qualquer dos aqui arguidos, quer em representação direta de direito ou de facto da devedora e insolvente “A..., S.A.”, quer como terceiro com conhecimento de tal devedora ou em benefício desta, tenha destruído, danificado, inutilizado ou feito desaparecer parte do património da devedora; ou tenha diminuído ficticiamente o seu ativo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida; ou tenha criado ou agravado artificialmente prejuízos ou reduzido lucros da devedora; ou para retardar falência, tenha comprado mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente.

E muito menos resulta que qualquer um dos arguidos haja praticado quaisquer de tais atos com a específica intenção de prejudicar os credores da aqui devedora e insolvente “A..., S.A.”.

E foi alegado mas foi não provado que os arguidos AA e CC, em comunhão de esforços e intenções, tenham decidido, em data próxima do mês de Outubro de 2007, delinear um plano, mediante a prática de atos sucessivos e postergados no tempo, aptos a transferir o património da “A..., S.A.” para a “G..., S.A.”, incumprindo grosseiramente o plano de insolvência aprovado, ficcionando contratos de cedência de créditos, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, privilegiando determinados credores em detrimento de outros, e ocultando informações contabilísticas ao processo de insolvência, com o claro propósito de provocarem a insolvência “A..., S.A.” e prejudicarem os seus credores, fazendo com que estes ficassem sem bens para pagamento dos seus créditos, deixando-os sem garantias de pagamento.

E mais foi alegado, mas não provado, que no mês de Maio de 2013, à data da entrada do processo de insolvência n.º 631/13...., o arguido CC, com o intuito de não ser responsabilizado criminalmente e pessoalmente pela insolvência da “A..., S.A.”, cuja dissipação de património tivesse iniciado anos antes, tenha decidido, em comum acordo com o arguido UU, forjarem documentos que tenham vindo a apresentar neste processo de insolvência, com o objetivo de isentar CC de qualquer responsabilidade relativa à gestão da empresa “A..., S.A.”, nomeadamente no que diz respeito à dissipação de património.

E mais sobretudo foi ainda alegado, mas não provado, que desde pelo menos o mês de Outubro de 2008 que os arguidos CC e AA, enquanto respetivamente, administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, tenham agido de forma intencional ao esvaziarem o património desta em favor da “G..., S.A.”, sabendo que com este procedimento violassem o plano de insolvência aprovado e causassem graves prejuízos à “A..., S.A.”, impedindo-a desenvolver a sua atividade.

E igualmente não se provou que posteriormente, com a colaboração do arguido UU, os mesmos arguidos CC e AA tenham praticado atos cujo único objetivo tenha sido o de desvincular estes últimos arguidos de qualquer responsabilidade na gestão da empresa “A..., S.A.” e no incumprimento das diversas obrigações a que, enquanto administrador de facto e posteriormente de direito da “A..., S.A.” e administrador da insolvência, estivessem obrigados.

E mais não se provou ainda que todos os arguidos tenham agido de forma concertada e intencional, praticando atos que soubessem ser prejudiciais à sociedade “A..., S.A.” e que ao atuarem dessa forma, além de causarem um efetivo prejuízo à empresa impedindo-a de poder continuar a desenvolver a sua atividade, causassem também prejuízo aos credores da mesma, que tenham visto extinta a garantia de solvabilidade dos seus créditos e em benefício da “G..., S.A.”.

E também não se provou que todas as condutas aqui descritas e levadas a cabo pelos arguidos tenham sido causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência da sociedade “A..., S.A.” no âmbito do processo n.º 631/13...., do Tribunal da Comarca da Guarda, bem como que ao ocultar elementos contabilísticos da sociedade insolvente, os arguidos tenham obstado ao conhecimento real da situação contabilística e financeira daquela, mormente o seu património, e ainda que tenham agido todos os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo que todas as suas condutas aqui descritas fossem proibidas e criminalmente punidas.

Assim, em face do exposto, é evidente que não se preencheram sequer os elementos objetivos nem subjetivos do tipo de crime de insolvência dolosa que vem imputado a qualquer um dos arguidos, em qualquer das suas formas previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 227º do Cód. Penal, razão pela qual não faz sentido apreciar da ilicitude, culpa ou punibilidade das condutas de quaisquer dos arguidos, devendo ser por isso todos pura e simplesmente absolvidos da prática dos crimes pelos quais vieram pronunciados (…)”

42) O arguido em sede de inquérito e na instrução (por si requerida) expôs o seu ponto de vista, tentando chamar a atenção para a interpretação que estava a ser dada ao contrato de cessão de exploração industrial, bem como dos problemas ocorridos na sequência da sociedade insolvente ter aguardado cerca de 19 meses sem a aprovação do plano de insolvência.

43) Mais salientou que foi a urgência de soluções, que levaram os maiores credores A..., a negociar e a autorizar a celebração do Contrato de Cessão de Exploração Industrial com a empresa C..., Lda, para assim manterem os contratos de fornecimento com as grandes superfícies, obter financiamentos necessários para a implementação do Plano de Insolvência, manter os postos de trabalho e a manter a empresa em funcionamento, e tentou demostrar que:

- Os ativos continuavam na propriedade da A..., até porque estavam onerados (os equipamentos com penhora mercantil, os imóveis com hipoteca, e o recurso/captação da água com penhor);

- Permitia obter os meios financeiros para pagar aos credores da A... e aos trabalhadores;

- Permitia manter a unidade industrial em funcionamento, assumindo a cessionária a obrigação de manter a unidade industrial e de manter os ativos, temporariamente cedidos, em bom estado de funcionamento;

- Permitia que fossem efetuados na fábrica os melhoramentos necessários à sua manutenção, conforme era demostrado pelo Contrato de Concessão de Incentivo Financeiro no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação, celebrado entre o Cessionário e o IAPMEI em 2008, que descreve os investimentos a efetuar na fábrica, num montante global de cerca de 4 milhões de Euros, uma vez que a A..., na qualidade de insolvente estava impedida de recorrer a estes incentivos financeiros. O arguido juntou o documento que titula o contrato com o IAPMEI;

- Era um contrato temporário, cedia por um período limitado uma unidade de negócio para exploração por outrem, mediante o pagamento de um preço.

44) Relativamente à adenda, o arguido expôs o seu ponto de vista, tentando chamar a atenção para a circunstância de:

- A renda ter passado a ser calculada em função da quantidade de água engarrafada, sendo suscetível de permitir uma renda superior em caso de aumento da atividade, não podendo, no entanto, ser inferior ao valor inicialmente acordado;

- A renda acordada, nos termos do número 2 da cláusula terceira, servir para fazer face ao cumprimento dos compromissos financeiros da “A...”

- Nos termos da cláusula quarta, durante os primeiros dois anos de vigência do contrato, a Assembleia de Credores e a Comissão de Credores podiam unilateralmente denunciar o contrato, sem direito a qualquer compensação pelo Cessionário, devendo a posse dos ativos ser devolvida ao cedente.

45) No relatório da Polícia Judiciária, cujo teor foi tido em consideração pelo Ministério Público na acusação deduzida, quer pelo JIC na decisão de pronuncia consta que:

“(…) Em 02/01/2008, (mesma data) é celebrado entre a sociedade “A..., SA” e a “C..., Lda” um “contrato de cessão de exploração industrial” celebrado entre a sociedade “A..., SA”, representada pelo administrador de insolvência AA, e a “G..., SA”, representada por CC, onde a primeira cede à segunda a licença de exploração da água da nascente G... (fonte PP) e a exploração da unidade industrial, pelo prazo de 10 anos, contados a partir do dia 02/01/2008… como contrapartida da cedência mencionada a “G..., SA” compromete-se a pagar à “A..., SA”, até ao dia 8 de cada um dos meses de vigência do contrato, o valor de 10.000,00 Euros, acrescido de IVA… a “G..., SA” compromete-se ainda a transferir (para seu nome) os contratos de eletricidade e água, bem como a integrar nos seus quadros os trabalhadores da “A..., SA” afetos à unidade industrial… a “G..., SA” pode utilizar sem reservas toda a unidade licenciada, incluindo todos os imoveis e utensílios que se encontram no estabelecimento industrial… são da exclusiva responsabilidade da “G..., SA” as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade, designadamente a renovação das licenças necessárias a esse exercício de atividade, as contribuições, impostos, multas ou coimas, dívidas a fornecedores e os seguros obrigatórios que tenham que ser celebrados em função da exploração do estabelecimento industrial…a falta de cumprimento, por parte da “G..., SA”, das obrigações legais inerentes ao exercício da atividade bem como o incumprimento dos deveres contratuais resultantes do contrato determinam automaticamente a respetiva cessação e a imediata reversão da unidade industrial para a “A..., SA”… (vide contrato constante de fls. 262 a 265, do apenso n.º 2);

Este contrato levanta várias questões:

Em primeiro lugar, à data da sua celebração (02/01/2008), a sociedade “C..., Lda.” ainda não tinha sido transformada em sociedade anónima, nem alterado a sua denominação social para “G..., SA”, o que apenas veio a suceder a 04/04/2008 (vide certidão permanente da sociedade a fls. 1116);

Por outro lado, à data de 02/01/2008, CC não podia representar a “C..., Lda.”, uma vez que apenas assumiu a gerência da mesma a 26/03/2008 (vide fls. 1115 verso), entrando depois como sócio a 31/03/2008 (vide fls. 1116);

Verifica-se também que as assinaturas no contrato apenas foram reconhecidas a 14/05/2008, pelo já mencionado advogado MM (vide prints dos registos online a fls. 266 e 267, do apenso n.º 2);

Acresce que este contrato foi celebrado pelo administrador de insolvência sem o conhecimento e autorização dos credores da sociedade “A..., SA”, designadamente da CGD (vide depoimento do respetivo representante, a fls. 1294 e da Segurança Social (vide depoimento do respetivo representante a fls. 1199);

Por outro lado, também não se entende a razão deste “esvaziamento da atividade” da sociedade “A..., SA”, quando o plano aprovado foi no sentido da sua recuperação, com manutenção da mesma em atividade (vide plano a fls. 804, 805 e 806, do apenso n.º 6 e ata da aprovação, constante de fls. 844 a 850, do apenso n.º 6)”

46) O arguido na instrução (por si requerida) expôs o seu ponto de vista, tentando chamar a atenção para a interpretação que estava a ser dada à procuração datada de 30/09/2008 mencionada nos pontos 77), 78), 79) e 80) da acusação deduzida pelo Ministério Público, cujo teor foi reproduzido na decisão instrutória.

47) A tal propósito, o autor referiu ao JIC que: i) na convocatória efetuada pelo AI para a reunião da comissão de credores constava como ponto dois da ordem de trabalhos a outorga de procuração; ii) na ata de tal reunião da comissão de credores, ocorrida a 29/09/2008, consta que estiveram presentes o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP, representado por RR, a CGD, representada por QQ e a E... S.A. representada pelo Advogado, Dr. MM; e iii) na referida ata consta ainda que os poderes foram conferidos pela comissão de credores ao Administrador de Insolvência, ou a quem ele indicar, os poderes aí mencionados, que se destinavam apenas a ser utilizados junto da Câmara Municipal ..., nenhum outro ato jurídico foi praticado ao abrigo desta procuração, e dos autos nada consta que contrarie esta realidade.

48) À data em que a procuração foi outorgada, CC não era pessoa estranha ao processo de insolvência, era o representante legal de um dos principais investidores, era o cessionário do Contrato de Cessão de Exploração e o gerente da I..., o qual tinha manifestado junto do Tribunal a intenção de subscrever o aumento do capital social, o que veio a suceder.

49) A mencionada procuração caducou quinze dias após a sua outorga, uma vez que CC foi nomeado como membro do Conselho de Administração da A..., em 17/10/2008, ato que foi registado na Conservatória do Registo Comercial em 04/11/2008.

50) Relativamente à imputação relativa à ocultação da contabilidade da “A...”, o autor nas declarações que prestou perante o JIC, referiu que: em 2008 a A... ficou sem Técnico Oficial de Contas e foi necessário encontrar um novo prestador de serviços, uma vez que a execução da contabilidade, devido ao volume, continuava a ser executada por funcionários da A... supervisionada pelo Diretor Financeiro Dr. CCC. E que devido à complexidade da logística e ao elevado número de documentos, a contabilidade era efetuada, informaticamente, num programa certificado pela Autoridade Tributária, designado PHC, tendo a A... várias licenças, o que permitia o lançamento contabilísticos em ... e também em ..., local onde se encontrava o centro logístico responsável pela distribuição dos produtos aos clientes.

51) Mais referiu que durante o seu mandato, as contas da A... foram assinadas por um TOC, certificadas por um ROC, comunicadas à Autoridade Tributária, depositadas e divulgadas.

52) Referiu também que durante o seu mandato de administrador de insolvência, foram sempre comunicadas e prestadas as contas, tais como: para efeitos do artigo 61º e 62º do CIRE foram prestadas contas trimestralmente (07/02/2007, 10/05/2007, 20/08/2007, 03/07/2008, 05/01/2009); foram visadas pela Comissão de Credores, pelo menos em 11 setembro de 2007 e 22 de janeiro de 2009; e foram objeto de depósito e publicação nos termos do artigo 70.º do CSC.

53) Em 2006, 2007 e 2008 foram entregues a declaração periódica de rendimentos para efeitos do artigo 120.º do Código do IRC, a declaração anual de informação contabilística e fiscal do artigo 121.º do Código do IRC, foi constituído o processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, e foi entregue mensalmente a declaração periódica do IVA com a identificação de todas as operações ativas e passivas.

54) Toda a informação relativa às contas do período do mandato do administrador de insolvência, estavam disponíveis no portal das Finanças e na Conservatória do Registo Comercial.

55) O ora autor carreou para a fase de instrução o documento da Autoridade Tributária junto nos autos a fls. 469 a 472, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, emitido na sequencia de uma ação de inspeção, elaborada por irregularidades declarativas contas da A..., nos exercícios de 2008 e 2009, tendo-se proposto, nomeadamente correções meramente aritméticas à matéria tributável, no exercício de 2008, no montante de €29.284,19.

No que se refere ao exercício de 2009, fez-se constar o seguinte: “Em 2009, apurou-se que o sujeito passivo, procedeu ao encerramento de diversas contas da classe de Disponibilidades, designadamente – 11 Caixa, para contas 26 – Outros Devedores e Credores.

Apesar da não utilização de qualquer conta de custos, consideramos estar perante despesas confidenciais ocultas.

Isto é, os valores existentes em caixa a 31-12-2008, deixaram de existir em 2009 sem qualquer justificação ou documento de suporte. Estamos portanto, perante uma saída de fundos sem qualquer tipo de documento comprovativo, os quais revertem em favor do próprio ou de terceiros. (…)

56) O autor é Sénior Partner da empresa de contabilidade, auditoria e consultadoria internacional, a D....

57) Em consequência da constituição do autor como arguido no processo crime NUIPC 267/14...., o autor efetuou, pelo menos, quatro deslocações de .../.../..., compreendem cerca de 674Km (ida e volta), o que fez na fase de

instrução, no dia 14/09/2018 (depoimento arguido); na fase de julgamento, nas sessões ocorridas nos dias 07/05/2019, 31/05/2019 e 19/06/2019.

58) O autor despendeu com despesas judiciais, taxa de justiça paga pela instrução e com certidão emitida o valor, pelo menos, de 204,00€ e 91,80€ no total de 295,80€.

59) A defesa do autor durante a fase de inquérito, instrução e julgamento daquele processo crime foi assegurada por advogados constituídos, cujos honorários foram sendo suportados pela D... & Associados, SROC Lda., contudo uma vez terminado aquele processo crime, o autor obrigou-se a reembolsar a D... dos montantes adiantados e pagos aos advogados a título de honorários.

60) Os honorários dos advogados constituídos que compreendeu o tempo das deslocações efetuadas e o trabalho desenvolvido nos autos criminais, desde outubro de 2017 até fevereiro de 2020, orçou o montante global de €42.240,00 (quarenta e dois mil duzentos e quarenta euros), sendo de i) 2017 – 5.120,00€, fatura recibo nº. 100, datada de 27/12/2017; ii) 2018 - 4.480,00€, fatura recibo nº. 106 datada de 18.07; iii) 2018 - 7.840,00, fatura recibo nº. 107 datada de 20/09/2018; iv) 2019 - €9.760,00, fatura recibo nº. 108, datada de 05/02/2019; v) 2020 – 15.040,00, fatura 2020/14, data emissão e vencimento 18/02/2020.

61) Em consequência da constituição do autor como arguido no processo crime com o NUIPC 267/14...., o autor transferiu um número não concretamente determinado de horas do seu trabalho habitual, ao longo dos anos de 2017, 2018, 2019, para a preparação da sua defesa, quer em tempo consumido, quer nas deslocações a Tribunal supra mencionadas, deslocações para reuniões com os advogados.

62) O Autor comprometeu-se perante a D..., Lda a pagar-lhe o montante global de 22.292,00€ acrescido de IVA, por conta dos salários que lhe foram pagos, durante os anos de 2017, 2018, 2019, correspondente a 84 horas em 2017, 120 horas em 2018 e 154 horas em 2019.

63) No documento junto nos autos a fls. 769 verso, datado de 11 de fevereiro de 2021, o aceitou ser devedor perante a D... & Associados SROC, Lda do montante global de €64.532,00, acrescido de IVA, e aceitou efetuar o pagamento de tal quantia mediante retenção de 50% na componente anual variável de remuneração, até integral pagamento.

64) O autor padece de doença do foro cardíaco, desde o ano de 2015, diagnosticado com aneurisma dissecante da aorta e hipertensão arterial, tendo sido submetido a angioplastia coronária em 2016.

65) Desde 2015 que o autor é acompanhado em consultas de cardiologia e toma medicação diariamente.

66) O facto de ter se confrontado no ano de 2017 com o processo crime supra mencionado, a par com a doença de que padecia – Aneurisma da aorta – implicou maiores cuidados e uma apertada vigilância médica durante o decurso do referido processo crime.

67) O referido processo crime causou preocupação ao autor.

68) O autor sentiu humilhação, injustiça e revolta.

69) Por causa da sua doença coronária, o autor sentiu-se obrigado pela família, a afastar-se do julgamento daqueles autos e de inclusivamente não prestar mais declarações em Tribunal, por forma a proteger a sua saúde e a sua vida.

70) O autor AA, é advogado e gestor de formação, com 30 anos de experiência profissional numa na empresa de auditoria e consultoria – D....

71) O autor integra os órgãos sociais de várias empresas, sendo de destacar a sua função de Senior Partner na D...-Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda., uma das principais empresas de auditoria em Portugal, responsável pela atribuição de Fiabilidade das contas de algumas das principais instituições privadas e públicas do país.

72) Para além da D...-Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda, o Autor é membro do Conselho de Administração da D... Outsourcing, Lda e D... Consulting, Lda.

73) O autor é Presidente do Conselho Fiscal da O..., SA, Membro do Conselho Fiscal da P..., SGPS, SA, Consultor Fiscal da Confederação da Indústria Portuguesa – CIP, Consultor Fiscal da Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal e Juiz Arbitro, em questões de natureza fiscal do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD.

74) De acordo com o curriculum Vitae junto nos autos a fls.783 verso a 785, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o autor é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de ..., Mestrado em Ciências Jurídico Económicas, Pós-Graduado em Gestão e Fiscalidade, MBA em Gestão e Fiscalidade pelo Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais (IESF), Pós Graduado em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito da Universidade de ....

75) O autor tem experiência académica na área de direito fiscal, contabilidade e gestão, inclusivamente, experiência como formador e orador nestas áreas do saber.

76) No ensino superior, o autor lecionou as disciplinas do Direito Fiscal, Fiscalidade, Sociedades Comerciais, no ISCAL, no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais, na Faculdade de Direito da Universidade de ....

77) A constituição de arguido no processo NUIPC 267/14.... é suscetível de por em causa a sua idoneidade, uma vez que a sua idoneidade se encontra sujeita a fiscalização e aceitação por parte da CMVM.

78) Em consequência da constituição arguido no processo crime mencionado, o autor sentiu-se atingido na sua dignidade, no seu bom nome e na imagem que cultivou e conquistou durante a sua vida, sentiu-se envergonhado quando comunicou aos seus pares e colaboradores.

79) Sentiu humilhação pelo facto de ter sido constituído arguido, intensificada com a dedução de acusação e o subsequente despacho de pronuncia, por um crime de insolvência dolosa que atendendo às suas funções de Administrador da D... e de Membro do Conselho Fiscal de outras empresas, arbitro do CAAD.

80) Em virtude do processo crime supra mencionado, o autor decidiu adiar a sua nomeação para Managing Partner da D..., a qual veio a verificar-se após a conclusão do referido processo crime, o que lhe causou perdas financeiras, inclusivamente, com o tempo que teve que dedicar à sua defesa, prejudicando as suas habituais tarefas e responsabilidades profissionais.

*

Factos não provados:

a) Nas circunstâncias mencionadas em 7) da factualidade provada, a equipa era constituída por cerca de 150 profissionais, devidamente inscritos nos órgãos competentes.

b) O requerimento do arguido mencionados em 14) da factualidade provada, e os documentos (designadamente decisões judiciais) juntos, não foram objeto de qualquer apreciação ou valoração pelo Ministério Publico antes da acusação proferida.

c) Nas circunstâncias mencionadas no artigo 19) da factualidade provada, o JIC foi verdadeiramente desrespeitador dos direitos de defesa e da legalidade, não só do aqui autor, como do arguido CC.

d) Na decisão de pronuncia mencionada em 22) da factualidade provada, nada do que havia sido alegado e documentado pelo arguido no requerimento de abertura de instrução foi analisado e apreciado pelo JIC, designadamente, no que se refere aos contratos; convocatória; atas das assembleias credores; procuração; listagem de créditos e credores dos dois processos de insolvência (2/06 e 631/13); certidão da Autoridade Tributaria; vários ofícios do AI no processo 2/96; escritura da cedência de créditos da CGD; acórdão do TRC sobre o incidente de habilitação de cessionário que comprovava que a habilitação do credor Glaciar (anterior C...) só foi requerida na pendencia do processo 631/13 em 2014; acórdão do TRC donde se constata que a marca G... não foi transferida; sentença de reconhecimento dos créditos da sociedade B... Limited (2014); sentença de homologação da transação realizada no proc. 631/13 em 2018; decisões e despachos do encerramento dos múltiplos apensos do 631/13.

e) O JIC assentou a decisão de pronuncia do arguido AA pelo crime de insolvência dolosa, mencionada em 22) da factualidade provada, basicamente na narração dos acontecimentos e nas interpretações jurídicas efetuadas pelo Inspetor DD da Polícia Judiciária e limitou-se a copiar integralmente a acusação, relevando um total desconhecimento técnico pelas regras elementares da contabilidade.

f) Na decisão de pronuncia mencionada no artigo 22) da factualidade provada, o JIC teceu considerações completamente erradas acerca da realidade que efetivamente levou às insolvências da sociedade “A..., S.A.”, interpretações muito confusas, impercetíveis, eivadas de juízos incoerentes, desproporcionados.

g) Lamentavelmente, o que se impunha apreciar na prova documental constante daqueles autos criminais, composta por decisões judiciais, certidões de diversa Autoridade, detalhadamente esclarecidos em instrução pelo arguido AA, foi completamente omitido, desprezado, nada mereceu a mínima atenção e apreciação do JIC, pelo menos deveria ter feito alguma menção a eles, demonstrando que os leu.

h) Nas circunstancias mencionadas no artigo 25) da factualidade provada, o autor não prestou declarações não só porque o seu depoimento já se encontrava gravado, donde constavam todas as explicações dos factos ocorridos na A... e da acusação/pronuncia, podendo vir a ser usado, se assim fosse o entendimento do julgador, mas principalmente pelo descredito na Justiça, pelo desrespeito sentido aquando das suas declarações perante o JIC e também porque a sua condição de saúde não lhe permitia sujeitar-se mais à enorme tensão e sofrimento que aquele injusto processo crime lhe causava.

i) O Juiz de Instrução criminal e o Ministério Público sabiam não ter existido comunicação dos contratos de cedências ao aqui autor, enquanto Administrador de Insolvência, por parte da Caixa Geral de Depósitos e E....

j) A ação inspetiva levada a cabo pela Autoridade Tributária mencionada no artigo 55) da factualidade provada, teve lugar na sede da empresa em ..., tendo verificado no local a regularidade da documentação contabilística.

k) Da ação inspetiva mencionada no artigo 58) da factualidade provada, não resultou qualquer correção.

l) A afirmação contida no artigo 131º da acusação pública e da pronúncia atinge diretamente o bom nome do autor, a sua honorabilidade e idoneidade e indiretamente atinge a D... de forma grave.

m) Em consequência da constituição do autor como arguido no processo crime NUIPC 267/14...., o autor deslocou-se de ... à ... e ... – ..., nomeadamente na fase de inquérito, dia 14/12/2017 (consulta dos autos criminais); na fase da Instrução, dia 12/07/2018, para consulta dos autos criminais e do processo 631/13 e apensos para preparação do 1º Aditamento ao RAI (19/7/2018); dia 24/09/2018 – consulta processo 631/13 e apensos para preparação 2º aditamento ao RAI (26/10/2018); dia 05/11/2018 – sessão instrução; dia 26/11/2018– sessão instrução; na fase de julgamento, dia 28/06/2019; dia 03/07/2019 – sessão; dia 04/10/2019 – sessão; dia 18/10/2019 - sessão; dia 22/10/2019 – sessão; dia 06/11/2019 – sessão e dia 20/12/2019 – sessão.

n) O autor sofreu um tratamento desproporcionado por parte do JIC no debate instrutório, com um total desprezo pela pessoa, pelos factos e pelas provas, o que lhe causou enorme sofrimento e revolta, não estava preparado para tal, nem para a ira que experienciou naquela sala de audiências (instrução).

o) O arguido viu a sua saúde e vida perigada.

p) Em consequência da constituição do autor como arguido no processo NUIPC 267/14...., a idoneidade do autor foi sujeita a fiscalização pela Ordem dos ROC e pela Ordem dos Advogados, e foi colocada em causa a capacidade de o autor continuar a desenvolver a sua atividade profissional, inclusivamente, pôs em causa os milhares de documentos assinados pelo autor, enquanto gerente da D....

q) Em virtude do mencionado processo crime o autor viu a sua carreira profissional suspensa.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Nulidade da sentença.

- Decisão surpresa.

- Exceção de ausência da prévia revogação da decisão de pronúncia.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade civil do Estado perante o A.

2. O recorrente veio arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (cfr. conclusões de recurso 2º a 24º). O recorrido defende que inexiste tal nulidade (cfr. 2º a 4º conclusões das contra-alegações de recurso).

A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC).

Como professa Lebre de Freitas (em A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 334 e 320) devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608º, nº 2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.

No nosso caso, a 1ª instância concluiu que se verificava ausência da prévia revogação da decisão de pronúncia, pelo que faltando essa condição de procedência da acção a mesma teria de ser julgada improcedente.

Assim, em concreto, o tribunal à sombra do referido art. 608º, nº 2, 1ª parte, já nem teria de curar se ocorria ou não erro judiciário de factos ou de direito cometido pelo Mº Pº e Juiz de Instrução.

Apesar disso, a 1ª instância não deixou de pronunciar-se sobre comportamentos ilícito e culposos que teriam sido praticados por tais magistrados, como se pode constatar do seguinte trecho da fundamentação jurídica que apresentou e que agora se transcreve:    

“Ainda que assim não se entenda, cumpre notar que os danos decorrentes de erro judiciário só são indemnizáveis se a responsabilidade emergir de situações que possam ser caraterizadas por erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos e que conduza a uma situação manifestamente violadora da lei ou da Constituição, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 13º da aludida Lei.

Como acima expendemos, apenas se sanciona “o erro manifestamente inconstitucional, ilegal, ou injustificado,” pelo que o erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente.

Para efeitos de responsabilidade civil por erro judiciário necessário se torna que tal erro seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente.

Por decisão injustificada, por erro grosseiro de facto, entende-se aquela que não tem justificação, que não se encontra alicerçada nas concretas circunstâncias de facto que deveriam determinar o seu proferimento, as situações de afirmação ou negação de um facto cuja verificação se mostre incontestada no processo ou que não deixe margem para quaisquer dúvidas ou quando o juiz decidiu em flagrante contradição com os factos dados por provados.

Para além disso, como é consabido, o juízo de condenação é necessariamente mais exigente que o juízo de indiciação, sendo de salientar que, in casu, a absolvição ocorreu não porque tenha sido demonstrada, de forma positiva, a inocência do autor, mas porque não foi feita prova bastante de todos elementos objetivos e subjetivos do crime de insolvência dolosa de que vinha acusado.

A conclusão sobre a existência ou não de erro grosseiro de que resultou a dedução de acusação e a prolação da decisão instrutória tem necessariamente de derivar dos factos indiciários existentes ao tempo em que foram proferidas tais decisões.

O autor afirma que existe um erro grosseiro e clamoroso, na medida em que na não foram tidos em conta os documentos juntos nos autos e que eram suscetíveis de conduzir a interpretação oposta àquela que resultou da dedução da acusação pública e da prolação da decisão instrutória.

Lida e interpretada sentença absolutória proferida não se deteta qualquer resquício da existência de qualquer erro grosseiro por parte do JIC, aí apenas evidencia o regular funcionamento da ação da Justiça, tendo o julgador o dever de analisar e conjugar todos os meios de prova, e apenas concluir por um juízo condenatório quando, com a necessária segurança, dispor de elementos suscetíveis de concluir pela culpa do arguido.

Como sabido, o princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido. Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o Tribunal fique reverterá a favor daquele.

Tendo o Tribunal de julgamento apreciado todos os meios de prova, a circunstância de chegar a uma conclusão distinta quanto ao preenchimento de um tipo de ilícito não significa que exista qualquer erro grosseiro. Pelo contrário, os objetivos projetados pelo legislador no que concerne à maior exigência na apreciação da culpa do arguido não se destinam somente a encontrar patologias reconduzíveis a erros da acusação e/ou da decisão de pronuncia.

Para além disso, no que concerne ao preenchimento dos elementos do crime de insolvência dolosa, o cometimento do ilícito estava dependente da prova positiva dos factos de índole subjetiva, que resultaram não provados. E tal sucedeu da análise conjugada da prova documental e testemunhal produzida em julgamento.

A decisão absolutória fez a correlação entre os depoimentos prestados, indicou os motivos que levaram o julgador a optar por um bloco probatório em desfavor de outro e a descrição efetuada era claramente suficiente para perfectibilizar os comandos legais destinados a salvaguardar a reconstituição do pensamento do decisor.

Por outras palavras, o juiz de julgamento valorou a prova testemunhal, atribuindo-lhe a credibilidade que lhe permitiu concluir pela negatividade dos factos atinentes à verificação dos pressupostos de índole subjetiva que fazem parte do tipo de crime de insolvência dolosa.

Conjugados todos os elementos relacionados com a construção normativa do tipo de ilícito, os elementos probatórios disponibilizados no processo e a motivação da convicção do juiz de julgamento cremos não se poder concluir que existe erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica ou erro grosseiro de facto que se conduzisse necessariamente à prolação de um despacho de arquivamento e/ou decisão de não pronuncia.

Assim sendo, concluindo-se pela ausência de ilicitude e/ou de erro grosseiro, restará concluir pela improcedência da ação.

Perante o supra decidido, ficando afastadas e resolvidas todas questões trazidas a juízo pelas partes, resta julgar improcedente a presente ação nos termos acima expostos.”.

Daqui se vê, que o tribunal a quo, apesar de já não ter de avaliar obrigatoriamente a eventual ocorrência de erro judiciário de facto ou de direito, conheceu e pronunciou-se sobre a causa de pedir invocada e pedido deduzido, pelo que nenhuma prática de nulidade, por omissão de pronúncia lhe pode ser assacada.

Não procede, por isso, a arguição desta nulidade.

3. O A. acusou, igualmente, a sentença, de nulidade, por excesso de pronúncia, prevista no mesmo preceito, número e alínea, 2ª parte (cfr. conclusões de recurso 25º a 28º). O recorrido defende que inexiste tal nulidade (cfr. 5º a 8º conclusões das contra-alegações de recurso). 

Mas observando atentamente tais conclusões de recurso constatamos que aquilo que o A. verdadeiramente invoca não é um excesso de pronúncia típico, mas uma decisão surpresa, por violação do contraditório previsto no art. 3º, nº 3, do NCPC. Mas cremos que não tem razão.

Relembre-se que na p.i., sobre a ausência da prévia revogação da decisão de pronúncia – condição de procedência da acção -, o A. dedicou apenas um artigo da mesma a esta questão, o 356º, concluindo que tal requisito estava preenchido, pois a sentença crime, com a absolvição do A. tinha revogado a decisão danosa para o A.

Na contestação, o Mº Pº contestou tal conclusão, afirmando, pelo contrário, que a acção teria de improceder, por falta de previa revogação da decisão danos pela jurisdição competente (arts. 30º a 39º de tal articulado).

E o tribunal a quo subsequentemente proferiu despacho a convidar o A. para, nos termos do art. 3º, nº 3, do NCPC, responder à defesa por excepção, o que o autor fez, mas sem se pronunciar sobre essa questão por ele levantada na p.i. e respondida/invocada na defesa apresentada pelo Mº Pº.

Das duas uma: ou o A. entendeu que a sua posição expressa na p.i. era já suficiente definição da sua posição jurídica sobre a questão; ou pronunciava-se outra vez, para rebater mais aprofundadamente a defesa do R. Mas não o fez. Sibi imputet !

O A., no recurso ora interposto, diz que no despacho saneador o tribunal a quo afirmou que não havia outras excepções que cumprisse apreciar, só tendo vindo apreciar tal questão na sentença final. Aquela afirmação é meramente tabelar, sem consequência jurídica nenhuma, e perfeitamente dispensável no despacho saneador, pois este só faz caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (art. 595º, nº 3, 1ª parte, do NCPC), o que não aconteceu no nosso caso concreto.     

Em bom rigor, face à fundamentação jurídica exarada na sentença final, tal questão, da falta de prévia revogação da decisão de pronúncia, podia ter sido conhecida logo no despacho saneador, pondo-se fim ao litígio, em vez de guardada para sentença final, mas o seu diferimento para este momento, não implica consequência jurídica negativa alguma.  

Certo e seguro é que era uma questão abordada por ambas as partes, pelo que o facto de ter sido apreciada a final em vez de no despacho saneador, não afasta a inabalável conclusão de que era questão conhecida pelo A./recorrente, jamais se podendo afirmar e defender que se tratou de uma decisão surpresa.

Não procede, pois, esta parte do recurso.

4. Sobre a condição de procedência da acção prevista na Lei que regula a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades, escreveu-se, logo à cabeça da fundamentação jurídica da sentença recorrida, que:

“Em face da factualidade provada e atrás descrita importa, agora, aplicar-lhe o direito e, em consequência, obter resposta para as questões acima enunciadas.

A presente ação assenta na imputação ao Estado de danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao autor em virtude de um alegado erro judiciário.

A Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que revogou a legislação de 1967, como resposta à exigência constitucional plasmada no artigo 22.º da Lei Fundamental, instituiu de forma expressa e inovatória o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

A citada Lei n.º 67/2007 contém a disciplina relacionada com a responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente do exercício das suas diversas funções, incluindo a função jurisdicional, responsabilizando o Estado por erro judiciário associado à emissão de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro, a par de outras previsões relacionadas com a má administração da justiça.

Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 56/X, que aprovou o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, pode ler-se que se avança «no sentido do alargamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam diretamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave, pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça».

No que concerne à responsabilidade por atos da função jurisdicional, o legislador avançou no sentido do alargamento da responsabilidade civil do Estado, estendendo ao domínio do funcionamento da administração da justiça, o regime da responsabilidade da Administração.

Há, por conseguinte, responsabilidade do Estado por atos ilícitos dos juízes e outros magistrados quando:

(1) houver grave violação da lei resultante de “negligência grosseira”;

(2) afirmação de factos cuja inexistência é manifestamente comprovada no processo;

(3) negação de factos, cuja existência resulta indesmentivelmente dos atos do processo;

(4) adoção de medidas privativas da liberdade fora dos casos previstos na lei;

(5) denegação da justiça resultante da recusa, omissão ou atraso do magistrado no cumprimento dos seus deveres funcionais.

No artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas são consagradas duas hipóteses concorrentes suscetíveis de se integrar no conceito de erro judiciário. A decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal, por um lado, e a decisão jurisdicional manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto, por outro.

Dispõe este artigo 13.º do citado regime que:

1. Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.

2. O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

No nº1 estão previstos os pressupostos materiais da responsabilidade por erro judiciário (fora dos casos de condenação penal injusta e de privação ilegal da liberdade) e deles decorre, como refere CARDOSO DA COSTA, Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado por atos da função judicial, RLJ 138-162, que a responsabilidade é aqui, "limitada às situações de erro grave, ou porventura muito grave, do ponto de vista da perceção do direito ou dos factos exigível ao decisor jurisdicional, já que apenas poderá caber nos casos em que tal perceção contrarie, de modo manifesto, o sentido normativo da Constituição ou da lei, ou se traduza numa análise grosseiramente errada dos factos".

No caso de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais, ilegais ou injustificadas, por erro grosseiro, na apreciação dos respetivos pressupostos de facto ou de direito, o Estado só está incurso no dever de indemnizar se, como resulta de lei, estiver em causa situações de erro grosseiro e se a decisão for manifestamente ilegal, inconstitucional ou injustificada.

Como se refere no Ac. STJ de 10.05.2016, Proc. nº 136/14.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt, “A previsão legal não postula qualquer erro, seja por violação da lei, seja por errada apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro” e que na causa dele esteja uma perceção/julgamento manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificado, que partindo da decisão de facto exprima, faça emergir uma solução a todas as luzes indefensável, patentemente ilegal por inconstitucionalidade ou inadmissível, por numa perspetiva lógica a apreciação dos factos ou a operação de subsunção deles ao direito ser insustentável à luz de uma criteriosa avaliação exigível ao julgador.”

O erro judiciário pode consistir num erro de direito ou num erro de facto.

O erro de direito, como sublinha CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, pág. 210, "deverá revestir-se de um suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar de uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito. Deverá tratar-se, nestes termos, de uma decisão proferida contra lei expressa e que, em si, represente um comportamento antijurídico suscetível de gerar, nos termos gerais, um dever de indemnizar".

Pode consistir num erro de qualificação, de subsunção ou de estatuição jurídicas ou ainda na aplicação de uma norma que devesse ser tida como inconstitucional. Mas, como salienta o aludido autor, ob. cit., 213, o reconhecimento do direito de indemnização não se basta com a mera constatação, em sede de recurso, por um tribunal superior, de uma errada interpretação e aplicação do direito, tornando-se ainda exigível que se trate de um erro evidente que, por ser evitável segundo a normalidade das coisas, tenha desnecessariamente gerado prejuízos a uma das partes.

O erro de direito terá de ser evidente, crasso, indesculpável, que o magistrado tem a obrigação de não cometer.

O erro na apreciação dos pressupostos de facto releva apenas se for um erro grosseiro, e, por isso, também indesculpável, inadmissível e sem justificação, que só por desatenção ou desleixo foi cometido, circunscrevendo-se "aos casos em que houve um clamoroso erro de avaliação dos meios de prova"; erro que "tanto poderá respeitar a um erro na apreciação das provas, isto é, um erro sobre a admissibilidade e valoração dos meios de provas, como a um erro sobre a fixação dos factos materiais da causa" - neste sentido ANA CELESTE CARVALHO, Responsabilidade Civil por Erro Judiciário, E-book Centro de Estudos Judiciários, 48 e ss..

Mas, como bem se assinala no Ac. STJ de 24.02.2015, Proc. nº 2210/12.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt “(…) exige-se no nº 2 do art. 13º que o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. Trata-se de opção do legislador derivada da necessidade, (…), de compatibilizar o instituto da responsabilidade civil com a segurança e certeza jurídica do caso julgado.

Assim, o erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na ação de responsabilidade em que se pretenda efetivar o direito de indemnização.

Não pode, pois, "atribuir-se qualquer relevo a um alegado erro judiciário sem que ele seja reconhecido como tal pela competente instância jurisdicional de revisão. Sem tal reconhecimento, o «erro» só o será do ponto de vista ou no plano da análise crítico-doutrinária da decisão, não num plano jurídico-normativo: neste outro plano, o que subsiste é a definição do direito do caso, emitida por quem detém justamente o múnus e a legitimidade para tanto".

É que, não se mostra curial que uma decisão jurisdicional consolidada, por não ter sido impugnada, pudesse vir a ser posteriormente "desautorizada" por outro tribunal, porventura de diferente espécie ou da mesma espécie, mas de grau inferior.

Assim, e como se decidiu no citado acórdão do STJ de 24.02.2015, a revogação da decisão danosa terá de constar de uma decisão definitiva, isto é transitada em julgado, e é aí que terá de ser reconhecido o pressuposto substantivo da responsabilidade – "o carácter manifesto do erro de direito ou o carácter grosseiro do erro na apreciação dos factos".

Por outro lado, a revogação deve emanar de um tribunal superior em via de recurso ou do próprio tribunal que proferiu a decisão questionada, quando tal seja admissível (através de reclamação ou pedido de reforma – cfr. art. 616º do CPC).

"Onde não caiba ou não seja viável qualquer destes instrumentos processuais, ficará também precludida a possibilidade da ação de responsabilidade”.

A doutrina e a jurisprudência têm defendido que, se não se fizer a prova, no processo destinado a efetivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a ação deverá necessariamente improceder.

Se a decisão pretensamente ilegal ou inconstitucional não é recorrível ou se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria em causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente um erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil.

É certo que como resulta supra o artigo 22º da CRP, sob a epígrafe Responsabilidade das Entidades Públicas preceitua que: O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Sucede, todavia, que é reconhecida ao legislador ordinário uma larga margem de conformação quanto à densificação da norma do referido artigo 22º, mormente no que toca à definição dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado. Com efeito, o legislador constitucional deixou ao critério do legislador ordinário a tarefa de clarificar em que específicas condições o direito dos lesados, resultante de atos e omissões praticados pelos titulares dos órgãos do Estado, funcionários ou agentes no exercício das suas respetivas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, como se encontra legalmente previsto, pois para que o direito a uma indemnização possa ser exercido, necessário se torna que a decisão danosa tenha sido previamente revogada pela jurisdição competente e que essa revogação tenha como fundamento a declaração de que se mostram verificados os vícios enumerados no nº 1 do artigo 3° do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.

Do exposto, resulta que o regime do artigo 13º nº 2 do RRCEE, ao pressupor a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, não exclui, nem comprime, arbitrária e desproporcionadamente, o princípio da responsabilidade do Estado, consagrado no artigo 22º da CRP, não violando esta norma.

O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre esta questão, decidiu no Proc. nº 185/15, publicado no DR, 2ª série, n.º 186 de 23/09/2015: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 13.º, n.º 2 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

Como também se decidiu no Ac. STJ de 10.05.2016, proc. nº 136/14.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt, “Para lá do requisito erro grosseiro, de facto ou de direito, envolvendo este a decisão manifestamente inconstitucional, a Lei n.º 61/2007, exige no n.º 2 do art. 13.º, a prévia revogação pelo órgão jurisdicional competente da decisão que se considera danosa e que despoleta a ulterior ação de responsabilidade civil do Estado-juiz por atos da função jurisdicional: trata-se de um requisito que se prende com a jurisdictio da sentença e o instituto do caso julgado, como fatores de estabilidade e segurança das decisões judiciais: por via de regra, essa estabilidade é assegurada pelo esgotamento das vias do recurso.

O pressuposto processual da prévia revogação da decisão jurisdicional para que o erro fundamente o direito à reparação do lesado, tem o significado de salvaguardar a autoridade da sentença e o instituto do caso julgado, por o juiz da ação de responsabilidade não se pronunciar sobre a bondade intrínseca da decisão jurisdicional proferida, deixando-a intacta.

Essa opção do legislador compatibiliza, pois, os institutos da responsabilidade civil com a segurança e certeza jurídica do caso julgado, preservando a paz social, pois impede a reabertura de conflitos antigos, que determinem a perda de segurança no sistema judicial.

Por prévia revogação da decisão deve entender-se a decisão que anteriormente tenha sido revogada através de recurso ou alterada por qualquer modo, ou seja, todas as formas legalmente admissíveis de suscitar a reapreciação da decisão em que instância for: - no mesmo tribunal que proferiu a decisão ou em tribunal superior - cabendo não apenas o recurso ordinário, como todos os previstos no ordenamento jurídico e que possam conduzir à revogação, retificação ou alteração da decisão judicial.

Pode ocorrer que a decisão jurisdicional não seja suscetível de recurso, pelo que, admitindo-se que se encontre enfermada de erro manifesto ou grosseiro, o pressuposto da prévia revogação tem como consequência, em princípio, vedar o acionamento da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário.

Nesse caso, podendo existir uma decisão danosa, não só a mesma perdurará na ordem jurídica, como o lesado não pode ser desse facto ressarcido, podendo questionar-se se não existirá um défice na efetividade no regime legal estabelecido.

Esta questão merece-nos resposta negativa, não traduzindo o pressuposto da prévia revogação da decisão uma deficiência de tutela ressarcitória do lesado.

Desde logo, porque não basta ao lesado invocar que existe uma decisão jurisdicional lesiva, para que a mesma se encontre efetivamente enfermada de erro, sendo necessário que o tribunal assim o conclua e, nesse caso, que o erro seja qualificado de manifesto ou grosseiro.

Por outro lado, verificando-se que essa decisão não é suscetível de recurso, isso tem o significado para o ordenamento jurídico da sua diminuta relevância jurídica.

É sabido que a ordem jurídica hierarquiza direitos e interesses, pois nem todos assumem o mesmo grau de tutela, pelo que, se a resposta do sistema de justiça se traduz na insusceptibilidade de recurso, significa que o bem ou direito em causa não é juridicamente relevante.

Acresce que não podemos ignorar a possibilidade atualmente concedida pelo artigo 669º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 4º do CPP, a qualquer das partes, de requerer a reforma da sentença em situação de irrecorribilidade da decisão, fundada em “manifesto lapso do juiz”, no “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” e quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

Nos termos da aludida norma, concede-se a possibilidade ao juiz de reparar o erro da decisão que não seria suscetível de recurso, numa compatibilização dos dois principais interesses em presença, o da justiça material e o da segurança jurídica.

Por fim, porque esta será uma via de responsabilização do lesado pela inércia em promover a reapreciação da decisão judicial, mantendo-se a situação de dano.

A atuação do lesado se pode contribuir para a produção do dano, pode determinar a sua manutenção, o que ocorrerá na falta de interposição de recurso/reparação do erro.

Em suma, faltando o pressuposto da prévia revogação da decisão jurisdicional, por impossibilidade de interposição de recurso, isso traduz uma opção feita a priori pela ordem jurídica, diretamente decorrente do sistema vigente de recursos e por razões de segurança jurídica, e não do RRCEE, admitindo-se amplamente a possibilidade de reparação do erro em caso de irrecorribilidade da decisão, o que para efeitos indemnizatórios, deverá equivaler à prévia revogação da decisão danosa.

No caso vertente, o autor poderia - ou antes deveria - ter oportunamente suscitado as nulidades que entendia pertinentes perante o JIC – v.g. aquelas que extemporaneamente invocou na contestação que apresentou no Tribunal de julgamento após a decisão de pronúncia ter sido recebida nos termos do artigo 311º do CPP - e tal deveria ter sucedido no momento em que teve conhecimento do despacho de pronúncia, o que não fez, no prazo legal que dispunha para o efeito.

Acresce notar que a decisão de indeferimento das nulidades era suscetível de recurso, nos termos do disposto no artigo 310º, nº 3 do CPP, altura em que o autor poderia ter lançado mão de tal via, por forma que outra instância de recurso fosse chamada a apreciar e decidir a questão e eventualmente evitar que o arguido tivesse sido sujeito a julgamento, o que não sucedeu, dada a inércia do autor. Se o tivesse feito, a pretensão do autor teria sido atempadamente apreciada, e corrigido qualquer eventual vício.

Ora, como acima aludimos, o regime da responsabilidade civil por danos decorrentes de erro judiciário, reportada à responsabilidade por danos ilicitamente causados por decisão jurisdicional manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto, está subordinado à prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, a qual é fundamento do pedido de indemnização.

Com efeito, o erro de julgamento terá de ser demonstrado, não através da ação de responsabilidade civil que se destine a efetivar o direito de indemnização pelo exercício da função jurisdicional, mas no próprio processo judicial em que foi cometido o erro e por via dos meios impugnatórios que, no caso, forem admissíveis.

O reconhecimento judicial do erro constituiu um pré-requisito da responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional, sendo uma condição prévia à demonstração da ilicitude, como pressuposto necessário do direito de indemnização.

Acresce notar que o juízo absolutório que venha a ser proferido na sentença final não retira, sob qualquer forma, o fundamento lógico da atuação lícita do julgador, nem o transforma em erro judiciário.

Existindo um mecanismo específico para procurar evitar a consumação de decisões erradas, a reação contra uma decisão judicial ferida de erro deve assentar, em primeiro lugar, no sistema de recursos instituído pelo ordenamento jurídico.

Ora, não tendo o autor feito prova da prévia revogação da decisão de pronúncia, pois a sentença absolutória não é suscetível de considerar verificada a ilicitude do erro grosseiro apontado ao despacho de acusação ou na decisão de pronuncia, deve julgar-se verificada a exceção de ausência de prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente e, em consequência, ser o Estado Português absolvido do pedido, como decorre do disposto no artigo 13º,2 da Lei 67/2007, conjugado com os artigos 571º e 576º, 1 e 3, exceção que é de conhecimento oficioso- artigo 579º, todos do CPC.”.

O A. discorda, mas sobre a questão dedicou apenas uma conclusão do seu recurso e de teor simplista (a 82º), contando com uma nulidade que não existe.

A decisão recorrida está correcta e bem fundamentada, com Doutrina e Jurisprudência adequada, merecendo a nossa concordância, por se tratar de uma solução que face ao texto legal se impõe e é evidente.

O erro do A. evidenciou-se logo à partida, quando na p.i. sustentou (no já referido art. 356º) que a decisão da sua absolvição crime equivalia a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, o que não é verdade, como acabámos de constatar.

Adicionalmente cabe contribuir com mais elementos doutrinais e jurisprudenciais que vão no sentido do decidido e que também subscrevemos.

Assim, a citada autora Ana Celeste Carvalho (ob. mencionada, págs. 58/61) defende que “Além do mais, mostra-se relevante a actual lei processual, que tem a virtualidade de, em certa medida, corrigir o erro da decisão, seja quando a mesma é irrecorrível, seja quando é proferida em última instância.

Senão vejamos.

Pode ocorrer que a decisão jurisdicional não seja susceptível de recurso, pelo que, admitindo-se que se encontre enfermada de erro manifesto ou grosseiro, o pressuposto da prévia revogação tem como consequência, em princípio, vedar o accionamento da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário.

Nesse caso, podendo existir uma decisão danosa, não só a mesma perdurará na ordem jurídica, como o lesado não pode ser desse facto ressarcido, questionando-se se não existirá um défice na efectividade no regime legal estabelecido.

Esta questão merece-nos resposta negativa, não traduzindo o pressuposto da prévia revogação da decisão uma deficiência de tutela ressarcitória do lesado.

Primo porque não basta ao lesado invocar que existe uma decisão jurisdicional lesiva, para que a mesma se encontre efectivamente enfermada de erro, sendo necessário que o tribunal assim o conclua e, nesse caso, que o erro seja qualificado de manifesto ou grosseiro.

Secundo porque, verificando-se que essa decisão não é susceptível de recurso, isso tem o significado para o ordenamento jurídico da sua diminuta relevância jurídica. É sabido que a ordem jurídica hierarquiza direitos e interesses, pois nem todos assumem o mesmo grau de tutela6, pelo que, se a resposta do sistema de justiça se traduz na insusceptibilidade de recurso, significa que o bem ou direito em causa não é juridicamente relevante.

Tertio, é relevante a possibilidade actualmente concedida pelo artigo 669º, nº 2 do CPC, a qualquer das partes, de requerer a reforma da sentença em situação de irrecorribilidade da decisão, fundada em “manifesto lapso do juiz”, no “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” e quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

Nos termos da aludida norma, concede-se a possibilidade ao juiz de reparar o erro da decisão que não seria susceptível de recurso, numa compatibilização dos dois principais interesses em presença, o da justiça material e o da segurança jurídica.

Quarto porque esta será uma via de responsabilização do lesado pela inércia em promover a reapreciação da decisão judicial, mantendo-se a situação de dano. A actuação do lesado se pode contribuir para a produção do dano, pode determinar a sua manutenção, o que ocorrerá na falta de interposição de recurso/reparação do erro.

Em suma, faltando o pressuposto da prévia revogação da decisão jurisdicional, por impossibilidade de interposição de recurso, isso traduz uma opção feita a priori pela ordem jurídica, directamente decorrente do sistema vigente de recursos e por razões de segurança jurídica, e não do RRCEE, admitindo-se amplamente a possibilidade de reparação do erro judiciário em caso de irrecorribilidade da decisão, o que para efeitos indemnizatórios, deverá equivaler à prévia revogação da decisão danosa.

(…)

Sobre a relevância do recurso de revisão para efeito de aplicação do regime de responsabilidade por erro judiciário, percorrendo as várias alíneas do artigo 771º do CPC, nas situações previstas nas alíneas d) e e), é de conceder que haja uma actuação ilícita do juiz, pelo que, nestes casos, não é de excluir que o recurso de revisão constitua um meio de obtenção de revogação da decisão danosa, relevante para efeitos de responsabilidade civil por erro judiciário, para além de a alínea f) ter a aptidão, em princípio, de corrigir o erro jurisdicional apurado em decisão de instância internacional, maxime, o erro por violação do direito comunitário.

(…)

Em suma, quando não exista a prévia revogação da decisão danosa, seja porque dela não cabe recurso, seja porque o lesado não proveu a interposição de recurso ou a sua reapreciação, não existe erro de julgamento que deva ser reparado no domínio da acção de responsabilidade civil por erro judiciário.”.

Também, numa perspectiva constitucional, o citado acórdão (disponível, igualmente, no site do T. Constitucional), nos pressupostos da sua análise, chegou a idêntica formulação quando expendeu que:

7 –

(…)

E a norma cuja constitucionalidade vem sindicada é a que consta do n.º 2 do mesmo artigo:

«O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.»

Como se tem entendido, o legislador estatuiu neste último preceito uma condição (de procedência) da ação para efetivação da responsabilidade por erro judiciário: a ausência de revogação da decisão danosa fundada num vício de julgamento qualificável como erro judiciário determina, só por si, a improcedência da ação de responsabilidade (cfr. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, p. 274, nota 479, e anot. 9 ao art. 13.º, p. 276, nota 483; e Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil…, cit., nota 3 ao art. 13.º, p. 357). Nesse sentido, dir-se-á, que a verificação do requisito da ilicitude convoca “a existência de uma decisão que, com efeitos de caso julgado, determine a revogação da sentença ou acórdão que tenha incorrido em erro de direito ou de facto”, pelo que “o direito indemnizatório [só] opera, nos termos previstos na presente disposição, em relação a um erro de julgamento que seja cometido por um qualquer tribunal numa qualquer ordem de jurisdição, desde que se não trate da decisão definitiva, isto é, da decisão que tenha fixado em última instância (e, por isso, sem possibilidade de recurso nem de reclamação) a solução jurídica do caso. Por conseguinte, há lugar a indemnização por erro judiciário que tenha sido praticado em decisão proferida por um tribunal de primeira instância, por um tribunal de segunda instância ou por um tribunal supremo, desde que a existência do erro judiciário tenha sido reconhecida em recurso por um tribunal hierárquica ou funcionalmente superior, em termos de ter determinado a revogação dessa decisão” (assim, v., uma vez mais, Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, p. 274 e pp. 272-273; note-se que a revogação da decisão danosa também pode provir, na sequência de uma reclamação ou de um pedido de reforma, do próprio tribunal – cfr. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, p. 274; e Cardoso da Costa, “Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado…”, cit., pp. 159-160 e p. 165). Ou seja, conforme sintetiza Carlos Fernandes Cadilha, “se a decisão pretensamente ilegal ou inconstitucional não é recorrível ou se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente um erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil” (v. Autor cit., Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 9 ao art. 13.º, p. 276).

(…)

9. A efetivação da responsabilidade por erro judiciário implica o reexercício da função jurisdicional relativamente à mesma questão de direito ou de facto: uma primeira decisão judicial é considerada errada por um ato jurisdicional subsequente. Assim, num caso como o que é objeto do presente recurso, constituirá sempre condição necessária da procedência de uma eventual ação de indemnização, a verificação – ainda que a título meramente incidental – de que a pretensa decisão danosa incorreu num erro de direito – in casu a aplicação de uma norma inconstitucional –, verificação essa que obriga a uma nova apreciação da questão de direito – ou seja, no caso vertente, a um segundo juízo sobre a constitucionalidade da norma aplicada pela primeira decisão.

Tal reexercício pode ocorrer no âmbito de um recurso ordinário interposto da primeira decisão ou fora dele. E é esta segunda hipótese que, desde sempre tem suscitado as maiores dificuldades (quanto à primeira – que corresponde, no fundo, à situação prevista no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP –, v. as condições de aplicação analisadas por Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, pp. 274-276, e anot. 9 ao mesmo preceito, pp. 277-280). Por outro lado, a circunstância de a verificação do erro judiciário exigir o reexercício da função jurisdicional cria naturais interdependências entre o regime constitucional e legal do direito ao recurso e o regime da responsabilidade por erro judiciário (cfr., por exemplo, Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, pp. 272-273). Como refere Cardoso da Costa, “o instrumento para superar e corrigir a incorreção de decisões judiciais – vale por dizer, o «erro judiciário» – há-de ser primacialmente o do «recurso» (e «reclamação»)”, não o instituto da responsabilidade civil do Estado (v. Autor cit., “Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado…”, cit., p. 163). Ou, por outras palavras, “os recursos servem para corrigir decisões e as decisões erradas corrigem-se, não se indemnizam” (assim, a síntese da posição de que discorda feita por Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil…, cit., nota 1.1 ao art. 13.º, p. 344). Todavia, como observa Carlos Fernandes Cadilha, pode haver efeitos negativos gerados pelo erro judiciário que não são afastados pelo provimento de um eventual recurso (v. Autor cit., Regime da Responsabilidade Civil…, cit., anot. 8 ao art. 13.º, p. 273, nota 474). Daí o reconhecimento generalizado de especificidades próprias do regime do erro judiciário.

10. Tais especificidades estão na origem de uma orientação seguida por este Tribunal desde o Acórdão n.º 90/84 (subsequentemente afirmada noutros arestos, como, por exemplo, no Acórdão n.º 71/2005), segundo a qual:

«Diferentemente de um órgão ou agente administrativo que faz apli­cação de uma norma legal, um órgão judicial «diz o direito» – o «direito do caso» –, e a sua declaração é plenamente válida (já acima se recor­dou) se e enquanto não for revogada, em sede de recurso, por um tribu­nal superior. Por isso mesmo, se se compreende que um ato «definitivo» da Administração possa ser posto em causa por uma instância judiciária só para efeitos indemnizatórios, não obstante para a generalidade dos efei­tos haver entretanto constituído «caso resolvido», compreende-se do mesmo modo que coisa idêntica não possa suceder com um ato judicial «conso­lidado». Quer dizer: compreende-se que este último – não havendo sido impugnado, ou, como quer que seja, apreciado pela competente instân­cia de recurso – não possa vir a ser ulteriormente «desautorizado» por outro tribunal (porventura até de diferente espécie, ou pertencente a uma diversa ordem de jurisdição, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior) mesmo só para aqueles limitados efeitos.»

(…)

E daí a defesa do disposto no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP:

«[S]endo a função jurisdicional e as decisões em que ela se exprime o que são, então não há-de poder atribuir-se qualquer relevo a um alegado ‘erro’ judiciário sem que ele seja reconhecido como tal pela competente instância jurisdicional de revisão. Sem tal reconhecimento, o ‘erro’ (o puro ‘erro’) só o será do ponto de vista ou no plano da análise crítico-doutrinária da decisão, não num plano jurídico-normativo: neste outro plano, o que subsiste é a definição do direito do caso, emitida por quem detém justamente o múnus e a legitimidade para tanto. É, pois, desde logo e fundamentalmente, uma razão dogmático-institucional, ligada à própria natureza da função judicial, que impõe a condição estabelecida pelo n.º 2 do artigo 13.º – e exclui que a ocorrência e o eventual relevo do erro judiciário possam ser aferidos diretamente, e sem mais, em sede de responsabilidade e pelo tribunal competente para o apuramento desta.» (v. idem, ibidem, pp. 163-164)

A doutrina sufragada por este Tribunal desde o mencionado Acórdão n.º 90/84 destaca, assim, e de acordo com este entendimento, o ilogismo institucional – “no fundo, a subversão do princípio da divisão dos poderes, enquanto também aplicável à organização da ordem judiciária” – que representaria uma solução que prescindisse de um requisito como aquele que vem estatuído no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP: uma decisão judicial transitada em julgado não deve poder vir a ser posteriormente «desautorizada» – isto é, em concreto afastada ou desconsiderada –, mesmo que só incidentalmente e para efeitos de verificação de erro de julgamento relevante em sede de responsabilidade civil por «facto» da função jurisdicional, por outro tribunal “porventura até de diferente espécie ou pertencente a uma diversa ordem de jurisdição, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior” (cfr. Cardoso da Costa, “Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado…”, cit., p. 164).

(…)

13. Analisando agora a solução prevista no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP, importa começar por recordar o amplo espaço de conformação legislativa quanto à definição do âmbito e dos pressupostos da responsabilidade do Estado reconhecido pelo artigo 22.º da Constituição (cfr. supra o n.º 8). Em especial, no que se refere à responsabilidade do Estado por erro judiciário, esta interfere, pelas razões já mencionadas, com a própria configuração e modo de funcionamento do sistema judiciário, tal como prefigurados na Constituição (cfr. supra os n.os 9, 10 e 12), ampliando desse modo ainda mais o campo de intervenção do legislador ordinário. Assim, para além da previsão genérica do direito à reparação pelos ilícitos cometidos pelos titulares dos órgãos do estado e demais entidades públicas, que, justamente por ser geral, também deve abranger os juízes e os ilícitos que estes eventualmente cometam no exercício das respetivas funções, não é possível a partir do citado preceito constitucional determinar com mais exatidão os contornos do direito à indemnização fundada em erro judiciário.

Certo é que a mencionada solução legal não exclui em absoluto tal direito, limitando-se a estabelecer que o erro judiciário relevante seja previamente reconhecido pela jurisdição competente, o mesmo é dizer, que o reexercício da função jurisdicional coenvolvido na reapreciação da decisão judicial danosa se faça com respeito pelas competências e hierarquia próprias do sistema judiciário e de acordo com o seu específico modo de funcionamento: o reconhecimento do erro judiciário implica uma revogação da decisão danosa pelo órgão jurisdicional competente no quadro de um recurso ou de uma reclamação (ou, porventura, de uma revisão oficiosa). Ao fazê-lo, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não está a interferir com qualquer âmbito de proteção constitucionalmente pré-definido (muito menos a invadi-lo). E, por isso mesmo, também não se pode dizer que essa norma revista a natureza de uma lei harmonizadora destinada a resolver um qualquer conflito de bens jurídicos fundamentais ou de uma lei restritiva de um direito fundamental (sobre estas categorias e as consequências jurídicas que a elas vão associadas na dogmática dos direitos fundamentais, v., por todos, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit., pp. 216-217 e, quanto às leis restritivas, p. 277 e ss., e quanto às leis harmonizadoras, p. 298 e ss.).

Em rigor, a norma do artigo 13.º, n.º 2, RCEEP concorre, juntamente com a do n.º 1 do mesmo artigo, para a configuração do conteúdo do direito de indemnização emergente da responsabilidade do Estado por erro judiciário do Estado. É, nessa exata medida, uma lei conformadora ou constitutiva: “não restringe o conteúdo do direito ou da garantia, porque é a ela própria que cabe determiná-lo, para além do conteúdo mínimo do direito ou do núcleo essencial da garantia, que decorrem da Constituição” (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit., p. 213). Na verdade, o direito à indemnização por erro judiciário civil foi fixado, na parte respeitante à determinação de quem é o juiz competente para realizar a apreciação da decisão judicial danosa, legislativamente pelo artigo 13.º, n.º 2, em causa (cfr. Vieira de Andrade, ibidem, que, na nota 63, refere como exemplo de direitos e faculdades cujo conteúdo é juridicamente construído pelo legislador, entre outros, os direitos às indemnizações previstas nos artigos 27.º, n.º 5, e 29.º, n.º 6, da Constituição – isto é: as indemnizações por erro judiciário penal).

Como explica Vieira de Andrade, “apesar do poder legislativo de configuração, ao juiz cabe ainda verificar o respeito pelo conteúdo essencial do direito (que será em regra o seu conteúdo mínimo) […], avaliado segundo um critério de evidência” (v. o Autor cit., ob. cit., p. 214). Ora, como referido, a norma do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não elimina o direito à indemnização por erro judiciário, limitando-se a acomodar no regime respetivo, as exigências correspondentes à estrutura e ao modo de funcionamento do sistema judiciário constitucionalmente consagrado. Inexiste, por conseguinte, qualquer evidência de desrespeito pelo conteúdo essencial do referido direito.

Se à partida, e de modo constitucionalmente legítimo, o direito à indemnização em causa é delimitado negativamente em função da possibilidade legal de reapreciação judicial pelo tribunal competente antes do trânsito em julgado da decisão tida como danosa, também não se coloca qualquer problema de acesso ao direito. Este último, enquanto direito-garantia, pressupões um direito material, que, no caso, inexiste. Finalmente, as referidas exigências orgânico-funcionais relacionadas com o sistema judiciário explicam satisfatoriamente a solução legal, afastando a ideia de que a mesma seja arbitrária.”.

De sorte que face ao explanado, inexistindo prévia revogação da decisão alegadamente danosa, o recurso não pode proceder, nesta parte.   

5. Face ao que agora foi explicitado e vai ser decidido fica prejudicado o conhecimento das duas remanescentes questões que supra tínhamos elencado em 4º e 5º lugar (art. 608º, nº 2, 1ª parte, do NCPC).

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelo A.

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                                                                                  Coimbra, 30.9.2025

Moreira do Carmo

Luís Cravo

Carlos Moreira