Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO OBSCURIDADE OU AMBIGUIDADE AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ANULAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA ADITAMENTO DE FACTOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 280.º, N.º 1, E 295.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 607.º, N.º 4, 615.º, N.º 1, AL. C), 639.º, 640.º, 662.º E 663.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. - As causas de nulidade de uma sentença ou acórdão não constituem matéria de conhecimento oficioso, antes devendo ser invocadas, pela forma adequada, pela parte interessada, sob pena, em regra, de sanação.
2. - O vício de oposição/contradição, em matéria de nulidade da sentença, tem de ocorrer entre os fundamentos, por um lado, e a decisão (dispositivo), por outro, em termos de os fundamentos adotados apontarem num sentido (decisório) e o dispositivo seguir direção oposta ou divergente (contraditória), gerando uma divergência insanável entre o caminho argumentativo seguido na fundamentação e a estatuição/veredito plasmado no dispositivo. 3. - A obscuridade ou ambiguidade é limitada à parte decisória – com exclusão de desconformidades de fundamentação –, só relevando quando gera ininteligibilidade, caso em que, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos art.ºs 280.º, n.º 1, e 295.º, ambos do CCiv.. 4. - Tal vício não ocorre se, em ação indemnizatória, o dispositivo condenatório da sentença é claro, fixando-se no âmbito do peticionado na ação. 5. - Sendo necessária a ampliação da matéria de facto, ainda que quanto a materialidade só implicitamente alegada, mas relevante para a decisão, a sentença deve ser anulada, mesmo oficiosamente, com repetição parcial do julgamento, como no caso de a 1.ª instância não se ter pronunciado – em ação de indemnização por acidente de viação ocorrido no “ex-IP5”, em que é interveniente principal, pelo lado passivo, a Infraestruturas de Portugal, S. A., que foi condenada em indemnização ao lesado – sobre as caraterísticas da via no local do acidente e ao tempo do mesmo, existência e estado da respetiva rede de vedação e quem procedia à vigilância, conservação e reparação desta. 6. - Não cabe à Relação, perante impugnação da decisão de facto, proceder ao aditamento à matéria assente de factos que (embora articulados) não tenham sido objeto de pronúncia/julgamento pela 1.ª instância, exceto se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada plenamente por documentos ou por confissão reduzida a escrito. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | * Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa comum condenatória contra “A..., S. A.”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe quantia indemnizatória líquida, correspondente aos seguintes danos e montantes parcelares: «A) Uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de 22.230,84 Euros (…), referente ao défice funcional temporário na perspetiva patrimonial, e dano de repercussão temporária nas atividades profissionais, em referência a diferenças salariais e de rendimento, do período de 16.11.2018 a 05.06.2019; B) Uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de 30.000,00 Euros (…) pelo dano Biológico, resultante do dano futuro patrimonial de privação de rendimentos, contado desde (…) 5 de junho de 2019 – data em que foi concedida a alta médica; C) Uma indemnização por danos morais, no valor de 35.000,00 Euros (…) na vertente do dano biológico, por afetação de toda a vida pessoal e profissional do Autor.». Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação (colisão frontal entre dois veículos automóveis, que circulavam em sentidos opostos de marcha), ocorrido em 15/11/2018, no IP5, de que foi responsável o condutor de veículo automóvel seguro na R. (ao invadir a hemi-faixa contrária da via e ali causar a colisão), o A. (condutor do outro veículo envolvido, que circulava no sentido ...-Aveiro e sofreu a colisão na via da direita, atento o seu sentido de marcha) sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., por força de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel em vigor ao tempo do sinistro. Quanto ao dano biológico, na vertente patrimonial, invocou que, em consequência do acidente, exerce agora a sua atividade laboral de vendedor de forma fortemente limitada, com grande penosidade e sacrifício, o que o obriga, para atingir o salário que antes auferia, a redobrado esforço e muito maior sacrifício e penosidade. Quanto ao dano biológico, na vertente não patrimonial, invocou que o acidente – e decorrentes lesões – afetou fortemente, para além da sua vida profissional, todas as dimensões da sua vida pessoal, sofrendo de ansiedade diária, profunda frustração, tristeza, nervosismo, com perda de memória, falta de equilíbrio e com zumbidos constantes nos ouvidos, perda da qualidade do sono, afetação da sua vida afetiva e sexual, tudo com forte prejuízo na sua qualidade de vida, tratando-se de situação irreversível, deixando também afetada a sua relação familiar (com a esposa, os filhos e os netos) e o seu relacionamento social, ou seja, toda a sua vida pessoal. Citada, a R. contestou, pugnando pela sua absolvição, para o que alegou que a ação deveria ter sido intentada contra a “Infraestruturas Portugal, S. A.”, também com os sinais dos autos, por ser esta a responsável pelas consequências do acidente, uma vez que o mesmo ocorreu devido ao atravessamento da via por um animal, o que determina a responsabilidade pelo mesmo, tendo em conta as caraterísticas da via e as exigências quanto à respetiva segurança (no caso, a entrada de animais, designadamente javalis). Requerida pela R. a intervenção, como parte principal, daquela “Infraestruturas de Portugal, S. A.”, veio a mesma a ser admitida a intervir nos autos (como “interveniente principal passivo”). Citada, a interveniente “Infraestruturas de Portugal, S. A.” contestou a ação, alegando: - a incompetência material do tribunal para conhecer da sua responsabilidade, por ser uma pessoa coletiva de direito público, bem como que o A. fundou o seu direito em sede de responsabilidade civil, pugnando pela improcedência da ação; - que o IP5, por não ser uma autoestrada, foi remetido para um nível de serviço manifestamente inferior (atual “ex-IP5”) face à presença da A25; - que não pode ser imputada qualquer responsabilidade civil a tal interveniente; - sendo, com um nível de exigência menos elevado, as operações de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização, na medida em que devidas, feitas, além de outros meios, através da unidade de conservação corrente, com recurso a contrato de conservação corrente; - ter a última passagem no local, de rotina e antes da data do acidente, ocorrido em 14/11/2018, sem que se tivesse verificado qualquer avistamento ou anomalia digna de registo, tendo a passagem do animal na estrada resultado de um risco normal, inerente à vida, de uma casualidade, e não da violação de qualquer dever de cuidado da Interveniente, sobre a qual não impende um dever de guarda, pelo que inexiste ilicitude da sua parte. O Autor respondeu, pugnando pela competência do tribunal. Julgada, na 1.ª instância, procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, recorreu o A., vindo este TRC, por acórdão de 22/09/2021, a revogar a decisão recorrida, julgando competente em razão da matéria o tribunal recorrido. Proferido, na sequência, despacho saneador, com dispensa de audiência prévia, foram também enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações. Procedeu-se à realização de audiência final, seguida de prolação de sentença, com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação, e, em consequência: 1- Absolvo a Ré B..., S.A. do pedido. 2- Condeno a Interveniente Infraestruturas de Portugal, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) pelo dano Biológico, resultante do dano patrimonial futuro. 3- Condeno a Interveniente Infraestruturas de Portugal, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) na vertente do dano não patrimonial. 4- Absolvo a interveniente Infraestruturas de Portugal, S.A.. do demais peticionado. 5 - Custas da ação a cargo do Autor e da Interveniente, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.» (destaques retirados). Da sentença, inconformada, vem a “IP, S. A.” interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões “1ª Vem o presente recurso instaurado contra a, aliás douta, sentença proferida pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz do Juízo Central Cível – Juiz 1 - que, no âmbito do processo nº 1191/20...., julgou a ação parcialmente procedente, absolvendo a Ré C..., SA e condenando a Interveniente Principal Infraestruturas de Portugal, SA no pagamento da quantia de € 30.000,00 (trinta mil e euros) pelo dano biológico resultante do dano patrimonial futuro e, ainda, € 20.000,00 (vinte mil euros) na vertente do dano não patrimonial, ao Autor. 2ª A sentença em crise está ferida de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade ou obscuridade, pois, no seu texto fundamentador, a páginas 39 atribui, a título de danos patrimoniais na perspetiva de dano biológico pela perda de rendimentos futuros a quantia de € 20.000,00 e a páginas 43 atribui, a título de danos não-patrimoniais, a quantia de € 20.000,00 mas, depois, de novo, no capítulo de dano biológico, pela privação de rendimentos a título de dano patrimonial futuro, no final da mesma página 43, atribui a quantia de € 30.000,00, para, logo a seguir, na página 44, afirmar que será de condenar a Interveniente Infraestruturas de Portugal numa indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 30.000,00 (contrário ao que referiu a pág.s 39) pelo dano biológico resultante do dano futuro patrimonial de privação de rendimentos e, ainda, numa indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 20.000,00 na vertente do dano biológico por afetação da sua vida profissional e pessoal. Mas, depois, na Decisão, agora a páginas 45, condenar a ora Recorrente em 2 itens, ou seja, em € 30.000,00 pelo dano biológico, resultante do dano patrimonial futuro (ao contrário de pág. 39) e em € 20.00,00, na vertente do dano não-patrimonial. 3ª Há nítida contradição de valores de indemnização e repetição da repercussão do dano biológico na vertente do dano patrimonial futuro, na perda de rendimento ou privação de rendimento, acrescendo que, no texto da fundamentação da sentença, a mesma debruça-se sobre 3 itens, na conclusão sobre 2 e na decisão sobre 2, ou seja, no texto divide a indemnização em danos patrimoniais atribuindo 20.000,00 (e não os posteriores 30.000,00) aos danos não-patrimoniais 20.000,00 e ao dano biológico 30.000,00, mais tarde, na conclusão, mencionando apenas 2 itens, o dano biológico resultante do dano patrimonial futuro no valor de 30.000,00 e o dano não patrimonial no valor de 20.000,00, para terminar com a decisão de 30.000,00 para ressarcimento de danos patrimoniais pelo dano biológico de dano patrimonial futuro e 20.000,00 para ressarcimento de dano não-patrimonial. 4ª Da leitura, total, da sentença, dúvidas assaltam a ora Recorrente em face da contradição expressa, da oposição entre os fundamentos e a decisão, a saber, se a Infraestruturas de Portugal, SA está condenada a pagar, no total, ao Autor a quantia de € 40.000,00 (20.000,00 + 20.000,00) ou de € 50.000,00 (30.000,00 + 20.000) ou a de € 70.000,00 (30.000,00 + 20.000,00 + 20.000,00). 5ª A contradição referida advém da confrontação das páginas 39, in fine, 43 no início, 43 in fine, e 44 e 45 da douta sentença e acarreta a nulidade da sentença, pelo que se requer a prolação de despacho ou Acórdão que reconheça a nulidade da sentença ora recorrida com os devidos efeitos legais. 6ª Os autos tratam de um acidente de viação por colisão entre veículos e afere-se da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito em relação à, ora, Apelante. 7º A Recorrente Infraestruturas de Portugal, SA é uma pessoa coletiva de direito público, uma empresa pública, a concessionária nacional das rodo-ferrovias nacionais, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, do Estado Português. 8º Em face da natureza da IP, SA em relação ao presente processo é aplicável a seguinte legislação: Decreto-Lei da criação da IP, SA – Dec.- Lei nº 91/2015 de 29 de maio; Estatutos da IP, SA – Inseridos no diploma supra; EERRN – Lei nº 34/2015 de 27 de abril; PRN 2000 – Decreto-Lei nº 222/98 de 17 de julho; RRCEEDEP – Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro; Lei nº 24/2007 de 18 de julho (a contrario) Código Civil (supletivamente) 9º O Tribunal de 1ª instância, na sentença ora recorrida, errou no julgamento da matéria de facto porquanto descurou, totalmente, as características do troço dos autos, a desclassificação da estrada pelo IMT e a prova testemunhal nesse sentido. 10º A tipologia da estrada e a atuação funcional administrativa dos Serviços da Infraestruturas de Portugal, SA eram essenciais para a boa e conscienciosa aplicação do Direito e a sentença descurou os mesmo no rol dos Factos Provados, tendo-se limitado, mal, a apenas levar aos Factos Provados os Pontos 1.54, 1.55 e 1.56 no que respeita ao cumprimento dos deveres funcionais da Interveniente. 11º O douto Tribunal a quo, devia acrescentar aos Factos Provados que: a) À data do acidente, a estrada dos autos era o ex-IP5, não tinha perfil de autoestrada, sendo composta por uma faixa de rodagem em cada sentido, sem separador central; b) A zona do acidente não estava vedada nem era obrigatória a colocação da vedação; c) A IP5, antes da data do acidente, foi desclassificada pela construção da A25 e passou a designar-se de ex-IP5 segundo determinação do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes); d) Os utentes da rodovia sabem que a estrada em causa não é, nem tem características de IP, existindo tal identificação e sinais nesse sentido; e) A IP, SA não tinha conhecimento da circulação de javalis no local dos autos; 12º Porque tal resulta do esquema de acidente da PAV e da prova testemunhal da Infraestruturas de Portugal, SA, designadamente do depoimento de BB, de 10:20 a 10:48: Dos minutos 6:05 a 7:15 / 9:53 a 11:00 / 11:45 a 12:00 / 16:00 a 16:30 / 17:17 a 17:30 / 19:05 a 19:16 / 23:00 a 25:50 / 26:16 a 26:57 e 27:09 a 27;30, acerca dos 5 pontos referidos sobre a desclassificação da estrada ditada pelo IMT não obrigatoriedade da vedação, desconhecimento de acidente com javalis no exato local do acidente, para além da atuação das UMIAS (Unidades Móveis de Inspeção e Apoio) e fiscalização, no mínimo, semanal; 13ª Depoimento da testemunha CC, de 10:49 a 11:00. Dos minutos 2:29 a 3:15 e 6:30 a 7:15, sobre as características da via e a desgraduação legal pelo IMT do nível de serviço exigível, com a inerente desnecessidade de vedação total da via, diferente serviço funcional da IP, SA e da obrigatoriedade de passagem de fiscalização de 3 vezes por semana para a mínima de 1 vez por semana no local dos autos; 14ª E testemunho de DD, de 11:01 a 11:42. Dos minutos 5:40 a 6:30 / 6:50 a 7:30 / 9:24 a 9:37 / 9:58 a 10:25 / 25:10 a 25:15 e 30:30 a 31:20, quanto a todos os 5 pontos atrás referidos, ou seja, do facto de o IP5, à data do acidente ser, por determinação legal do IMT, o ex-IP5, estrada normal de nível de prestação inferior ao anterior à construção da A25, da falta de imperativo legal de implantação de vedação em toda a extensão da estrada do acidente, da notoriedade de caracterização aos utentes como ex-IP através dos avisos indicativo e da sinalização colocada com averbamento de ex-IP5 para aviso dos condutores, do desconhecimento de acidentes no exato local dos autos, estrada em ... – .... 15ª A sentença recorrida também enferma de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto o acidente se deu numa estrada normal não de alta prestação, deu-se numa localidade, a de ..., onde a velocidade tem de ser inferior à de 90 kms/h, (poderá ser até a de 50 kms/h) e a viatura que colidiu com o javali e invadiu a hemifaixa contrária, ficando em cima de um rail de proteção, seguia em excesso de velocidade ou em velocidade excessiva em violação do Artigo 5º do Código da Estrada, o que a sentença não consignou. 16ª O condutor viu o animal a atravessar a estrada, a quase uma centena de metros, em reta de 500 metros de comprimento, e não se conseguiu desviar nem parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, em plena reta com piso em betuminosos, seco e limpo e em bom estado de conservação, sem trânsito à sua frente, sendo o veículo nº1 – matrícula ..-..-XI – conduzido por um jovem, um rápido Seat Leon – tendo a colisão das viaturas ocorrido mais de 30 metros para além do local para o animal foi atirado morto e, certamente, como resulta das regras da experiência comum, muitos mais metros depois do local do embate no animal. 17ª A viatura que foi colidir com a conduzida pelo Autor, estava Segura na Ré A..., SA – hoje C..., SA – tal como a do Autor, tendo sido transferida para tal empresa seguradora a responsabilidade civil no ramo automóvel pelo que a Ré é a responsável civil pelos danos advindos do acidente da colisão de veículos e a sentença, ao não decidir desse modo, violou o disposto nos Artigo 24º, nº 1 e 27º nº 1 do Código da Estrada. 18ª A Meritíssima Sra. Dra. Juiz errou, também, na aplicação da lei aos factos pois descurou totalmente o facto de que o Artigo 12º da Lei nº 24/2007 não se aplica no caso concreto porque o acidente, de que se trata, não se verificou numa autoestrada ou sequer via equiparada. 19ª O Tribunal de 1ª instância, ao desconsiderar a natureza e tipologia da estrada do acidente, aplicando o Artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, violou o disposto nos Artigos 1º, nº 1 – 2º, nº 1 – 3º alíneas a) p) r) w) x) dd) e jj) e 11º, nºs 1 e 4 do Estatuto da Rede de Estradas Nacionais. 20ª Também violou o disposto nos Artigos 1º, nos 1 e 2, 2º, 4º nºs 1, 2 e 3, 6º, nº 2, 3 e 5, 7º, nº 1 a contrario, 9º, nº 1 do PRN2000 – DL 222/98 de 17/7 porquanto o local do acidente, na localidade de ..., a Norte de ..., não é um Itinerário Principal era o ex-IP5 (bem avisado aos Utentes) e ainda hoje denominado de antigo IP5, com características de estrada nacional. 21ª E a verdade é que as obrigações funcionais da Infraestruturas de Portugal são determinadas por Decreto e por Lei e, no presente caso, para aferir da eventual responsabilidade civil extracontratual dela, há que lançar mão – não da Lei 24/2007 de 18/7, mas sim – da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro – o RRCEEDEP – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. 22ª Nos autos ficou demonstrado que a IP, SA, Interveniente e ora Recorrente, usou da diligência funcional adequada à segurança rodoviária, procedendo a regular fiscalização semanal das condições da via e foi proactiva adequando os meios que o Estado Português colocou à sua disposição, afetando pessoas, equipamento e viaturas UMIAS (Unidades Móveis de Inspeção e Apoio) ao serviço de fiscalização, celebrando também contrato publico de Conservação Corrente por Contrato, para monitorizar, verificar, conservar e fiscalizar a estrada ex-IP5, em ... a Norte de .... 23ª O surgimento, em concreto, do animal selvagem e errante dos autos – o javali – não era expectável de ocorrer na hora, dia e local do acidente, até porque não havia antecedentes de surgimento de javalis na zona de .... 24ª A sentença, desse modo, violou o disposto nos Artigos 9º, nº 1 e 10º, nº 1 e 3 da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro. Até porque, 25ª O ónus da prova da ilicitude do facto impendia sobre o Autor e este não logrou demonstrar a ilicitude da IP, SA, limitou-se a invocar que, segundo palavras do outro interveniente do acidente, a colisão de viaturas se deu por um javali ter atravessado a estrada, sem imputar à empresa pública a quebra de um dever concreto de atuação. 26ª De qualquer modo, a existir culpa presumida do lado da IP, SA (sendo que o animal não é propriedade da IP, SA que não detém o mesmo nem explora zona de caça municipal) esta ilidiu a presunção porque demonstrou que fiscalizava, pelo menos uma vez por semana, a estrada, com viaturas e funcionários, celebrou também um Contrato de Conservação Corrente para a manutenção das condições de infraestruturação e segurança da via rodoviária (que, insiste-se, não é autoestrada ou via equiparada). 27ª Eram inexistentes relatos, comunicações das autoridades, ofícios do ICNF, reclamações dos utentes, registos de avistamento, de javalis no ex-IP5 na localidade de ..., pelo que nenhuma outra conduta era exigível à, ora, Recorrente, a qual, por se tratar de zona rústica, com taludes altos e várias árvores, próxima de ..., chegou a colocar sinais A19b, à cautela, de aviso para o perigo de eventual surgimento de animais selvagens. 28ª O acidente dos autos foi o único que se conhece, dessa altura – 2018 – e desse local – ... - com o surgimento de um javali, acidente que, na verdade, foi mais propriamente uma colisão de viaturas em que uma delas ficou imobilizada em cima de guarda de segurança fora da plataforma rodoviária, tal a violência da colisão e velocidade certamente imprimida à mesma. 29ª Dizem os nossos Tribunais que o que se pode exigir à IP é que, tendo em conta (sempre) as concretas características e a importância e o volume de tráfego da via de trânsito por si gerida/administrada, lhe faça a vigilância possível e, no caso concreto deste processo, obviamente não se poderia exigir uma vigilância constante e diária como a que é exigível às concessionárias de Autoestradas ou sequer dos Itinerários Principais. 30ª A sentença recorrida igualmente merece censura no valor da atribuição da indemnização, pois concede ao Autor, em sede de danos-não patrimoniais, pelas dores, dano biológico, as quantias de € 20.000,00 e de € 30.000,00, o que perfazeria o total de € 50.000,00 (exageradíssima verba, em face do caso concreto, e muito longe da equidade). 31ª O Autor (felizmente) não sofreu danos físicos acentuados, não teve fraturas não foi sujeito a cirurgia ou operações, não sofreu, nem sofre, de incapacidade física, continua a desenvolver a mesma atividade profissional, auferindo rendimento com a sua reforma e recebendo comissões e despesas de deslocação, apenas passou a sofrer de stress e a percorrer menos quilómetros no desenvolvimento da sua habitual atividade profissional. 32ª O Autor não teve, nem tem, de recorrer a terceiros para ajuda na sua vida pessoal ou profissional por incapacidade de promover vendas ou assistir clientes no seu ramo de atividade, é uma pessoa perfeitamente autónoma. 33ª O Autor, na sequência do acidente, apenas esteve no Hospital ... entre as 19:00 e as 3:00 da manhã, e só porque esteve à espera de exames (não era, portanto, doente urgente) e apenas recebeu injeção para dores. – Pontos 1.10 e 1.11 dos factos provados da sentença. 34ª E o Autor, refere o Ponto 1.17 dos Factos Provados, ficou com receio de ter outro acidente – o que é consequência normal nos casos de acidente de viação – mas continua a conduzir e a percorrer muitos quilómetros para a realização das suas vendas e obtenção de comissões. 35ª O Autor desta ação ficou curado sem desvalorização – ponto 1.48 dos Factos provados, a Seguradora ressarciu o Autor pelas I.T.A e as I.T.P,- Ponto 1.50 e foi concedida alta e sem qualquer desvalorização – Ponto 1.51 e 1.52 dos Factos provados. 36ª Acresce que as alegadas queixas de dores de cabeça e falta de audição, segundo a sentença e documentação não são conexas com o acidente dos autos – Pontos 1.76 a 1.78 dos factos provados. 37ª O quantum doloris foi apenas o de 2 Pontos – Pontos 1.83 dos factos provados. 38ª Não existe, no Autor, qualquer dano estético, não há cicatrizes ou material estranho, osteossíntese, felizmente o autor mantém a integralidade do seu corpo prévia ao acidente. 39ª A sentença, neste âmbito, não é equitativa, donde não é justa e, salvo melhor opinião, afasta-se da corrente jurisprudencial que vem tratando de casos de indemnização por danos não-patrimoniais resultantes de acidentes de viação. 40ª Os Tribunais têm observado, em sede de danos não-patrimoniais, 3 aspetos normalmente, o quantum doloris, o prejuízo estético e a afirmação pessoal e não desconhecem a existência da chamada Proposta Razoável de Indemnização de danos corporais decorrentes de acidente de viação ou de avaliação de dano estético ou valorização do prejuízo de afirmação pessoal. 41ª De qualquer modo, recorrendo à jurisprudência, invoca-se o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09-02-2023, proferido no Proc. 253/15.0BEFUN em que foi atribuída a indemnização de € 6.301,021 pelo dano estético e quantum doloris de grau 1 mas no teor do qual se faz referência a mais jurisprudência como a seguinte: - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2016 no Proc. 1550/13 para um quantum doloris de grau 4 julgada adequada a indemnização de € 20.000,00 (O Autor tem só um quantum doloris de grau 2 – Ponto 1.83 dos factos provados – pág. 13 da sentença); 29 - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2-6-2016 no Proc. 2603/10, ara um lesado de apenas 47 anos de idade, com várias lesões, tratamentos, sequelas físicas, tudo a agravar com a idade, quantum doloris de grau 5, dano estético, angústia pela perda da atividade profissional (que o A. desta ação não tem porque continua a exercer o seu trabalho) que atribuiu a indemnização de € 35.000,00; - Ac. do S.T.J. de 3-3-2020 no Proc. 3936/17 em que foi atribuída uma indemnização de € 13.000,00 para um caso de lesões, tratamentos em que houve fractura da pern esquerda e cirurgia com osteossíntese, com 8 dias de internamento hospitalar, cicatrizes, etc, com um quantum doloris de 4 graus (repete-se que o A, apenas teve 2); - Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-1-2018, no Proc. 1170/14, atribuída uma indemnização de € 5.000,00 para um quantum doloris grau 3.; - Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-9-2022, no Proc. 187/21.9T8VRL.G1, que atribuiu uma indemnização de € 8.000,00 a título de dano biológico e 10.000,00 a título de danos morais; - Ac. do S.T.J de 21-04-2022, no Proc. 96/18.9T8PVZ.P1.S1 que atribui € 15.000,00 a título de danos morais; Nunca olvidando que o Autor apenas sofreu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (IPP) fixável em 7 pontos numa escala de 100 pontos, ou seja, apenas 7%. 42ª Ao nível jurisprudencial, também, agora no âmbito da não aplicação do Artigo 12º da Lei 24/2007 de 18 de julho, à Infraestruturas de Portugal, SA em casos semelhantes aos dos presentes autos, temos de invocar o decidido, entre outros, nos - Acórdão do TCAN, no Processo 189/17.0BEVIS (sobre javali no IP3 – sendo que no presente processo se trata de um ex-IP5, sem perfil de Itinerário Principal); -Ac. de 18-9-2020 do TCAN no Proc. 48/13.5BEVIS (aplicável o Artº 12º da Lei 24/2007, apenas, quando exista perfil de autoestrada); - Ac. TCAS de 26-1-2023, no Proc. 159/15.2BELRA; - Ac. do TCAN de 18-12-2020, proferido no Proc. 542/15.3BEMDL; Todos consultáveis em www.dgsi.pt 43ª A colisão de veículos de que trata o presente processo ficou a dever-se ao excesso de velocidade e, ou, velocidade excessiva imprimida pelo condutor da viatura matrícula ..-..-XI, segura na atual C..., SA – Sucursal em Portugal, que, avistando à distância um animal a atravessar a estrada nacional (ex-IP5) não travou, não se desviou do mesmo, colidiu com tal espécie – javali – e bem mais de 30 metros de distância foi colidir com viatura que circulava em sentido contrário e ainda subiu um separador central tendo, só por tal facto, ficado imobilizado. 44ª A Infraestruturas de Portugal, SA não praticou facto ilícito na situação em apreciação nos autos, o Autor não provou o ónus que lhe incumbia de demonstrar que a IP, SA sabia do javali ou da sua provável aparição naquele dia, hora e local, e nada realizou, e pelo contrário a IP, SA demonstrou a sua diligência funcional, o seu modus operandi de fiscalização, conservação e manutenção da via rodoviária do processo, da realização, no mínimo, semanal das atividades de policiamento e fiscalização da estrada.
Sem prejuízo da prolação de despacho judicial ou de Acórdão que ordene a baixa dos autos para a sanação da nulidade arguida, a Infraestruturas de Portugal, SA, vem, Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento por parte de V. Exas, Excelentíssimo Senhores Juízes Desembargadores, se requer a este douto Tribunal que se digne proferir acórdão que, concedendo provimento ao recurso, reforme a sentença recorrida e absolva, totalmente do pedido, a Infraestruturas de Portugal, SA. Mais se requer a condenação do Autor no pagamento das custas judiciais, e de parte, em ambas as instâncias.» (destaques retirados). Não foi oferecida contra-alegação de recurso. *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados ([1]). Na 1.ª instância, aquando da admissão do recurso, foi assim exarado, em matéria de invocada nulidade da sentença: «Assiste razão à interveniente Infraestruturas de Portugal, SA., quanto à fixação de dois valores distintos para compensação do dano biológico, pois que, por manifesto lapsus calami ficou a constar a páginas 39 da sentença o valor de € 20.000,00, quando se pretendia fixar e atribuir € 30.000,00 (trinta mil euros), valor esse que consta na parte decisória. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 614º do Código de Processo Civil, determino a retificação do lapso, passando a constar, na sentença a fls. 39, o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros)». Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento da apelação, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa saber ([3]), perante impugnação de matéria de facto e de direito, se: a) Ocorre nulidade da sentença “por oposição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade ou obscuridade”, devendo ordenar-se “a baixa dos autos para a sanação da nulidade arguida”; b) Deve proceder-se à ampliação da matéria de facto; c) Deve proceder a impugnação da decisão de facto (por erro de julgamento de facto); D) No âmbito da impugnação de direito, ocorreu erro de julgamento de direito (incluindo pressupostos da responsabilidade e montantes indemnizatórios). *** III – Fundamentação A) Matéria de facto 1. - Na sentença foi considerado provado o seguinte factualismo: «(Da petição inicial) 1.1. No dia 15 de novembro de 2018, pelas 18h40m, na ex-IP5, ao KM 86,7, na Localidade de ... – ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca Ford, com a matricula ..-QA-.., conduzido e propriedade do Autor, e o veículo ligeiro de passageiros de Marca Seat, matricula ..-..-ZI, seguro na Ré, propriedade e conduzido à data por EE. 1.2. Naquele dia, hora e local, circulava o veículo automóvel propriedade do Autor ..-QA-.. na referida estrada, no sentido ..., pelo lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha e a não mais de 80 Km/hora. 1.3. Por sua vez, o veículo de matrícula ..-..-ZI, seguro na Ré, circulava naquela mesma estrada, mas no sentido oposto, isto é, no sentido .... 1.4. O Autor foi surpreendido por uma manobra do condutor do veículo ..-..-ZI, o qual, por causa do atravessamento de um javali na sua faixa de rodagem invadiu a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido ..., por onde seguia o veículo automóvel do Autor, deparando-se com o veículo de matricula ..-..-ZI na sua faixa de rodagem, tendo o veículo seguro na Ré, embatido de forma violenta na parte dianteira do veículo onde seguia o Autor. 1.5. Com o embate o carro do Autor ficou totalmente danificado, tendo sido dada perda total do veículo pela seguradora, tendo a Ré assumido total responsabilidade no acidente de viação, e pagando € 7.945,00 (sete mil e novecentos e quarenta e cinco euros) ao autor, relativo ao Valor venal do veículo. 1.6. O Proprietário do veículo ..-..-ZI havia transferido para a Ré B..., a sua responsabilidade por acidentes de viação com aquele veículo, pela apólice nº ...05. 1.7. A Ré assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente. 1.8. O Autor em virtude do forte embate frontal de que foi vítima, sentiu fortes dores na coluna e fortes dores na cabeça, sendo que o Airbag ao abrir teve um forte impacto na cabeça do Autor. 1.9. Com a violência do embate, o assento do condutor saiu do seu lugar e saltou a mola da roda da carrinha, na parte de trás. 1.10. O Autor, na sequência do acidente foi transportado de imediato para a Urgência do Hospital ..., onde esteve entre as 19.00 horas e as 03.00 horas da manhã. 1.11. No Hospital ..., esteve com fortes dores deitado na maca no corredor do Hospital, estando entre as 19.00h e as 03.00h da manhã ali deitado, até serem feitos exames, tendo-lhe apenas sido dadas injeções para as dores às 03.00 horas da manhã, estando assim durante esse período em sofrimento e em angústia. 1.12. Para tratamento e cura de tais lesões do Autor, a seguradora, através do seu departamento clinico, observou e concedeu àquele Incapacidade Total para o trabalho por 67 (sessenta e sete) dias, de 16.11.2018 a 21.01.2019, findos os quais continuou com incapacidade temporária Parcial e ou absoluta durante mais 68 (sessenta e oito) dias, de 22.01.2019 a 5 de Junho de 2019, data em que lhe foi concedida Alta, no total de 135 dias. 1.13. O Autor foi indemnizado pela B..., S.A. – Sucursal em Portugal, da incapacidade temporária para o trabalho no âmbito das garantias do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº ...71. 1.14. À data do acidente, o Autor trabalhava como vendedor comissionista, para a empresa D..., Lda., auferindo o valor mensal, em média de € 5.417,04 Euros (cinco mil quatrocentos e dezassete euros e quatro cêntimos). 1.15. Durante o período em que esteve com incapacidade para o trabalho, o Autor apenas recebeu da seguradora de acidentes do trabalho os seguintes montantes: € 1.459,11 (mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros e onze cêntimos) do período de ITA de 16.11.2018 a 21.01.2019 (67 dias); € 43,60 (quarenta e três euros e sessenta cêntimos) de ITP a 20% de 22.01.2019 a 31.01.2019 (10 dias); € 609,78 (seiscentos e nove euros e trinta e oito cêntimos) de ITA de 12.03.2019 a 08.04.2019 (28 dias); € 32,67 (trinta e dois euros e sessenta e sete cêntimos) de ITP a 5% de 07.05.2019 a 05.06.2019 (30 dias). 1.16. Em consequência do acidente, deixou o Autor de receber, a título de salários e diuturnidades, tendo em conta o valor médio mensal do seu trabalho (€ 5.417,04): € 10.639,11 (dez mil, seiscentos e trinta e nove euros e onze cêntimos), referente ao período de 16.11.2018 a 21.01.2019; € 1.761,46 (mil, setecentos e sessenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), referente ao período de 22.01.2019 a 31.01.2019; € 4.445,90 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos), referente ao período de 12.03.2019 a 08.04.2019; € 5.384,37 (cinco mil, trezentos e oitenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos), referente ao período de 07.05.2019 a 05.06.2019, no valor total de € 22.230,84 Euros (vinte e dois mil, duzentos e trinta euros e oitenta e quatro cêntimos). 1.17. Em consequência do acidente, o Autor exerce agora a sua atividade laboral com grande penosidade, e em constante sobressalto, muito receoso de voltar a ter um acidente da mesma gravidade, o que lhe causa angústia e sofrimento diário. 1.18. O Autor é Vendedor, sendo necessário andar a conduzir pela estrada, no âmbito da sua atividade. 1.19. Devido às lesões sofridas, e à medicação que passou a tomar na sequência do acidente, o Autor passou a ter pouca energia na sua atividade profissional de vendedor, sentindo-se cansado e desmotivado no exercício das suas funções. 1.20. Passou a executar as suas funções com um grande sacrifício e com alguma perda de memoria. 1.21. A sua atividade profissional é agora executada com muito esforço. 1.22. O autor também passou, após o acidente, a ter falta de equilíbrio, perda de audição e zumbidos. 1.23. Antes do acidente o Autor exercia a sua profissão de uma forma bastante forte, ativa, determinada, com grande energia e alegria, o que já não acontece. 1.24. Apos a alta clínica do Autor, este auferiu uma média de salário inferior à que antes auferia. 1.25. O exercício de funções do Autor com as limitações referidas, irá prolongar-se pelo menos até á sua idade de reforma, que será perto dos 67 anos. 1.26. O autor deixou de sentir vontade de conviver, de ser uma pessoa alegre, bem-disposta e bem-humorada, como era antes do acidente. 1.27. O Autor agora isola-se da família nos convívios familiares. 1.28. Era costume o Autor e a sua mulher fazerem passeios ao fim de semana, mas o Autor deixou de conduzir ao fim de semana, porque só lhe apetece dormir e tem dores nas costas ao conduzir, uma vez que durante a semana tem de conduzir muito para trabalhar. 1.29. A qualidade de sono do Autor piorou muito depois do acidente. 1.30. O Autor começou a ficar ansioso, com insónias e tem de tomar medicação para dormir. 1.31. O Autor é acompanhado em consultas de Psiquiatria e Otorrinolaringologia. 1.32. A vida sexual do Autor com a sua mulher é quase inexistente, uma vez que um dos medicamentos que lhe foi receitado inibe a libido. (Da contestação) 1.33. Por escritura pública outorgada no dia 19.12.2018, no cartório notarial da Dra. FF a Ré A..., SA, foi incorporada por fusão transfronteiriça na B..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ...95 sita na Av. ..., ..., ... ..., mediante a transferência global do património da incorporada na incorporante, assumindo esta última a posição contratual em todos os contractos em que a incorporada é presentemente parte, assim como em todas as responsabilidades perante eventuais credores. 1.34. Entre o EE e a Ré foi celebrado o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº. ...05. 1.35. Mediante esse contrato de seguro foi transferida para a Ré a responsabilidade civil em relação a terceiros resultante da circulação do veículo com a matrícula ..-..-ZI. 1.36. As duas viaturas envolvidas no acidente em causa, eram seguradas na Ré. 1.37. O Autor tinha contratado com a Ré, um seguro de acidentes de trabalho, em nome individual, através do qual tinha transferido para a Ré, o salário € 800,00 x 14 meses. 1.38. De acordo com as declarações prestadas às autoridades pelo condutor do veículo com matrícula ..-..-ZI, este afirmou que: “Conduzia o veículo pelo IP5, no sentido Aveiro/Viseu; ao chegar sensivelmente ao km 86,700, surgiu repentinamente um animal (javali) proveniente do lado direito. Perante este facto colidiu no animal; ao mesmo tempo saiu fora da sua mão de trânsito e foi colidir frontalmente no veículo que circulava no sentido oposto (..-QA-..)”. 1.39. O acidente ocorreu por causa de um javali que invadiu o I.P. 5 e, se atravessou de forma súbita, inesperada e repentina à frente da viatura com matrícula ..-..-ZI, o qual nada pode fazer para evitar o embate no animal. 1.40. Nesse dia, hora e local estava bom tempo, mas já era escuro e, o local não tinha iluminação. 1.41. Com o inesperado da situação, (aparecimento súbito do animal na faixa de rodagem), o condutor da viatura com matrícula ..-..-ZI, não se conseguiu desviar do animal, embatendo no mesmo, causando-lhe a morte e, consequentemente invadiu a faixa de rodagem contrária, e embateu na viatura do autor que aí circulava. 1.42. Chamadas as autoridades policiais ao local, foi levantado o competente Auto de Ocorrência pela Guarda Nacional Republicana, Destacamento de Trânsito ..., o qual faz menção ao animal (javali). 1.43. O animal em causa foi removido da via por um funcionário da concessionária do I.P. 5, a Infraestruturas de Portugal, S.A., o qual se deslocou ao local para esse efeito. 1.44. A Ré liquidou ao Autor a perda total da sua viatura, bem como liquidou outros danos que o Autor teve com o acidente (portátil, óculos e troley) ao abrigo da apólice de seguro nº. ...05, celebrada com o EE. 1.45. A Ré liquidou ao autor os períodos de incapacidades alegados na P.I., ao abrigo da apólice de acidente de trabalho titulado pela apólice ...71. 1.46. Após ter efetuado estes pagamentos ao Autor, questionou a concessionária do I.P. 5, se esta assumia a responsabilidade pelo acidente, para depois solicitar o reembolso destas despesas à mesma, não tendo até à presente data, recebida resposta à questão colocada. 1.47. Ao abrigo da apólice de acidente de trabalho outorgada com o Autor, os serviços clínicos da Ré fizeram o acompanhamento médico do Autor, tendo após os períodos de incapacidade referidos na carta junta com a P.I. atribuído ao autor alta, curado sem desvalorização. 1.48. De acordo com os serviços clínicos da Ré, em janeiro de 2019 foi atribuído ao Autor uma Incapacidade temporária absoluta (ITA). 1.49. A Ré fez o acompanhamento clínico do Autor, em várias especialidades, ao abrigo da apólice de acidente de trabalho. 1.50. A Ré ressarciu o Autor pelas I.T.A. e as I.T.P. 1.51. Depois de realizados vários exames complementares de diagnósticos, todas as especialidades que acompanharam o Autor atribuíram-lhe, alta curado sem desvalorização. 1.52. O Autor consegue exercer hoje a mesma atividade profissional que podia exercer antes do acidente, embora com acrescidas dificuldades. (Contestação apresentada pela Infraestruturas de Portugal, SA.) 1.53. Na estrada em causa, compete à IP efetuar as operações de conservação, manutenção, fiscalização e vigilância. 1.54. Sendo feita, além de outros meios, através da Unidade de Conservação Corrente com recurso a Contrato de Conservação Corrente. 1.55. As passagens das Unidades Móveis de Inspeção e Apoio (UMIAS) são uma vez por semana. 1.56. A última passagem no local, de rotina, antes da data do acidente, ocorreu em 14.11.2018, sem que se tivesse verificado qualquer avistamento ou anomalia digna de registo. (Da prova por informação clínica e relatório pericial) 1.57. À data do evento, o examinando tinha 60 anos de idade e era vendedor de ciclismo. 1.58. Do acidente resultou traumatismo crânio-encefálico do Autor, sem perda de conhecimento e traumatismo da coluna lombar. 1.59. Na sequência do evento foi assistido no local pelo INEM, tendo sido transportado para Serviço de Urgência do Hospital ..., onde foi observado e submetido a radiografia e tomografia computorizada da coluna lombar, não tendo revelado alterações. Teve alta na madrugada de dia seguinte, encaminhado para Serviços Clínicos da Companhia Seguradora (E...). 1.60. Deu entrada no Serviço de Urgência no dia 15.11.2018 pelas 19:20 horas, vítima de acidente de viação, referindo, à entrada, queixas de lombalgia. Ao exame objetivo apresentava dor a palpação da região lombar e base do hemitórax esquerdo. Foi radiografado a coluna lombar e grelha costal esquerda, bem como submetido a tomografia computorizada-crânio encefálica, não tendo revelado alterações traumáticas agudas. Teve alta no mesmo dia. 1.61. Recorreu aos serviços clínicos da Companhia Seguradora decorridos cerca de 2 dias, referindo que estava em casa "com muitas dores". 1.62. Foi medicado sintomaticamente com analgesia e observada pela especialidade de Psiquiatria, tendo sido medicado deste ponto de vista. 1.63. Não se sentia bem com a medicação psiquiátrica que lhe foi prescrita pela Seguradora, razão pela qual recorreu à sua médica assistente (Centro de Saúde ..., Polo ...) para ajuste terapêutico. 1.64. Após o acidente iniciou também queixas de desequilíbrio e zumbidos, tendo sido observado pela especialidade de Otorrinolaringologia e realizado exames complementares de diagnóstico. 1.65. O Autor tentou retomar a sua atividade profissional por volta de janeiro de 2022, sem sucesso pelas queixas do foro psiquiátrico, tendo, por isso, pedido reforma antecipada. 1.66. Neste momento encontra-se seguido pela sua médica assistente, medicado com escitalopram e diazepam. 1.67. A 26.11.2007 o autor foi medicado com Valeriana, por perturbação do sono; a 04.01.2013 foi medicado com mexazolam; a 06/11/2015 registado um episodio com "em estudo por lepayronie", classificado como Doença Genital Masculina; a 03/12/2015 recorreu a consulta por queixas de tonturas, vertigens e falta de equilíbrio, com dores cervicais e cefaleias esporádicas. Foi medicado com beta-histina; a 13.06.2016 recorreu ao seu médico assistente a fim de pedir baixa médica após realização de corporoplastia com enxerto por doença de peyronie. 1.68. Iniciou seguimento nos Serviços Clínicos da Companhia Seguradora no dia 16.11.2018, tendo sido medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. Referia queixas álgicas ao nível da coluna lombar, cotovelo direito e parestesias no quarto dedo da mão direita, com melhoria sob medicação; a 05.12.2018 apresentava sintomatologia traumática estabilizada, revelando, contudo, alterações emocionais, nomeadamente humor deprimido, alterações do sono com pesadelos relacionados com o acidente, bem como afucenos e tonturas. 1.69. Foi, neste contexto, observado por Psiquiatria e Otorrinolaringologia. Realizou timpanografia, que se revelou normal, e audiograma, que revelou hipoacusia SN bilateral ligeira nos agudos, que se terá atribuído à idade, tendo sido medicado com betasserc. 1.70. Do ponto de vista de psiquiatria, à observação, referia perturbações do sono, negando outras queixas, pelo que foi medicado com escitalopram e alprazolam, com melhoria, vindo a ter alta da consulta de Psiquiatria, sem sequelas; teve alta curado sem desvalorização em 05/06/2019. 1.71. A Junta Médica do Tribunal de Trabalho de Coimbra, fixou ao Autor a IPP em 10,5% pelo capítulo X. 1.72. O Autor apresenta as seguintes sequelas: − Ráquis: ligeira contratura da musculatura paravertebral ao nível lombo-sagrada; dor referida a palpação das apófises espinhosas da mesma região. 1.73. Sofre de Perturbação especificamente associada com o stress, com sintomas predominantemente ansiosos (6B4Z; CID-II). 1.74. As alterações psicopatológicas da resposta de ansiedade que o examinando apresenta são passíveis de enquadramento no código Nb|203 do Anexo II da Tabela Nacional de Incapacidades. 1.75. A natureza das alterações psicopatológicas descritas e o seu impacto funcional justifica uma valorização em 7 pontos, em conformidade com os critérios de avaliação das incapacidades constantes no Anexo II do Decreto-Lei de 352/2007, de 23 de outubro, sobre a rubrica n.º 12. 1.76. Existe registo de perturbação do equilíbrio pré-existente, corroborada pela imagem de enfartes cerebelosos antigos na tomografia computorizada crânio-encefálica realizada no Serviço de Urgência. O exame objetivo não é sugestivo de disfunção vestibular periférica. 1.77. Audiometricamente o Autor apresenta um traçado sugestivo de presbiacusia, grosseiramente simétrico não compatível com etiologia traumática. 1.78. Por ORL não se atribui nexo de causalidade entre as queixas de acufeno e de perturbação do equilíbrio por se considerar que são queixas pré-existentes. 1.79. Os elementos permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, uma vez que se confirmam os critérios do seu estabelecimento. 1.80. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 05.06.2019, tendo em conta o tipo de traumatismo, o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efetuados e a data da alta clínica da Companhia Seguradora. 1.81. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: - Défice Funcional Temporário Parcial que se terá situado entre 15.11.2018 e 05.06.2019, sendo assim fixável num período 203 dias, correspondendo a totalidade do período de convalescença, situando-se, assim, entre a data do evento e a data da consolidação médico-legal. 1.82. Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total, que se terá situado entre 15.11.2018 e 05.06.2019, sendo assim fixável num período total de 203 dias, correspondendo a totalidade do período de convalescença, situando-se, assim, entre a data do evento e a data da consolidação médico-legal. 1.83. Quantum doloris fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, bem como o sofrimento psíquico vivenciado. 1.84. Considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas, a sintomatologia ansiosa e depressiva, com necessidade de medicação e repercussão ligeira na autonomia pessoal, social e profissional e o facto destas não afetando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 pontos. 1.85. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 05.06.2019. 1.86. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, com ajudas medicamentosas.». 2. - E foi julgado como não provado: «2.1. Que o condutor do veículo de matricula ..-..-ZI, seguro na Ré, tenha invadiu a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava sem tomar as mais elementares cautelas impostas a qualquer condutor. 2.2. O condutor do veículo seguro na Ré, tenha atuado com distração e falta de cuidado. 2.3. Que o condutor circulasse com velocidade excessiva. 2.4. Que o Autor, por vezes, se esqueça do Código do seu cartão bancário, entrando de imediato em nervosismo e ansiedade. 2.5. O Autor e a esposa, tinham uma vida sexual ativa, em média tinham relações sexuais quatro vezes por semana, e entre agosto de 2019 até ao final do ano, só teve duas relações sexuais com a sua esposa, e numa delas, não conseguiu completar a relação sexual. 2.6. Que o problema sexual do autor não resulte do acidente em apreço, mas sim da doença de Peyronie. 2.7. O autor possa auferir hoje a mesma retribuição, ou até superior, à que poderia auferir antes do acidente em contrapartida do seu trabalho. 2.8. O facto de o condutor ter visto o javali a 10 metros, vindo do lado direito para a esquerda, não era tendente a desviar-se para a esquerda, entrando em faixa contrária; 23. Não se conhecem antecedentes que relevem no sentido de constituir local de travessia de animais, designadamente javalis.».
B) Nulidades da sentença Cabia à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença os invocados vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito na peça recursiva, de forma fundamentada, definindo o objeto e delimitando o âmbito da apresentada arguição. Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão ([4]). Ora, é seguro que a Recorrente o fez, tendo em conta que são invocadas causas de nulidade previstas na al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv. (oposição entre fundamentos e decisão e, por outro lado, ambiguidade ou obscuridade, desde que geradoras de ininteligibilidade). Vejamos, então, se são de ter por verificados tais vícios de fundamentação. 1. - Quanto à invocada contradição, esta tem de ocorrer entre os fundamentos, por um lado, e a decisão (dispositivo), por outro, em termos de os fundamentos adotados apontarem num sentido (decisório) e o dispositivo seguir caminho oposto ou divergente (contraditório). Trata-se, pois, de situação em que existe divergência insanável entre o caminho argumentativo seguido na fundamentação e a estatuição (veredito) plasmada no dispositivo. No caso, entende a Recorrente, no essencial, haver notória contradição, quanto a “valores de indemnização e repetição da repercussão do dano biológico na vertente do dano patrimonial futuro, na perda de rendimento ou privação de rendimento”, entre a decisão/dispositivo, ao condenar em € 30.000,00 (por esse dano biológico, enquanto “dano patrimonial futuro”), e a antecedente fundamentação, ao fixar (na “pág. 39” da sentença, corresponde a fls. 390 do processo físico) em € 20.000,00 a indemnização por esse mesmo dado. Conclui, por isso, a Apelante haver “nítida contradição de valores de indemnização”. Porém, como visto, essa disparidade de valores – efetivamente ocorrida – já se mostra, entretanto, corrigida, tendo em conta o que foi vertido no dispositivo, onde repousa a condenação. É que, na 1.ª instância, ao admitir o recurso, o Tribunal logo reconheceu assistir razão à ora Recorrente «quanto à fixação de dois valores distintos para compensação do dano biológico, pois que, por manifesto lapsus calami ficou a constar a páginas 39 da sentença o valor de € 20.000,00, quando se pretendia fixar e atribuir € 30.000,00 (…), valor esse que consta na parte decisória». Por isso, logo «determino[u] a retificação do lapso [de fundamentação], passando a constar, na sentença a fls. 39, o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros)». Termos em que se mostra ultrapassado aquele vício de contradição/oposição. 2. - Mas defende ainda a Recorrente estar cometido o vício assacado de ambiguidade e/ou obscuridade, gerando confusão e ininteligibilidade da sentença, argumentando como consta das suas conclusões 2.ª a 5.ª. Ora, como referem Abrantes Geraldes e outros, a decisão “é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes” ([5]). Porém, explicitam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([6]) que, no regime atual, “a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos arts. 280-1 CC e 295 CC.” (sublinhado aditado). Ou seja, importa apenas aferir se o dispositivo da sentença (parte decisória, desconsiderando, pois, a fundamentação), nos termos em que formulado, padece de obscuridade ou ambiguidade que implique ininteligibilidade. Ora, como também visto, o dispositivo condenatório da sentença em equação, na parte que ora importa, comporta os seguintes segmentos indemnizatórios: a) € 30.000,00 “pelo dano Biológico, resultante do dano patrimonial futuro”; b) € 20.000,00, “na vertente do dano não patrimonial”. Este dispositivo condenatório, em si, é claro, não padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade, mormente em termos de implicar ininteligibilidade do conteúdo decisório. Razão pela qual parece ser de afastar a invocada nulidade da sentença. E, se relacionarmos esse dispositivo condenatório com o pedido formulado, também não parece que subsistam dúvidas: foi pedida na ação, com referência ao dano biológico, indemnização pelo dano patrimonial futuro e, por outro lado, por danos não patrimoniais, tudo em decorrência do acidente. E o dispositivo da sentença responde a esse petitório, fixando indemnização nas duas vertentes aludidas. Assim, não há ambiguidade ou obscuridade, muito menos em termos de ininteligibilidade. Poderá, como refere a Apelante, haver alguma confusão de exposição, quanto a tais danos e respetiva indemnização, na fundamentação da sentença, até já superada, de algum modo, com o aludido despacho de retificação de lapso aquando da admissão do recurso em 1.ª instância. Com efeito, a fundamentação de direito da sentença em crise não é exemplar na exposição e tratamento teórico/jurídico daqueles danos, mas, tudo conjugado, consegue-se entender o fio condutor da sentença até aos montantes indemnizatórios constantes do respetivo dispositivo – concorde-se ou não com eles –, sabido, ademais, que, para efeitos de (in)inteligibilidade, o que sobretudo releva, é, não a parte da fundamentação de direito, mas o subsequente dispositivo, em conjugação com o pedido. Em suma, não obstante alguma confusão de exposição na dita fundamentação, inexiste, salvo o respeito devido, ininteligibilidade (por ambiguidade ou obscuridade) e, como tal, deve improceder a arguição de nulidade, o que se decide.
C) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Da ampliação ou alteração da matéria de facto A Recorrente invoca erro de julgamento de facto, argumentado, desde logo, que a “tipologia da estrada e a atuação funcional administrativa dos Serviços da Infraestruturas de Portugal, SA eram essenciais (…) e a sentença descurou os mesmo no rol dos Factos Provados, tendo-se limitado, mal, a apenas levar aos Factos Provados os Pontos 1.54, 1.55 e 1.56 no que respeita ao cumprimento dos deveres funcionais da Interveniente” (cfr. conclusões 10.ª a 12.ª). Por isso, entende que devia ter sido acrescentado/aditado aos factos provados que: «a) À data do acidente, a estrada dos autos era o ex-IP5, não tinha perfil de autoestrada, sendo composta por uma faixa de rodagem em cada sentido, sem separador central; b) A zona do acidente não estava vedada nem era obrigatória a colocação da vedação; c) A IP5, antes da data do acidente, foi desclassificada pela construção da A25 e passou a designar-se de ex-IP5 segundo determinação do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes); d) Os utentes da rodovia sabem que a estrada em causa não é, nem tem características de IP, existindo tal identificação e sinais nesse sentido; e) A IP, SA não tinha conhecimento da circulação de javalis no local dos autos». Fundamenta-se em que “tal resulta do esquema de acidente da PAV e da prova testemunhal”. Que dizer? Em primeiro lugar, que, se tal resultava da prova produzida em 1.ª instância, ao ponto de dever ter sido acrescentada/aditada tal materialidade, então deveria a parte interessada ter requerido em conformidade naquela instância, para cabal observância do contraditório e decisão nessa sede. Porém, não se mostra que tal tenha ocorrido. Em segundo lugar, parte dessa factualidade já consta do quadro fáctico dado como provado: pode ler-se, por exemplo, no ponto 1.1. que o acidente ocorreu “na ex-IP5”. Em terceiro lugar, parte substancial da restante materialidade não foi sequer expressamente alegada. Vejamos. No relevante, da sentença resulta dado como provado: «1.53. Na estrada em causa, compete à IP efetuar as operações de conservação, manutenção, fiscalização e vigilância. 1.54. Sendo feita, além de outros meios, através da Unidade de Conservação Corrente com recurso a Contrato de Conservação Corrente. 1.55. As passagens das Unidades Móveis de Inspeção e Apoio (UMIAS) são uma vez por semana. 1.56. A última passagem no local, de rotina, antes da data do acidente, ocorreu em 14.11.2018, sem que se tivesse verificado qualquer avistamento ou anomalia digna de registo.». A aqui Recorrente alegou, neste âmbito e no essencial, na sua contestação, que: - o IP5, remetido para um nível de serviço inferior em presença da A25, não é uma autoestrada (art.º 15.º); - a Recorrente “não deixa nem deixou de assumir as suas obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização da referida estrada” (art.º 17.º, com destaques aditados). Ora, perante o assim alegado, sobre que se poderia fazer prova, não está em causa que o (ex-)IP5 fosse uma autoestrada – que nunca foi – e há que concluir que a contestante acabou por afirmar a assunção das «suas obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização» da referida via, embora sem esclarecer com que amplitude devida (e não se tratando de uma “autoestrada”). Por isso, ante tal (embora limitada) assunção/admissão, em sede de articulados, poderia, à partida, parecer de manter a redação do ponto 1.53, não tivesse o mesmo um pendor manifesta e excessivamente conclusivo e não fossem as restrições inerentes à dita admissão/assunção, nos termos em que formulada. Com efeito, por um lado, só pode ter-se como conclusivo – quando se discute, neste tipo de ação e inerentes vicissitudes, a responsabilidade indemnizatória – um enunciado em que se afirme que “compete à IP efetuar as operações de conservação, manutenção, fiscalização e vigilância” da via onde ocorreu o acidente. E, a mais disso, esse caráter conclusivo reflete-se, com essencialidade, no desfecho da respetiva ação indemnizatória. Ora, é sabido que ao elenco dos factos provados da sentença só devem levar-se os factos, e não as conclusões de direito ou com pendor marcadamente jurídico e com reflexos na sorte da ação (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.). Estas últimas só terão assento na fundamentação jurídica da sentença, perante os factos provados de suporte. Por outro lado, na sua contestação, a ora Recorrente não assume, sem mais, que, na estrada em causa, lhe compete (irrestritamente) efetuar as operações de conservação, manutenção, fiscalização e vigilância. Apenas assume as suas obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização da referida estrada, mas sob invocação de se estar agora num “nível de serviço manifestamente inferior”, com “nível de exigência não tão elevado”, por já não se tratar do “IP5”, mas do “ex-IP5”, que não é nenhuma autoestrada (nem a tal pode ser equiparado), não tendo aplicação, a seu ver, a presunção do art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07 (cfr. art.ºs 15.º a 18.º da respetiva contestação). Ou seja, aquele ponto 1.53 não pode permanecer, como tal, no quadro dos factos provados, mas apenas que a ora Recorrente «reconhece ter obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização do ex-IP5». Quanto ao mais que a Recorrente pretende que seja agora aditado, mas não expressamente alegado (ou ainda que tivesse sido alegado), deve dizer-se que não poderá proceder a pretensão com (toda a) amplitude pretendida. Desde logo, é manifestamente vago/ambíguo – como tal, destituído de dimensão/conteúdo factual concreto – referir que foi “remetido para um nível de serviço inferior”. A parte que alegou tal matéria deveria tê-la concretizado em termos fácticos. Acresce que temos vindo a entender que «Não cabe à Relação, perante impugnação da decisão de facto, proceder ao aditamento à matéria assente de factos que (embora articulados) não tenham sido objeto de pronúncia/julgamento pela 1.ª instância, exceto se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada plenamente por documentos ou por confissão reduzida a escrito» ([7]). Como dito na fundamentação deste Ac. de 05/03/2024: «Dir-se-á ainda que se concorda com o entendimento explicitado no Ac. TRC de 10/05/2022 ([8]) quanto ao aditamento à matéria assente de factos que (embora articulados) não tenham sido objeto de pronúncia/julgamento pela 1.ª instância, podendo ler-se na fundamentação deste aresto: «Resulta do n.º 1 do artigo 662.º do CPC combinado com a parte final da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito que o dever de a Relação reapreciar a prova produzida, formar a sua convicção e julgar provados ou não provados os pontos de facto indicados pelo recorrente só existe em relação aos factos sobre os quais se tenha pronunciado o tribunal a quo. Na verdade, só em relação a esta pronúncia é que tem sentido dizer, como faz o n.º 1 do artigo 662.º, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Depõe a favor desta interpretação o artigo 640.º do CPC, relativos aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, ao impor ao recorrente o ónus de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Se o tribunal de 1.ª instância omitir a pronúncia sobre uma determinada questão de facto e se a resposta a ela for indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. É a solução que resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve mesmo oficiosamente anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto, combinada com a alínea c) do n.º 3 do mesmo diploma. Só assim não será se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Nestas hipóteses, cabe ao tribunal da Relação tomar em consideração tais factos, sem necessidade de anulação do julgamento. É o que resulta da 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC – aplicável ao acórdão da Relação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC. Precise-se que quando o n.º 4 do artigo 607.º fala em factos provados por documentos quer dizer factos provados plenamente por documentos.». No caso dos autos, trata-se de factualidade que não pode ter-se como admitida por acordo, provada por documentos (que fossem dotados de força probatória plena) ou por confissão reduzida a escrito. Assim, se tiver essa materialidade, sendo relevante, sido alegada (ainda que em patamares mínimos), apenas será caso de ponderar a aplicação – mesmo oficiosamente – do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., preceito segundo o qual a Relação deve: - anular a decisão proferida pela 1.ª instância quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, sem que constem do processo todos os elementos necessários à alteração da decisão, e/ou considere indispensável a ampliação da matéria de facto. Se não tiver sido minimamente alegada, ao menos implicitamente, então não poderá ser aproveitada na 2.ª instância. Termos em que, sem prejuízo do já referido quanto à pretensão de alteração da decisão de facto ([9]), permanece de pé a pretensão de ampliação factual, no escopo da boa decisão da causa e obtenção de solução de justiça material. Na verdade, esgrime a Apelante [conclusões 15.ª e segs.] que a sentença não atendeu devidamente à natureza da estrada, uma “estrada normal”, não de “alta prestação”, com o acidente a dar-se “numa localidade, a de ...”, onde a velocidade é limitada (inferior a 90 kms/h), ao que acresce que a viatura que colidiu com o animal (javali) “seguia em excesso de velocidade”, após o que foi colidir com o veículo do A., termos em que a R./seguradora é a responsável civil pelos danos ocorridos. Na sentença, o Tribunal recorrido exprimiu-se assim, já em matéria de direito, quanto ao acidente e decorrente responsabilidade civil: «A Ré assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente. A entidade gestora do denominado ex-IP5 (local onde ocorreu o acidente) é a Infraestruturas de Portugal, S.A.. Resultou assim provado que o animal (javali) invadiu a faixa de rodagem, tendo levado a que o condutor do veículo ZI, EE, em razão do vulto e do impacto no animal, se tenha procurado desviar e tenha perdido o controlo do carro, vindo a embater frontalmente de forma violenta com o veículo QA, conduzido pelo autor, veiculo esse que ficou totalmente destruído, não tendo sido possível proceder à sua reparação. Quanto à eventual existência de vedação, a mesma é obrigatória e exigível, atentas as características e classificação da estrada que já há muito deixou de ser um Itinerário Principal, em detrimento da autoestrada A25, para ser uma outra estrada nacional, no entanto a lei não consagra a denominação de ex-PI quanto às concessionárias e provado resultou que a concessionária responsável era a Infraestruturas de Portugal, IP, que não cuidou devidamente da manutenção das redes de proteção junto das estradas, assim permitindo o atravessamento de um animal selvagem, animal esse que é normal ser visto nas estradas desta região de [V]iseu e que, pelas suas características, provocam sérios e graves danos quando embatem numa viatura automóvel, o que é do senso comum. (…) o condutor da viatura com a matrícula ..-..-ZI, circulava de forma atenta e respeitando todas as regras estradais, sendo que, com o inesperado da situação, (aparecimento súbito do animal na faixa de rodagem), (…) não se conseguiu desviar do animal, embatendo no mesmo, causando-lhe a morte e, consequentemente invadiu a faixa de rodagem contrária, e embateu na viatura do Autor que aí circulava. A presença de um javali nas vias de circulação do I.P. 5 põe obviamente em crise, de uma forma grave, a segurança de circulação nesse local, pois não é expectável seja permitida a circulação de animais na via, pelas fortes e graves consequências que esta circulação na via pode provocar nos utilizadores da via na sequência de acidentes/embates. A entidade gestora do I.P. 5 (local onde ocorreu o acidente) é a Infraestruturas de Portugal, S.A.. A exploração e conservação está concessionada a esta entidade. O Estado e demais pessoas coletivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. A responsabilidade civil por atos de gestão pública corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e que tem consagração legal no art.º 483º, nº 1, do Código Civil. (…) quer os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais pessoas coletivas públicas, fonte da obrigação de indemnização, quer o conteúdo dessa obrigação, têm por referência o regime geral da responsabilidade civil, contida nos artigos 483.º a 510.º e 562.º a 572.º, do Código Civil. A Lei nº. 24/2007 de 18 de julho define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas com autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares. Compete às EP conservar a rede rodoviária nacional e zelar pela manutenção permanente de condições de infraestruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação. Prescreve o nº. 1 do artigo 12º desse diploma legal que: “Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas e bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe a concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.” Sendo a ex-IP5, denominação que lhe é atribuída, concessionada pela Infraestruturas Portugal, S.A e ocorrendo o acidente por causa do javali que atravessou a estrada, por falta de vedação, é esta entidade responsável pelas consequências decorrentes do referido acidente, pois é a ela que incumbe assegurar o bom estado de conservação e a utilização da via em perfeitas condições de segurança, controlando a mesma de forma adequada e regular, nos termos da lei. (…) Admite-se que é duvidosa a aplicabilidade desse preceito àquele troço do denominado ex-IP5. O artigo 2º do citado diploma distingue as autoestradas dos itinerários, principais e complementares, com perfil semelhante e aplica-se sem restrições a todas essas vias. Verifica-se assim a responsabilidade da Infraestruturas de Portugal pela compensação/indemnização dos danos resultantes deste acidente, provocado pelo atravessamento da via de um javali, tanto mais que o ora denominado ex-IP5, manteve o troço da via anterior no local onde ocorreu o acidente.» (destaques aditados). Ora, dispõe o invocado art.º 2.º (com a epígrafe “Âmbito de aplicação”) da Lei n.º 24/2007, de 18-07, no seu n.º 1, que: «O disposto na presente lei aplica-se às auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) vigente, dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido» (destaques aditados). Se é certo ser muito deficiente a alegação a respeito da ora Recorrente na sua contestação (ditos art.ºs 15.º e segs.), a que não é estranho o facto de se tratar de uma interveniente (e não a ré nos autos), é também seguro que estamos perante um “ex-IP” (já não, de pleno, o antigo IP5), como, aliás, provado, âmbito em que será relevante saber, em termos de matéria de facto, e tendo em vista as plausíveis hipóteses de solução da questão de direito, se, no local do acidente, a via apresentava, ou não, ao tempo, perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido. Tal como será relevante saber se no local a via estava protegida por rede de vedação e se esta estava danificada, permitindo a entrada de animais, bem como se a Recorrente era quem procedia à vigilância, conservação e reparação dessa rede. Tal materialidade considera-se minimamente invocada, ao menos de forma implícita, ante o teor dos articulados oferecidos, mormente a contestação da Interveniente ([10]), sendo deveras relevante para a decisão do litígio. Assim, na procura da justiça material, considera-se que: a) O ponto 1.53 do quadro dado como provado não pode permanecer, como tal, no elenco dos factos provados, mas apenas que a Interveniente, IP, S. A., reconhece ter obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização do ex-IP5; b) Deve, oficiosamente, anular-se a decisão recorrida, determinando-se, por indispensável, a ampliação da matéria de facto nos moldes supra aludidos [art.º 662.º, n.ºs 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do NCPCiv.]. Fica, obviamente, prejudicado o conhecimento das questões remanescentes enunciadas, sendo que as custas da apelação serão suportadas pela parte vencida a final, uma vez que, por ora, inexiste parte vencida.
*** IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…).
*** V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação – ao abrigo do estabelecido nos n.ºs 1, 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do art.º 662.º do NCPCiv. – em: a) Alterar a redação do ponto 1.53 do quadro dado como provado, passando a ter a seguinte redação: «A Interveniente, IP, S. A., reconhece ter obrigações na devida manutenção, conservação, vigilância e fiscalização do ex-IP5»; b) Anular, oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, com vista a apurar, a final: 1. - Se, no local e tempo do acidente, o ex-IP5 apresentava, ou não, perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido; 2. - Se, nesse local, a via estava protegida por rede de vedação e se esta estava danificada, permitindo a entrada de animais, bem como se a Recorrente era quem procedia à vigilância, conservação e reparação dessa rede/vedação. Custas da apelação pela parte vencida a final.
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 05/06/2025
Vítor Amaral (relator) Luís Cravo Fonte Ramos
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