Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO GUERRA | ||
Descritores: | CRIME DE DIFAMAÇÃO CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL SUA SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 120º, Nº 1, AL B) E Nº 3 E 121º, N° 1, ALÍNEA B), E Nº 2, AMBOS DO CP; ARTIGO 57.º, N.º 1, 58.º, N.º 2, 113º, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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Sumário: | 1 - Na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deverá atender-se aos factos que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição, sendo que enquanto a interrupção da prescrição inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo por inteiro, na suspensão da prescrição o prazo decorrido não se inutiliza, voltando a correr a partir do dia em que cessa a causa a suspensão (cfr. artigos 120º, nº 3 e 121º, nº 2, ambos do CP).
2 - Nos crimes dependentes de acusação particular, a acusação deduzida pelo assistente, se não acompanhada pelo Ministério Público, não tem a virtualidade de operar a suspensão e/ou interrupção da prescrição do procedimento criminal. 3 - O "jus puniendi" atribuído ao Estado não é extensível ao assistente nos crimes de natureza particular, quando o MP (titular da acção penal) não acompanhe a acusação deduzida por assistente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1. O DESPACHO RECORRIDO No processo comum singular nº 91/22.3T9MGL do Juízo de Competência Genérica de Mangualde, por despacho datado de 3 de Outubro de 2024, foi decidido o seguinte: «AA e BB vieram deduzir acusação particular contra CC, DD e EE, imputando, a cada uma delas, a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, alegando, em síntese, que no dia 10-09-2021, CC, na qualidade de procuradora das suas filhas, as denunciadas DD e EE, participou criminalmente contra os assistentes, junto da Guarda Nacional Republicana, Posto Territorial ..., por factos idóneos a provocarem procedimento criminal contra estes, nomeadamente, factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a eventual prática de um crime de alteração de marcos, p. e p. pelo artigo 216.º do Código Penal e um crime de dano, p. e p. pelo artigo 215.º do Código Penal. Tal denúncia deu origem ao processo n.º 83/21..... O sobredito crime é punido com pena de prisão até 6 (seis) meses ou com pena de multa até 240 (duzentos e quarenta) dias, logo, nos termos do preceituado no artigo 118.º, n.º 1, al. d) do Código Penal o prazo de prescrição é de 2 (dois) anos. Assim, o prazo de prescrição ocorria em 10-09-2023. Contudo, temos de atentar nos seguintes preceitos normativos: Dispõe o artigo 118.º, do Código Penal, sobre a epígrafe «Prazos de prescrição», que: «1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos (...); b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos; c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos; d) dois anos, nos casos restantes.» Dita-nos o n.º 1, do artigo 119.º, do Código Penal, com a epígrafe «Início do prazo», que: «O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado». Por sua vez, o artigo 120.º, do Código Penal, alusivo à «suspensão da prescrição», determina: «1- A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. 6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.» Por último, refere-nos o artigo 121.º, do Código Penal, sobre a epígrafe «Interrupção da prescrição», que: «1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 5, do artigo 118º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo». Porém, CC foi constituída arguida em 11-07-2022 (fls. 82), o que interrompeu o prazo de prescrição e foi notificada da acusação em 20-02-2023 (fls. 154), o que suspendeu o prazo de prescrição. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso em apreciação, o prazo de prescrição do procedimento é de 2 (dois) anos, ressalvado tempo de suspensão pode chegar aos 3 (três) anos, e metade daquele prazo da prescrição é 1 (um) ano, pelo que, o procedimento prescreverá ao fim de 6 (seis) anos. Sucede que DD e EE não foram constituídas arguidas, tendo assumido essa qualidade nos termos do artigo 57.º do Código de Processo Penal. Tem sido entendimento unanime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que a assunção da qualidade de arguido com a dedução da acusação não interrompe o prazo de prescrição. Veja-se: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-06-2012[1]: «I - A dedução da acusação não conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”. Não existe neste caso uma constituição formal de arguido, nos termos mencionados no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. II - Temos, pois, duas situações distintas: uma constituição de arguido e uma assunção da qualidade de arguido. III - A constituição de arguido a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, só pode significar a identificada no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de quebra, grave, da unidade do sistema jurídico.» Assim, compulsados os autos verifica-se que EE foi notificada da acusação particular por carta registada com aviso de receção, enviada para Rue ..., 26ª, 2017 ..., Suiça (fls. 159), encontrando-se o aviso de receção assinado com a data de 07-03-2023. Sucede que, a notificação no estrangeiro tem de passar, necessariamente, pela expedição de uma carta rogatória com o acionamento dos mecanismos de cooperação judiciária internacional, o que não foi feito no presente caso. Como nos ensina o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-06-2021[2]: «Da prestação de TIR resultam diversas consequências, nomeadamente, a possibilidade de o arguido ser notificado para os subsequentes actos processuais por via postal simples, nos termos previstos no art. 113º, nº 1, al. c), do CPP. Contudo, o regime processual da notificação simples constante do citado art. 113º do CPP pressupõe o cumprimento, pelo distribuidor do serviço postal, de formalismos cuja observância contende com a validade da notificação. Assim, por força do previsto nos nºs 3 e 4 daquele art. 113º, ocorrendo a notificação postal simples em território português, o distribuidor do serviço postal está obrigado a depositar a carta na caixa de correio do notificando e a lavrar uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, e a enviá-la de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. Revelando-se impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, deverá lavrar nota do incidente, apor-lhe a data e enviá-la de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. A observância destas formalidades não é expectável quando a notificação ocorra noutro país, por não haver uma obrigação de conhecimento e cumprimento das correspondentes disposições da lei portuguesa. Estas observações valem, mutatis mutantis, para a notificação por via postal registada, também ela a exigir a observância de formalidades previstas na lei portuguesa.» Em face do exposto, não correndo nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição dos factos imputados a EE, entende-se que o prazo de prescrição ocorreu em 10-09-2023. Por fim, DD foi notificada da acusação particular através de carta rogatória, prestando termo de identidade e residência, no entanto, tal notificação ocorreu em 19-05-2024 (fls. 232). Ora, também relativamente à factualidade imputada a DD, constata-se que o prazo de prescrição já se mostrava ultrapassado aquando da sua notificação, pois também ocorreu em 10-09-2023. Em face do exposto, declaro a prescrição do presente procedimento criminal relativamente aos factos imputados a DD e EE, consequentemente, sejam os presentes autos arquivados nesta parte. Mais ordeno o prosseguimento dos autos relativamente aos factos imputados a CC. Notifique. Dê conhecimento à Juiz Presidente da Comarca do despacho em causa». 2. O RECURSO Inconformado com o dito despacho, os assistentes BB e AA recorreram do mesmo, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I. «Vem o presente recurso interposto do despachoproferido nos autos, datado de 03/10/2024, somente na parte em que declarou a prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos imputados a DD e a EE e, consequentemente, ordenou o arquivamento dos autos nesta parte. II. Meritíssimos Juízes Desembargadores, os recorrentes discordam do despacho ora recorrido na parte referida, pois, mui respeitosamente, consideram que foi feita uma incorreta aplicação do direito vigente aos factos e, por conseguinte, não deveria ter sido declarada a prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos imputados àquelas duas arguidas, DD e EE, pelo que devem os autos prosseguir os seus ulteriores termos até final contra estas. III. Salvo o devido respeito, o desfecho da presente lide merecia um entendimento diverso nesta parte. IV. Entendeu o tribunal aquo que“(…)Assim, compulsados os autos verifica- se que EE foi notificada da acusação particular por carta registada com aviso de receção, enviada para Rue ..., 26ª, 2017 ..., Suiça (fls. 159), encontrando-se o aviso de receção assinado com a data de 07-03-2023. Sucede que, a notificação no estrangeiro tem de passar, necessariamente, pela expedição de uma carta rogatória com o acionamento dos mecanismos de cooperação judiciária internacional, o que não foi feito no presente caso. (…) Em face do exposto, não correndo nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição dos factos imputados a EE, entende-se que o prazo de prescrição ocorreu em 10-09-2023. Por fim, DD foi notificada da acusação particular através de carta rogatória, prestando termo de identidade e residência, no entanto, tal notificação ocorreu em 19-05-2024 (fls. 232). Ora, também relativamente à factualidade imputada a DD, constata-se que o prazo de prescrição já se mostrava ultrapassado aquando da sua notificação, pois também ocorreu em 10-09- 2023. Em face do exposto, declaro a prescrição do presente procedimento criminal relativamente aos factos imputados a DD e EE, consequentemente, sejam os presentes autos arquivados nesta parte. Mais ordeno o prosseguimento dos autos relativamente aos factos imputados a CC.” V. Os recorrentes não podem concordar com o assim decidido uma vez que, salvo o devido respeito, o presente procedimento criminal relativamente aos factos imputados às arguidas DD e EE não se encontra prescrito. VI. Em 07/03/2023, foi a arguida EE notificada da acusação particular contra si deduzida, tendo assinado, por mão própria, o aviso de recepção correspondente (cf. referência eletrónica Citius n.º ...84) e, relativamente à arguida DD, as cartas para notificação da acusação particular vieram, sucessivamente, devolvidas, pelo motivo de não reclamadas. VII. No dia 24/05/2023 foi proferido despacho pelo tribunal a quo, o qual recebeu a acusação particular deduzida contra as três arguidas, ordenou a notificação das arguidas para apresentarem a competente contestação, nomeou-lhes defensor, admitiu liminarmente o pedido de indemnização formulado pelos ora recorrentes e mais ordenou, relativamente às arguidas DD e EE, o seguinte: “Com cópia deste despacho, oficie ao OPC competente na área de residência das arguidas DD e EE solicitando que informe se é conhecido o seu paradeiro na sua área de competência e, em caso afirmativo, proceda à notificação pessoal das arguidas e à sua submissão a Termo de Identidade e Residência, cumprindo, nesse momento, as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 6 do art. 58.º do Código de Processo Penal. Para o caso de as arguidas não se encontrarem em território português aquando da tentativa de notificação e sujeição a TIR, deverá o OPC averiguar se e quando as mesmas pretendem deslocar-se a Portugal, disso dando conhecimento aos autos. No mais, para assegurar a célere tramitação dos autos, desde já determino a remessa de carta regista com aviso de receção às arguidas, notificando as mesmas para indicarem se e quando pretendem deslocar-se a Portugal, a fim de prestarem TIR.” VIII. Após ter sido dado conta, pelo OPC, que aquelas DD e EE não previam o regresso a Portugal para aquele fim, foi pelo Ministério Público promovido, em 20/06/2023, que se procedesse à notificação das arguidas nas moradas que lhe são conhecidas na Suíça, por carta registada com A/R e indicação em mão própria, o que foi ordenado pelo tribunal a quo. IX. Ora, em 08/07/2023, a arguida EE assinou, por mão própria, o aviso de recepção da notificação para contestar (cf. referência eletrónica Citius n.º ...11) e, em 31/07/2023, apresentou nos autos a sua contestação e rol de testemunhas e constituiu mandatário (cf. referência eletrónica Citius n.º ...94), contestação essaquefoi admitidaatravés dedespacho proferido pelo tribunal a quo e datado de 18/10/2023. X. A cartaparanotificação daarguidaCláudiacontinuou avirdevolvida, pelo mesmo motivo supra identificado, razão pela qual foi determinada a notificação da arguida por carta rogatória dirigida às autoridades helvéticas, por referência à morada que lhe é conhecida na Suíça e, considerando o período deférias deNatal que se aproximava, foi ordenado que se solicitasse ao OPC que averiguasse se a mesma iria deslocar-se a Portugal e, na afirmativa, procedesse à sua notificação pessoal, sujeitando- a a TIR, através de despacho datado de 26/10/2023, após promoção do Ministério Público nestes exatos termos. XI. Ora, em face da inerente demora provocada pela necessidade de proceder à tradução dos documentos constantes da carta rogatória, pelo ofício nesse sentido às autoridades suíças, pelo cumprimento por estas da dita carta e pela devolução da mesma cumprida ao tribunal a quo, constata-se que a arguida DD foi notificada da acusação particular e prestou TIR, através de carta rogatória, em 19/05/2024. XII. Sucede que, foram agora os assistentes confrontados com o despacho recorrido, o qual vem, em suma, entender que o prazo de prescrição do procedimento criminal ocorreu em 10/09/2023 para ambas as arguidas, pelo que ordenou o arquivamento dos autos nesta parte. XIII. Os recorrentes, como se disse, não podem concordar com o assim decidido, visto que, salvo melhor opinião, o prazo de prescrição em causa sofreu causas de interrupção. XIV. Relativamente à arguida EE, a mesma foi notificada da acusação em 07/03/2023, como vimos, momento em que a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal se interrompeu. Para além disso, a arguida EE, notificada para tal, contestou a acusação particular contra si deduzida e constituiu mandatário em 31/07/2023, logo, assumiu a qualidade de arguida e defendeu-se contra os factos que lhe vinham imputados nestes autos, terminando pedindo a sua absolvição do crime de que vinha acusada, bem como do pedido de indemnização civil contra si formulado, tendo sido tal contestação admitida, por legal e tempestiva. XV. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se diga, agora, que os meios de notificação utilizados – carta registada com aviso de recepção – não foram os adequados. XVI. É certo que a notificação a realizar no estrangeiro é efetuada através da expedição de carta rogatória. XVII. Contudo, não pode ser olvidado, em primeiro lugar, que as pessoas a notificar, as supra mencionadas arguidas, são cidadãs portuguesas, com pleno domínio da língua portuguesa, escrita e falada, não obstante residirem, atualmente, no estrangeiro. Ou seja, no momento do recebimento, a arguida EE tomou perfeito conhecimento do teor das notificações recebidas, isto é, tomou pleno conhecimento legal e factual de que contra si tinha sido deduzida uma acusação particular e formulado pedido de indemnização civil, tanto que, na qualidade de arguida, conforme assim se assumiu nos autos, apresentou contestação e constituiu mandatário para a representar. XVIII. Em segundo lugar, o facto de o tribunal a quo ter procedido à notificação da acusação particular às arguidas, residentes no estrangeiro, através de carta registada com aviso de recepção e não através de carta rogatória, não constitui, salvo o devido respeito, qualquer causa de nulidade, nem insanável e nem dependente de arguição, pois não consta do elenco previsto nos artigos 119.º e 120.º do CPP. No limite, o que não se aceita e por mera hipótese académica se hipotiza, poderá tal constituir mera irregularidade, nos termos do artigo 123.º do CPP, o que só determinaria a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. XIX. Todavia, há vários sinais nos autos de que a arguida EE foi notificada da acusação particular contra si deduzida e, perante o modo de notificação utilizado, nada questionou, não vindo invocar qualquer irregularidade. Pelo contrário,aarguida EE assumiu quepossuíaaqualidadedearguida nestes autos einclusivamente apresentou contestação erol detestemunhas, tendo constituído mandatário. XX. Logo, a arguida EE aceitou como boa a notificação que lhe foi efetuada e as consequências que da mesma advinham (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo n.º 286/18.4IDSTB-A.E1, datado de 25-05-2023, disponível para consulta em www.dgsi.pt). XXI. Em face do exposto, dúvidas não restam de que deve ser havida como boa e perfeita a notificação da acusação particular que foi efetuada à arguida EE em 07/03/2023, o que interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal e, por isso, o processo deve prosseguir relativamente aos factos que lhe vêm imputados, com as legais consequências. XXII. Relativamente à arguida DD, como supra vimos, a mesma não recepcionou nenhuma das cartas remetidas pelo tribunal a quo porque assim não quis, atentos os motivos de devolução constantes das mesmas: não reclamado. A arguida DD, assim como a arguida EE, é cidadão portuguesa, fala, escreve e compreende perfeitamente a língua portuguesa, e sabia que as notificações lhe estavam a ser remetidas pelo tribunal a quo. XXIII. Mostrando-se impossível notificar a arguida por tal via, o tribunal a quo decidiu proceder à expedição de carta rogatória, com as demoras inerentes que a mesma acarreta, quando deveria ter lançado mão do instituto da contumácia, de forma a evitar prejudicar os aqui recorrentes. XXIV. E, ademais, o tribunal a quo não notificou os aqui recorrentes das sucessivas dificuldades na notificação desta arguida, nem teria que o fazer, é certo, pois os modos e os termos em que as notificações se realizam são por ele determinadas. XXV. Em face do exposto e também relativamente à arguida DD, não se pode considerar que o procedimento criminal se encontra prescrito, pois esta foi, igualmente, notificada da acusação particular contra si formulada em tempo, tendo existido, portanto, uma causa de interrupção da prescrição. XXVI. Por conseguinte, devem os autos prosseguir os seus ulteriores termos relativamente aos factos queforam também imputados às arguidas DD e EE, devendo ser revogada a decisão de declaração de prescrição constante do despacho recorrido. XXVII. O despacho proferido pelo Tribunal a quo mostra-se, assim, violador, naquela parte em que declarou a prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos imputados a DD e a EE e, consequentemente, ordenou o arquivamento dos autos nesta parte, pelo menos, dos artigos 118.º a 121.º do CPP, devendo, por isso, ser naquela parte revogado, nos termos supra expostos, devendo ser substituído por outro que declare que o procedimento criminal não se encontra prescrito relativamente aos factos imputados a DD e a EE e, consequentemente, que ordene o prosseguimento dos autos quanto às mesmas, tudo com as legais consequências. Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, deve o despacho recorrido ser naquela parte revogado, nos termos supra expostos, devendo ser substituído por outro que declare que o procedimento criminal não se encontra prescrito relativamente aos factos imputados a DD e a EE e, consequentemente, que ordene o prosseguimento dos autos quanto às mesmas, seguindo-se os termos subsequentes, tudo com as legais consequências». 3. A arguida EE e o Ministério Público responderam a este recurso, pugnando pela sua improcedência. 4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se neles, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso. 5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113]. Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso. Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões. Desta forma, diremos que o recurso abrange apenas matéria de DIREITO. Assim sendo, são apenas estas as questões a decidir por este Tribunal: · O procedimento criminal movido à arguida DD encontra-se PRESCRITO? · O procedimento criminal movido à arguida EE encontra-se PRESCRITO? 2. APRECIAÇÃO DO RECURSO 2.1. São estes os factos processuais relevantes para a decisão deste recurso: · Foi deduzida acusação particular pelos dois assistentes recorrentes contra as arguidas CC, DD e EE, imputando-lhes a co-autoria material de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, doravante CP. · O MP não acompanhou tal acusação particular, por despacho datado de 24.2.2023, tendo consignado o seguinte quantio a notificações: «Notifique, enviando cópia da acusação particular e do presente despacho às arguidas e ilustres defensores oficiosos (vd. art. 277.º, n.º 3 aplicável ex vi art. 283.º, n.º 5 e 285.º, n.º 3 do C.P.Penal), sendo as arguidas DD e EE notificadas por carta registada com A/R (na morada da Suíça)». · Por despacho judicial datado de 24.5.2023, foi recebida tal acusação particular, ordenando-se o seguinte quanto a notificações: o «Com cópia deste despacho, oficie ao OPC competente na área de residência das arguidas DD e EE solicitando que informe se é conhecido o seu paradeiro na sua área de competência e, em caso afirmativo, proceda à notificação pessoal das arguidas e à sua submissão a Termo de Identidade e Residência, cumprindo, nesse momento, as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 6 do art. 58.º do Código de Processo Penal. o Para o caso de as arguidas não se encontrarem em território português aquando da tentativa de notificação e sujeição a TIR, deverá o OPC averiguar se e quando as mesmas pretendem deslocar-se a Portugal, disso dando conhecimento aos autos. o No mais, para assegurar a célere tramitação dos autos, desde já determino a remessa de carta regista com aviso de receção às arguidas, notificando as mesmas para indicarem se e quando pretendem deslocar-se a Portugal, a fim de prestarem TIR». · A arguida EE veio a ser notificada na morada da Suíça, com aviso de recepção assinado em 7.3.2023 (cfr. fls 159). · A arguida DD veio a ser notificada desta acusação particular em 19.5.2024, na sequência de carta rogatória enviada para as autoridades da Suíça (cfr. fls 231). · A arguida EE veio a contestar esta acusação e o requerido pedido de indeminização civil, por impugnação e por ausência de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, apresentando ainda rol de testemunhas, fazendo-o em 31.7.2023, tendo ainda constituído mandatário forense. · Os factos narrados na acusação particular remontam a 10.9.2021. · A 3ª arguida CC foi constituída como arguida nos autos em 11.7.2022 – cfr. fls 82 -, foi notificada da acusação particular em 28.2.2023 – cfr. depósito de fls 154 - e contra ela prosseguem estes autos. · As duas arguidas DD e EE apenas foram constituídas como arguidas por força da dedução da acusação particular (cfr. artigo 57º, nº 1 do CPP e despacho do MP datado de 24.2.2023). 2.2. Entremos então no âmago da discussão. O crime em apreço (difamação – artigo 180º CP) tem a moldura penal abstracta de prisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias. O prazo da prescrição do procedimento criminal é de 2 anos [artigo 118º, nº 1, alínea d) do CP], correndo tal prazo desde o dia em que o facto se consumou (no caso, em 10 de Setembro de 2021, data da difamação imputada segundo a acusação particular) – cfr. artigo 119º, nº 1 do mesmo diploma. Portanto, à partida, o procedimento criminal prescreveria no dia 10 de Setembro de 2023. Ninguém duvida que a prescrição do procedimento criminal expressa a renúncia por parte do Estado ao seu direito de punir, recusa esta estribada no decurso de certo período temporal. Tal significa que, decorrido certo tempo após a prática de um facto ilícito-típico, deixa de ser possível o procedimento criminal, radicando a sua razão de ser deste instituto na impossibilidade de se cumprirem os fins das penas, nomeadamente na desnecessidade da prevenção geral e especial, relacionada com o esquecimento do facto criminoso por efeito do lapso de tempo entretanto decorrido. Como nos ensina Jorge de Figueiredo Dias «quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização e de segurança” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699). O balizamento da perseguição do facto criminoso, por efeitos da prescrição, funda-se, ainda, no reconhecimento de que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais problemáticos a investigação e o consequente apuramento da verdade material. Não obstante os fundamentos da prescrição do procedimento criminal, a verdade é que na regulação do instituto da prescrição, não se foi insensível ao poder/dever punitivo do Estado, ao ponto de mediante a verificação de determinados circunstancialismos, se mostrar travado o decurso do prazo de prescrição. Na linha do sentenciado pelo Acórdão da Relação do Porto de 12/5/2021 (Pº 327/05.5PGMTS-A.P1): «O instituto da prescrição serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância dos crimes e das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada. E, por isso, a prescrição é “uma autolimitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado- Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido). 2.3. Neste ponto radica a razão de ser dos institutos da interrupção e da suspensão do procedimento criminal. A lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal (cfr. artigos 120º e 121º do CP). De facto, na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deverá atender-se aos factos que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição, sendo que enquanto a interrupção da prescrição inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo por inteiro, na suspensão da prescrição o prazo decorrido não se inutiliza, voltando a correr a partir do dia em que cessa a causa a suspensão (cfr. artigos 120º, nº 3 e 121º, nº 2, ambos do CP). Os mecanismos de suspensão e interrupção dos períodos de prescrição justificam-se, de acordo com a lei, pela necessidade de conter ou atrasar o benefício do arguido por via do decurso destes períodos quando o jus puniendi do Estado já foi formalizado ou quando não existam meios (jurídicos) possíveis para prosseguir com o julgamento. Será que existem, in casu, causas de suspensão ou interrupção de tal prazo? Nos autos, temos os seguintes actos plausíveis de constituírem causas de interrupção ou suspensão desse prazo: a constituição de arguido [facto interruptivo – artigo 121º, nº 1, alínea a) do CP)] e a notificação de uma acusação (facto interruptivo e suspensivo, nos termos dos artigos 120º, nºs 1, alínea b) e 2 e 121º, nº 1 b) do CP]. Teremos ainda de trazer à colação o preceituado na lei penal quanto ao prazo máximo de prescrição do procedimento criminal que corresponde ao prazo normal da prescrição acrescido de metade desse prazo – aqui fala-se do prazo em que, desde o seu início, independentemente das causas de interrupção da prescrição, mas ressalvando o tempo de suspensão da prescrição, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar (cfr. artigo 121º, nº 3 do CP). E chegou o legislador a este prazo atento o efeito sucessivo das várias causas de interrupção da prescrição, tendo na sua génese o reconhecimento de que o decurso de um lapso temporal muito elevado atenua fortemente a necessidade de imposição de uma pena e potencia a ocorrência de um erro judiciário. Mas antes de chegarmos a este prazo máximo, torna-se sempre imperativo verificar se nas contas quanto ao prazo normal se atingiria uma data aquém desse prazo máximo, situação em que releva sempre esse prazo normal e não o prazo máximo que só funcionará, pois, quando o prazo normal fique para além desse prazo máximo. 2.4. Estamos a falar apenas da situação das duas arguidas DD e EE. Quanto à questão da constituição como arguidas, seguimos a tese veiculada no aresto desta Relação datado de 29.6.2021 (Pº 620/12.0TACBR.C1): «I - A dedução da acusação não conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”. Não existe neste caso uma constituição formal de arguido, nos termos mencionados no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. II - Temos, pois, duas situações distintas: uma constituição de arguido e uma assunção da qualidade de arguido. III - A constituição de arguido a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, só pode significar a identificada no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de quebra, grave, da unidade do sistema jurídico». Ora, nos autos, foi isso que se passou com as duas ditas arguidas, ao contrário da 3ª arguida FF. Ou seja, esta constituição atípica como arguidas não tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo de prescrição. Resta-nos a questão da notificação da acusação particular. 2.5. Foi ordenado pelo MP e pelo Juiz do processo a notificação da acusação particular a estas duas arguidas mediante carta registada com aviso de recepção (nada se referindo quanto a cartas rogatórias). Quanto à EE, ela logrou ser consumada em 7.3.2023. Quanto à DD, após devolução das cartas registadas «sem cumprimento», foi decidido em 26.10.2023 enviar carta rogatória à Suíça, consumando-se a notificação em 19.5.2024. Quanto à arguida DD, não nos restam dúvidas sobre a decisão de efectiva prescrição do procedimento criminal, pois ela só veio a ser notificada da acusação em data posterior a 11.9.2023 (é irrelevante saber o que motivou a não recepção das cartas registadas antes para si enviadas, apenas relevando que, de facto e de direito, não foi ela notificada do único facto capaz, na teoria, de interromper e suspender este prazo de prescrição, não se podendo concordar com o explanado nas Conclusões XXII a XXV[3]). Ou seja, está, de facto, PRESCRITO o procedimento criminal movido à arguida DD, o que aconteceu em 10.9.2023, não merecendo aqui qualquer censura o despacho recorrido. E quanto à arguida EE? Vejamos. Ela foi, note-se, em obediência a despachos exarados nos autos, notificada da acusação particular em 7.3.2023. Assinou o aviso de recepção da carta registada enviada para uma morada na Suíça. Tomou ela conhecimento do teor dessa acusação particular, de tal forma que veio até a contestar a mesma, arrolando testemunhas, impugnando a matéria civil e criminal, e constituindo mandatário forense. Mas a verdade é que esta notificação por carta registada com AR não seria a perfeita para este efeito. Também nós concordamos que (cfr. ac. do TRG de 3-03-2014 proferido no proc. nº 23/12.7TAVCT.G1): «I. Não é viável a notificação do arguido por via postal simples em morada situada no estrangeiro, ainda que constante do TIR, porque tal forma de notificação implica que se observem os procedimentos previstos no nº 3 do art. 113 do CPP, nomeadamente que o distribuidor do serviço postal lavre uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. II. Igualmente não é bastante o envio de uma vulgar carta registada com aviso de receção, pois o aviso tem de indicar os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, ou não ser encontrado. O meio idóneo para proceder à notificação neste caso, é a carta rogatória[4]». Note-se que foi esse o procedimento seguido quanto à arguida DD por terem sido sucessivamente devolvidas as cartas registadas enviadas para sua morada na Suíça. Mas aqui chegados, perguntamos – para efeitos da prescrição, não poderá esta notificação feita em 7.3.2023 servir para interromper e suspender o prazo de dois anos? Seguimos a tese (cfr. aresto da Relação de Évora, datado de 25.5.2023 – Pº 268/18.4IDSTB-A.E1) que advoga que: «(…) tendo-se procedido à notificação da acusação ao arguido AA, por via postal, sendo que se trata de pessoa residente no estrangeiro onde os serviços postais não podem garantir as formalidades legais consignadas na lei portuguesa, podem suscitar-se dúvidas sobre se foi praticado um ato processual respeitando as exigências expressas nos normativos combinados dos artigos 113º, nº 1, alíneas b) e c) e 283º, nº 6 do CPPenal. E, nessa senda, a existir mácula, impõe-se que se qualifique juridicamente este quadro, para num segundo momento, uma vez que foi detetado, determinar os seus efeitos. Olhando o CPPenal, nomeadamente no que concerne a todo o composto normativo que trata e regula a matéria de nulidades, crê-se que todo o sucedido, não tem acolhimento nos dispositivos que encerram os artigos 119º - nulidades insanáveis – e 120º - nulidades dependentes de arguição. Na realidade, parece óbvio que da simples leitura do artigo 119º logo se extrai que a notificação da acusação a um arguido residente no estrangeiro por via de carta registada com aviso de receção não integra qualquer uma das nulidades ali expressamente previstas, sendo que percorrendo todo o CPPenal, não se vislumbra um qualquer inciso que o comine com o vício da nulidade insanável. De outra banda, ao que se pensa, um retrato como o que aqui se esquadrinha, também não tem acolhimento no leque das nulidades relativas ou dependentes de arguição a que alude o art.º 120º do CPPenal. E, neste desiderato, resta olhar ao quadro das irregularidades, cabendo assim, num primeiro e imediato momento sopesar se, na verdade se está, como entendeu o tribunal recorrido, perante uma irregularidade com previsão no nº 2 do artigo 123º do CPPenal, ou antes na presença da acantonada no seu nº 1, a qual imporia que tivesse de ser arguida pelos interessados no prazo de 3 dias, não sendo de conhecimento oficioso, e não o tendo sido, estaria irremediavelmente sanada. (…) Salvo mais apurada opinião, entende-se que a existir alguma mancha processual ela cabe, efetivamente, neste último patamar – irregularidade de conhecimento oficioso. Com efeito, estando em causa uma situação passível de afetar / diminuir o espaço de garantia de direitos fundamentais, como seja o reagir atempada e prontamente a uma acusação e, nessa medida, esta ter que chegar devidamente ao seu destinatário, crê-se que se trata de situação em que o julgador deve intervir oficiosamente por não ter havido arguição tempestiva. Alinhe-se, então, a ponderação considerando o entendimento de que se perfila a previsão do artigo 123º, nº 2 do complexo normativo em referência, ou seja, que se mostra desenhado, o vício da irregularidade tal como foi entendido pelo tribunal recorrido». Se fossemos pela irregularidade do nº 1 do artigo 123º do CP, ela estaria sanada pois a arguida em causa nada veio invocar no prazo aí prescrito, tendo-se como bem notificada. No caso do nº 2 (a nossa tese), o conhecimento da irregularidade é oficioso, fazendo-se a todo o tempo, desde que não se encontre sanada[5]. Acontece que, no caso vertente, ao contrário de muitos dos arestos que consultámos, a questão a resolver não se prende com a reparação de uma irregularidade processual cometida[6], mas apenas com a decisão de saber se aquela notificação, imperfeita, tem suficiente virtualidade para fazer interromper e suspender um prazo de prescrição. A nossa situação é muito paralela à situação plasmada no aresto de Évora já aqui mencionado (Pº 286/18.4IDSTB-A.E1). Aí se deixou escrito com toda a pertinência: «Todavia, cotejando todos os dados coligidos e presentes em intento recursivo – segundo segmento de apreciação -, tal como o propugnado pelo Digno Mº Pº, parece demonstrar-se com clareza que o arguido em causa foi na verdade notificado da acusação contra si deduzida, o que aliás, acaba por ser reconhecido pelo tribunal de 1ª instância quando afirma A notificação da acusação pública foi expedida para a morada 63, ... ... – ... (cf. fls. 1054) (…) consta o print do site da internet da página oficial dos CTT, cuja pesquisa do objeto a que respeita a aludida missiva tem como resultado que foi entregue (cf. fls. 1079) Não foi devolvido o aviso de receção. Na verdade, desponta de fls. 9 um requerimento que usando a menção à referência ...56 e ao processo aqui em causa, coincidindo assim com o ofício de notificação da acusação remetido, se dirige ao Procurador informando que a pessoa em causa se encontra fora do país pois foi obrigado a imigrar (…) com bastantes dificuldades (…) peço para pagar a prestações. Acresce que de fls. 16 resulta que tal requerimento chegou ao processo em sobrescrito enviado por AA, sendo que em fácil observação de ambos – requerimento e sobrescrito -, a caligrafia aposta nos mesmos é coincidente. Releva ainda, neste conspecto, o documento constante de fls. 17 relativo à carta registada remetida ao arguido, onde consta a indicação ..., Entregue a: AA. Ora, ante estes dados, parece claro que o arguido foi na verdade notificado da acusação contra si deduzida e, perante a fórmula utilizada não a questionou, antes veio solicitar a possibilidade de pagar em prestações o valor devido. Este retrato, pensa-se, conduz à ideia que a ter havido irregularidade, apesar de o tribunal recorrido a ter conhecido oficiosamente, ela se mostra sanada. O arguido aceitou como boa a notificação havida». Voltemos ao nosso caso. O recurso argumenta assim: «Relativamente à arguida EE, a mesma foi notificada da acusação em 07/03/2023, como vimos, momento em que a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal se interrompeu. Para além disso, a arguida EE, notificada para tal, contestou a acusação particular contra si deduzida e constituiu mandatário em 31/07/2023, logo, assumiu a qualidade de arguida e defendeu-se contra os factos que lhe vinham imputados nestes autos, terminando pedindo a sua absolvição do crime de que vinha acusada, bem como do pedido de indemnização civil contra si formulado, tendo sido tal contestação admitida, por legal e tempestiva. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se diga, agora, que os meios de notificação utilizados – carta registada com aviso de recepção – não foram os adequados. É certo que a notificação a realizar no estrangeiro é efetuada através da expedição de carta rogatória. Contudo, não pode ser olvidado, em primeiro lugar, que as pessoas a notificar, as supra mencionadas arguidas, são cidadãs portuguesas, com pleno domínio da língua portuguesa, escrita e falada, não obstante residirem, atualmente, no estrangeiro. Ou seja, no momento do recebimento, a arguida EE tomou perfeito conhecimento do teor das notificações recebidas. Isto é, tomou pleno conhecimento legal e factual de que contra si tinha sido deduzida uma acusação particular e formulado pedido de indemnização civil. Tanto que, na qualidade de arguida, conforme assim se assumiu nos autos, apresentou contestação e constituiu mandatário para a representar. (…) Logo, a arguida EE aceitou como boa a notificação que lhe foi efetuada e as consequências que da mesma advinham. (…) Em face do exposto, dúvidas não restam de que deve ser havida como boa e perfeita a notificação da acusação particular que foi efetuada à arguida EE em 07/03/2023, o que interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal e, por isso, o processo deve prosseguir relativamente aos factos que lhe vêm imputados, com as legais consequências». Validamos estas considerações apenas quanto à arguida EE pois, já vimos, não podemos, de todo, considerar notificada a co-arguida DD (esta não o foi imperfeitamente, simplesmente, NÃO O FOI!) – note-se que esta é a única das 3 que não contesta sequer a acusação particular. De facto, a arguida EE percebeu muito bem o que lhe aconteceu, leu perfeitamente a acusação e o PIC contra si deduzido, tendo apresentado completa contestação relativamente às duas vertentes do processo (criminal e civil), só podendo concluir-se que a própria arguida aceitou como boa esta notificação, retirando-lhe as devidas consequências (não alegando qualquer irregularidade, antes impulsionando os autos com uma contestação). Qualquer irregularidade aqui acontecida, está sanada pelo próprio devir da fisionomia dos autos. Por isso, em consciência, e para efeitos deste instituto da prescrição, iríamos entender como sanada a irregularidade cometida na notificação da arguida EE relativamente à acusação particular Em circunstâncias normais, iria considerar-se assim relevante o acto suspensivo e interruptivo do prazo de 2 anos da prescrição do procedimento criminal NA notificação desta arguida tal como foi feita em 7.3.2023 e, nessa linha, mercê da suspensão e interrupção operada, o prazo de prescrição do procedimento criminal movido a EE não teria sido ainda atingido[7] [cfr. artigos 120º, nº 1, alínea b) e 2 e 121º, nº 1, alínea b) do CP]. * Surge, CONTUDO, um escolho no nosso caminho.Apesar de a consideramos notificada, a verdade é que tal notificação é de uma acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público (cfr. despacho do MP de fls 152-153). E, como bem refere o Exmº PGA no seu douto parecer exarado nestes autos, «como vem sendo entendido, uma acusação particular, sem o acompanhamento do Ministério Público, e a respetiva notificação, como foi o caso, não tem a virtualidade de suspender nem de interromper o decurso do prazo prescricional, um vez que o Estado, através do Ministério Público enquanto titular da ação penal, é sempre o detentor do jus puniendi, não se transferindo esse direito para o ofendido, para a sua esfera jurídica subjetiva, embora o mesmo possa ser exercido através dos Tribunais, solução esta já julgada não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 445/2012». A esta conclusão chegaram, entre muitos arestos, os Acórdãos da Relação de Lisboa e de Guimarães, datados, respectivamente, de 6.2.2009 e de 12.10.2022 (Pºs 2748/05.4TASNT.L1-3[8] e 157/15.6GDGMR.G2[9]), alicerçados em doutrinadores como Paulo Pinto de Albuquerque, citado no parecer do MP nesta Relação, tese a que aderimos com facilidade. Como bem se expressa um desses arestos: «Vejamos o que dispõem as normas do Cód. Penal em causa (na parte atinente): Art. 120º - Suspensão da prescrição “1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…) b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos. (…) 6 – A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”. Art. 121º - Interrupção da prescrição “1 – A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: (…) b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; 2 – Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 – Sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 118º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. (…).”. Na sua alegação do entendimento jurisprudencial assente, o recorrente invoca o já referido Acórdão do Tribunal Constitucional (nº 445/2012). Na pesquisa que efetuámos, além do Acórdão objecto de recurso para o TC, lográmos encontrar um outro que subscreve tal tese (do TRE de 05/02/2019, no proc. 727/15.2T9TNV.E1) e uma decisão sumária (do TRL de 06/02/2009, no proc. 2748/05.4TASNT-3) (ambos disponíveis nas bases de dados da DGSI), com fundamento em que a notificação de acusação particular não acompanhada pelo MP ““não traduz a vontade do “Estado, como intérprete das exigências comunitárias”, de “efectivar, no caso, o seu jus puniendi””. Ainda no mesmo sentido, a Tese de Mestrado em Direito de Pedro Filipe Gama da Silva (“A prescrição como causa de extinção da responsabilidade criminal – Um estudo de direito penal português”, Universidade Coimbra, 2015), que apenas menciona “Se classicamente a interrupção está ligada à prática de actos judiciais, a actos de um juiz, com o assumir do Ministério Público como titular do inquérito, impôs-se atribuir esse efeito a actos levados a cabo pelo Ministério Público. Esses poderes, porém, não podem ser exercidos pelos particulares, o que significa que, por exemplo, uma acusação particular, no âmbito dos crimes particulares em sentido estrito, se não for acompanhada pelo Ministério Público não interrompe (nem suspende) a prescrição.” – fls. 104, na qual se refere, em nota de rodapé, que Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, não distingue a acusação pública da particular. Já o citado Acórdão do TC, decidiu “não julgar inconstitucional a norma dos artigos 120°, n° 1, alínea b) e 121°, n° 1, alínea b), ambos do Código Penal (CP), na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal não se suspende, nem interrompe com a notificação da acusação particular, se esta não for acompanhada pelo Ministério Público”. Disserta-se nesse Acórdão que: “(…) a interrupção da prescrição do procedimento pressupõe que o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante atos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, manifeste claramente ao agente a intenção de efectivar, no caso, o seu ius puniendi (cf. Acórdão de fixação de jurisprudência de 16 de novembro de 2000, do Supremo Tribunal de Justiça, Diário da República, 1ª série, de 6 de dezembro de 2000). A questão que no presente processo se coloca é se constitucionalmente se impõe que o mesmo efeito que a lei atribui à acusação do Ministério Público, seja reconhecido, nos crimes particulares, à acusação do assistente, ainda que desacompanhada pelo Ministério público. (…) A realização do imperativo constitucional de permitir ao ofendido intervir no processo penal com vista à atuação do jus puniendi concretiza-se, principalmente, mediante a investidura na qualidade de sujeito processual, pela via da constituição como assistente (artigo 68.” do CPP). Á lei configura o assistente em processo penal como um colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua atuação no processo, salvas as exceções legalmente previstas (artigo 69°, nº 1, do CPP). (…). (…) a posição do assistente nunca poderia ser comparada, como sujeito processual, com a do Ministério Público. O Ministério Público é o órgão integrado na organização dos tribunais a que a Constituição comete o exercício da acção penal (artigo 219°, n° 1, da CRP). (…) (…) seja qual for a natureza do crime, seja este de natureza pública, semipública ou particular, o jus puniendi é sempre do Estado, não um direito subjectivo que integre a esfera jurídica do ofendido embora para ser exercido através dos tribunais. Deste modo, a circunstância de a lei atribuir ao Ministério Público especiais poderes processuais, ou de fazer decorrer efeitos substantivos de atos processuais do Ministério Público que não reconhece a atos de função processual idêntica quando praticados pelo assistente, não viola, por si mesma, o princípio da igualdade. O estatuto constitucional do Ministério Público no que à titularidade da acção penal respeita constitui suporte constitucional bastante para a diferente atribuição de efeitos jurídicos substantivos a atos processualmente idênticos.” E, mais adiante: “É certo que nos crimes particulares, apesar de conferir dignidade penal à ofensa a determinado bem jurídico, a lei não comete ao Ministério Publico a prossecução oficiosa da acção penal. Em último termo, nesse género de crimes, o papel conformador autónomo quanto à atuação do poder punitivo do Estado é atribuído ao ofendido, ou melhor, ao assistente. (…) No que toca à atuação pública do poder punitivo os seus momentos determinantes são fortemente condicionados por impulsos do ofendido. Efetivamente, se o assistente acusar, o Ministério Público poderá acusar ou não, mas só pode acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não impuserem alteração substancial daqueles (artigo 285º, nº 4, do CPP). Deste modo, neste género de crimes, a pretensão de fazer corresponder uma sanção penal à prática de certos factos típicos é substancialmente protagonizada pelo assistente. Todavia, o processo penal não se converte, por isso, num mero processo de interesse privatístico. Mesmo com os poderes de promoção do procedimento condicionados pela atuacão do ofendido, é ao Ministério Público que, constitucionalmente, continua a caber a titularidade da acção penal orientada pelo princípio da legalidade. Independentemente de saber se a interpretação normativa em causa é a mais acertada, encontra-se nessa configuração constitucional e na natureza prevalentemente substantiva da prescrição, fundamentação material bastante para só atribuir afeito interruptivo ou suspensivo da prescrição, a mais dos que decorrem de atos jurisdicionais, à afirmação da vontade de perseguição penal que seja assumida, em nome do Estado, pelo Ministério Público.” A extensa transcrição realizada tem como desiderato fundamental a integral subscrição dos argumentos aí doutamente expendidos. Na verdade, ainda que o legislador não tenha produzido uma redacção inequívoca - definidora do tipo de acusação e em que circunstâncias - das causas susceptíveis de suspender e de interromper o decurso do prazo de prescrição – e podia e devia tê-lo feito, tanto mais que tais causas constam do Título subsequente ao que trata do direito de queixa e de acusação particular (Título IV do Livro I do C. Penal) -, tendo em conta a natureza essencialmente substantiva da prescrição, bem como o exclusivo atribuído constitucionalmente ao Ministério Púbico da titularidade da acção penal, a única conclusão a extrair é que, nos crimes dependentes de acusação particular, a acusação deduzida pelo assistente, se não acompanhada pelo Ministério Público, não tem a virtualidade de operar a suspensão e/ou interrupção da prescrição do procedimento criminal». Damos o nosso assentimento a esta tese. Como tal, não havendo causa válida suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo prescricional, também relativamente a EE o procedimento criminal se encontrará prescrito, validando-se a decisão final do despacho recorrido. 2.6. É isto o bastante para fazer improceder totalmente o recurso, embora não nos fazendo concordar totalmente com o despacho recorrido na sua integral fundamentação. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso intentado pelos assistentes BB e AA, mantendo todo o teor da decisão recorrida. Custas pelos assistentes [artigo 515º, nº 1, alínea b) do CPP], fixando em 4 UCs a taxa de justiça (tabela III anexa ao RCP). Coimbra, 11 de Junho de 2025 (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09) Relator: Paulo Guerra Adjunta: Sandra Ferreira Adjunta: Maria da Conceição Miranda [1] 1 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-06-2022, Processo n.º 620/12.0TACBR.C1, Relatora: Rosa Pinto, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/88da10588e3f310c802588860056ce79?OpenDocument (consultado em 01-10-2024); [2] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-06-2021, Processo n.º 343/15.9JALRA-A.C1, Relator: Jorge Jacob, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/8b8a4b6805b7b2d5802587070036315b?OpenDocument (consultado em 01-10-2024); [3] Como bem se aduz na resposta da arguida EE, «em relação à arguida DD consideram os assistentes que a mesma foi notificada da acusação, apesar de o não ter sido atenta a devolução das cartas», o que é um absurdo jurídico. [4] «Talvez por esse motivo, o tribunal optou por notificar o arguido do despacho que designou dia para a audiência através de carta registada com aviso de receção (fls 134 e 147). É uma forma de notificação que está expressamente prevista para o ato no art. 313 nº 3 do CPP (que remete para a alínea b) do art. 113 – notificação por via postal registada). Trata-se de uma forma de notificação que oferece ainda mais garantias do que a notificação por via postal simples, mas, também nela, a sua validade está dependente da observância de determinadas formalidades pelos funcionários dos serviços postais – v. nºs 6 e 7 do art. 113 do CPP. Não basta o envio duma vulgar carta de registada com aviso de receção. Nos termos daquelas normas, o aviso tem, nomeadamente, de indicar, com precisão, os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, não ser encontrado, etc» (in aresto em causa – repare-se que não aderimos à solução final defendida nesses autos, como a seguir demonstraremos). [5] Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 21.11.2013 (Pº 304/11.7PTPDL.L1-9): «I- A omissão da notificação do despacho de arquivamento/acusação ao mandatário do denunciante configura uma irregularidade (art. 118.º, n.º 2, do CPP), com reflexos no exercício de direitos do denunciante, afectando dessa forma a validade de todos os actos processuais posteriores. II- Tal irregularidade é de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 123.º do CPP, dado que não se mostra sanada». [6] Veja-se o exemplo do aresto desta Relação, invocado na decisão recorrida (o Pº 343/15.9JALRA-A.C1, datado de 30.6.2021) – aí decidiu-se que: «I – Residindo o arguido no estrangeiro e sendo a respectiva localização conhecida nos autos, a forma de assegurar a regularidade da notificação do despacho que designa dia para a audiência de discussão e julgamento quando por outro meio não tenha sido possível notificá-lo, passa necessariamente pela expedição de carta rogatória com accionamento dos mecanismos de cooperação judiciária internacional. II – Não tendo a notificação sido efectuada por essa forma, não estão reunidos os pressupostos para a declaração de contumácia do arguido». Neste caso, percebe-se a reparação de uma irregularidade (apesar de aí não se ter feito a classificação desta «deficiência» de notificação, ou como nulidade, sanável ou não sanável, ou como irregularidade) – antes da declaração de um arguido como contumaz, foi ordenado que se fizesse a notificação como deveria ter sido logo feita. Também no aresto da Relação de Évora, datado de 13.9.2022 (Pº 64/20.0PBEVR.E1), invocado expressamente na resposta do MP, a situação apenas se prendia com a questão de saber o que deveria fazer o juiz de julgamento quando constatasse que o arguido não estava devidamente notificado da acusação do MP. Aí decidiu-se que: «I. O Código de Processo Penal prevê que final do inquérito o Ministério Público notifique a sua decisão, de acusação ou de arquivamento, aos envolvidos (artigo 277.º, n.º 3, 283.º, n.º 5, 284.º e 285.º). II. O processo só prosseguirá para a fase seguinte – de julgamento – se “os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes” (283.º, n.º 5). II. Inexistindo notificação da acusação e sendo vício de conhecimento oficioso deve o Tribunal devolver os autos ao Ministério Público para cumprir a função que legalmente lhe compete, não os recebendo enquanto a notificação da acusação se não mostre devidamente efectuada e decorrido o prazo para requerer a instrução, sem prejuízo da efetiva ocorrência de situação enquadrável na segunda parte do n.º 5 do artigo 283.º do Código de Processo Penal». É verdade que se decidiu que o meio certo e correcto para esta notificação seria sempre a expedição de uma carta rogatória. Mas no caso, estava em discussão a forma de reparar ainda a tempo esta notificação imperfeita e sobretudo a questão de saber se poderia o juiz reenviar os autos ao MP para a perfectibilização da instância (ainda não havia sequer julgamento marcado, claro está, pois estávamos na fase do saneamento do artigo 311º do CPP). Decidiu-se (havendo outros arestos jurisprudências que defendem o contrário) que: «Não se dá qualquer ordem ao Ministério Público nem se afecta o princípio do acusatório. Apenas se determina que os autos não serão recebidos no tribunal enquanto a notificação da acusação se não mostre devidamente efectuada e decorrido o prazo para requerer a instrução, sem prejuízo da real ocorrência de situação a enquadrar na segunda parte do n. 5 do artigo 283º do Código de Processo Penal». [7] O prazo máximo atingir-se-ia em 10.3.2027 (2 anos, mais 3 anos e um ano) – artigo 121º, nº 3 do CP. Quanto ao prazo normal, atingir-se-ia mais cedo (em Setembro de 2026). [8] “A notificação ao arguido da acusação particular, quando esta não foi acompanhada pelo Ministério Público, não interrompe, nem suspende a contagem do prazo de prescrição porque essa notificação não traduz a vontade do «Estado, como intérprete das exigências comunitárias», de «efectivar, no caso, o seu jus puniendi»” [9] «A acusação particular deduzida pelo assistente e não acompanhada pelo MP é insuscetível de suspender ou de interromper o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto nos arts. 120º, nº 1, al. b) e 121º, nº 1, al. b), ambos do CP. 2 - O "jus puniendi" atribuído ao Estado não é extensível ao assistente nos crimes de natureza particular, quando o MP (titular da ação penal) não acompanhe a acusação deduzida por assistente». |