Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
649/13.1TXCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DOS DESPACHOS
LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
IRREGULARIDADE QUE AFECTA O VALOR DO ACTO
Data do Acordão: 10/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUÍZO DE EXECUÇÃO DAS PENAS - JUIZ 3
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: DECLARADA A IRREGULARIDADE DA DECISÃO RECORRIDA, POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, E DETERMINADA A PROLAÇÃO DE NOVA DECISÃO QUE OBSERVE O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO.
Legislação Nacional: ARTIGO 20.º, N.º 4, E 205.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 97.º E 123.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 76.º, N.º 2, 78.º, 79.º, 146.º, N.º 1, E 154.º DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário: I - Não estabelecendo a lei ordinária os requisitos da fundamentação relativamente aos despachos decisórios, o seu cumprimento deve ser aferido casuisticamente, considerando o enquadramento jurídico-legal da questão controvertida, mas, respeitando sempre o conteúdo mínimo imposto pela Constituição, deles deve constar a especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, por forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.

II - Visando tal despacho apreciar se o recluso reúne ou não as condições para lhe ser concedida a saída jurisdicional por si requerida, a fundamentação a que o mesmo deve obedecer não poderá deixar de especificar os motivos de facto e de direito da decisão, seja ela de deferimento ou de indeferimento da pretensão por ele almejada, ainda que esta especificação possa, e, até, deva ser, feita em termos sucintos.

III - As licenças de saída jurisdicional têm como finalidade a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais, bem como a preparação para a vida em liberdade e dependem da verificação de pressupostos de natureza objectiva e.de natureza subjetiva ou material.

IV - Atento o disposto nos artigos 76.º, 78.º e 79.º do CEPMPL, a avaliação da verificação dos requisitos formais e substanciais para a concessão das licenças de saída jurisdicionais depende dos elementos de facto constantes dos autos, que devem ser integrados na decisão, em obediência ao dever de fundamentação, de forma a perceber as razões que levaram à decisão de deferimento ou indeferimento.

V - Não cumpre o dever de fundamentação a afirmação de que o recluso não apresenta consolidação da sua consciência crítica quanto aos factos cometidos e que revela ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante, sem densificação das razões de facto de onde aquelas conclusões foram extraídas.

VI - Padece de irregularidade, que afecta o valor do acto, a decisão sobre o pedido de concessão de licença jurisdicional que não especifica nem aprecia os requisitos materiais previstos no 78.º do CEPMPL.

Decisão Texto Integral:

                Acordam, em conferência, na 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra

            I- RELATÓRIO

            1. No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de Licença de Saída Jurisdicional relativos ao condenado , nos quais, por decisão de 6 de dezembro de 2024, não foi concedida a requerida licença de saída jurisdicional ao mesmo.


*

            2. Inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação do recurso as seguintes conclusões (transcrição): 

            “1. Uma interpretação demasiadamente estrita do que se encontra previsto na lei, mais propriamente, no art.º 196.º, n.º 2 e 235.º , n.º 1 do CEPenas, pensando-se que em cumprimento estrito do princípio da legalidade, é, no nosso entendimento inconstitucional, por violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1 e 20.º da CRP;

                2. Convenhamos que ao interpretar-se que … não teria direito a recorrer de uma decisão que lhe foi altamente desfavorável, são, inclusivamente, descurados os seus direitos enquanto recluso, logo, violado o disposto no n.º 5 do art.º 32.º da CRP;

                3. Não nos podemos esquecer que estamos perante uma decisão que recai sobre o direito fundamental da liberdade, previsto no art.º 27.º da CRP (apesar de poder sofrer restrições, como sucede com a detenção, prisão preventiva e prisão efectiva) cuja legítima expectativa deve ser adequadamente acautelada e protegida;

                4. As saídas jurisdicionais não são um direito adquirido, tendo de se verificar condições objectivas para a sua concessão, pelo que, uma vez que estas se apresentem preenchidas recai sobre o Tribunal o dever de fundamentar a decisão pela qual não é concedida, nos termos do n.º 5 do art.º 97.º do CPPenal, subsidiariamente aplicável aos autos também por mão do disposto no art.º 154.º do CEPenas, bem como do n.º 2 do art.º 77.º deste diploma;

                5. Acresce que decisão que viola o princípio da legalidade, por ir para além da intenção do Legislador penal, é marcadamente usurpadora dos direitos do sujeito processual a quem se dirige e afecta directamente, enfermando de nulidade, por o Tribunal a quo ter ido para além do que seria da sua competência decidir, perante o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPPenal, aplicável por analogia ao caso concreto, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra depurada do referido vício;

               

                7. Bem sabemos que o entendimento dos Tribunais superiores no que concerne à arguição da falta de fundamentação é a de que se trata de uma mera irregularidade, a qual deve ser arguida nos termos do n.º1 do art.º 123.º CPPenal - mesmo que assim se entenda, a irregularidade deve ser oficiosamente colmatada – mas a questão de fundo do presente recurso resulta da não concordância com a argumentação aduzida na decisão de não concessão da saída jurisdicional, a qual, por sinal, é insuficiente e sem âncora fáctica;

                8. Sufraga-se, assim, o entendimento expendido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/2023, de que a decisão de não concessão de saída jurisdicional é recorrível, sendo inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.º 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade dodespachoque indefira liminarmente opedidode concessãode licença de saída jurisdicional com fundamento na verificação de que a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada, equiparando-se a situação do recorrente a tal previsão, uma vez que o Tribunal foi para além dos requisitos objectivamente exigidos por lei, uma vez que se recorre a um juízo de consolidação do percurso prisional, como se de uma ausência de estabilização da situação jurídico-penal do arguido se tratasse;

                9. O recorrente foi condenado a uma pena única de dez anos e seis meses de prisão, já transitada em julgado, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.º 3/15...., que correu os seus termos no Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Leiria e 950/12...., que correu os seus termos no Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Leiria do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria;

                10. O reclusojá cumpriumaisde umquartodapenaa quefoi condenado, maispropriamente, à data dorequerimento, trinta e seismesese dezanove diasde reclusão, sendoumquarto da pena trinta e um meses e quinze dias - contando, naturalmente, com o tempo que esteve em prisão preventiva no EP de Lisboa;

                11. Foi igualmente reconhecido que inexistiam outros processos pendentes em que esteja determinada a prisão preventiva, bem como a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos doze meses que antecederam o pedido de saída jurisdiciona, que não tinha registo de infracções disciplinares, nem no EP de Lisboa, nem no EP de Coimbra; que desempenhou funções no ginásio do EP de Coimbra, não se relegando à inactividade, que se inscreveu em programas de foro académico, tendo transitado com aproveitamento, para o B3 de continuidade, para concluir o nono ano de escolaridade, que é Delegado de Turma e ainda que tem o apoio da família;

                12. O comportamento do recluso em liberdade, após ter sido libertado por esgotamento de prazos de prisão preventiva e até se entregar voluntariamente no EP de Coimbra, em nada perigou a ordem pública ou pôs em causa a paz social, muito pelo contrário, pois durante mais de uma década que se comportou de forma plenamente responsável e com o fito de rumar num sentido diferente;

                13. O seu sentido de responsabilidade e a assunção de que AA é, presentemente, um Homem cumpridor de regras vem vertido no processo individual de recluso, no relatório elaborado pelos serviços competentes, bem como pelas formadoras das actividades lectivas por si frequentadas;

                14. O recluso é convidado para eventos de carácter social e educativos, designadamente na área empresarial, dentro do próprio EP de Coimbra, o que indicia, precisamente, que o recluso interioriza regras e adopta um comportamento compatível com a sociedade, pelo que se revela totalmente incompreensível a conclusão do Tribunal, onde ancorou o seu indeferimento, pois certamente tal transpareceria no seu percurso prisional o que não se verifica;

                15. Osprocessosà ordemdosquaisoarguidofoi condenado, ancoram-se em factosocorridos nosanosde 2012a 2015, ou seja, háuma década, peloque volvidostantosanose perante um padrão comportamental lícito, somos a crer que a conclusão do Tribunal deveria ter sido a inversa, pois não tem âncora fáctica, sendo lacunosa em termos de fundamentação;

                16. Cumpre trazer à colação que o recluso esteve em liberdade de 6 de julho de 2018 a 15 de Março de 2023 e durante esse período constituiu nova família, trabalhou, viveu em liberdade de forma tranquila, aguardando uma decisão transitada em julgado para cumprir a sua pena, apresentando-se voluntariamente no EP de Coimbra, para cumprir a sua pena;

               

                19. A execução da pena tem sido favorável; o ambiente em que o mesmo se vai integrar é salutar, sendo apenas adstrito ao seio familiar; inexistem antecedentes criminais para além dos que motivaram os presentes autos (art.º 78.º, n.º 2 do CEPenas);

                20. Salvo melhor opinião, andou mal o TEP quando não concedeu a licença de saída jurisdicional, ancorada numa alegada “ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante”, em virtude de todos os elementos dos autos rumarem num sentido diametralmente diferente, sendo consequentemente, a decisão lacunosa em termos de fundamentação;

                21. Considera-se, consequentemente, que estamos perante um caso onde objectiva e subjectivamente se encontram reunidos os pressupostos para ser concedida a licença de saída jurisdicional do recluso AA, nos termos do n.º 1 do art.º 78.º do CEPenas;

               

               


*

             3. Admitido o recurso [após decisão dos recursos interpostos pelo condenado e pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional da decisão da reclamação apresentada relativa ao despacho que julgou a inadmissibilidade do recurso] respondeu ao mesmo a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, …

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            4. Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sufragando integralmente a argumentação da Sra. Procuradora da República na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 

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             5. Colhidos os vistos os autos foram à conferência.

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            II- FUNDAMENTAÇÃO

            A) Delimitação do objeto do recurso

     

            Assim sendo, pese embora o recorrente esgrima argumentação atinente a questões de inconstitucionalidade relacionadas com a recorribilidade/irrecorribilidade da decisão ora recorrida,    a apreciação de tal questão mostra-se, neste momento, ultrapassada, tendo em conta que a decisão sobre mesma por parte do Tribunal Constitucional faz caso julgado nos presentes autos (art. 80º, nº1 da LTC ), razão pela qual, estando a apreciação do presente recurso balizada pelo que de mais consta das conclusões apresentadas pelo recorrente, que gravita em torno da não concordância do mesmo com a argumentação aduzida na decisão de não concessão da saída jurisdicional,  a questão a decidir prende-se com a de saber se estão [ou não] verificados os pressupostos para a concessão da licença de saída jurisdicional requerida pelo condenado.


*

                B) Da decisão recorrida

               Para a apreciação da questão suscitada pelo recorrente no presente recurso, importa ter presente o que decorre da decisão recorrida (transcrição):

            “…

                Realizou-se hoje a reunião do conselho técnico, onde foram prestados os esclarecimentos indispensáveis à apreciação do pedido.


*

                II – O Tribunal é o competente.

                O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido formulado pelo requerente.


*

                III – Discutido o pedido no conselho técnico hoje realizado, foi por este emitido parecer:

Desfavorável, por unanimidade.


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                IV – Assim, considerando o parecer do conselho técnico, os elementos dos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais (art.º 78.º e 79.º do CEPMPL decide-se:

Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em consideração que importa que o recluso consolide a sua consciência crítica quanto aos factos cometidos, verificando-se ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante, ainda que se realce o esforço revelado pelo recluso na aquisição de competências e integração em actividades formativas e o seu comportamento adequado no meio prisional. devendo assim consolidar o seu percurso prisional.


*

                Notifique a presente decisão ao Ministério Público e ao recluso. “


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            C) Da apreciação do recurso          

      A questão que cumpre apreciar é, como já se disse, a de saber se estão [ou não] verificados os pressupostos para a concessão da licença de saída jurisdicional requerida pelo condenado, visto que, como próprio recorrente alega – no final da conclusão 7ª - “a questão de fundo do presente recurso resulta da não concordância com a argumentação aduzida na decisão de não concessão da saída jurisdicional, a qual, por sinal, é insuficiente e sem âncora fáctica”

            …

            Feita a apresentação dos dados da questão que cumpre decidir, impõe-se, desde já, afirmar que a decisão recorrida não se mostra fáctica e juridicamente fundamentada, o que acarreta a sua invalidade.

            Vejamos porquê.

            Como resulta do artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

            Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais serve vários propósitos, repetidamente afirmados.

            Tal exigência, de natureza constitucional e configurando um direito fundamental - decorrente de um processo equitativo, consagrado no nº 4 do artigoº 20º da CRP -, relaciona-se com a possibilidade efetiva de sindicância das decisões judiciais, bem como com a necessidade de convencer os destinatários e os cidadãos em geral da sua correção e justiça, encontrando fundamento no artigo 374º, nº 2, do CPP, no que à sentença diz respeito. 

            Não estabelecendo, embora, a lei ordinária os requisitos de tal exigência constitucional  relativamente aos despachos – como é o caso do ato decisório que vem posto em crise – o seu cumprimento deve ser aferido casuisticamente considerando o enquadramento jurídico-legal do objeto da questão controvertida, mas, sempre, respeitando o conteúdo mínimo imposto pela Constituição, pois, como prescreve o nº 5 do artigo 97º do CPP «Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»

            No caso em vertente o ato decisório, sob a forma de despacho, que está em causa diz respeito à decisão do JEP de não concessão de licença de saída jurisdicional requerida pelo recluso/condenado, pelo que, tratando-se, como se trata, de um ato decisório do juiz, está sujeito ao dever geral de fundamentação previsto no citado artigo 97º, n.º 5, do CPP, e, também no art. 146º, nº1 do CEPMPL, impondo-se que dele conste a especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, por forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.

            Isto é.

            Visando tal despacho apreciar se o recluso reúne ou não as condições para lhe ser concedida a saída jurisdicional por si requerida, a fundamentação a que o mesmo deve obedecer não poderá deixar de especificar os motivos de facto e de direito da decisão, seja ela de deferimento ou de indeferimento da pretensão por ele almejada, ainda que esta especificação possa, e, até, deva ser, feita em termos sucintos. 

            Depreende-se do despacho recorrido que foram equacionados os requisitos previstos nos arts. 78º e 79º do CEPMPL e que em relação aos previstos no último destes normativos legais –- ( art. 79º )  - que constituem requisitos de ordem formal - a respetiva ponderação foi no sentido de que não resulta a sua não verificação, tal como, aliás, também o entendeu  recorrente.

            O que constitui motivo de dissensão por banda do recorrente em relação à decisão recorrida é a ponderação que nela foi feita a respeito dos requisitos de ordem material ou substancial, previstos no citado art. 78º.

            Façamos, então, a abordagem que tal questão concita.

            Nos termos do artigo 76.º, nº 2, do C.E.P., as licenças de saída jurisdicionais têm como finalidade a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais, bem como a preparação para a vida em liberdade. Em conformidade, o n.º 3 do mesmo artigo prevê as licenças para saídas de curta duração, com o objetivo específico de manter e promover esses laços.

            A concessão das licenças de saída jurisdicional está subordinada ao cumprimento de determinados pressupostos. Estes dividem-se em duas categorias:

            - Pressupostos de natureza objetiva, definidos nos nºs 2 e 5, do artigo 79º do C.E.P.;

            - Pressupostos de natureza subjetiva ou material, estabelecidos no artigo 78º do mesmo diploma.

            Apenas a resposta positiva a estas duas vertentes, permitirá o deferimento da pretensão da recorrente.

            Nos termos do art. 78.º, nº 1, do CEPMPL, as licenças de saída podem ser concedidas quando se verifiquem os seguintes requisitos:

            a) fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;

            b) compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social e,

            c) fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.       

            Por sua vez, o n.º 2 da mesma norma estabelece que, tendo em conta as finalidades das licenças de saída, devem ser ponderados na sua concessão:

            a) a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade;

            b) as necessidades de proteção da vítima;

            c) o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar;  

            d) as circunstâncias do caso;  e,

            e) os antecedentes conhecidos da vida do recluso.

            Nos termos do n.º 3, na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, que o recluso deverá observar.

            Já o art. 79.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe de «Licenças de saída jurisdicionais», dispõe o seguinte:

            “1. As licenças de saída jurisdicionais são concedidas e revogadas pelo tribunal de execução das penas;

            2. As licenças de saída jurisdicionais podem ser concedidas quando cumulativamente se verifique:

            a) o cumprimento de um sexto da pena e n mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos;

            b) a execução da pena em regime comum ou aberto;

            c) a inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva;

            d) a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.

             (…)”.

            A avaliação da verificação dos requisitos formais e substanciais dependerá, inevitavelmente, dos elementos de facto constantes dos autos.

            No presente caso, esses elementos não foram integrados na decisão recorrida, que negou ao recorrente a concessão da licença de saída jurisdicional.

            Na verdade, quanto à ponderação dos requisitos formais, basta-se a decisão recorrida com a mera alusão, feita em sede do respetivo relatório, a que “O requerimento foi instruído com os elementos previstos no n.º 3 do referido preceito e dos mesmos não resulta a não verificação dos requisitos previstos no art.º 79.º do citado diploma.

            Mas, não tendo sido – como nos parece e como também o recorrente alcançou – com base na não verificação dos requisitos de ordem de formal que foi negada ao recluso a licença de saída jurisdicional, mas antes, com base na não verificação dos requisitos de ordem material, será apenas sobre esta que nos deteremos, colocando o enfoque na respetiva falta de fundamentação, por assumirmos que, ainda que sem densificação, a mesma questão se não coloca relativamente à ponderação dos requisitos de ordem de formal.

            Vejamos, então.

            Tecem-se, apenas, na decisão recorrida os seguintes considerandos atinentes à ponderação dos requisitos de ordem material com vista a justificar a decisão de não concessão da requerida saída jurisdicional “importa que o recluso consolide a sua consciência crítica quanto aos factos cometidos, verificando-se ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante, ainda que se realce o esforço revelado pelo recluso na aquisição de competências e integração em actividades formativas e o seu comportamento adequado no meio prisional. devendo assim consolidar o seu percurso prisional. “, alicerçados, como dela decorre, “no parecer do conselho técnico, os elementos dos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais (art.º 78.º e 79.º do CEPMPL”

                A verdade é que a decisão recorrida não concretiza, especifica ou densifica a análise dos requisitos materiais previstos no citado 78º do CEPMPL, revelando-se omissa quanto à sua apreciação crítica e concreta.

            Com efeito, nela não se expõe, de forma fundamentada, quais as razões que levaram à conclusão de que o recluso não apresenta consolidação da sua consciência crítica quanto aos factos cometidos e porque é que se entende que o mesmo revela ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante, para o que não bastará remeter para o “parecer do conselho técnico”, “os elementos dos autos e os esclarecimentos prestados”, porque o tribunal não especifica nem densifica quais as razões de facto que extraiu de tais elementos que lhe permitiram chegar a essa conclusão.  

            Lida a decisão recorrida, a mesma não revela, desde logo, qualquer densidade factual, porquanto a mesma omite a descrição dos factos concretos em que assenta, além do mais, aquela afirmação conclusiva, vaga e genérica atinente à falta de consolidação da consciência crítica quanto aos factos cometidos por parte do recluso e da verificação da ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante por parte do mesmo, sendo certo, ainda, que este parece ter sido o único fator negativo levado em conta na decisão de não concessão da saída jurisdicional, até porque, os demais nela aventados - o do esforço revelado pelo recluso na aquisição de competências e integração em atividades formativas e o seu comportamento adequado no meio prisional – se apresentam nela perspetivados como sendo de pendor positivo.

            Por outro lado, tal conclusão apresenta-se sustentada nos elementos dos autos, nos esclarecimentos prestados e nos requisitos e critérios legais, cuja enunciação e análise, porém, se omite.

            A questão, pois, que se coloca é a de saber porque concluiu a Mma. Juíza a quo que o recluso carece de consolidar a sua consciência crítica quanto aos factos cometidos e porque é que entendeu que o mesmo revela ausência de ressonância crítica e atitude desculpabilizante, uma vez que tendo entendido ser desnecessário proceder à audição do recluso – como lhe era permitido pelo disposto no art. 191º nº2 do CEPMPL – tal não poderá ser sido resultado da imediação resultante da mesma, mas apenas dos elementos que lhe foram trazidos pelos membros do conselho técnico aquando da emissão do parecer e dos demais elementos constantes dos autos que, em concreto, se desconhecem porque a decisão o não revela.

            Fica, pois, sem saber-se os motivos de facto pelos quais o tribunal a quo concluiu no caso concreto pela inexistência dos requisitos materiais para a concessão da saída jurisdicional requerida pelo recluso, e, por conseguinte, não é possível aferir se a avaliação da não verificação desses pressupostos é ou não fundada.

            Ora, como já o dissemos, as decisões judiciais devem ser autónomas e, assim, a fundamentação deve constar do seu teor, de molde a que os destinatários alcancem de modo claro e inequívoco o que em concreto se decidiu, bem como as razões de facto e de direito que lhe subjazem e a omissão de tal prejudica ou impede a sua compreensão não só pelo visado mas também pela comunidade em geral e belisca o direito de defesa do visado.

            Ademais e estando em causa, neste caso, um ato decisório recorrível a omissão de fundamentação impede que o Tribunal de recurso exerça a sua função de controlo e pode inviabilizar o conhecimento das questões suscitadas no recurso.

            Com efeito, perante a exiguidade da decisão proferida não se tem acesso às razões concretas de facto e de direito que a sustentam, o que inviabiliza o escrutínio da mesma por este Tribunal, mormente, a apreciação da verificação dos pressupostos para a concessão da licença de saída jurisdicional ao recorrente em relação à qual se verifica a dissensão do recorrente.

            A decisão padece, assim, de irregularidade nos termos previstos no artigo 123º do Código de Processo Penal aplicável por via do artigo 154º do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade.

            Consagra o nº2 do citado artigo 123º do Código de Processo Penal que: «Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado».

            Ora, é este o caso, posto que, nos termos sobreditos, está em causa, também, a possibilidade deste Tribunal de recurso exercer a sua função de controlo da decisão recorrida, função essa inviabilizada pela omissão de fundamentação das razões de facto e de direito porque o tribunal recorrido entende que a licença de saída jurisdicional do recluso e ora recorrente não pode ser concedida e, consequente impossibilidade de aferir da verificação dos pressupostos necessários à concessão de tal licença, como pretendido pelo recorrente.

            Destarte, impõe-se concluir que a decisão recorrida não observa o dever de fundamentação que está consagrado no artigo 6º nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 205º nº1 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 146º nº1 do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, estando a mesma ferida de irregularidade, cujo conhecimento é oficioso e tempestivo (porque a todo o tempo) e cuja reparação não só pode como deve ser ordenada por este Tribunal da Relação uma vez que está em causa irregularidade que afeta o valor do ato praticado nos termos previstos no artigo 123º nº2 do Código de Processo Penal aplicável ex vi do artigo 154º do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade.

            Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pelo recorrente neste recurso.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª Seção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:

            1. Declarar a irregularidade nos termos sobreditos da decisão recorrida por falta de fundamentação e em determinar que seja proferida pelo Tribunal recorrido nova decisão que observe o dever de fundamentação legalmente previsto.

            2. Recuso sem tributação.


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                                        Coimbra, 8 de outubro de 2025

                                                                                  

                (Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP )

(Maria José Guerra – relatora)

(Rosa Pinto– 1ª adjunta)

(Helena Lamas – 2ª adjunta)