Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13921 /24.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA ATIVIDADE DE INVESTIMENTO
INIDONEIDADE DE MEIO PROCESSUAL
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório


AA, BB, CC e DD, de nacionalidade brasileira, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão proferida a 29.1.2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de rejeição liminar da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantais, que intentaram contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP, com fundamento na falta de demonstração do pressuposto da urgência e da indispensabilidade.


Os recorrentes nas alegações formularam as conclusões seguintes:

1. Vem o presente recurso de apelação interposto da Douta Decisão que rejeitou liminarmente a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias.

2. Andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao proceder à rejeição liminar do requerimento inicial no presente processo de intimação, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma (falta de alegação e prova demonstração dos requisitos da urgência e indispensabilidade do meio processual de que os Recorrentes lançaram mão), com o que incorreu em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 109º do CPTA.

3. Assim, e nos termos que infra se exporá, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, considerando verificados os requisitos para a instauração da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente, para citação da recorrida para contestar, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.

Da urgência e indispensabilidade do meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – e da verificação “in casu” dos pressupostos previstos no artigo 109º do CPTA

4. O que está em causa nos autos é, sumariamente e em sede de mérito, a urgente e imperiosa necessidade de obstar ao impedimento ao direito de livre circulação, mediante intimação da Requerida a proceder a uma decisão sobre o processo de candidatura a ARI, de forma a que se possa dar devido seguimento ao pedido de autorização de residência promovido pelo 1º Recorrente, iniciado em 08.03.2023, após realização de um investimento (aquisição de unidades de participação de dois fundos de investimento) de substancial valor, e o pedido de reagrupamento familiar deduzido pelos 2ª, 3º e 4º Recorrentes.

5. O que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma intolerável restrição a direitos, liberdades e garantias, que afeta os Recorrentes, mas também – e dada a atual conjuntura dos procedimentos de obtenção de autorização de residência - todo um sem número de indivíduos que, como aqueles, preenchem todos os requisitos legalmente impostos para que lhes sejam concedida ARI e, fruto da inércia da Recorrida, aguardam anos pela resolução da sua situação pessoal e profissional, vivendo num ambiente de incerteza, angústia e mesmo, não raras vezes, de graves dificuldades financeiras, face à falta de título de residência válido.

6. A questão que particularmente se coloca em sede de recurso contende, não com a questão de mérito dos autos – que consubstancia, como vimos, a inércia da Requerida na tramitação e conclusão do procedimento destinado a obtenção de ARI e reagrupamento familiar dos Recorrentes – mas sim a questão atinente ao modo de densificação e preenchimento dos pressupostos plasmados no artigo 109º n.º 1 do CPTA, para que se possa lançar mão da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

7. E da bondade, ou não, da decisão proferida no sentido do indeferimento liminar da petição inicial, por alegada falta de suficiente alegação e demonstração (na perspetiva do tribunal) da necessidade de tutela urgente e da indispensabilidade do meio processual em causa.

8. Diversamente do decidido, mostram-se preenchidos os pressupostos (processuais) inerentes à Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, sendo esta tutela a única que pode evitar o arrastar da lesão grave e irreversível da esfera jurídica fundamental dos Recorrentes que estão, presentemente, privados da possibilidade de fixarem residência em Portugal, por força da falta de decisão da requerida e, consequentemente, de título válido para o efeito.

9. Do artigo 109.º do CPTA resulta que a utilização deste mecanismo processual depende dos seguintes pressupostos: i. Da necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito; ii. Que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; iii. Da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar.

10. Relativamente ao primeiro pressuposto, recorde-se que o que está em causa nos autos é a continuada e injustificada inércia por parte da Administração, na tramitação do procedimento destinado a obtenção de autorização de residência.

11. Os Recorrentes são titulares de um direito subjetivo – consubstanciado no direito a uma decisão (de aprovação) no âmbito da candidatura a ARI e no pedido de reagrupamento familiar – porém, encontram-se privados do seu exercício, pois a Requerida simplesmente não procede à normal tramitação do procedimento, mantendo-o, assim e de forma indevida, suspenso.

12. Esta omissão da Requerida, para além de não ter qualquer justificação possível, ultrapassando todos os limites do razoável, viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé, a que a Administração está sujeita em subordinação à Constituição da República Portuguesa, por força do preceituado no artigo 266.º da Lei Fundamental, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base num quadro legal vigente, definido pelo Governo Português, tomou a decisão de investir no nosso país, despendendo uma avultada quantia e que, não obstante cumprir todos os requisitos definidos para a obtenção de ARI, são confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia da Requerida em proceder a tramitação do procedimento, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar e obter o título de residência.

13. A não prolação de uma decisão a propósito do processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar, ao obstar, em última ratio, à emissão do título de residência, impede os Recorrentes de exercer o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída e permanência do território português.

14. Trata-se de direito qualificável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa, beneficiando mesmo regime.

15. Atendendo ao primado do Direito da União Europeia, plasmado no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição e reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que determina que as normas de direito da União Europeia prevalecem sobre o direito nacional, por maioria de razão, um Direito Fundamental da União Europeia não pode ter dignidade inferior aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, um direito de natureza análoga.

16. E sendo um direito de natureza análoga, o Direito Fundamental da União Europeia goza do mesmo regime que os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, merecendo a mesma dignidade e beneficiando do mesmo regime que os direitos liberdades e garantias, os direitos análogos, mormente o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podem ser tutelados pela Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada pelo artigo 109.º e seguintes do CPTA.

17. No que concerne ao teor da decisão proferida, não se pode, desde logo, concordar com o argumento, vertido na mesma, no sentido de que não está alegada e evidenciada uma situação de urgência.

18. Diversamente do descrito na decisão recorrida, mostra-se concretamente alegada na petição inicial factualidade da qual emerge, claramente, que se verifica uma necessidade premente na obtenção do título de residência, para que os Recorrentes possam passar a residir em Portugal, - propósito pelo que foi efetuado um avultado investimento na aquisição de unidades de participação de dois fundos de investimento.

19. Acresce que o facto de residir ou não em Portugal (suscitado, de forma desajustada, na decisão) não pode ser tido como um fator/argumento válido para sustentar a situação de urgência (ou falta dela) na obtenção de uma decisão no processo de ARI, sob pena de, assim não sendo, se fazer um verdadeiro convite à entrada e permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros em situação irregular, só para que se gerasse uma situação de premência na decisão do processo de ARI idónea a servir de fundamento à instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias!

20. Diz-se na decisão recorrida a propósito da extensão de direitos consagrada no artigo 15º da CRP, que “(…) não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), não são titulares dos direitos, liberdades e garantias a que se arroga (…)”.

21. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, a falta de autorização de residência é, em si mesma, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.

22. Sendo que a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração o dever de decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelos Recorrentes é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial do seu direito à residência e, por essa via, à equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação.

23. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, e atendendo a que o cidadão estrangeiro que não se encontre ou não resida em Portugal não goza dos direitos de um cidadão português, nos termos do citado preceito constitucional, então o dano causado na esfera jurídica dos Requerentes pela ausência de resposta da Recorrida, mostra-se substancialmente grave e carecido de premente necessidade de tutela.

24. É que, na realidade, ao não decidir do pedido de concessão de autorização de residência, a Administração está, em primeira linha, a impedir que os Recorrentes possam entrar em Portugal, para cá fixarem residência como é seu objetivo e, desde logo, a coartar-lhes o direito a poderem beneficiar do princípio da equiparação e do acervo de direitos fundamentais de que um cidadão português beneficia.

25. Ou seja, a conduta inerte da Administração impede os Recorrentes de poderem aceder aos direitos de um cidadão português, conforme decorre do art.º 15º n.º 1 da CRP.

26. Acresce que, a urgência há de se determinar igualmente pelo risco de lesão do(s) direito(s) fundamental(ais) em que aquela decisão de concessão de autorização de residência investe o cidadão, risco esse que é tanto maior quanto maior o tempo em que o mesmo permanece indocumentado.

27. Posto este entendimento, têm para si os Recorrentes que a alegação da mera falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – se mostra suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA.

28. Não se podendo, assim, concordar com o entendimento vertido na decisão aqui sob censura de que o articulado inicial carece de alegação fáctica destinada a densificar os conceitos de urgência e indispensabilidade para o exercício de um direito, liberdade ou garantia.

29. A falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.

30. É o decurso (injustificado e injustificável) do referido período, sem que a sua situação pessoal esteja resolvida, que torna premente e urgente a obtenção de uma decisão no procedimento e, portanto, legitima o recurso ao presente meio processual!

31. Vejamos, ainda, que o decurso do tempo, para além de violação do elementar princípio administrativo da decisão estatuído no artigo 13.º do CPA, também se demonstrou apto a bulir com o direito fundamental a uma boa administração que, para além de ser um direito fundamental, é também, um princípio jurídico ao qual as Entidades Demandadas se encontram vinculadas, em função do disposto no artigo 5.º do CPA.

32. Está, pois, demonstrado que a necessidade de uma decisão é, pois, urgente e fundamental para que os Recorrentes possam entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poderem fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões.

33. Acresce que, como bem decorre do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 22.11.2022, Processo n.º 661/22.0..., disponível em https://www.dgsi.pt/ e do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.04.2023, Processo n.º 726/22.8..., disponível em https://www.dgsi.pt/, a mera alegação da falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – mostra-se suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA.

34. Não é, assim, exigível aos Recorrentes que lancem mão de outro meio processual, por inexistir qualquer um que não a presente intimação que, em tempo útil acautele o seu direito fundamental lesado.

35. Pelo que andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao entender que o meio processual adequado à presente situação seria a ação administrativa de condenação à prática do ato devido.

36. Ao consignar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em séria e flagrante violação do disposto nos artigos 109º n.º 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que considerando verificada a adequação, urgência e indispensabilidade do meio processual de que os Recorrentes lançaram mão, ordene o normal prosseguimento da instância, para citação da Requerida e ulterior prolação de decisão de mérito, no sentido propugnado pelo Recorrente na petição inicial e assim se intimando os recorridos a proferir decisão a respeito do processo de ARI e de Reagrupamento Familiar.

Nestes termos, …, deverá a douta decisão proferida ser revogada, com a consequente substituição por outra que, em face do supra expendido considere que se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso à presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias e que a mesma é o meio processual adequado e indispensável à cabal defesa da pretensão dos Recorrentes, ordenando o normal prosseguimento da instância, nomeadamente para prolação de decisão de mérito no sentido de intimar a Recorrida a emitir uma decisão (pré aprovação) sobre o processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar dos Recorrentes, e proceder ao agendamento para formalização da candidatura e recolha de dados biométricos, a fim de ser dar seguimento ao pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar.


O recurso foi admitido e, nos termos do art 641º, nº 7 do CPC, o requerido e recorrido foi citado para os termos da causa e do recurso, nada tendo alegado ou requerido.


O Exmo Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Notificado o parecer aos recorrentes, os mesmos nada disseram.


Cumpre apreciar e decidir.


Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º, nº 1, alínea d) e nº 2 do CPTA, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


Objeto do recurso


Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objeto, a questão a decidir consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito ao rejeitar liminarmente a presente intimação, com fundamento na falta de urgência e de indispensabilidade.


Fundamentação


De facto


Para efeitos de decisão do presente recurso jurisdicional dão-se como provados os seguintes factos:

1. Os requerentes/ recorrentes são cidadãos de nacionalidade brasileira, residentes no Brasil - cfr. docs 1 a 4 juntos com o requerimento inicial, que aqui se dão por integramente reproduzidos.

2. O 3.º requerente nasceu em 21.07.2018 e o 4.º nasceu em 14.01.2022 e são ambos filhos do 1.º requerente e da 2.ª requerente.

3. Em 08.03.2023, o 1.º requerente submeteu através do portal do SEF – “Portal ARI”, requerimento para obtenção de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (“ARI”), com fundamento na aquisição de unidades de participação – cfr doc nº 5 junto com o ri, que aqui se dá por integramente reproduzido.

4. O 1º requerente, na qualidade de investidor, subscreveu (i) 243 (duzentas e quarenta e três) Unidades de Participação do fundo AAAA, registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) com o número ..., no montante total de € 250.290,00 (duzentos e cinquenta mil e duzentos e noventa euros), no dia 27/12/2022 e (ii) 5 (cinco) Unidades de Participação do fundo BBBB, registado na CMVM com o número ..., no montante total de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no dia 23.12.2022, perfazendo o montante total de € 500.290,00 (quinhentos mil e duzentos e noventa euros) – cfr doc nº 6 junto com o ri, que aqui se dá por integramente reproduzido.

5. A 15.3.2023 a 2.ª, o 3.º e o 4.º requerentes submeteram, pela mesma via, os seus pedidos de Reagrupamento Familiar – cfr doc nº 7 junto com o ri, que aqui se dá por integramente reproduzido.

6. A entidade requerida não proferiu decisão sobre os requerimentos referidos em 3) e 5) [acordo].

7. A 9.8.2024 os requerentes instauraram a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – cfr requerimento inicial.

O Direito.


Erro de julgamento de direito.


Os ora recorrentes requereram intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo dos artigos 109º a 111º do CPTA.


O pedido de intimação consistiu em:


ser intimada a Requerida para:


A) No prazo máximo de 10 (dez) dias úteis:


i. Emitir uma decisão quanto à aprovação do pedido de candidatura a ARI efetuado pelo 1.º Requerente;


ii. Emitir uma decisão no âmbito do pedido de Reagrupamento Familiar efetuado pelos 2.ª, 3.º e 4.º Requerentes;


iii. Em caso de decisão favorável, agendar data e hora para formalização dos pedidos de ARI e de Reagrupamento Familiar e recolha de dados biométricos dos Requerentes;


B) Após recolha dos dados biométricos, proferir decisão final no âmbito dos procedimentos iniciados pelos Requerentes para concessão de ARI e Reagrupamento Familiar, no prazo máximo de 30 (trinta) dias;


C) No caso de decisões finais favoráveis, emitir, de imediato, os respetivos títulos de residência.


O TAC de Lisboa indeferiu liminarmente a intimação, por falta de urgência e de indispensabilidade do meio processual, com a seguinte fundamentação:


Volvendo ao caso dos autos.


Alegam os Requerentes que a urgência assenta no incumprimento do prazo decisório, omissão /incumprimento que se traduz em constrangimentos de diversa ordem e na violação de diversos direitos, com respaldo constitucional ou em diplomas internacionais, conjuntura que não se compadece com uma tutela provisória ou alcançável pela ação administrativa e que não se encontra, sequer, densificada (tratando-se, de resto, de factos essenciais / nucleares), mas cuja eventual densificação nem releva. Com efeito, as suas alegações não atingem o nível de detalhe ou a profundidade que, mesmo a um golpe de vista mais aturado, se distingam do que pode ser alegado por qualquer pessoa que aguarde a decisão da AIMA, IP (ou de qualquer entidade adstrita / vinculada a prazos de decisão), sendo, aliás, alegações características dos incómodos comuns associados à incerteza dessa decisão (seja quanto ao prazo da sua emissão, seja quanto ao seu teor).


Ou seja, os Requerentes não alegam qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que permita sustentar a verificação de uma situação justificadora do uso do presente meio processual. Com efeito, como temos vindo a dizer, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado – veja-se que lançam mão de numerosos artigos legais, sem indicar, um único caso / cenário concreto em que tais direitos se encontrem, efetivamente, violados (facto, de resto, essencial / nuclear para se apreciar da admissão e viabilidade do presente meio processual).


Por seu turno, também claudica a alegada indispensabilidade. Não se descura, ignorando, que possa existir um incumprimento do dever de pronúncia / decisão, por silêncio da Requerida dentro do prazo previsto legalmente para o efeito: porém, para que se possa lançar mão deste meio processual (e, procedendo, a Requerida seja intimada a decidir em determinado prazo), importa que os Requerentes demonstrem que seja indispensável o recurso a este meio processual em desprimor dos demais – o que não sucede no caso vertente, porquanto, mais uma vez, o Requerente se sustenta em alegações genéricas.


Compulsada a petição, resta concluir que, com referência ao momento presente, inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pelos Requerentes: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que os Requerentes referem, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.


Em conclusão: os Requerentes formulam, somente, alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, mesmo considerada a resposta que antecede, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual. Com efeito, a tutela judicial revela-se acautelada com recurso a outros meios processuais que se revelam adequados a, cumpridos os pressupostos, uma decisão de mérito que vá ao encontro do direito a uma pronúncia por parte da aqui Entidade Requerida.


Adicionalmente, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), não são titulares dos direitos, liberdades e garantias a que se arroga – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7..., e de 23-05-2024, proferido no processo n.º 155/24.9..., disponíveis em www.dgsi.pt.


Veja-se, com detalhe, o doutamente sumariado no processo 3595/23.7...:


“I - Para se darem por verificados os pressupostos [adjetivos/processuais] da admissibilidade desta ação principal, excecional e urgente, impunha-se que os Recorrentes na petição tivessem alegado factos que permitissem concluir que o uso de uma ação administrativa de condenação à prática do ato devido, associado a uma providência cautelar, não seria suficiente a assegurar o exercício dos direitos fundamentais ou análogos que invocam, em tempo útil. Ou dito de outro modo, o respetivo exercício seria frustrado antes de poder obter decisão judicial não urgente;


II - Como cidadãos nacionais e residentes nos EUA é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar e profissional organizada e exercem os direitos que lhe são inerentes ou relacionados. Nada do que alegaram na petição, de forma genérica e conclusiva, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos vários direitos que referem, nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil;


III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reação junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro em idêntica situação, os quais poderão ser urgentes ou não, consoante a causa de pedir e pedidos formulados;


IV - O que não significa que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP, cujo nº 1 dispõe: “1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, precisamente quanto aos direitos que dependem da efetiva presença ou residência em Portugal, onde o exercício do direito invocado se encontra ameaçado.”


Refira-se, ainda, não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (…), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.


A falta de urgência e de indispensabilidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias consubstancia uma exceção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa (neste sentido, vide, a titulo exemplificativo, o acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 04.03.2016, no âmbito do processo n.º 02931/15.4..., cujo entendimento aqui se acolhe sem reservas) e impõe a absolvição da entidade demandada da instância, o que se determina de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.


Em face de tal conclusão, resulta, naturalmente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, bem como a convolação dos presentes autos de intimação para uns outros de ação cautelar (neste sentido, vide MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit., página 903).


Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeita-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos do n.º 1, do artigo 110.º do CPTA.


Por identidade de razões, não é aplicável o disposto no artigo 110.º-A do CPTA [negritos e sublinhados nossos].


A sentença segue e cita a abundante e reiterada jurisprudência dos tribunais superiores produzida em situações muito semelhantes à dos autos.


Sendo o que vem decidido para manter.


Passemos a explicar.


Decorre do art 109º do CPTA que: «A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar (nº 1), sendo que «quando, nas circunstâncias enunciadas no n.º 1, o interessado pretenda a emissão de um ato administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um ato administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do ato devido» (nº 3).


Este meio processual, regulado nos arts 109º a 111º do CPTA, constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e em tempo útil.


Mas, o meio normal, ou regra, de defesa ou de tutela dos direitos fundamentais reside no recurso à ação administrativa, sendo que o lançar mão das formas de tutela principal urgente, como é o caso vertente, está reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional, ou, ainda, quando aquelas situações não encontrem enquadramento contencioso num outro meio/forma processual principal urgente.


Por assim ser, a ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias constitui um meio subsidiário de tutela (cfr ac. do STA de 26.9.2019, processo nº 1005/18, e outros que nele vêm citados), destinado a ser utilizado como uma válvula de segurança do nosso sistema de garantias contenciosas, ou seja, apenas nas situações em que as outras formas de processo – ação administrativa associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação – não se mostrem ou não se apresentem como meios adequados ou aptos à realização e efetiva proteção dos direitos, liberdades e garantias, assegurando uma efetiva e plena tutela jurisdicional.


Assim, são pressupostos do pedido de intimação que:

1. esteja em causa o exercício, em tempo útil e, por isso, com carácter de urgência, de um direito, liberdade ou garantia [urgência e indispensabilidade];

2. a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse direito;

3. que não seja possível acautelar o direito por outro meio processual [a intimação ser subsidiária relativamente ao decretamento de uma medida cautelar].


Estes requisitos específicos, de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º, nº 1 do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que a falta de qualquer um dos referidos requisitos de admissibilidade consubstancia uma exceção dilatória inominada.


A ação de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do requerente.


Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o requerente deve alegar e demonstrar factos dos quais se retire que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida.


Existe uma situação de urgência sempre que a atuação e/ ou decisão da Administração prejudique de maneira suficientemente grave e imediata um interesse público ou um interesse do requerente. A urgência exigida no caso trata-se de uma urgência concreta face às circunstâncias do caso, designadamente, por ocorrência de factos lesivos supervenientes.


Neste sentido ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª edição, Almedina, pág 883, que: para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício.


À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação (…).


Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”


O 1º requerente/ recorrente submeteu, em 8.3.2023, candidatura a autorização de residência para investimento (vulgo, «ARI»), ao abrigo do artigo 3º, nº 1, al d) e do artigo 90º-A, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4.7, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.


E a 15.3.2023 a 2.ª, o 3.º e o 4.º requerentes submeteram os seus pedidos de Reagrupamento Familiar.


Diante da inação da Administração, os requerentes, em 9.8.2024, instauraram o processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.


Todavia, no requerimento inicial apresentado, não invocam quaisquer factos que permitam concluir pela indispensabilidade do recurso ao processo de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia.


O que resulta do que vem alegado pelos requerentes é a vontade de se mudaram para Portugal, para aqui fixarem a sua residência e casa de morada de família e para aqui “fazerem vida” (art 44º do ri); os constrangimentos e limitações inerentes à necessidade de solicitar visto de cada vez que pretendem deslocar-se a Portugal; não poderem ter acesso a serviços públicos, nomeadamente, de saúde e proteção social, em condições de igualdade com os demais cidadãos de nacionalidade estrangeira que, como os requerentes, cumprem todos os requisitos legalmente estabelecidos para a obtenção de autorização de residência e reagrupamento familiar. (arts 51 e 52 do ri).


O circunstancialismo descrito não configura uma situação de urgência que careça da tutela do presente meio processual, de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.


Como afirmou este TCAS, em acórdão proferido a 29.6.2023, no processo nº 603/23.2... (no qual foi relator o ora 2º Adjunto):


III - A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.


IV - Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdeiros direitos, liberdades e garantias.


Acresce que aos requerentes/ recorrentes não é aplicável o disposto no art 15º, nº 1 da CRP, que dispõe que: os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.


De facto, os requerentes/ recorrentes encontram-se e residem no Brasil.


Assim, porque os requerentes não residem nem se encontram em Portugal, não podem beneficiar do princípio da equiparação constitucionalmente consagrado no art 15º, nº 1 da CRP (cfr ac do TCAS de 11.7.2024, processo nº 4812/23).


Não se olvida que a ausência de decisão definitiva quanto ao pedido de concessão de Autorização de Residência para Investimento (ARI) e aos pedidos de reagrupamento familiar, como sucede nos autos, pode limitar a liberdade de circulação dos recorrentes.


Do mesmo modo, a espera por decisão definitiva do pedido de ARI formulado a 8.3.2023 e dos pedidos de reagrupamento familiar apresentados a 15.3.2023 põe em causa o direito dos requerentes a uma decisão em prazo razoável, prazo este que se encontra manifestamente excedido (cfr arts 82º, nº 5 e 105º, nº 1 da Lei nº 23/2007).


Contudo, não se descortina no caso uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, nem vem configurada situação de facto que justifique a tutela urgente de um direito.


Ainda assim, os requerentes/ recorrentes não ficam desprovidos de direitos.


Aos requerentes/ recorrentes assiste o direito a requererem, segundo os pressupostos da lei ordinária, autorização para residirem ou permanecerem em Portugal – o que fizeram.


E, consequentemente, assiste-lhes o direito a obterem uma decisão nos procedimentos administrativos com vista à concessão de autorização de residência e de reagrupamento familiar (cfr artigo 82º, nº 1 da Lei nº 23/2007 e artigo 13º do CPA) e ainda o direito a recorrer aos tribunais administrativos portugueses, quer no caso de a Administração não tomar uma decisão no prazo legalmente previsto, quer, no caso de, tomada uma decisão, não se conformar total ou parcialmente com a mesma. Foi o que fizeram os requerentes/ recorrentes, porém, sem alegação e prova de factos consubstanciadores da verificação dos pressupostos específicos de que depende a utilização do presente meio processual.


Em suma, como decidiu o Tribunal a quo, não lograram os requerentes, ora recorrentes, alegar e demostrar a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
Pelo que improcede o erro de julgamento imputado à sentença.



Decisão


Nestes termos, acordam em Conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional.


Sem Custas, por isenção legal dos recorrentes – art 4º, nº 2, al b) do RCP – sem prejuízo do disposto no art 4º, nº 6 e 7 do RCP.


Notifique.


*


Lisboa, 2025-10-23,


(Alda Nunes)


(Ana Lameira)


(Ricardo Ferreira Leite).