Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:45942/24.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/21/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento na fase de apreciação liminar do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;
II - Cabe ao requerente da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incluindo que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

R… (doravante Recorrente, Requerente ou A.), nacional dos Estados Unidos da América e residente em Londres, Reino Unido, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (doravante Requerida, Recorrida ou ER), peticionando a procedência da intimação e, “em consequência, intimada a Requerida para:

A) No prazo máximo de 10 (dez) dias úteis:
i. Emitir uma decisão quanto à aprovação do pedido de candidatura a ARI efetuado pela Requerente;
ii. Em caso de decisão favorável, agendar data e hora para formalização do pedido de ARI e recolha de dados biométricos da Requerente;
B) Após recolha dos dados biométricos, proferir decisão final no âmbito do procedimento iniciado pela Requerente para concessão de ARI, no prazo máximo de 30 (trinta) dias;
C) No caso de decisão final favorável, emitir, de imediato, os respetivos títulos de residência.”

Por sentença de 26 de novembro de 2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente o requerimento inicial, em suma, por considerar não preenchidos os pressupostos para a admissão da intimação nos termos do artigo 109.º n.º 1 do CPTA, concretamente não ter sido alegada qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que sustente a recurso ao meio processual, não estando suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo, não tendo a Requerente satisfeito o ónus alegatório e demonstrado a indispensabilidade do recurso ao meio processual.

Inconformada, a A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“III. CONCLUSÕES
1. Vem o presente recurso de apelação interposto da Douta Decisão que rejeitou liminarmente a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias.
2. Andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao proceder à rejeição liminar do requerimento inicial no presente processo de intimação, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma (falta de alegação e prova demonstração dos requisitos da urgência e indispensabilidade do meio processual de que a recorrente lançou mão), com o que incorreu em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 109° do CPTA.
3. Assim, e nos termos que infra se exporá, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, considerando verificados os requisitos para a instauração da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente, para citação da recorrida para contestarem, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais
II - DO OBJETO DO RECURSO
Da urgência e indispensabilidade do meio processual - Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias - e da verificação "in casu" dos pressupostos previstos no artigo 109° do CPTA
4. O que está em causa nos autos é, sumariamente e em sede de mérito, a urgente e imperiosa necessidade de obstar ao impedimento ao direito de livre circulação, mediante intimação da requerida a proceder a uma decisão sobre o processo de candidatura a ARI, de forma a que se possa dar devido seguimento ao pedido de autorização de residência promovido pela recorrente, iniciado em 10.03.2023, após realização de um investimento imobiliário de substancial valor.
5. O que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma intolerável restrição a direitos, liberdades e garantias, que afeta a recorrente, mas também - e dada a atual conjuntura dos procedimentos de obtenção de autorização de residência - todo um sem número de indivíduos que, como aqueles, preenchem todos os requisitos legalmente impostos para que lhes sejam concedida ARI e, fruto da inércia da Recorrida, aguardam anos pela resolução da sua situação pessoal e profissional, vivendo num ambiente de incerteza, angústia e mesmo, não raras vezes, de graves dificuldades financeiras, face à falta de título de residência válido.
6. A questão que particularmente se coloca em sede de recurso contende, não com a questão de mérito dos autos - que consubstancia, como vimos, a inércia da Requerida na tramitação e conclusão do procedimento destinado a obtenção de ARI - mas sim a questão atinente ao modo de densificação e preenchimento dos pressupostos plasmados no artigo 109° n.° 1 do CPTA, para que se possa lançar mão da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias,
7. E da bondade, ou não, da decisão proferida no sentido do indeferimento liminar da petição inicial, por alegada falta de suficiente alegação e demonstração (na perspetiva do tribunal) da necessidade de tutela urgente e da indispensabilidade do meio processual em causa.
8. Diversamente do decidido, mostram-se preenchidos os pressupostos (processuais) inerentes à Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109° n.° 1 do CPTA, sendo esta tutela a única que pode evitar o arrastar da lesão grave e irreversível da esfera jurídica fundamental da Recorrente que está, presentemente, privada da possibilidade de fixar residência em Portugal, por força da falta de decisão da requerida e, consequentemente, de título válido para o efeito.
9. Do artigo 109.° do CPTA resulta que a utilização deste mecanismo processual depende dos seguintes pressupostos: i. Da necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito; ii. Que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; iii. Da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar.
10. Relativamente ao primeiro pressuposto, recorde-se que o que está em causa nos autos é a continuada e injustificada inércia por parte da Administração, na tramitação do procedimento destinado a obtenção de autorização de residência.
11. A Recorrente é titular de um direito subjetivo - consubstanciado no direito a uma decisão de aprovação no âmbito da candidatura a ARI e no pedido de reagrupamento familiar- porém, encontra-se privada do seu exercício, pois a Requerida simplesmente não procede à normal tramitação do procedimento, mantendo-o, assim e de forma indevida, suspenso.
12. Esta omissão da Requerida, para além de não ter qualquer justificação possível, ultrapassando todos os limites do razoável, viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé, a que a Administração está sujeita em subordinação à Constituição da República Portuguesa, por força do preceituado no artigo 266.° da Lei Fundamental, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base num quadro legal vigente, definido pelo Governo Português, tomou a decisão de investir no nosso país, despendendo uma avultada quantia e que, não obstante cumprir todos os requisitos definidos para a obtenção de ARI, são confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia da Requerida em proceder a tramitação do procedimento, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e obter o título de residência.
13. A não prolação de uma decisão a propósito do processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar, ao obstar, em última ratio, à emissão do título de residência, impede a Recorrente de exercer o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.° do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída e permanência do território português.
14. Trata-se de direito qualificável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 17.° da Constituição da República Portuguesa, beneficiando mesmo regime.
15. Atendendo ao primado do Direito da União Europeia, plasmado no n.° 4 do artigo 8.° da Constituição e reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que determina que as normas de direito da União Europeia prevalecem sobre o direito nacional, por maioria de razão, um Direito Fundamental da União Europeia não pode ter dignidade inferior aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, um direito de natureza análoga.
16. E sendo um direito de natureza análoga, o Direito Fundamental da União Europeia goza do mesmo regime que os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, merecendo a mesma dignidade e beneficiando do mesmo regime que os direitos liberdades e garantias, os direitos análogos, mormente o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.° do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podem ser tutelados pela Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada pelo artigo 109.° e seguintes do CPTA.
17. No que concerne ao teor da decisão proferida, não se pode, desde logo, concordar com o argumento, vertido na mesma, no sentido de que não está alegada e evidenciada uma situação de urgência.
18. Diversamente do descrito na decisão recorrida, mostra-se concretamente alegada na petição inicial factualidade da qual emerge, claramente, que se verifica uma necessidade premente na obtenção do título de residência, para que a recorrente possa passar a residir em Portugal, para tanto usufruindo do imóvel que aqui comprou e que se encontra, indevidamente, impossibilitada de utilizar e fruir plenamente.
19. Acresce que o facto de residir ou não em Portugal (suscitado, de forma desajustada, na decisão) não pode ser tido como um fator/argumento válido para sustentar a situação de urgência (ou falta dela) na obtenção de uma decisão no processo de ARI, sob pena de, assim não sendo, se fazer um verdadeiro convite à entrada e permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros em situação irregular, só para que se gerasse uma situação de premência na decisão do processo de ARI idónea a servir de fundamento à instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias!
20. Diz-se na decisão recorrida a propósito da extensão de direitos consagrada no artigo 15° da CRP, que "não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15° da CRP), (...) os Requerentes não são titulares de quaisquer direitos, liberdades e garantias”
21. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, a falta de autorização de residência é, em si mesma, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
22. Sendo que a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração o dever de decidir o pedido de autorização de residência apresentado pela recorrente é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial do seu direito à residência e, por essa via, à equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação.
23. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, e atendendo a que o cidadão estrangeiro que não se encontre ou não resida em Portugal não goza dos direitos de um cidadão português, nos termos do citado preceito constitucional, então o dano causado na esfera jurídica da Requerente pela ausência de resposta da Recorrida, mostra-se substancialmente grave e carecido de premente necessidade de tutela.
24. É que, na realidade, ao não decidir do pedido de concessão de autorização de residência, a Administração está, em primeira linha, a impedir que a recorrente possa entrar em Portugal, para cá fixar residência como é seu objetivo e, desde logo, a coartar-lhe o direito a poder beneficiar do princípio da equiparação e do acervo de direitos fundamentais de que um cidadão português beneficia.
25. Ou seja, a conduta inerte da Administração impede a recorrente de poder aceder aos direitos de um cidadão português, conforme decorre do art.° 15° n.° 1 da CRP.
26. Acresce que, a urgência há-se determinar igualmente pelo risco de lesão do(s) direito(s) fundamental(ais) em que aquela decisão de concessão de autorização de residência investe o cidadão, risco esse que é tanto maior quanto maior o tempo em que o mesmo permanece indocumentado.
27. Posto este entendimento, urge considerar que a alegação da mera falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias - e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender - se mostra suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109° n.° 1 do CPTA
28. Não se podendo, assim, concordar com o entendimento vertido na decisão aqui sob censura de que o articulado inicial carece de alegação fáctica destinada a densificar os conceitos de urgência e indispensabilidade para o exercício de um direito, liberdade ou garantia.
29. A falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
30. É o decurso (injustificado e injustificável) do referido período, sem que a sua situação pessoal esteja resolvida, que torna premente e urgente a obtenção de uma decisão no procedimento e, portanto, legitima o recurso ao presente meio processual!
31. Vejamos, ainda, que o decurso do tempo, para além de violação do elementar princípio administrativo da decisão estatuído no artigo 13.° do CPA, também se demonstrou apto a bulir com o direito fundamental a uma boa administração que, para além de ser um direito fundamental, é também, um princípio jurídico ao qual a Requerida se encontra vinculada, em função do disposto no artigo 5.° do CPA.
32. Está, pois, demonstrado que a necessidade de uma decisão é, pois, urgente e fundamental para que a Recorrente possa entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poder fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões.
33. Acresce que, como bem decorre do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 22.11.2022, Processo n.° 661/22.0BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/ e do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.04.2023, Processo n.° 726/22.8BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/, a mera alegação da falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias - e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender - mostra-se suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109° n.° 1 do CPTA
34. Não é, assim, exigível à Recorrente que lance mão de outro meio processual, por inexistir qualquer um que não a presente intimação que, em tempo útil acautele o seu direito fundamental lesado.
35. Pelo que andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao entender que o meio processual adequado à presente situação seria a ação administrativa de condenação à prática do ato devido.
36. Ao consignar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em séria e flagrante violação do disposto nos artigos 109° n.° 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que considerando verificada a adequação, urgência e indispensabilidade do meio processual de que a recorrente lançou mão, ordene o normal prosseguimento da instância, para citação dos requeridos e ulterior prolação de decisão de mérito, no sentido propugnado pelo recorrente na petição inicial e assim se intimando os recorridos a proferir decisão a respeito do processo de ARI.
Subsidiariamente,
Da Necessidade do Convite ao Aperfeiçoamento do Requerimento Inicial
37. Na eventualidade de se considerar que, como se aduz na decisão recorrida, que as alegações dos recorrentes são insuficientes para concluir pela adequação do recurso à intimação do artigo 109° do CPTA, uma vez que não foi alegada factualidade apta a demonstrar a urgência e indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nem tão-pouco, a impossibilidade ou insuficiência da competente ação administrativa,
38. Então sempre se impõe ajuizar que em sede de despacho liminar, o Mmo. Tribunal a quo deveria ter promovido o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 87° n.° 1 alínea b) e n.° 2 do CPTA e 590° do CPC.
39. Nos termos da Jurisprudência e normas jurídicas citadas no corpo da presente alegação, entende-se que no caso presente, se o Mmo. Tribunal a quo considerou que havia carência de alegação fáctica no requerimento inicial, não se tratando de uma insuficiência insuprível, então sempre lhe era imposto que procedesse a um convite ao aperfeiçoamento a petição inicial.
40. Ao não ter lançado mão deste dever, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em violação do disposto nos artigos 110° n.° 1 e 87° do CPTA e 590° do Cód. Proc. Civil.
41. Impõe-se, assim, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, considerando os dispositivos legais supra citados, bem como os princípios do acesso à justiça, do inquisitório, da cooperação, do dever de auxílio e da bora fé processual, dos princípios antiformalista, pro actione, in dúbio pro habilitate instantanieae, determine o convite dos recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, mediante suprimento da respetivas insuficiência quanto à matéria de facto alegada.
42. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
Nestes termos, e nos melhores de direito, doutamente supridos por V. Exas., deverá a douta decisão proferida ser revogada, com a consequente substituição por outra que, em face do supra expendido considere que se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso à presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias e que a mesma é o meio processual adequado e indispensável à cabal defesa da pretensão da recorrente, ordenando o normal prosseguimento da instância, nomeadamente para prolação de decisão de mérito no sentido de intimar a recorrida a emitir uma decisão (pré- aprovação) sobre o processo de candidatura a ARI, e proceder ao agendamento para formalização da candidatura e recolha de dados biométricos, a fim de ser dar seguimento ao pedido de autorização de residência. Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre,
JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido como de apelação, efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos.

A Recorrida AIMA, citada para os termos do recurso e da causa, não apresentou resposta, nem contra-alegou.

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos (em turno), foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a este Tribunal cumpre apreciar se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 87.º, n.º 1 al. b) e 2 e 110.º do CPTA e 590.º do CPC em virtude da não prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial e se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por se encontrarem preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

3. Fundamentação de facto

Não foram fixados factos na sentença recorrida.

4. Fundamentação de direito

4.1. Da preterição de convite ao aperfeiçoamento

Sustenta a Recorrente que considerando o Tribunal insuficientes, por falta de invocação da factualidade apta a demonstrar o preenchimento dos seus pressupostos, as suas alegações, impor-se-ia, com vista a concluir pela adequação do recurso ao meio processual, promover, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 2 al. b) e 2 e 110.º do CPTA e 590.º do CPC, o convite ao aperfeiçoamento.
Se bem se compreende tal redundaria na preterição do direito ao contraditório prévio nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, decorrente da prolação de decisão surpresa e, bem assim, na violação dos princípios da justiça e pro actione.
Importa notar que, pese embora a formulação subsidiária da questão da omissão do despacho de aperfeiçoamento prévio, o certo é que a sua apreciação deve preceder a do erro de julgamento apontado à sentença, exatamente por contender com a própria necessidade de conhecimento daquele. É que, não obstante a omissão da Recorrente quanto ao enquadramento jurídico dos seus efeitos, a sua consequência será a da nulidade da sentença.
Adiante-se, desde logo, que a questão da omissão de despacho de aperfeiçoamento prévio à prolação da sentença não configura decisão surpresa, entendida esta como “a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever” (Ac.do Tribunal da Relação de Porto de 2.12.2019, proferido no processo 14227/19.8T8PRT.P1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/670d5361d711696c802584e80053c16e?OpenDocument).
Com efeito, não se trata aqui, enquanto garantia do contraditório regulado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, de impedir que as partes sejam surpreendidas com soluções não discutidas no processo e impor ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo, antes de decidir, faculte às partes a sua discussão.
Na realidade, não se desconhecendo a posição de que a omissão de despacho de convite ao aperfeiçoamento quando materializada na sentença não integraria “uma nulidade processual de per si, mas uma nulidade da decisão resultante da omissão daquele despacho, na medida em que nela foi dada relevância à deficiência do articulado e se julgou improcedente o pedido nele formulado precisamente com fundamento naquela deficiência”, em que a nulidade da decisão ocorre por excesso de pronúncia (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11.1.2021, proferido no processo 3163/19.8T8OAZ.P1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d8614bcdfd0c2aa380258686003aaa8f?OpenDocument&Highlight=0,11%2F01%2F2021), seguimos o entendimento de que estamos perante uma nulidade processual, consubstanciada pela omissão de um ato que a lei imporia – o despacho de aperfeiçoamento – com influência na decisão da causa, que acarreta a nulidade da sentença como ato subsequente a tal omissão (art.º 195.º n.ºs 1 e 2 do CPC) (entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18.5.2020, proferido no processo 3376/19.2T8VNG-B.P1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2d6626008ac1fbdf802585bc003a9800?OpenDocument, e o Ac. do STJ de 17.12.2020, proferido no processo 2156/17.4T8STR.E1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/48e00f6d8bafff368025867800516d7e?OpenDocument).
Sobre a presente questão já se debruçou o Ac. deste TCA Sul de 3.10.2024, proferido no processo 3/24.0BELSB subscrito pela ora (também) relatora, seguindo-se, pois, o entendimento aí vertido.
Dispõe-se no artigo 195.º, n.º 1 do CPC que “[…] a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Como se infere deste dispositivo a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, recordando-se que “[o] legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109” (Ac. do TCA Norte, P. 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011).
Cumpre dar nota que os presentes autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias correspondem a um processo urgente [art.º 36.º, n.º 1 al. e) do CPTA], de natureza principal, cuja tramitação se encontra regulada nos artigos 110.º e ss. do CPTA.
Assim, dispõe-se no art.º 110.º do CPTA que, no prazo máximo de 48 horas, o juiz profere despacho liminar, no qual “o juiz pode rejeitar a petição ou, sendo admitida a petição, ordenar a citação do demandando para responder.
É, por outro lado, no despacho liminar que o juiz, no uso do seu dever de gestão processual, deve programar a tramitação subsequente do processo, de acordo com as diversas modalidades previstas no presente artigo 110.º.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 946).
Acrescente-se que, nos termos do art.º 110.º-A, n.º 1 do CPTA, o juiz, no despacho liminar, também pode promover a convolação do processo de intimação em processo cautelar, notificando o autor para substituir a petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar.
Como emerge destes normativos não está previsto e, de resto mostrar-se-ia contrário à celeridade inerente à natureza urgente do processo e à tutela de direitos, liberdades e garantias a que a forma processual respeita, que o despacho liminar tenha, também, por finalidade o convite ao aperfeiçoamento do articulado. Isto é, a lei não prescreve como ato ou formalidade a prolação de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, cuja omissão fosse determinante de nulidade processual nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC.
Como se notou no Ac. deste TCA Sul, datado de 16.10.2024, proferido no processo nº 514/24.7BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt ,
“(…) IX - [d]e acordo com o disposto no artigo 110º do CPTA, se o juiz, no despacho liminar, verificar que o alegado e pedido na petição não está em conformidade com o exigido no artigo 109º, que falta um ou os dois pressupostos, de indispensabilidade e de subsidiariedade, deste meio processual, que consubstanciam exceções dilatórias que obstam ao conhecimento do mérito da causa [nos termos do nº 1 do artigo 590º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA], deve rejeitar a petição e não promover o seu aperfeiçoamento. (…)”.
Acresce que o artigo 590.º, n.ºs 2 a 4 do CPC, além de inaplicável ao processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias - pois que, quanto a este, a sua tramitação encontra-se expressamente regulada nos referenciados artigos 110.º e seguintes do CPTA, não havendo lugar à aplicação supletiva do CPC ao abrigo do art.º 1.º do CPTA -, estabelece que o despacho pré-saneador, cujo objeto poderá ser o de “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados” [al. b) do n.º 2 e n.º 4 do art.º 590.º do CPC] é proferido “[f]indos os articulados” (art.º 590.º, n.º 2 do CPC). Ou seja, a prolação de despacho pré-saneador – de convite ao aperfeiçoamento de articulado - pressupõe que a petição inicial foi admitida e, consequentemente, que terá havido lugar à citação e, sendo o caso, a resposta/contestação do réu, não havendo lugar à sua prolação se o requerimento inicial foi, como é o caso dos autos, liminarmente rejeitado por se entender ser manifesta a improcedência da ação.
E, nos mesmos moldes, também no âmbito das ações administrativas, cuja tramitação segue o regime dos artigos 87.º e ss. do CPTA, a prolação de despacho pré-saneador destinado a “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados” (art.º 87.º, n.º 1 al. b) e 3 do CPTA) ocorre “[f]indos os articulados”, ou seja, (também) dependente da admissão liminar.
Ora, no caso dos autos, a intimação foi rejeitada liminarmente, o que significa que não houve lugar à citação da entidade requerida e, como tal, não estávamos no termo da fase dos articulados. Donde, não se mostrando previsto, nesta fase liminar, o convite ao aperfeiçoamento, a sua omissão não determina a prática de qualquer nulidade processual.
Acrescente-se que o princípio pro actione, enquanto corolário normativo ou concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (administrativa), e que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo (Ac. do STA de 29.1.2014, proferido no processo 01233/13, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91015951db35b60280257c780041ef43?OpenDocument), não serve, como sucederia no presente caso, para suprir o incumprimento pela parte do seu próprio ónus de alegação e prova da urgência e indispensabilidade do uso deste meio processual.
Considerando o exposto é patente que a não prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, na fase de apreciação liminar no âmbito de processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, não viola o disposto nos artigos 87.º, n.º 2 al. b) e 2 e 110.º do CPTA e 590.º do CPC, nem tão pouco o direito ao contraditório prévio nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC e os princípios pro actione e da justiça, não consubstanciando a omissão de ato ou formalidade prescrito na lei e, consequentemente, não foi praticada qualquer nulidade processual que importasse suprir, convidando agora a Recorrente a dar cumprimento ao que era já o seu ónus aquando da instauração do meio processual urgente a que recorre.
Assim, em face do exposto, improcede a arguida nulidade processual.

4.2. Do erro de julgamento

A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, entendendo, em suma, que “inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pela Requerente: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência de) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que a Requerente refere, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil”.
Contra o assim decidido insurge-se a Recorrente sustentando que se encontram preenchidos os requisitos, previstos no artigo 109.° do CPTA, da urgência e indispensabilidade do meio processual, porquanto,
- É titular de um direito subjetivo a uma decisão no âmbito da candidatura a ARI, de que se encontra privada pela inércia da Requerida em proceder à normal tramitação do procedimento, o que reputa configurar uma restrição de direitos fundamentais;
- A omissão da requerida viola o princípio da tutela da confiança, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base no quadro legal vigente, tomou a decisão de investir no país e, não obstante cumprir todos os requisitos para a obtenção de ARI, é confrontado com a inércia da Requerida que impede de concluir a candidatura e obter o título de residência;
- A não prolação de decisão, obstando à emissão do título de residência, impede a Requerente de exercer o direito de livre circulação plasmado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;
- Mostra-se concretamente alegada a factualidade de que emerge a urgência na decisão, sendo premente a obtenção do título de residência para que a Recorrente possa fixar a sua residência em Portugal e usufruir do direito de propriedade sobre o imóvel adquirido;
- O facto de não residir em Portugal não é fator para afastar a urgência, sob pena de se incentivar a permanência irregular;
- A falta de autorização de residência (e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias) é, em si mesma, um facto que legitima a necessidade de recurso a este meio processual, sendo suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109.° n.° 1 do CPTA, pois é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial do seu direito à residência e, por essa via, à equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, à saúde, à proteção social e à habitação;
- O decurso (injustificado e injustificável) do período de decisão, sem que a sua situação pessoal esteja resolvida, torna premente e urgente a obtenção de uma decisão no procedimento e, portanto, legitima o recurso ao presente meio processual;
- Não estando a Recorrente habilitada com um título de residência válido, para além da privação da cabal fruição do seu património e dos constrangimentos e limitações inerentes à necessidade de solicitar visto de cada vez que pretende deslocar-se a Portugal, impede-a, igualmente, de ver a sua situação pessoal e familiar dirimida com a certeza e segurança jurídicas que se impõem, criando uma situação de grande instabilidade pessoal, de tal forma que a violação de direitos, liberdades e garantias integrados na esfera jurídica da Recorrente, face à omissão do dever de decisão é grave e carece de urgente resolução;
- A necessidade de uma decisão é fundamental para que a Recorrente possa entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poder fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões;
- Nenhum outro meio processual seria adequado a acautelar, em tempo útil, os direitos e interesses juridicamente tutelados da Recorrente.
Como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual, que é de utilização excecional, assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Exige-se, assim, que a emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recurso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar. Assim, “[a] impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa. ” (Catarina Santos Botelho, A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31- 53).
Isto posto, importa, desde logo, dar conta que, opostamente ao alegado pela Recorrente, não basta a mera alegação da falta de título de residência, nem a alegação não concretizada de restrição de direitos, liberdades e garantias. O regime exposto reclama do autor que recorre à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, a alegação de factos concretos idóneos que evidenciem o preenchimento dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Encontrando-se a admissão da utilização de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias dependente da análise das circunstâncias de cada caso, sendo a verificação do preenchimento efetuada por referência à causa de pedir e ao pedido formulado pela requerente.
Erra a Recorrente ao tentar suportar o seu entendimento na jurisprudência dos tribunais superiores que enuncia, designadamente na vertida no Ac. do STA de 6.6.2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB. Com efeito, pretende extrair do Acórdão um entendimento – qual seja, o de que em situações de falta de decisão por banda da Administração em pedidos de autorização de residência, por contender com direitos, liberdades e garantias, decorreria inevitavelmente a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão -, que dele não resulta. O que aí se decidiu é que, em tais situações se reclama uma tutela definitiva, de tal forma que “o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA”. Ou seja, o que está em causa é a adequação da forma processual, mas ainda que a forma processual seja a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, tal não dispensa, para que a requerente dela beneficie, que demonstre o preenchimento dos pressupostos subjacentes à tutela requerida.
Quer no requerimento inicial, quer no presente recurso, a Recorrente, para justificar a urgência que é pressuposto do recurso à intimação, alega, essencialmente, a titularidade de um direito a uma decisão no âmbito do seu pedido de autorização de residência para investimento (doravante também ARI), sustentando a violação da tutela da confiança, face às expetativas criadas com o investimento realizado e cumprimento dos pressupostos para obtenção da ARI. Reclama ainda o impedimento ao exercício dos seus direitos à livre circulação, de propriedade sobre o imóvel que adquiriu e à residência em território nacional e a estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, que considera estar consagrado no artigo 27.°, n.° 1 da CRP. Mais sustenta a indispensabilidade do meio como forma de obter a equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, da CRP, com vista a garantir-lhe o acesso, entre outros, à saúde, proteção social e à habitação.
Em primeiro lugar, importa considerar que o processo de intimação destina-se a tutelar direitos, liberdades ou garantias ou direitos a estes análogos.
Ora, evidencie-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
Do mesmo modo não configuram direitos, liberdades e garantias, ou direitos de natureza análoga a estes, os alegados princípios da boa administração (artigo 5.º do CPA) e da boa fé, na vertente da tutela da confiança, que são, como o próprio nome indica, princípios gerais de direito que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
O que significa, portanto, que a violação do seu direito à decisão ou frustração das suas expetativas quanto à obtenção de autorização de residência fruto da inércia da Administração, contrária aos critérios de eficiência e celeridade porque se deve pautar a atuação desta, são inócuas – porque não tuteladas pelo meio processual – à demonstração da urgência e indispensabilidade na utilização do meio processual.
Em segundo lugar, como bem decidiu o Tribunal a quo, o que se verifica é que a Recorrente não concretiza factos que revelem em que termos a demora na decisão do seu pedido de autorização de residência para atividade de investimento e viola os direitos de que alega ser titular.
Com efeito, limita-se a genericamente invocar que a demora (atraso) na decisão sobre a sua pretensão de autorização de residência viola os direitos fundamentais que indica sem, contudo, consubstanciar factualidade concreta que o evidencie. Ou seja, verdadeiramente não alega nenhum facto que demonstre que seja necessário ser proferida uma decisão de mérito urgente, no sentido de revelar estar numa situação premente em que seja indispensável ocorrer a emissão de uma decisão, sob pena de vir a ser lesada os seus direitos fundamentais.
Isto é, embora se compreenda que a demora na decisão quanto ao pedido de autorização de residência para atividade de investimento obste a que, legalmente, possa residir e permanecer em Portugal, e obter a equiparação quanto aos direitos e deveres atribuídos aos cidadãos nacionais nos termos do artigo 15.º da CRP, daí não resulta inevitável e necessariamente uma situação de urgência que torne imprescindível à proteção de um direito, liberdade e garantia a decisão de mérito, antes se mostrando necessário que densificasse factos, relativos à sua concreta situação fáctica, que possibilitassem a conclusão pela especial urgência em obter decisão judicial definitiva de intimação da Administração a adotar a conduta necessária a assegurar em tempo útil o exercício do direito fundamental alegadamente ameaçado.
Isto é, desconhece-se integralmente qual o concreto circunstancialismo fáctico em que se encontra a Requerente, ao nível da sua situação pessoal, profissional e familiar, que evidenciasse a medida em que a delonga na decisão da sua pretensão, vem pondo, de forma intolerável e iminente, em causa direitos liberdades e garantias seus, em termos consubstanciadores da urgência na tutela que reclama nos autos.
Refere uma situação de instabilidade pessoal e familiar mas não aduz (nem prova) qualquer facto que a evidencie. Sustenta a privação da cabal fruição do seu património (e um direito à residência), mas não concretiza qualquer factualidade que denuncie a urgência em possibilitar-lhe o gozo do imóvel em causa, designadamente para suprir uma manifesta carência habitacional que vivencia no seu país de origem ou de residência. Invoca a restrição da liberdade de circulação, mas, além de não concretizar qualquer situação fáctica que a revele, é a própria a caraterizar como (meros) constrangimentos – por lhe impor a necessidade de obtenção de visto -, que não assumem a gravidade que reclamaria a sua tutela urgente. Aduz o direito à liberdade e segurança (artigo 27.º, n.º 1 da CRP) sem consubstanciar qualquer circunstancialismo que revele a sua ameaça ou lesão.
Não concretiza (nem prova) oportunamente no requerimento inicial apresentado, nem o faz agora, em sede de recurso. E esta ausência de concretização fáctica é de tal forma evidente que, quer o requerimento inicial, quer as alegações de recurso dos presentes autos são, no essencial, idênticos aos apresentados pela mesma mandatária no âmbito dos autos que correm termos sob o número 42671/24.1BELSB (cuja decisão aqui, no seu essencial, reiteramos), em que são outros os autores. A significar, pois, que verdadeiramente nada foi consubstanciado que revelasse as especificidades da concreta situação fáctica da A., que denunciasse o preenchimento do pressuposto para a utilização da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.

Embora se reconheçam os incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há muito tempo, no caso vertente, não foram alegados factos que caracterizem designadamente uma situação de perda irreversível de faculdades de exercício de um direito, ou de uma situação de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém. Isto é, não alega factos que demonstrem a indispensabilidade da intimação para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos direitos que se perfilha titular.
Sem prejuízo, como deu nota o Tribunal a quo, a Requerente não se encontra nem reside Portugal, mas sim em Inglaterra (Reino Unido), pelo que não lhe são reconhecidos os direitos fundamentais de que se arroga ser titular, não sendo aplicável o princípio da equiparação previsto no artigo 15.º da CRP, que apenas abrange os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal.
A tal respeito importa notar que não se trata de incentivar à permanência irregular em território nacional, tanto mais que “alguns dos direitos podem ser reconhecidos apenas aos «estrangeiros regulares»” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 357). O que sucede é que, por força deste normativo constitucional, a Requerente – que não reside em território nacional -não dispõe na sua esfera jurídica dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa cuja tutela reclama. Não detém um direito à equiparação aos cidadãos nacionais que, por ameaçado ou lesado pela conduta da Administração, carecesse da tutela de mérito urgente que defende.
Ou seja, porque à Recorrente não se aplica o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, não lhe assiste a garantia dos direitos fundamentais que reputa violados pela inércia da entidade administrativa e que demandaria a tutela urgente que reclama. O que significa, portanto, que, não sendo detentora de tais direitos, a conduta omissiva da Administração não é apta à sua lesão, em termos que reclamassem a tutela urgente que pretende.
Acompanhando-se o Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 548/24.1BELSB, disponível em www.dgsi.pt, com total aplicação à situação dos autos,
“[P]ara se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se-lhes que alegassem factualidade concreta demonstrativa de que a falta de decisão do pedido de autorização de residência os impedia de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), designadamente que tinham em Portugal o centro da sua vida, o que, manifestamente, não fizeram.
Assim, a alegação dos recorrentes reconduz-se a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa - legítima, aliás – de ver decidido o seu pedido no prazo legal, o que não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental. Os autores recorrentes não descrevem uma situação factual de urgência e lesão dos direitos que invocam – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para os recorrentes na concessão de autorização de residência. É que não basta estar em causa um direito, liberdade e garantia, sendo ainda necessário demonstrar que é urgente a sua tutela, o que os recorrentes, nos termos expostos, não fizeram.
Acresce que não assistem aos recorrentes os direitos que invocam. É verdade a Constituição da República Portuguesa garante tais direitos a todos os cidadãos, e que o artigo 15.º estende o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Sucede que os recorrentes nem se encontram nem residem em Portugal, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhes assistem aqueles direitos. Já quanto à dignidade da pessoa humana, consubstancia a mesma um princípio, um valor constitucional objectivo que se projecta em vários direitos constitucionalmente consagrados, também não lograram os recorrentes concretizar a sua violação.”
Considerando o exposto, é manifesto que a sentença não incorreu no erro de julgamento que lhe é apontado, impondo-se concluir que aí se decidiu com acerto pela não verificação do pressuposto da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de mérito para proteção de um direito, liberdade ou garantia, porquanto, tal como se deu conta no Ac. deste TCA Sul de 19.03.2024, proferido no processo n.º 3694/23.5BELSB, disponível em www.dgsi.pt, “a situação de urgência teria de ser analisada perante factos concretos da vida real, que demonstrassem a necessidade de uma decisão imediata do pedido, não tendo o Requerente cumprido com tal ónus de densificação factual, limitando-se a enunciar alegações genéricas e abstratas e sem justificar, de forma cabal, a especial urgência, indicando qual o limite temporal a partir do qual ocorreria a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito fundamental em virtude da inércia decisória da Entidade Requerida.”.
Ou seja, a Recorrente não alegou quaisquer factos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que se arroga.
E porque se tratam de pressupostos cumulativos, tal dispensa a pronúncia deste Tribunal quanto à alegada inviabilidade da tutela cautelar, porquanto tal contende com o segundo pressuposto - impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar – regulado no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Donde, não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, se impunha, como decidido, o indeferimento liminar do requerimento inicial, não incorrendo a sentença em erro de julgamento.

4.3. Da condenação em custas

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Mara de Magalhães Silveira
Sara Diegas Loureiro (em turno)
Teresa Costa Alemão (em turno)