Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:31554/24.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG;
ARI;
INDISPENSABILIDADE;
SUBSIDIARIEDADE;
ART.º 110.º-A, N.º 1, DO CPTA
Sumário:I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
IV - A convolação ou substituição processual preconizada no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não tem o alcance de impor ao Juiz a prolação de um despacho-convite de suprimento, sobretudo, nas situações como a presente, em que, “ab initio”, não foi alegada matéria de facto demonstrativa de circunstâncias urgentes do caso concreto, nada havendo a suprir, completar ou esclarecer, porquanto, não se pode aperfeiçoar/melhorar factualidade que não foi sequer alegada.
Votação:
UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
N… e A…, cidadãos, respectivamente, da República da Turquia e da República de Vanuatu, doravante Recorrentes, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziram intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à intimação da Recorrida para, em síntese, dar andamento ao procedimento administrativo de autorização de residência para actividade de investimento, que culmine na recolha de dados biométricos, na prolação de decisão final no âmbito dos procedimentos iniciados para concessão de ARI e reagrupamento familiar, no prazo máximo de 30 dias, e, no caso de decisões finais favoráveis, emitir, de imediato, os respectivos títulos de residência, inconformados que se mostram com a sentença do TACL, de 26/10/2024, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por falta de verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, contra a mesma vieram interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de apelação interposto da Douta Decisão que rejeitou liminarmente a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias.
2. Andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao proceder à rejeição liminar da presente intimação, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma (falta de alegação e prova demonstração dos requisitos da urgência e indispensabilidade do meio processual de que os recorrentes lançaram mão), com o que incorreu em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 109º do CPTA.
3. Assim, e nos termos que infra se exporá, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, considerando verificados os requisitos para a instauração da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente, para citação da recorrida para contestarem, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais II – DO OBJETO DO RECURSO Da urgência e indispensabilidade do meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – e da verificação “in casu” dos pressupostos previstos no artigo 109º do CPTA
4. O que está em causa nos autos é, sumariamente e em sede de mérito, a urgente e imperiosa necessidade de obstar ao impedimento ao direito de livre circulação, mediante intimação dos requeridos a procederem a uma decisão sobre o processo de candidatura a ARI, de forma a que se possa dar devido seguimento ao pedido de autorização de residência promovido pelo aqui 1ª recorrente, iniciado em 24.02.2023, após realização de um investimento imobiliário de substancial valor, e o pedido de reagrupamento familiar deduzido pelo seu filho, o 2º recorrente.
5. O que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma intolerável restrição a direitos, liberdades e garantias, que afeta os recorrentes, mas também – e dada a atual conjuntura dos procedimentos de obtenção de autorização de residência - todo um sem número de indivíduos que, como aqueles, preenchem todos os requisitos legalmente impostos para que lhes sejam concedida ARI e, fruto da inércia da Recorrida, aguardam anos pela resolução da sua situação pessoal e profissional, vivendo num ambiente de incerteza, angústia e mesmo, não raras vezes, de graves dificuldades financeiras, face à falta de título de residência válido.
6. Mais alegaram os recorrentes, assim evidenciando a urgência na obtenção de uma decisão por parte da Requerida no processo de candidatura a ARI, que o 1ª recorrente adquiriu um imóvel sito em território português com o propósito de fazer do mesmo seu negócio, o que lhe permitiria mudar-se para Portugal, juntamente com o seu agregado familiar, como é seu intento.
7. A questão que particularmente se coloca em sede de recurso contende, não com a questão de mérito dos autos – que consubstancia, como vimos, a inércia da Requerida na tramitação e conclusão do procedimento destinado a obtenção de ARI e reagrupamento familiar dos recorrentes – mas sim a questão atinente ao modo de densificação e preenchimento dos pressupostos plasmados no artigo 109º n.º 1 do CPTA, para que se possa lançar mão da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias,
8. E da bondade, ou não, da decisão proferida no sentido do indeferimento liminar da petição inicial, por alegada falta de suficiente alegação e demonstração (na perspetiva do tribunal) da necessidade de tutela urgente e da indispensabilidade do meio processual em causa.
9. Diversamente do decidido, mostram-se preenchidos os pressupostos (processuais) inerentes à Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, sendo esta tutela a única que pode evitar o arrastar da lesão grave e irreversível da esfera jurídica fundamental dos Recorrentes que estão, presentemente, privados da possibilidade de fixarem residência em Portugal, por força da falta de decisão dos requeridos e, consequentemente, de título válido para o efeito.
10. Do artigo 109.º do CPTA resulta que a utilização deste mecanismo processual depende dos seguintes pressupostos: i. Da necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito; ii. Que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; iii. Da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar.
11. Relativamente ao primeiro pressuposto, recorde-se que o que está em causa nos autos é a continuada e injustificada inércia por parte da Administração, na tramitação do procedimento destinado a obtenção de autorização de residência.
12. Os Recorrentes são titulares de um direito subjetivo – consubstanciado no direito a uma decisão de aprovação no âmbito da candidatura a ARI e no pedido de reagrupamento familiar– porém, encontram-se privados do seu exercício, pois a Requerida simplesmente não procede à normal tramitação do procedimento, mantendo-o, assim e de forma indevida, suspenso.
13. Esta omissão da Requerida, para além de não ter qualquer justificação possível, ultrapassando todos os limites do razoável, viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé, a que a Administração está sujeita em subordinação à Constituição da República Portuguesa, por força do preceituado no artigo 266.º da Lei Fundamental, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base num quadro legal vigente, definido pelo Governo Português, tomou a decisão de investir no nosso país, despendendo uma avultada quantia e que, não obstante cumprir todos os requisitos definidos para a obtenção de ARI, são confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia da Requerida em proceder a tramitação do procedimento, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar e obter o título de residência.
14. A não prolação de uma decisão a propósito do processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar, ao obstar, em última ratio, à emissão do título de residência, impede os Recorrentes de exercer o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída e permanência do território português.
15. Trata-se de direito qualificável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa, beneficiando mesmo regime.
16. Atendendo ao primado do Direito da União Europeia, plasmado no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição e reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que determina que as normas de direito da União Europeia prevalecem sobre o direito nacional, por maioria de razão, um Direito Fundamental da União Europeia não pode ter dignidade inferior aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, um direito de natureza análoga.
17. E sendo um direito de natureza análoga, o Direito Fundamental da União Europeia goza do mesmo regime que os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, merecendo a mesma dignidade e beneficiando do mesmo regime que os direitos liberdades e garantias, os direitos análogos, mormente o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podem ser tutelados pela Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada pelo artigo 109.º e seguintes do CPTA.
18. No que concerne ao teor da decisão proferida, não se pode, desde logo, concordar com o argumento, vertido na mesma, no sentido de que não está alegada e evidenciada uma situação de urgência.
19. Diversamente do descrito na decisão recorrida, mostra-se concretamente alegada na petição inicial factualidade da qual emerge, claramente, que se verifica uma necessidade premente na obtenção do título de residência, para que os recorrentes possam passar a residir em Portugal, para tanto usufruindo do imóvel que aqui compraram e que se encontram, indevidamente, impossibilitados de utilizar e fruir plenamente.
20. Acresce que o facto de residir ou não em Portugal (suscitado, de forma desajustada, na decisão) não pode ser tido como um fator/argumento válido para sustentar a situação de urgência (ou falta dela) na obtenção de uma decisão no processo de ARI, sob pena de, assim não sendo, se fazer um verdadeiro convite à entrada e permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros em situação irregular, só para que se gerasse uma situação de premência na decisão do processo de ARI idónea a servir de fundamento à instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias!
21. Diz-se na decisão recorrida a propósito da extensão de direitos consagrada no artigo 15º da CRP, que “não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15º da CRP), (…) os Requerentes não são titulares de quaisquer direitos, liberdades e garantias”.
22. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, a falta de autorização de residência é, em si mesma, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
23. Sendo que a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração o dever de decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelos recorrentes é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial do seu direito à residência e, por essa via, à equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação.
24. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, e atendendo a que o cidadão estrangeiro que não se encontre ou não resida em Portugal não goza dos direitos de um cidadão português, nos termos do citado preceito constitucional, então o dano causado na esfera jurídica dos Requerentes pela ausência de resposta da Recorrida, mostra-se substancialmente grave e carecido de premente necessidade de tutela.
25. É que, na realidade, ao não decidir do pedido de concessão de autorização de residência, a Administração está, em primeira linha, a impedir que os recorrentes possam entrar em Portugal, para cá fixarem residência como é seu objetivo e, desde logo, a coartar-lhes o direito a poderem beneficiar do princípio da equiparação e do acervo de direitos fundamentais de que um cidadão português beneficia.
26. Ou seja, a conduta inerte da Administração impede os recorrentes de poderem aceder aos direitos de um cidadão português, conforme decorre do art.º 15º n.º 1 da CRP.
27. Acresce que, a urgência há-se determinar igualmente pelo risco de lesão do(s) direito(s) fundamental(ais) em que aquela decisão de concessão de autorização de residência investe o cidadão, risco esse que é tanto maior quanto maior o tempo em que o mesmo permanece indocumentado.
28. Posto este entendimento, têm para si os Recorrentes que a alegação da mera falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – se mostra suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA.
29. Não se podendo, assim, concordar com o entendimento vertido na decisão aqui sob censura de que o articulado inicial carece de alegação fáctica destinada a densificar os conceitos de urgência e indispensabilidade para o exercício de um direito, liberdade ou garantia.
30. A falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
31. É o decurso (injustificado e injustificável) do referido período de tempo, sem que a sua situação pessoal esteja resolvida, que torna premente e urgente a obtenção de uma decisão no procedimento e, portanto, legitima o recurso ao presente meio processual!
32. Vejamos, ainda, que o decurso do tempo, para além de violação do elementar princípio administrativo da decisão estatuído no artigo 13.º do CPA, também se demonstrou apto a bulir com o direito fundamental a uma boa administração que, para além de ser um direito fundamental, é também, um princípio jurídico ao qual as Entidades Demandadas se encontram vinculadas, em função do disposto no artigo 5.º do CPA.
33. Está, pois, demonstrado que a necessidade de uma decisão é, pois, urgente e fundamental para que os Recorrentes possam entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poderem fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões.
34. Acresce que, como bem decorre do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 22.11.2022, Processo n.º 661/22.0BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/ e do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.04.2023, Processo n.º 726/22.8BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/, a mera alegação da falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – mostra-se suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA.
35. Não é, assim, exigível aos Recorrentes que lancem mão de outro meio processual, por inexistir qualquer um que não a presente intimação que, em tempo útil acautele o seu direito fundamental lesado.
36. Pelo que andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao entender que o meio processual adequado à presente situação seria a ação administrativa de condenação à prática do ato devido.
37. Ao consignar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em séria e flagrante violação do disposto nos artigos 109º n.º 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que considerando verificada a adequação, urgência e indispensabilidade do meio processual de que a recorrente lançou mão, ordene o normal prosseguimento da instância, para citação dos requeridos e ulterior prolação de decisão de mérito, no sentido propugnado pelo recorrente na petição inicial e assim se intimando os recorridos a proferir decisão a respeito do processo de ARI.
Subsidiariamente, Da Necessidade do Convite ao Aperfeiçoamento do Requerimento Inicial.
38. Na eventualidade de se considerar que, como se aduz na decisão recorrida, que as alegações dos recorrentes são insuficientes para concluir pela adequação do recurso à intimação do artigo 109º do CPTA, uma vez que não foi alegada factualidade apta a demonstrar a urgência e indispensabilidade de um célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nem tão-pouco, a impossibilidade ou insuficiência da competente ação administrativa.
39. Então sempre se impõe ajuizar que em sede de despacho liminar, o Mmo. Tribunal a quo deveria ter promovido o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 87º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPTA.
40. Nos termos da Jurisprudência e normas jurídicas citadas no corpo da presente alegação, entende-se que no caso presente, se o Mmo. Tribunal a quo considerou que havia carência de alegação fáctica no requerimento inicial, não se tratando de uma insuficiência insuprível, então sempre lhe era imposto que procedesse a um convite ao aperfeiçoamento a petição inicial.
41. Ao não ter lançado mão deste dever, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em violação do disposto nos artigos 110º n.º 1 e 87º do CPTA e 590º do Cód. Proc. Civil.
42. Impõe-se, assim, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, considerando os dispositivos legais supra citados, bem como os princípios do acesso à justiça, do inquisitório, da cooperação, do dever de auxílio e da bora fé processual, dos princípios antiformalista, pro actione, in dúbio pro habilitate instantanieae, determine o convite dos recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, mediante suprimento da respetivas insuficiência quanto à matéria de facto alegada.
43. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos enunciados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incorreu em erro de julgamento, ou não, designadamente, por ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial com base em tal entendimento.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou qualquer factualidade.
Os Recorrentes, por seu turno, nada impugnaram sobre tal matéria, não se vendo qualquer necessidade de fixar factos na presente instância de recurso, pois que, os Recorrentes dissentem da decisão recorrida, no essencial, por uma questão de direito, que tem a ver, como atrás se constatou, com o alegado julgamento erróneo sobre a matéria da inadequação ou impropriedade do meio processual.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui importa perscrutar, veja-se a fundamentação de direito explanada na decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) Volvendo ao caso dos autos.
Alegam os Requerentes que a urgência assenta no incumprimento do prazo decisório, omissão / incumprimento que se traduz em constrangimentos de diversa ordem e que na violação de diversos direitos, com respaldo constitucional ou em diplomas internacionais, conjuntura que não se compadece com uma tutela provisória ou alcançável pela ação administrativa e que não se encontra, sequer, densificada (tratando-se, de restos, de factos essenciais / nucleares), mas cuja eventual densificação nem releva. Com efeito, as suas alegações não atingem o nível de detalhe ou a profundidade que, mesmo a um golpe de vista mais aturado, se distingam do que pode ser alegado por qualquer pessoa que aguarde a decisão da AIMA, IP (ou de qualquer entidade adstrita / vinculada a prazos de decisão), sendo, aliás, alegações características dos incómodos comuns associados à incerteza dessa decisão (seja quanto ao prazo da sua emissão, seja quanto ao seu teor).
Ou seja, os Requerentes não alegam qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que permita sustentar a verificação de uma situação justificadora do uso do presente meio processual. Com efeito, como temos vindo a dizer, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado – veja-se que lança mão de numerosos artigos legais, sem indicar, um único caso / cenário concreto em que tais direitos se encontrem, efetivamente, violados (facto, de resto, essencial / nuclear para se apreciar da admissão e viabilidade do presente meio processual).
Por seu turno, também claudica a alegada indispensabilidade. Não se descura, ignorando, que possa existir um incumprimento do dever de pronúncia / decisão, por silêncio da Requerida dentro do prazo previsto legalmente para o efeito: porém, para que se possa lançar mão deste meio processual (e, procedendo, a Requerida seja intimada a decidir em determinado prazo), importa que os Requerentes demonstrem que seja indispensável o recurso a este meio processual em desprimor dos demais – o que não se sucede no caso vertente, porquanto, mais uma vez, os Requerentes se sustentam em alegações genéricas.
Compulsada a petição, resta concluir que, com referência ao momento presente, inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pelos Requerentes: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência de) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que os Requerentes referem, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.
Cabe referir que não obstante poderem ser apresentados em conjunto, o pedido de reagrupamento familiar apenas é apreciado e decidido caso o pedido de concessão de autorização de residência requerido (neste caso, para atividade de investimento) venha a ser deferido (cfr n.º 5, do art. 81.º e n.º 1, do art. 98.º, ambos da Lei n.º 23/2007).
Em conclusão: os Requerentes formulam, somente, alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, mesmo considerada a resposta que antecede, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual Com efeito, a tutela judicial revela-se acautelada com recurso a outros meios processuais que se revelam adequados a, cumpridos os pressupostos, uma decisão de mérito que vá ao encontro do direito a uma pronúncia por parte da aqui Entidade Requerida.
Adicionalmente, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), cfr a residência que indicam, os Requerentes não são titulares dos direitos, liberdades e garantias a que se arrogam – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05-2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
Veja-se, com detalhe, o doutamente sumariado no processo 3595/23.7BELSB:
“I - Para se darem por verificados os pressupostos [adjectivos/processuais] da admissibilidade desta acção principal, excepcional e urgente, impunha-se que os Recorrentes na petição tivessem alegado factos que permitissem concluir que o uso de uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, associado a uma providência cautelar, não seria suficiente a assegurar o exercício dos direitos fundamentais ou análogos que invocam, em tempo útil. Ou dito de outro modo, o respectivo exercício seria frustrado antes de poder obter decisão judicial não urgente; II - Como cidadãos nacionais e residentes nos EUA é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar e profissional organizada e exercem os direitos que lhe são inerentes ou relacionados. Nada do que alegaram na petição, de forma genérica e conclusiva, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos vários direitos que referem, nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil; III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro em idêntica situação, os quais poderão ser urgentes ou não, consoante a causa de pedir e pedidos formulados; IV - O que não significa que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP, cujo nº 1 dispõe: “1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, precisamente quanto aos direitos que dependem da efectiva presença ou residência em Portugal, onde o exercício do direito invocado se encontra ameaçado.”
Aderimos, sem reservas, ao doutamente sumariado, que transpomos para o caso dos autos.
Refira-se, ainda, não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunaladministrativo/11-2024-871585082), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeita-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos do n.º 1, do artigo 110.º do CPTA.
Por identidade de razões, não é aplicável o disposto no artigo 110.º-A do CPTA.
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Desde já adiantamos que a decisão recorrida será confirmada.
Bem vistas as conclusões de recurso, à excepção da temática lançada quanto à alegada necessidade do convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, que mais adiante analisaremos, os Recorrentes, no essencial, com o fito de censurar a decisão recorrida, limitaram-se, todavia, a repetir os argumentos já esgrimidos no articulado inicial.
Vejamos.
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir o articulado inicial, seguindo-se a citação da contra-parte, como pode rejeitá-lo, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias alegadas do caso concreto, a decisão liminar de rejeição do requerimento inicial com base na falta, mormente, do pressuposto da indispensabilidade.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Antecipamo-nos a dizer que, tendo presente os pressupostos vertidos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a começar pelo da indispensabilidade, não se mostra o mesmo preenchido no caso em apreço.
Em termos sintéticos, a indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”,associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhados meus).
Sobre a subsidiariedade, importa também salientar que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” e que “Quando se afirma que o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma proteção adequada, esta afirmação tem, pois, em vista os processos não urgentes, devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque, quando tal se mostre necessário, para a mais efetiva de todas, que é o decretamento provisório de providências cautelares” (cf. a obra e os autores que temos vindo a citar, de páginas 935 a 937) – (sublinhados meus).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra citada, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos).
Retornemos, pois, ao caso concreto.
Em conclusões de recurso, repetindo, no essencial, o que já haviam aduzido no requerimento inicial, mais não se observa, em primeiro lugar, do que o desagrado dos Recorrentes quanto à inércia decisória da Administração, referindo-se amiudadamente ao investimento de €356.000,00 que já realizaram em Portugal com a aquisição de um imóvel, um prédio sito em território português com o propósito de fazer do mesmo ou a sua habitação ou o seu negócio, o que lhes permitiria mudarem-se para Portugal, juntamente com o seu agregado familiar, dizendo que agora não podem usufruir da casa que aqui compraram e que se encontram, indevidamente, impossibilitados de a utilizar e fruir plenamente, situação que, tardando a decisão sobre o seu pedido de ARI, dizem que lhes causa frustração de espectativas, pugnando que a Administração viola os princípios da confiança e da boa-fé, mas também o da decisão, tal como inscritos nos artigos 5.º, 10.º e 13.º do CPA.
Mais dizem os Recorrentes, em conclusões recursivas, resumidamente, que está a ser violado o artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo o direito de entrada, saída e permanência no território português, mais referindo que, por essa via, é-lhes vedada a equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da CRP, condição sine qua non para lhes garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação, ou seja, que a conduta inerte da Administração impede os recorrentes de poderem aceder aos mesmos direitos de um cidadão português, conforme decorre do citado comando constitucional.
Alegam, também, que está demonstrada a necessidade de uma decisão urgente e fundamental para que os Recorrentes possam entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poderem fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1, da CRP, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos e libertos de ameaças ou agressões.
Apreciemos.
Em primeiro lugar, o inconformismo dos Recorrentes pela demora da Administração na instrução procedimental ou na tomada de uma decisão no competente procedimento administrativo de autorização de residência, ainda que compreensível e legítimo, não é, por princípio, debelado pelo acesso imediato ao processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, dado que, ante a inércia instrutória ou decisória da Administração, o contencioso administrativo prevê outros meios normais aos quais os interessados podem recorrer previamente, com especial prevalência para a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (meio processual não urgente), eventualmente complementada com o requerimento incidental de processo cautelar para adopção de providência cautelar antecipatória (processo urgente), que ainda pode ser reforçado com o seu decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Não é por demais chamar à colação a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste mesmo TCAS, que admite, inclusive, que “os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.”, mais propugnando este TCAS que a emissão da autorização de residência é compatível com uma definição cautelar.” (destaques meus), conforme o exposto, entre outros, no acórdão de 07/06/2023, proferido no processo sob o n.º 166/23.1BEALM, entendimento que voltou a ser reiterado pelo acórdão deste mesmo TCAS, de 13/07/2023, prolatado no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Em segundo lugar, importava, pois, que os Recorrentes tivessem cumprido com o ónus de alegação de factos concretos realmente demonstrativos de uma situação impressivamente caracterizadora da indispensabilidade do presente meio processual, ou seja, um contexto factual elucidativo de urgência ou premência. Mas tal não dimana do requerimento inicial, como bem constatou a sentença recorrida, como não resulta, de igual modo, do exposto em conclusões de recurso.
Não são, com certeza, as expectativas resultantes da compra do imóvel e do desejo de nele viver ou dele retirar proventos que justifica, sem mais, a indispensabilidade do presente meio processual, pois que, ainda que humanamente compreensíveis, não se desvenda aqui um cenário de urgência que, nomeadamente, sem a emissão imediata da autorização de residência, faça perigar de modo definitivo o direito de propriedade dos Recorrentes sobre o imóvel ou o acesso ao mesmo.
Isto é, nada do alegado é de molde a demonstrar que, com o atraso na emissão da almejada autorização de residência e vedando-se agora o acesso ao presente meio processual, os Recorrentes, quando e se vierem a alcançar a almejada ARI, fiquem inapelavelmente impedidos de se mudarem para Portugal ou de passaram a habitar ou a retirarem rendimento do prédio. Nada de tão premente, definitivo ou drástico resulta do alegado.
Por outro lado, ainda que, como dizem, sem a autorização de residência em Portugal não podem circular livremente pelo espaço da União Europeia, isso não significa que não possam, no entretanto, entrar, sair e permanecer de forma livre em Portugal, sobretudo, como cidadãos visitantes, com passaporte e/ou com visto de turismo, se necessário for, assim podendo aceder, a intervalos, ao seu imóvel sito em território nacional, não tendo os Recorrentes, ademais, invocado qualquer situação concreta em que as autoridades portuguesas ou de quaisquer outros países da União Europeia lhes tivessem impedido a entrada e saída de Portugal ou de qualquer outro país do espaço Schengen.
Por outro lado, os Recorrentes convocam o princípio de equiparação vertido no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, dizendo, como vimos, que é uma condição sine qua non para lhes garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação, ou seja, que a conduta inerte da Administração impede os recorrentes de poderem aceder aos direitos de um cidadão português, conforme decorre do citado comando constitucional.
Acontece que, neste capítulo, trata-se de uma mera alegação genérica quanto aos referidos direitos ao trabalho, à saúde e à habitação, sem que, por conta de tais parâmetros, quanto aos mesmos constatemos a alegação de factos concretos que evidenciem um sério risco quanto aos mesmos ou necessidade de uma tutela urgente, isto é, que devam ser protegidos de imediato pelo processo de intimação. Nada foi alegado nesse sentido.
De igual sorte, também não assiste razão a tal argumento pela simples circunstância de que, não residindo os Recorrentes ainda em Portugal com título de autorização de residência validamente emitido, não podem sequer equiparar-se aos demais cidadãos que em território nacional já se encontram munidos da referida autorização ou aos próprios cidadãos portugueses, razão pela qual os Recorrentes não podem ainda colocar-se numa situação de equiparação quanto aos direitos que os demais residentes/cidadãos já beneficiam.
Neste sentido, entre outros, veja-se o já decidido no acórdão deste TCAS, de 09/05/2024, proferido no processo sob o n.º 4798/23.0BELSB, consultável em www.dgsi.pt.
Por seu turno, ainda que os Recorrentes invoquem em conclusões de recurso o direito à liberdade e segurança, previsto no artigo 27.º, n.º 1, da CRP, alegando que pretendem uma garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos e libertos de ameaças ou agressões, o certo é que, nem no requerimento inicial, nem, muito menos, em conclusões recursivas, concretizam com factos consistentes e devidamente densificados que ameaças ou agressões possam ser essas, não se inferindo, por falta de articulação, o que pretendem, na realidade, dizer os Recorrentes com tal asserção meramente vaga.
Os Recorrentes focam ainda a temática acerca do artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, comando que dita o seguinte:
1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros.
2. Pode ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro.
Pois bem, nenhum erro de julgamento se constata nesta matéria, porquanto, simplesmente, não se mostram, no caso dos ora Recorrentes, em crise as citadas prerrogativas legais de direito europeu (de circulação e de permanência). É que, nem os Recorrentes são cidadãos da União, nem se encontram legalmente autorizados a residir no território da União Europeia.
Portanto, visto o fio condutor das conclusões recursivas, que delimitam o objecto do recurso, não se vislumbra a alegação de qualquer factualidade devidamente circunstanciada e densificada que sirva para justificar a indispensabilidade do uso excepcional do processo de intimação, pois que, nada de urgente ou premente dali se infere no sentido de ser necessária uma tutela imediata e definitiva dos direitos esgrimidos pelos Recorrentes.
Ora, sem quaisquer outros factos devidamente explicados ou densificados, que justifiquem o provir de uma situação de especial urgência ou premência que importe, desde já, obstar, nada de ofensivo se vislumbra para os direitos, liberdades e garantias invocadas.
Quer isto dizer, em resumo, que os Recorrentes não acoplaram quaisquer factos concretos e realmente demonstrativos de estarmos perante uma situação de especial urgência que seja indispensável acautelar ou impedir de modo imediato e de forma definitiva pela utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não é por demais relembrar que é sempre a partir do caso concreto que se perscruta a existência de fundamentos factuais que justificam a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação. É o próprio requerente do meio processual de intimação que tem o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade do meio processual.
Acontece que, como já aflorámos, inexiste no caso vertente, por falta de alegação, qualquer situação realmente urgente ou premente que importe prevenir por intermédio do processo de intimação, ou seja, os Recorrentes não associaram ao requerimento inicial, nem agora, às conclusões recursivas, quaisquer factos suficientemente densificados que demonstrem a tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados.
Aqui chegados, cumpre afirmar que seguimos aqui a orientação de vasta e recente jurisprudência deste TCAS, proclamada a propósito da concreta pretensão material de emissão da autorização de residência, com plena aplicação no caso vertente (no que especificamente diz respeito ao aludido requisito da indispensabilidade), destacando-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS tirados nos seguintes processos: no Processo n.º 166/23.1BEALM, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 489/23.0BELSB, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 1151/23.9BELSB, de 26 de Julho de 2023, no Processo n.º 458/23.0BELSB, e ainda nos Processos n.ºs 4798/23.0BELSB, de 09/05/2024, e 602/24.0BELSB, de 23/05/2024, estes dois últimos alusivos, precisamente, à autorização de residência para actividade de investimento (de que o ora Relator também nos mesmos interveio nessa qualidade), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
A título de exemplo, do acórdão deste TCAS, de 13/07/2023, emitido no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, convoca-se o entendimento formulado no seu sumário, do qual consta o seguinte:
I Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade (…)
Atente-se, ainda, ao acórdão do STA, de 04/04/2024, tirado no processo sob o n.º 015/24.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se os pontos I e II do seu sumário, como segue:
I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
Cumpre dizer, também, que se mostra correcta a decisão recorrida no aspecto em que não aderiu ao entendimento sufragado pelo acórdão do STA, de 06/06/2024, proferido no processo n.º 0741/23.4BELSB, em julgamento ampliado de recurso (consultável em www.dgsi.pt), nos termos do artigo 148.º do CPTA, porquanto, a situação fáctica tratada naquele acórdão é diversa da que ora nos prende neste recurso, pois que, ao STA foi apresentado o caso concreto de uma autorização de residência para o efeito da prestação de trabalho subordinado de um cidadão estrangeiro já residente em Portugal, ao passo que, no caso vertente, os ora Recorrentes almejam o título de residência alicerçado numa actividade de investimento.
Deste modo, atenta a diversidade factual, as preocupações subjacentes são distintas, não se aplicando ao caso em análise, de modo compulsório, a força convincente do aludido acórdão.
Os Recorrentes, por fim, vêm pugnar pelo convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 87.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CPTA, e 590.º do CPC, com vista ao suprimento da insuficiência quanto à matéria de facto alegada.
A decisão recorrida, neste segmento, entendeu que, por identidade de razões, não é aplicável o disposto no artigo 110.º-A do CPTA.
E com razão.
Do citado comando legal não dimana uma obrigação, mas apenas uma possibilidade, e quando o Tribunal entenda que a tutela se basta com a adopção de uma providência cautelar.
De modo acrescido, a operacionalidade de tal convolação está sempre dependente da alegação de factos concretos que integrem o referido pressuposto da indispensabilidade e, como tal, da urgência da própria intimação, ónus esse (de alegação) que, como atrás explicitámos, os Recorrentes não cumpriram.
Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 07/04/2022, proferido no processo sob o n.º 036/22.0BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto:
10. O despacho reclamado não violou, no entanto, o disposto no artigo 110.º-A do CPTA, na medida em que dele não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.
Como referem os autores atrás citados, «a possibilidade de convolação aqui prevista não opera quando em sede liminar, seja possível verificar que não se preenchem as demais condições de procedibilidade da intimação mencionadas no referido n.º 1 do artigo 109.º» - cfr. ob. cit., p. 903 -, como é o caso dos autos, em que os AA., ora Reclamantes, verdadeiramente não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.
Por outro lado, a convolação processual preconizada no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não serve para o objectivo requerido pelos Recorrentes, porquanto, só se pode aperfeiçoar/melhorar aquilo que já existe em termos de alegação factual, e não, como aqui almejam, para criar, de novo, matéria de facto ainda inexistente.
Dito de outro modo, bem observada a letra do citado comando legal, o que se permite é a substituição da petição inicial para o efeito de requerer a adopção de providência cautelar, e não para a concepção de um novo articulado com factos nunca antes alegados ou conhecidos, porquanto, ao referir-se à verificação das “circunstâncias do caso”, são as circunstâncias factuais já alegadas de modo concreto e densificado e que se deparam ao Juiz que profere o despacho liminar, ónus de alegação que os Recorrentes, como temos vindo a explicar, aqui incumpriram “ab initio”.
Até porque, diga-se, não podem aqui os Recorrentes beneficiar de um regime mais benévolo do que aquele que se verifica para qualquer requerente cautelar, pois que, ao abrigo do artigo 114.º, n.º 3, alínea g), do CPTA, do requerimento inicial relativo ao processo cautelar deve logo o requerente “Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido (…)”.
Não se descortina, por conseguinte, diversamente da tese dos Recorrentes, a hipótese de aperfeiçoamento no caso vertente, porquanto, não só inexiste para os processos cautelares norma paralela ao artigo 87.º do CPTA (inserido sistematicamente na marcha da acção administrativa e não na do processo cautelar), como também, a aplicar-se tal comando legal, que não se aplica, sempre teria de ser tido em conta que o convite ao suprimento previsto no n.º 3 do referido preceito legal tem em vista o completar ou o esclarecer de “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto [já] alegada”, “eliminando certas ambiguidades ou imprecisões” (cf. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª edição, Almedina, 2022, a página 701), mas não, com certeza, para a geração de nova matéria de facto nunca antes alegada (sublinhado nosso).
Daqui que, no caso em apreço, não errou a sentença recorrida ao não proceder à convolação prevista no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA.
Tudo visto, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se, com a presente fundamentação, a decisão recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
IV - A convolação ou substituição processual preconizada no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não tem o alcance de impor ao Juiz a prolação de um despacho-convite de suprimento, sobretudo, nas situações como a presente, em que, “ab initio”, não foi alegada matéria de facto demonstrativa de circunstâncias urgentes do caso concreto, nada havendo a suprir, completar ou esclarecer, porquanto, não se pode aperfeiçoar/melhorar factualidade que não foi sequer alegada.
***
V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, com a presente fundamentação, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 03 de Julho de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Ricardo Ferreira Leite – (1.º Adjunto)
Joana Costa e Nora – (2.ª Adjunta)