Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/20.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I-O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo, genericamente reconhecido no artigo 3.º, nº 3, do CPC. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário a concretização deste princípio está, desde logo, patente nos artigos 16.º, alínea a), 17.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, alínea b), todos do RJAT.
II-Se foram prolatados todos os atos a fundar e a legitimar o andamento do processo, assegurando-se a notificação das partes visadas, facultando-se o exercício de defesa, e se a falta de apresentação do articulado de resposta apenas pode ser imputada à inação da parte, tal em nada pode relevar enquanto nulidade por violação do princípio do contraditório.

III-O contemplado no artigo 19.º do RJAT mais não representa que uma mera faculdade e prerrogativa do julgador que, mediante as circunstâncias específicas do caso, pondera, fundamenta, e decide da sua concreta necessidade.

IV-O princípio da igualdade processual das partes significa, tão-só, que são iguais em direitos, deveres, poderes e ónus, estando colocadas em paridade de condições e gozando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida.

V-Inexiste nulidade por violação do princípio da igualdade, se ambas as partes expuseram as suas razões nos respetivos articulados e alegações, tendo tido oportunidade de contraditarem o alegado pela contraparte e de produzirem prova.

VI- Encontra-se vedado a este Tribunal emitir juízos sobre a justeza do veredito do tribunal arbitral, seja quanto à decisão de facto, seja quanto à aplicação do direito. Cabe ao tribunal arbitral formular livremente a sua convicção, sopesando as provas apresentadas pelas partes, dando a cada uma o relevo que entender que lhe cabe, que pode ser total ou nenhum, assim como às razões e argumentos formulados pelas partes.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante Impugnante ou ata) deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artigo 27.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Singular, no âmbito do processo …./2019-T, que a julgou totalmente procedente, anulando o ato impugnado e condenando no pagamento de juros indemnizatórios.


***

A Impugnante formula as seguintes conclusões:

“A. Não obstante não ter apresentado Resposta no prazo devido, a Impugnante, Recorrida no processo arbitral n.º ../2019-T, não pode, a todo o tempo, ficar impedida de participar, apresentando a sua defesa no decurso do processo arbitral;

B. Após ter sido notificada a Recorrente para vir aos autos dizer se mantinha interesse na inquirição da testemunha arrolada no Pedido de Pronúncia Arbitral e depois de esta ter dito que prescindia da produção de prova testemunhal, veio a ser proferido despacho no sentido da desnecessidade de alegações, considerando que "o processo fornece todos os elementos necessários à prolação de decisão" e a dispensar a realização da reunião prevista no artº 18.º do RJAT, com fundamento nos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo;

C. A AT, então Requerida e ora Impugnante, apresentou requerimento ao tribunal para junção aos autos das alegações que apresentou, onde aduzia a sua defesa, as quais não foram admitidas, tendo o tribunal arbitral determinado o desentranhamento das referidas alegações;

D. Assim, para sustentar a decisão arbitral de anulação do ato liquidação impugnado, foi tida em conta apenas a argumentação de facto e de direito invocado no Pedido de Pronúncia Arbitral da Requerente;

E. Ora, o princípio da autonomia dos tribunais arbitrais na condução do processo, está limitado pelos princípios do contraditório e da igualdade, os quais devem ser assegurar a "(...) efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que previamente se tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar", in Acórdão do TCA Norte, proferido no Proc. 00540/19.8BEBRG, em 28/02/2020;

F. O exercício do princípio do contraditório e a salvaguarda da igualdade das partes ao longo de todo o processo, tendo em vista a boa decisão da causa, assume particular relevância no caso dos processos arbitrais, os quais, por um lado, são caraterizados pela informalidade e pela autonomia dos tribunais na condução do processo (sem formalidades especiais), e por outro, dadas as limitadas possibilidades de recorrer de uma decisão proferida por um tribunal arbitral;

G. Nesse sentido, o tribunal arbitral podia e devia ter aceite que a Recorrida viesse a apresentar a sua defesa em fase de alegações, conforme, aliás, parece resultar do nº 2 do artº 19º do RJAT, o qual prevê que "o tribunal arbitral pode permitir a prática de ato omitido ou a repetição de ato ao qual a parte não tenha comparecido, bem como o respetivo adiamento.";

H. No caso sub judice, o tribunal arbitral veio a decidir peia desnecessidade de alegações por considerar que "o processo fornece todos os elementos necessários à prolação de decisão", consideração esta que se relaciona com o princípio geral de economia processual, através do qual se deve considerar prejudicada a prática de atos que não acrescentem nada de útil para o fim último da causa, o consciencioso e equitativo julgamento do objeto do processo;

I. Tal decisão só se compreende no sentido em que o tribunal arbitral pressupunha a falta de intenção da requerida de contraditar o pedido, por não ter apresentado a resposta no prazo previsto. Todavia, considerando que não constava dos autos a posição da AT relativamente às questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem no conteúdo da decisão, o tribunal arbitral poderia e deveria ter aceite as alegações que a AT apresentou;

J. É indubitável que a possibilidade de a Requerida apresentar em sede de alegações a sua posição quanto à matéria de facto e de direito em causa, não pode considerar-se um ato inútil nem se refere a questões simples e incontroversas;

K. Pelo contrário, a questão controvertida no litígio arbitral, sobre a qual a AT tem uma posição manifestamente contrária à da Requerente, é uma questão nova e juridicamente complexa, pelo que, in casu, não seria possível afastar o exercício do contraditório, ainda que em fase de alegações, com fundamento em "manifesta desnecessidade", cfr. nº 2 do artº 3.º do CPC;

L. Não tendo sido assegurados o contraditório e a igualdade das partes no processo arbitral n.º ……../2019-T, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 13.07,2020 viola os princípios do contraditório e da igualdade das partes, prevista na al. d) do nº l do artº 28.9 do RJAT, nos termos em que estes são estabelecidos nos artigos 16.º, alíneas a) e b) do RJAT e nos artºs 3º e 4.º do CPC, o que gera a nulidade da decisão arbitral, que deve ser decretada por esse Tribunal superior.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


***

A Entidade Impugnada, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“A. A presente impugnação apresentada pela AT provém da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Singular, no âmbito do processo n.º ……../2019-T.

B. Tendo sido o Tribunal Arbitral devidamente constituído, a 14 de Janeiro de 2020, o mesmo proferiu despacho arbitral no qual notificou a AT para apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

C. Ora, decorrido o prazo de 30 (trinta) dias a AT não apresentou resposta.

D. Por despacho arbitral de 13 de Março de 2020, o Tribunal Arbitral notificou a P………… para dizer se mantinha interesse na inquirição de testemunhas, tendo a mesma referido que prescindia da produção de prova testemunhal.

E. Deste modo, o Tribunal Arbitral dispensou ambas as partes da produção de alegações, atenta a circunstância de a única posição da então Requerente já ter sido «oferecida» à AT para efeitos de contraditório.

F. Já posteriormente a essa dispensa das alegações, a AT requereu a junção aos autos das suas alegações, não tendo, contudo, sido admitidas ao Tribunal a junção aos autos das mesmas com a sua defesa, a qual não foi admitida.

G. Perante a dispensa de produção de prova testemunhal por parte da P……………… e, perante a falta de resposta da AT, entendeu o Tribunal estarem reunidos os elementos necessários para a prolação da decisão.

H. Assim, o Tribunal Arbitral Singular, por decisão proferida a 13 de Julho de 2020, considerou que os veículos de competição não estão abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva do ISV, nos termos do disposto no artigo 2.º 15/21CISV e, consequentemente, julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

I. A AT que, com base na circunstância de não visto admitidas as suas alegações, entende que foram violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos do disposto na alínea d), do n.º1 do artigo 28.º do RJAT.

J. Desta enunciação decorre, antes do mais, a impropriedade da presente impugnação e a inconsistência do entendimento da AT face ao que, à luz das regras processuais, deverá considerar-se como violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes (foi a própria Impugnante que não se pronunciou no momento processual devido).

VEJAMOS,

A. DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

K. O princípio do contraditório é, num Estado de Direito democrático, um dos princípios basilares do processo, seja civil, tributário ou arbitral.

L. Tal como refere Carla Castelo Trindade3, «o princípio do contraditório é uma decorrência natural do princípio da participação previsto no n. º5 do artigo 267.º da CRP, no qual se estabelece que os cidadãos têm o direito de participar na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito. Acresce que, o princípio do contraditório é um dos pilares do processo em geral, seja civil, administrativo, tributário ou outro.

M. Em processo arbitral tributário este princípio tem expressão na alínea a) do n. º1 do artigo 16.º do RJAT. In «Regime Jurídico da Arbitrage4m Tributária Anotado», Almedina, Coimbra, 2016, p. 548/552.

N. Sucede, contudo, que é justamente por estarmos perante um princípio tão nevrálgico que não deve a AT manipulá-lo com vista a tentar obter uma nova decisão quando é evidente que o Tribunal Arbitral não o violou e, pelo contrário, o cumpriu sem mácula.

O. In casu, o Tribunal Arbitral notificou a AT para apresentar a sua resposta, ou seja, de acordo com os trâmites normais do processo arbitral (e não só do arbitral), perante a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, o Tribunal deu à outra parte a oportunidade para que pudesse exercer o contraditório – o que seria expectável que viesse a acontecer.

P. No entanto, foi a própria Impugnante que optou livremente por não apresentar qualquer resposta e, portanto, por não se pronunciar no momento e no prazo que – em cumprimento do princípio do contraditório – lhe foi conferido.

Q. Tendo em consideração a vasta jurisprudência a respeito do princípio do contraditório (vide, por todos, o Acórdão proferido no processo n.º 06258/12 e o Acórdão proferido no processo n.º 05775/12, ambos do TCA Sul), é forçoso concluir que não há violação do princípio do contraditório quando as partes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os factos alegados.

R. Em especial, conforme sublinha o TCA Sul (in processo n.º 06258/12) «A concretização deste princípio está bem patente, por exemplo, no artº.17, nº.1, do RJAT, no qual se concede à Administração Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo»- foi precisamente isto que aconteceu nos autos.

S. Ora, in casu, a AT, por escolha própria e livre de quaisquer condicionamentos, não proferiu uma «única palavra» no processo, quando foi expressa e devidamente notificada para o fazer. Pelo que não se compreende como é que vem agora tentar imputar as responsabilidades da sua inércia ao Tribunal Arbitral.

T. Pelo que o Tribunal respeitou, sem qualquer margem para dúvidas, o princípio do contraditório.

B. DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES

U. Um outro fundamento que habilitaria à impugnação da decisão arbitral é o da violação do princípio da igualdade das partes, previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT.

V. Atendendo à jurisprudência e, tendo em consideração o já referido Acórdão do TCA Sul, no processo n.º 06258/12, vejamos em que termos releva este princípio da igualdade das partes em processo arbitral tributário: «[o] princípio da igualdade das partes (ou de armas), consagrado no artº.16, al. b), do RJAT, visa o reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa no âmbito do processo arbitral.

Estamos perante um princípio também genericamente enunciado no artº.98, da L.G.T., tal como no artº.4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6. O dito princípio da igualdade processual ou de armas tem expressão constitucional no artº.20, nº.4, da C.R.P., norma onde se consagra o direito a um processo equitativo, surgindo o primeiro como princípio densificador do citado processo equitativo, de acordo com a doutrina e jurisprudência».

W. Seguindo de perto o Acórdão do TCA Sul, de 28/04/2016, proferido no âmbito do processo n.º 09251/154, podemos ler o seguinte: «[e]stando provado nos autos que a Impugnante foi regularmente notificada do despacho do tribunal arbitral que julgou dispensável a produção da prova requerida e que com esse despacho se conformou, não pode concluir-se senão pela inexistência de violação dos princípios do contraditório ou de igualdade de armas».

X. O mesmo se poderá dizer tendo por referência os presentes autos, em que a AT foi regularmente notificada para apresentar a sua resposta e se pronunciar, através de resposta / contestação, acerca do pedido de pronúncia arbitral instaurado pela Impugnada, tendo-se, contudo, conformado com o mesmo.

Y. É por demais evidente que o Tribunal Arbitral respeitou o princípio do contraditório e igualdade das partes.

Z. E nem se compreende como é que a Impugnante refere nas suas alegações que o Tribunal arbitral podia e devia ter aceite que a Recorrida viesse a apresentar a sua defesa em fase de alegações, invocando para tal o n. º2 do art. 19.º do RJAT, o qual prevê que «o tribunal arbitral pode permitir a prática de ato omitido ou a repetição de ato ao qual a parte não tenha comparecido, bem como o respetivo adiamento».

AA. Ora, do n.º1 do artigo 19.º do RJAT é evidente que a falta de apresentação de defesa, leia-se, da resposta da AT não obsta ao prosseguimento do processo, nomeadamente, à prolação da decisão arbitral, o que faz todo o sentido porque a Requerida (agora Impugnante) tem o direito de não se pronunciar, podendo submeter-se ao silêncio.

BB. Aliás, se porventura a AT tivesse algum impedimento ou necessitasse de prorrogar o prazo para poder responder poderia invocá-lo e requerê-lo e, aí sim, de acordo com o n.º 2 do artigo 19.º do RJAT, o Tribunal podia (mas não estava obrigado) permitir a prática do acto.

CC. Mas, a Impugnante nem isso fez, pura e simplesmente permitiu que o prazo decorresse, vindo agora alegar de que tinha expectativa de se pronunciar em sede de alegações.

DD. Das duas uma: ou a AT se conformou com o pedido de pronúncia arbitral e nada quis referir, ou simplesmente deixou passar o prazo e vem agora tentar justificar-se através da presente impugnação da decisão arbitral com fundamento na violação inexistente dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

EE. Ora, semelhante estratégia, porque «descabida», tem de ser rejeitada. Porque face ao exposto, não houve qualquer violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes por parte do Tribunal Arbitral. O que houve – isso houve e é indiscutível – foi inércia por parte da AT que, naturalmente, não se confunde com aqueles princípios.

FF. Não faz sentido nem pode admitir-se que estamos perante a violação de tais princípios apenas por habilidade da AT de, por falta de diligência (ou não, porque tal como referimos pode-se submeter ao silêncio), ter deixado decorrer o prazo para que se pudesse pronunciar no momento oportuno.

GG. Não pode, assim, proceder a impugnação apresentada com fundamento na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. O Tribunal Arbitral actuou irrepreensivelmente, respeitou a opção (radique esta em escolha ou em inércia) da Impugnante, e decidiu em respeito das regras e dos princípios processuais a que estava vinculado.

HH. Face ao exposto, deve a presente impugnação ser considerada totalmente improcedente, por não provada, com as devidas consequências legais. Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente impugnação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com as consequências legais.”



***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul, foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão arbitral apresenta, na parte que, ora releva, o seguinte teor:

“No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:
(i) a declaração de ilegalidade, do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos («ISV») n.º 2019/0143088, emitido pela Requerida relativamente ao veículo automóvel participante em competição desportiva com chassi n.º …………………….. com a matrícula específica de competição ……………, no valor de EUR 14594,77 (acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no montante de EUR 3356,80 e de juros compensatórios que se cifram em EUR 1290,55, perfazendo assim o montante global de EUR 19242,12), notificada através do Ofício n.º003391, de 04-07-2019 (Doc. 1 junto pela Requerente) — sendo que o que se discute nesta sede é unicamente a legalidade do referido ato de liquidação de ISV e dos referidos juros compensatórios (doravante, ato impugnado) cujas duas parcelas totalizam EUR 15885,32;
(ii) o reembolso do montante indevidamente suportado pela Requerente; e
(iii) o pagamento de juros indemnizatórios pela privação daquela quantia, nos termos do artigo 43.º da LGT calculados aÌ taxa legal e contados desde a data de pagamento do ato de liquidação.
2. O pedido de pronuncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 18 de outubro de 2019, e notificado à Requerida em 25 de outubro de 2019.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, em 25 de novembro de 2019 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 10 de dezembro de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 13 de janeiro de 2020.
6. Em 14 de janeiro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada em 15 de janeiro de 2020.
7. Decorrido o prazo legal (30 dias) a Requerida não apresentou Resposta, pelo que, em 11 de março de 2020 o Tribunal Singular proferiu despacho arbitral no qual ordenou a notificação do serviço periférico local (Alfândega de Aveiro) para nos termos do disposto no artigo 17.º n.º 2 do RJAT e do disposto no artigo 110.º nº 5 do CPPT, remeter, por via eletrónica, o processo administrativo. Este despacho foi notificado à Requerente e à Requerida no mesmo dia (11 de março de 2020).
8. Em cumprimento do despacho arbitral de dia 11 de março de 2020, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo em 12 de março de 2020.
9. Por despacho arbitral de dia 13 de março de 2020, o Tribunal ordenou a notificação da Requerente para vir aos autos dizer se mantinha interesse na inquirição da testemunha arrolada no Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo a Requerente sido notificada deste despacho no mesmo dia. Em 23 de março de 2020, a Requerente veio aos autos dizer que prescinde da produção de prova testemunhal.
10. Em 30 de junho de 2020 foi proferido despacho arbitral (notificado às partes no dia 1 de julho de 2020), com o seguinte teor:
“1. Tendo em consideração que:
(i) a Requerente prescindiu da prova testemunhal requerida no pedido de pronúncia arbitral;
(ii) a Requerida não apresentou resposta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, não tendo assim sido suscitada qualquer matéria de exceção;
(iii) o processo fornece todos os elementos necessários à prolação de decisão arbitral, pelo que, nos termos do artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1 al. c) do RJAT, não háì necessidade de alegacões.
O Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e (em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo) nos termos do artigo 19.º e do artigo 29.º n.º 2 do RJAT.
2. Indica-se o dia 13 de julho de 2020 (termo do prazo de seis meses, previsto no disposto no artigo 21.º do RJAT, sem considerar a suspensão prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio) para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a Requerente deverá pagar a taxa subsequente”;
11. Em 2 de julho de 2020, a Requerida veio “solicitar a junção aos autos das respetivas alegações finais”, “Discordando do despacho arbitral proferido nos autos”. Por despacho arbitral de dia 10 de julho de 2020 (notificado às partes na mesma data), não foi admitida por falta de fundamento legal a junção aos autos das referidas alegações.
12. Em síntese, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega o seguinte:
a) O ato impugnado resulta de um procedimento inspetivo interno em observância da Ordem de Serviço n.º OI2019201900073 sancionada por despacho de 13-03-2019 do Diretor da Alfândega de Aveiro Na origem da ação inspetiva, está um requerimento de matrícula de competição apresentado pela Requerente para o veículo automóvel concebido para participar em competições desportivas de marca Skoda, modelo Fabia R5, com chassi n.º ……………. e com a matrícula específica, destinada à sua participação em competições desportivas,…………. (doravante, Skoda Fabia R5);
b) Em 13-09-2017 a Requerente deu entrada na Alfândega de Aveiro de um pedido de regularização fiscal/legalização do Skoda Fabia R5 na sequência do qual os serviços alfandegários emitiram a Declaração Aduaneira de Veículo («DAV») n.º 2017/00149218 — no preenchimento da DAV, as autoridades alfandegárias aveirenses, por indicação expressa da Requerente, colocaram o “código 05” no campo respeitante ao “Regime de ISV” – o que, segundo a Requerente, significaria que aquele veículo automóvel com “anotações especiais” NÃO se destinaria a ser “matriculado”;
c) Mais tarde, a Requerente requereu ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (“IMT IP”) a legalização com atribuição de matrícula específica ……….. (matrícula essa cuja chapa apresenta fundo de cor vermelha); o IMT IP deu conhecimento deste requerimento à Requerida, o que terá dado origem ao procedimento de inspeção levado a cabo pela Requerida e que levou à emissão do ato impugnado;
d) Em suma, o entendimento da Requerida que levou à emissão do ato impugnado foi o seguinte: constitui facto gerador do imposto o “fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” (artigo 5º nº 1 do CISV). Também é atribuída uma matrícula aos veículos para competições desportivas (ainda que com características específicas), o que determina que os mesmos veículos são sujeitos a ISV (e não podem ser enquadrados nos “veículos não destinados a matrícula” previstos no artigo 24.º do CISV);
e) Alega a Requerente que a Requerida praticou o ato impugnado sem “se debruçar sobre os contornos fáticos da situação concreta daquele veículo”, uma vez que o Skoda Fabia R5: (i) foi adquirido diretamente à fábrica (na República Checa) sem que tenha sido aposta a designada “matrícula de origem”; (ii) foi concebido pela Skoda Auto com vista a participar em competições desportivas, daí que tenha promovido a transformação da sua carroçaria, afetando significativamente elementos estruturais e as características regulamentares, em detrimento da segurança da circulação rodoviária; (iii) apresenta propriedades — ao nível da iluminação, da potência do motor, e da poluição sonora ou do desconforto— que redundam numa manifesta “desadequação” técnica daquele veículo automóvel às infra-estruturas rodoviárias; simplesmente não está “apto” a circular na via pública; tanto assim é que o Skoda Fabia R-5 não circula, de todo, na via pública, sendo sempre transportado por um camião para as competições desportivas nas quais participa;
f) A Requerente apresenta os seguintes argumentos para sustentar a sua posição:
1) No que respeita aos “automóveis, seus reboques e motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos” (abrangendo quaisquer veículos automóveis ligeiros que se destinam à (livre) circulação na via pública): (i) A obrigatoriedade de matrícula decorre do disposto no n.º 1 do artigo 117.º do Código da Estrada (doravante, CE); (ii) o Decreto-Lei n.º 128/2006, de 5 de Julho regulamenta o processo de atribuição de matrícula para este tipo de veículos (artigo 117.º n.º 6 do CE); estes diplomas colocam a tónica do ato de atribuição de matrícula — “o ato administrativo de registo de um veículo destinado ou autorizado a circular na via pública, efetuado pela entidade competente, que identifique o veículo e estabeleça as suas condições de circulação” (artigo 2.º al. (d) do Decreto-Lei n.º 128/2006, de 5 de Julho) — no ato de colocação do veículo em (LIVRE) CIRCULAÇÃO NA VIA PÚBLICA;
2) No que respeita aos veículos participantes em competição desportiva (veículos concebidos ou alterados com vista à sua participação em competições desportivas, com características técnicas que deverão ser averbadas em anotações especiais dos certificados de matrícula), estes veículos não são matriculáveis ao abrigo do CE (e, consequentemente, não podem circular (livremente) na via pública), mas são matriculáveis ao abrigo do regime excecional previsto no Decreto-Lei n.º 180/2014 de 24 de Dezembro, que prevê diferenças materiais de regime, face ao regime geral de atribuição de matrículas nacionais, designadamente:
(i) o ato de matricular veículos para competições desportivas depende de um certificado de aprovação de modo a comprovar que o veículo participante em competição desportiva obedece à regulamentação da entidade desportiva nacional respetiva e pode circular em segurança na via pública;
(ii) o número, modelo, chapa de matrícula, e a colocação desta no veículo participante em competição desportiva têm especificidades (eg. a chapa de matrícula a utilizar deve apresentar fundo de cor vermelha);
(iii) o veículo participante em competição desportiva pode circular na via pública apenas em duas situações: (a) para efeitos de deslocações realizadas no âmbito de uma competição desportiva, no período compreendido entre as 48 horas antes do início da competição desportiva em que vai participar e as 48 horas após o final da mesma; e (b) excecionalmente, quando se desloque a centro de inspeção, mediante apresentação de documento que comprove a prévia marcação da inspeção periódica; podendo circular no percurso entre o local em que o veículo se encontra guardado e a via pública onde se realizam as competições e/ou a via pública onde se localiza o centro de inspeção;
(iv) o veículo participante em competição desportiva só pode ser conduzido pelo piloto, copiloto ou mecânicos e só pode transportar passageiros, em qualquer dos casos, desde que estejam devidamente identificados no passaporte técnico;
qualquer proprietário de tais veículos automóveis pretende tê-los legalizados, inspecionados e em condições de circulação na via pública nos exatos termos previstos no Decreto-Lei n.º 180/2014, de 24 de Dezembro: (i) porque só assim é que poderão participar nas aludidas competições desportivas e (ii) para efeitos de seguros de responsabilidade civil automóvel (vg. por danos a terceiros);
3) Nos termos do disposto no artigo 24.º do Código do Imposto sobre Veículos (doravante, CISV), estão excluídos da incidência objetiva do ISV, na estrita medida do princípio da equivalência, os veículos automóveis que, muito embora tenham dado entrada em território português, NÃO SE DESTINEM a ser matriculados com a finalidade de (livre) circulação na via pública (enquadrando-se na exclusão de tributação os veículos participantes em competição desportiva). Defende a Requerente que a expressão “matriculados” empregue pelo legislador reporta-se tão-só aos veículos automóveis que por circularem (livremente) na via pública, submetem-se ao procedimento de atribuição de matrícula nacional regido pelo CE e pelo Decreto-Lei n.º 128/2006, de 5 de Julho (regulamento de atribuição de matrícula a automóveis, seus reboques e motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos). Defende ainda que o artigo 24.º do CISV (i) carece de interpretação atualista (dado que a entrada em vigor da norma é anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 180/2014, de 24 de Dezembro); e (ii) na sua ratio legis prevê uma discriminação positiva que exclui de tributação um universo circunscrito de veículos automóveis (veículos que vão para abate, para práticas recreativas em propriedade privada ou para colecionismo) sobre os quais impende um motivo que os dispense da atribuição de “matrícula nacional”, precisamente por não circularem (livremente) na via pública;
4) Os tributos baseados no princípio da equivalência (artigo 1.º do CISV e artigo 13.º da CRP) deverão ter como pressuposto a compensação da comunidade pela criação de um custo ou o aproveitamento de um benefício pelos sujeitos passivos e, nessa medida, o custo e o benefício respetivamente provocado ou aproveitado deverão constituir o limite da quantificação dos tributos nele fundados. Assim, a interpretação do artigo 24.º do CISV de acordo com o princípio da equivalência determina o afastamento da incidência objetiva do ISV os veículos automóveis participantes em competições desportivas, uma vez que estão expressamente afastados todos os veículos que se destinam a prosseguir outras finalidades que não a (livre) circulação na via pública, designadamente desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, colecionismo.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III. FACTOS PROVADOS
1) A Requerente eì proprietária do veículo automóvel de marca Skoda, modelo Fabia R5, com chassi n.º …………………. e com a matrícula ……….., constando do certificado de matrícula (nº ………………de 2017-09-29) a anotação “VEÍC. PARTICIPANTE EM COMP. DESPORTIVA; PN (EM ALCATRÃO 225/4 0R18; 255/20R18); (EM TERRA 05/65R15; 215/;65R15)”; o veículo tem o Passaporte Técnico nº ... (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting);
2) O Skoda Fabia R-5 foi adquirido em estado novo, diretamente à B... Auto (na República Checa), conforme fatura com o n.º…………, de 28 de agosto de 2017;
3) O B... ... Skoda Fabia R-5 foi concebido com vista a participar em competições desportivas — foi promovida a transformação da sua carroçaria, afetando significativamente elementos estruturais e as características regulamentares, em detrimento da segurança da circulação rodoviária;
4) As propriedades do Skoda Fabia R-5.– seja ao nível da iluminação (luzes e refletores que ofuscam), seja ao nível da potência do motor (que permite exceder, sem surpresas, o limite máximo de velocidade permitido para veículos ligeiros de passageiros ou mistos), seja ao nível da poluição sonora ou do desconforto (involuntariamente por este gerados) – redundam numa manifesta «desadequação» técnica daquele veículo automóvel às infraestruturas rodoviárias; simplesmente não está «apto» a circular na via pública;
5) O Skoda Fabia R-5 não circula, de todo, na via pública, sendo, ao invés, transportado por um camião para as competições desportivas nas quais participa;
6) Tendo sido o Skoda Fabia R-5 comprado diretamente na «fábrica» checa, não havia sido aposta a designada «matrícula de origem»;
7) Em 13-09-2017 deu entrada na Alfândega de ... um pedido de regularização fiscal daquela viatura automóvel («pedido de legalização», na gíria automobilística), na sequência do qual os serviços alfandegários emitiram a Declaração Aduaneira de Veículo («DAV») n.º 2017/00149218.
8) No preenchimento daquela DAV, as autoridades alfandegárias aveirenses, por indicação expressa do contribuinte, colocaram o «código 05» no campo respeitante ao «Regime de ISV» – o que significaria que aquele veículo automóvel com «anotações especiais» não se destinaria a ser «matriculado»;
9) Mais tarde a Requerente requereu ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. («IMT IP») a regularização fiscal/legalização com atribuição de matrícula específica ………., matrícula essa cuja chapa apresenta fundo de cor vermelha;
10) Por despacho de dia 13 de março de 2019, do Diretor da Alfândega de Aveiro, a Requerente foi selecionada para ser objeto de ação de fiscalização interna, no âmbito do Imposto sobre Veículos (ISV) — a Ordem de Serviço n.º OI201900073;
11) O Relatório da Ação Inspetiva foi emitido com despacho do Diretor da Alfândega de Aveiro de dia 14 de junho de 2019. Em consequência das conclusões finais do referido Relatório, a Requerente foi notificada do Ofício n.º3391 de 4 de julho de 2019 (com carimbo de 19 de julho de 2019), da Alfândega de Aveiro, para pagar o montante de EUR 19242,12, relativa a uma dívida de ISV, juros compensatórios, e IVA, incorporando esta notificação o ato impugnado;
IV. FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base na apreciação da prova documental junta aos autos pelas partes. Os factos essenciais demonstrados pelos documentos que constam do processo administrativo confirmam os factos alegados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
V. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
Nos termos do disposto no artigo 5.º n.º 3 do CPC (norma aplicável ex. vi. artigo 29.º nº 1 alínea e) do RJAT), o Tribunal “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito“. Deste modo, no caso concreto, estão em causa nos presentes autos as seguintes três questões:
(1) os veículos participantes em competição desportiva como o Skoda Fabia R-5 em causa nos presentes autos (veículos concebidos ou alterados com vista à sua participação em competições desportivas, com características técnicas que deverão ser averbadas em anotações especiais dos certificados de matrícula) (doravante, veículos de competição), estão abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva do ISV?
(2) Os veículos de competição estão sujeitos a ISV “com base apenas e soì no acto administrativo de «matricular», ainda que seja uma matriìcula «vermelha» e com condiçoÞes (bem) apertadas de circulaçaÞo na via puìblica”?
(3) A Requerente tem direito a juros indemnizatórios?
A resposta à primeira questão tem de ser encontrada no CISV — publicado pela Lei n.º 22-A/2007, in Diário da República n.º 124/2007, 1º Suplemento, Série I de 2007-06-29) que aprovou o CISV e o Código do Imposto Único de Circulação — particularmente na interpretação e aplicação das normas de incidência deste imposto (artigo 2.º CISV), antes mesmo de partirmos para a análise do disposto no artigo 24.º do CISV.
A interpretação das normas de incidência do ISV, tem de ser feita em conjugação com a interpretação das normas do CE, designadamente com a norma prevista artigo 106.º nº 2 do CE que prevê que os automóveis ligeiros ou pesados , incluem-se, segundo a sua utilização, nos seguintes tipos:
a) De passageiros - os veículos que se destinam ao transporte de pessoas;
b) De mercadorias - os veículos que se destinam ao transporte de carga.
O nº 3 da norma prevê que: “Os automóveis de passageiros e de mercadorias que se destinam ao desempenho de função diferente do normal transporte de passageiros ou de mercadorias são considerados especiais, tomando a designação a fixar em regulamento, de acordo com o fim a que se destinam.”
Os veículos de competição destinam-se “ao desempenho de função diferente do normal transporte de passageiros ou de mercadorias” (destinam-se exclusivamente à prática de atividade desportiva), devendo assim ser considerados veículos especiais de acordo com o fim a que se destinam (de acordo com o disposto no artigo 106.º nº 3 do CE).
É o caráter especial do FIM a que se destinam estes veículos (por se destinarem a fim distinto do normal transporte de passageiros ou de mercadorias), que justifica que nos termos do disposto no artigo 117.º n.º 6 do CE o processo de atribuição de matrícula, a composição do respetivo número, bem como as características da respetiva chapa seja regulado por Regulamento próprio (distinto do Regulamento que aplicável aos veículos que se destinam ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias).
Também no mesmo sentido, deve ser interpretado o disposto no artigo 2.º do CISV (norma de incidência objetiva do ISV) que prevê:
“Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:
a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;
b) Automóveis ligeiros de utilização mista, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga;
c) Automóveis ligeiros de mercadorias, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, que se destinem ao transporte de carga, de caixa aberta, fechada ou sem caixa;
d) Automóveis de passageiros com mais de 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor;
e) Autocaravanas, considerando-se como tais os automóveis construídos de modo a incluir um espaço residencial que contenha, pelo menos, bancos e mesa, espaço para dormir, que possa ser convertido a partir dos bancos, equipamento de cozinha e instalações para acondicionamento de víveres;
f) Motociclos, triciclos e quadriciclos, tal como estes veículos são definidos pelo Código da Estrada”.
Uma leitura do disposto no artigo 2.º do CISV determina que estão abrangidos pelo âmbito de aplicação objetivo do CISV, os veículos automóveis que se destinem: (i) ao transporte de pessoas; (ii) ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga; (iii) ao transporte de carga, de caixa aberta, fechada ou sem caixa; — fins a que também se destinam os veículos previstos nas alíneas (d) a (f) do artigo 2.º do CISV. As exclusões do número 2 do artigo 2.º aplicam-se a situações específicas, como os veículos não motorizados ou elétricos ou as ambulâncias, sendo estas últimas definidas também em função do fim a que se destinam: “destinados ao transporte de pessoas doentes ou feridas dotados de equipamentos especiais para tal fim”.
Resulta claramente que uma interpretação do disposto no artigo 2.º do CISV em conjugação com o artigo 106.º do CE, que os veículos que estão abrangidos pelo âmbito de incidência objetivo do ISV (artigo 2.º), são os veículos destinados ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias, ficando de fora do âmbito de incidência da norma os veículos qualificados como “veículos especiais”, por se destinarem a fim distinto do normal transporte de passageiros ou de mercadorias. Esta é a leitura que resulta expressamente da letra do artigo 2.º do CISV, cujo sentido tem de ser analisado em conjugação com o disposto no artigo 106.º do CE, para que se obtenha uma interpretação que respeite a unidade do sistema jurídico (vide artigo 9.º do Código Civil).
Esta interpretação é reforçada pelo disposto no artigo 24.º do CISV:
“Os veículos que entrem em território nacional e não se destinem a ser matriculados, por se destinarem a desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, colecionismo ou qualquer outra razão que dispense a atribuição de matrícula nacional devem, no prazo de 10 dias úteis após a entrada em território nacional, ser objeto de apresentação de DAV, sendo os documentos originais do veículo entregues no IMT, I. P., ou nos serviços competentes em matéria de transportes terrestres, no caso das regiões autónomas, no prazo de 10 dias a contar da data de apresentação da DAV”.
Os veículos que se “destinem” ao “desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, colecionismo ou qualquer outra razão que dispense a atribuição de matrícula nacional” são veículos que NÃO se destinam ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias, e exclusivamente por esse motivo, não cabem no âmbito da norma de incidência objetiva do ISV (artigo 2.º). O que significa que o artigo 24.º do CISV não alarga (nem reduz) o âmbito da incidência do ISV, uma vez que é o próprio artigo 2.º que afasta os veículos que não se destinam ao normal transporte de passageiros e mercadorias (veículos estes que podem ou não obter uma matrícula especial).
Os veículos de competição (cujo fim é distinto do normal transporte de passageiros ou de mercadorias), conforme a Requerente alega na petição inicial, estão sujeitos a um regime legal distinto do regime legal aplicável aos veículos que se destinam ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias (abrangidos pelo âmbito de aplicação objetivo previsto no artigo 2.º do CISV): conforme a Requerente refere no pedido de pronúncia arbitral, os veículos de competição distinguem-se desde logo pelo facto de não serem admitidos a circular na via pública nas mesmas condições que os veículos que se destinam ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias.
Nos termos do disposto no artigo 117.º n.º 1 do CE (aplicável aos veículos que que se destinam ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias), “Os veículos a motor e os seus reboques só são admitidos em circulação desde que matriculados”. A atribuição de matrícula (para os automóveis destinados ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias) é regulada pelo disposto no Regulamento de Atribuição de Matrícula a Automóveis, seus Reboques e Motociclos, Ciclomotores, Triciclos e Quadriciclos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2006 (Diário da República n.º 128/2006, Série I de 2006-07-05) (doravante, RAMA), que define o ato de “Matricular” (artigo 2.º al. b)) como:
“o acto administrativo de registo de um veículo destinado ou autorizado a circular na via pública, efectuado pela entidade competente, que identifique o veículo e estabeleça as suas condições de circulação” — o que nos permite definir o ato de matricular como o ato de concessão de autorização para circular na via pública.
A ratio legis das normas citadas, que determinam a necessidade de uma “autorização/matricula” para um veículo automóvel (destinado ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias) circular na via pública, justifica-se pela necessidade de garantir a segurança na circulação na via publica. É esta necessidade de garantir a segurança na circulação na via publica, que justifica a previsão do disposto no artigo 3.º do RAMA e que justifica as normas previstas nos artigos 114.º e seguintes do CE e na restante legislação complementar, que regulam as características técnicas dos veículos automóveis autorizados a circular “livremente” na via pública.
O processo de atribuição de matrícula aos veículos de competição é regulado pelo Decreto-Lei n.º 180/2014 (Diário da República n.º 248/2014, Série I de 2014-12-24) (doravante, DL 180/2014). No sumário do DL 180/2014 o legislador prevê que o diploma:
“Estabelece o regime jurídico de aprovação, atribuição de matrícula, alteração de características e inspeção de veículo automóvel e de ciclomotores, motociclos, triciclos e quadriciclos participantes em competição desportiva, para efeitos de circulação na via pública” — mais uma vez, o fim a que se destino do veículo (participantes em competição desportiva) é o critério determinante para efeitos de aplicação do regime legal excecional de atribuição de matrícula previsto no DL 180/2014.
Conforme expõe a Requerente, resulta claramente do exposto no DL 180/2014, designadamente do respetivo preâmbulo, que os veículos de competição, tendo em consideração o fim a que se destinam, estão sujeitos a regras especiais de circulação na via pública. A necessidade de assegurar a segurança na via pública, justifica que o regime de atribuição de matrícula a estes veículos seja um regime especial, regulado por Regulamento próprio, que inclusivamente determina que o próprio aspeto visual das matrículas atribuídas aos veículos de competição seja distinto do aspeto visual das matrículas que são atribuídas aos veículos regulados pelo RAMA.
Uma vez que os veículos de competição são afastados da norma de incidência objetiva prevista no disposto no artigo 2.º do CISV, por não se destinarem ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias, conforme exposto supra, não há-que atribuir relevância ao ato de atribuição de matrícula nos termos do DL 180/2014, enquanto ato gerador do imposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º do CISV.
É o próprio artigo 5.º n.º 1 do CISV que prevê: “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”. Ora, são tributáveis em território nacional os veículos automóveis que se enquadrem no disposto no artigo 2.º do CISV (norma de incidência objetiva), o que não é o caso dos veículos de competição (veículos destinados a participação em competição desportiva).
Em conclusão, entende este Tribunal que os veículos de competição, pelo fim a que se destinam, NÃO estão abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva do ISV, previsto nos termos do artigo 2.º do CISV.
Relativamente à segunda questão (os veículos de competição estão sujeitos a ISV “com base apenas e soì no acto administrativo de «matricular», ainda que seja uma matriìcula «vermelha» e com condiçoÞes (bem) apertadas de circulaçaÞo na via puìblica”?), tendo em consideração a resposta que demos à primeira questão, a resposta a esta segunda questão terá necessariamente de ser negativa.
Conforme exposto supra na presente decisão arbitral, o disposto no artigo 5.º nº 1 do CISV
só é aplicável a veículos tributáveis em território nacional, ou seja, aos veículos sujeitos a ISV em Portugal, nos termos do artigo 2.º do CISV. Os veículos de competição não estão abrangidos pelo âmbito de incidência objetivo do ISV (artigo 2.º), o que determina a total irrelevância do ato de atribuição de matrícula (nos termos do DL 180/2014) para efeitos de sujeição destes veículos a ISV.
O critério determinante da incidência do ISV, nos termos do disposto no artigo 2.º do CISV, é o destino do veículo automóvel, conforme exposto supra. Também para efeitos de aplicação do disposto no artigo 24.º do CISV, é o “destino” do veículo (“desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, colecionismo ou qualquer outra razão que dispense a atribuição de matrícula nacional”) que determina o âmbito de aplicação do disposto no artigo 24.º do CISV.
Nos termos do disposto no artigo 103.º da Constituição “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Ora, o âmbito da incidência objetiva do ISV é determinado muito claramente pelo disposto no artigo 2.º do CISV, norma que atribui relevância ao destino do veículo (normal transporte de passageiros ou de mercadorias) e não ao ato de matricular, para determinar o âmbito da incidência deste imposto. Pelo que, nos termos do princípio da legalidade, não pode o intérprete querer abranger pelo âmbito de incidência da norma fiscal realidades que a norma fiscal expressamente afasta, como é o caso dos veículos de competição.
Note-se que o critério escolhido pelo legislador na escolha da norma de incidência (destino do veículo) é perfeitamente adequado, uma vez que nos permite com maior rigor respeitar o princípio da equivalência previsto no disposto no artigo 1.º do CISV, que determina que a lei visa onerar os veículos destinados ao normal transporte de passageiros ou de mercadorias, que são os veículos que representam um maior custo “nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Os veículos de competição (que só estão aptos a circular na via pública nas condições descritas no DL 180/2014) representam um custo substancialmente menor, quer no domínio do ambiente, quer no domínio das infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, o que determinou que o legislador tenha excluído do seu âmbito de aplicação os veículos automóveis que não sejam destinados ao cumprimento das finalidades previstas no disposto no artigo 2.º do CISV.
Relativamente à terceira questão (a Requerente tem direito a juros indemnizatórios?), a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios — (à taxa de 4%, nos termos do artigo 43.º n.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.
No caso concreto, os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º nº 1 da LGT estão verificados, uma vez que: (a) a Requerida incorreu num erro de direito ao emitir o ato impugnado; (b) o erro foi imputável aos serviços da Requerida; (c) a existência desse erro foi determinada em decisão arbitral; e (d) desse erro resultou o pagamento de uma dívida tributária que não era devida (vide neste sentido, o Acórdão do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de maio de 2019, proferido no processo nº 1770/12.9BELRS, disponível in http://www.dgsi.pt).
Termos em que, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal (4%), que são devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.
VI. DECISÃO
Termos em que se decide julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:
a) Anular o ato impugnado;
b) Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente dos montantes pagos indevidamente;
c) Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios à Requerente, à taxa legal (4%), devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado; e
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo(…)”


***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

A) A 17 de outubro de 2019, a ora Impugnada apresentou junto do CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral (cfr. fls. 1 a 86 do PA arbitral apenso, a que correspondem futuras referências sem menção de origem);

B) O pedido de pronúncia arbitral foi aceite em 18 de outubro de 2019, e notificado à ATA em 25 de outubro de 2019 (cfr. fls. 87 a 90 do PA arbitral apenso);

C) A 25 de novembro de 2019, e na falta de nomeação de árbitro e ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação de Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, com a respetiva aceitação (cfr. fls. 102 do PA arbitral apenso);

D) A 10 de dezembro de 2019, as partes foram notificadas da designação referida em C) (cfr. fls. 100 e 102 verso do PA arbitral apenso);

E) A 13 de janeiro de 2020, e em resultado da tramitação referida em B) a D), foi constituído Tribunal Arbitral Singular (cfr. fls. 108 do PA arbitral apenso);

F) A 14 de janeiro de 2020, foi proferido despacho ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cfr. fls. 114 do PA arbitral apenso);

G) A ATA foi notificada a 15 de janeiro de 2020, do despacho referido em F) (cfr. fls. 115 do PA arbitral apenso);

H) Na sequência da notificação referida na alínea antecedente, e na falta de resposta da ATA, a 11 de março de 2020, o Tribunal Singular proferiu despacho no qual ordenou a notificação do serviço periférico local-Alfândega de Aveiro para nos termos do disposto no artigo 17.º n.º 2 do RJAT e do disposto no artigo 110.º nº 5 do CPPT, remeter, por via eletrónica, o processo administrativo (cfr. fls. 118 do PA arbitral apenso);

I) O despacho evidenciado em H), foi notificado às partes a 11 de março de 2020 (cfr. fls. 119 a 121 do PA arbitral apenso);

J) A 12 de março de 2020, e em cumprimento do despacho referido em H), a ATA juntou aos autos o processo administrativo (cfr. fls. 122 do PA arbitral apenso);

K) A 13 de março de 2020, foi prolatado despacho com o seguinte teor:

“Uma vez que a Fazenda Pública não apresentou resposta nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, e atendendo à aplicação do princípio da celeridade processual, notifica-se a Requerente para informar os autos se mantém interesse na inquirição da testemunha arrolada no Pedido de Pronúncia Arbitral.” (cfr. fls. 279 do PA arbitral apenso);

L) A 23 de março de 2020, e na sequência da notificação referida em K), a Impugnante, prescindiu da produção de prova testemunhal (cfr. fls. 285 do PA arbitral apenso);

M) A 30 de junho de 2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:

“1. Tendo em consideração que:
(i) a Requerente prescindiu da prova testemunhal requerida no pedido de pronúncia arbitral;
(ii) a Requerida não apresentou resposta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, não tendo assim sido suscitada qualquer matéria de exceção;
(iii) o processo fornece todos os elementos necessários à prolação de decisão arbitral, pelo que, nos termos do artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1 al. c) do RJAT, não háì necessidade de alegacões.
O Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e (em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo) nos termos do artigo 19.º e do artigo 29.º n.º 2 do RJAT.
2. Indica-se o dia 13 de julho de 2020 (termo do prazo de seis meses, previsto no disposto no artigo 21.º do RJAT, sem considerar a suspensão prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio) para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a Requerente deverá pagar a taxa subsequente” (cfr. fls. 288 do PA arbitral apenso);

N) A 1 de julho de 2020, e na sequência da notificação do despacho referido em M), a ATA, veio “discordando do despacho arbitral proferido nos autos à margem referenciados, em 30-06-2020, vem a AT solicitar a junção aos autos das respetivas Alegações finais, anexas a este requerimento” (cfr. fls. 294 do PA arbitral apenso);

O) A 10 de julho de 2020, e em resultado do requerimento referido em N), foi prolatado despacho com o seguinte teor:

« Texto no original»

(cfr. fls. 298 do PA arbitral apenso);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo ………./2019-T, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato de liquidação e condenando a ATA, ora Impugnante, no reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão recorrida incorreu nas seguintes nulidades:

· Violação do Princípio do Contraditório;

· Violação do Princípio da Igualdade.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, atentando no aludido normativo vislumbra-se que as causas de pedir se subsumem normativamente na alínea d).

Comecemos, então, pela arguida nulidade por violação do princípio do contraditório.

A Impugnante advoga, desde logo, violação do princípio do contraditório na medida em que a decisão arbitral de anulação do ato liquidação impugnado, tomou apenas em linha de conta a argumentação de facto e de direito invocada no Pedido de Pronúncia Arbitral da Requerente, não tendo a, ora, Impugnante tido a possibilidade de se pronunciar.

Logo, assumindo o princípio do contraditório um corolário base em toda a tramitação processual, e uma superior importância nos tribunais arbitrais porquanto caraterizados pela informalidade e pela autonomia dos tribunais na condução do processo e atenta, outrossim, as limitadas possibilidades de recorrer de uma decisão proferida por um tribunal arbitral, podia/devia ter admitido a apresentação da sua defesa em fase de alegações.

Aduzindo, adicionalmente, que tal procedimento é o que resulta, ademais, do consignado no nº 2 do artigo 19.º do RJAT, o qual prevê que "o tribunal arbitral pode permitir a prática de ato omitido ou a repetição de ato ao qual a parte não tenha comparecido, bem como o respetivo adiamento."

Conclui, assim, que não constando dos autos a posição da ATA relativamente às questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem no conteúdo da decisão, o tribunal arbitral poderia/deveria ter aceitado as alegações que apresentou, quando, ademais, a questão controvertida no litígio arbitral, é uma questão nova e juridicamente complexa.

Desfecha, portanto, que seria impossível afastar o exercício do contraditório, ainda que em fase de alegações, com fundamento em "manifesta desnecessidade", cfr. nº 2 do art.º 3.º do CPC.

A Impugnada dissente da arguida nulidade, na medida em que inversamente ao propugnado pela Impugnante, o Tribunal Arbitral cumpriu integralmente o contraditório ao longo de todo o processo, adensando que foi a própria Impugnante que optou, livremente, por não apresentar qualquer resposta e, portanto, por não se pronunciar no momento e no prazo legal. Logo, em cumprimento do princípio do contraditório que lhe foi conferido, deliberadamente não tomou essa opção.

Vejamos, então.

O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo (1), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º RJAT, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]» [José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99].

O direito à prova surge, assim, como uma «dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo», que, por seu turno, constitui parte integrante do princípio material da igualdade. E densifica-se no «direito de oferecer e produzir provas, controlar as provas do adversário, e discretear sobre o valor de umas e outras, nos termos previstos na lei” (2).

Neste particular, e enquanto reflexo da consagração deste princípio basilar importa convocar o artigo 415.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o qual sob a epígrafe de “princípio da audiência contraditória” dispõe que “[s]alvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. Assim, e centrando-nos apenas nas provas já constituídas, a apreciação dos elementos de prova constantes do processo deve ser precedida do contraditório (3).

Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário a concretização deste princípio está, desde logo, patente no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, no sentido de que deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de se poderem pronunciar sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. Estando, outrossim, materializada no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, no qual se concede à Autoridade Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo, e bem assim no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais exceções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido.

Resulta, assim, que tal princípio visa, desde logo, evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso.

Ora, tendo presente as alegações da Impugnante e a concreta densificação e extensão do aludido princípio, entendemos que não assiste razão à mesma, porquanto tendo presente toda a dinâmica e tramitação processual foi, efetivamente, assegurado o contraditório em todas as fases, requerimentos e despachos prolatados nos autos.

Inversamente ao advogado pela Impugnante inexiste a aduzida nulidade, não podendo lograr mérito o aduzido em A) no sentido de que ficou “impedida de participar apresentando a sua defesa no decurso do processo arbitral” porquanto não tem respaldo na tramitação do processo arbitral, conforme resulta claramente da factualidade, ora, fixada.

Senão vejamos.

Na sequência de dedução de impugnação arbitral e subsequente nomeação de árbitro, foi constituído Tribunal Arbitral Singular.

Em resultado dessa constituição, foi a ATA, devidamente, notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e, querendo, a produção de prova adicional, faculdade que não foi exercida, razão pela qual foi ordenada a junção do respetivo processo administrativo, o que foi cumprido a 12 de março de 2020.

Nessa conformidade, a 13 de março de 2020, e valorando, justamente, a ausência de resposta da ATA, e o princípio da celeridade processual, notificou a Requerente, ora Impugnada, para vir aos autos informar se mantinha interesse na inquirição da testemunha arrolada, tendo a mesma, nessa conformidade, prescindido da competente produção de prova testemunhal.

E em resultado da tramitação supra expendida, foi proferido novo despacho, datado de 30 de junho de 2020, o qual valorando as circunstâncias de facto supra expendidas, e por reputar, igualmente, que o processo continha todos os elementos necessários à prolação da decisão arbitral, concluiu pela desnecessidade de alegações escritas, nos termos do artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 alínea, c) do RJAT. E bem assim, pela dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, fazendo, uma vez mais, menção aos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, à celeridade, simplificação e informalidade do mesmo, em ordem ao consignado no artigo 19.º e do artigo 29.º n.º 2 do RJAT. Despacho esse cujo contraditório foi, efetivamente, assegurado.

Sem embargo do despacho supra expendido, reputou, no entanto, a ATA, ora, Impugnante que poderia/deveria apresentar alegações escritas, as quais foram objeto do competente desentranhamento, mediante despacho prolatado a 10 de julho de 2020, no qual expressamente se evidencia que o artigo 18.º do RJAT deve ser lido em consonância com o artigo 120.º do CPPT, e nessa medida só devem ser produzidas alegações quando tenha sido produzida prova que não conste do processo administrativo, ou quando o Tribunal considere necessário.

Adensando esse mesmo despacho, mediante concreta densificação da tramitação ocorrida nos autos, que não tendo havido resposta da ATA aquando da notificação para o efeito, e tendo, outrossim, a Requerente, ora, Impugnada prescindido da competente prova testemunhal, inexiste fundamento legal para a junção e admissão das competentes alegações escritas.

Ora, face ao supra expendido, dimana, com clareza, que não foi preterido o princípio do contraditório relativamente a qualquer ato processual produzido no processo arbitral, sendo que a alegada falta de participação no mesmo, especificamente apresentação de resposta, circunscreve-se na sua esfera jurídica.

Noutra formulação, dir-se-á que tendo a mesma sido, devidamente, notificada para o efeito, a falta de apresentação do articulado de resposta apenas pode ser imputada à sua inação, donde, sibi imputed.

Há, igualmente, que adensar que a errónea interpretação, valoração, e a concreta desnecessidade das alegações escritas, em nada pode comportar a violação do contraditório, pode sim traduzir um erro de julgamento, mas não a preterição do invocado princípio.

No caso vertente, é inegável que foram prolatados todos os atos a fundar e a legitimar o andamento do processo, assegurando-se a notificação das partes visadas e facultando, por conseguinte, o exercício de defesa.

Por outro lado, há que ressalvar que o contemplado no artigo 19.º do RJAT mais não representa que uma mera faculdade, prerrogativa do julgador que, mediante as circunstâncias específicas do caso, pondera, fundamenta e decide da sua concreta necessidade.

In casu, e independentemente da bondade dessa casuística ponderação-realidade que, não é passível de qualquer dilucidação porquanto exorbita as competências deste tribunal-a verdade é que foram concedidas todas as prerrogativas de defesa, nos moldes ajuizados pelo Tribunal Arbitral e de acordo com a regulamentação e fundamentação supra expendida.

Se deveria ou não ter sido concedida a prerrogativa de apresentação de alegações escritas, se foi bem ou mal decidida a sua dispensa, se o processo já continha ou não todos os elementos para a decisão, tais causas de pedir não podem, de todo, ser sindicadas por este Tribunal na medida em que já redundam em erro de julgamento, em nada consubstanciando a aduzida nulidade.

E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede a aduzida nulidade.

Atentemos, ora, na violação do princípio da igualdade.

Alega a Impugnante que a insusceptibilidade de participação no processo, mormente, a recusa de apresentação de alegações escritas coarta a efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade em plena igualdade processual de influírem em todos os elementos, particularmente, factos, provas, questões de direito, que se encontrem em ligação com o objeto da causa, quando, ademais, há complexidade e novidade no mesmo.

Advoga, ainda, que o teor do artigo 19.º do RJAT permitia fundar a admissão das alegações escritas, logo a sua inadmissibilidade e desnecessidade acarreta a violação do princípio da igualdade das partes.

Dissente, novamente, a Impugnada enfatizando, mais uma vez, que a tramitação processual se mostra incólume, sendo que inversamente ao por si propugnado do teor do n.º 1 do artigo 19.º do RJAT nada resulta no sentido de que a falta de resposta da AT obstasse ao prosseguimento do processo, e à prolação da decisão arbitral, até porque essa resposta mais não representa que uma mera faculdade, podendo a ATA se assim o entender submeter-se ao silêncio.

Conclui dizendo que, no caso vertente, inexiste qualquer violação da igualdade das partes, pois das duas uma: ou a ATA se conformou com o pedido de pronúncia arbitral e nada quis referir, ou simplesmente deixou passar o prazo e vem agora tentar justificar-se através da presente impugnação da decisão arbitral com fundamento na violação inexistente dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

E a verdade é que, mais uma vez, não assiste razão ao aduzido pela Impugnante.

Senão vejamos.

O princípio da igualdade das partes (ou de armas), consagrado no artigo 16.º, alínea b), do RJAT, visa o reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa no âmbito do processo arbitral.

Mais importa relevar que, o dito princípio da igualdade das partes tem expressão constitucional no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, preceito legal no qual se consagra o direito a um processo equitativo, surgindo o primeiro como princípio densificador do citado processo equitativo (4).

Importando, outrossim, ter presente que tal princípio se encontra genericamente enunciado no artigo 98.º, da LGT, e bem assim no artigo 4.º, do CPC.

De facto, no processo arbitral as partes devem ser tratadas com igualdade e ser-lhes dada oportunidade de fazerem valer os seus direitos, antes de ser proferida a decisão final.

Com efeito, o aludido princípio consiste em ambas as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, de idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida no caso concreto. Noutra formulação, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal: - perante o julgador, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.

O princípio da igualdade processual das partes significa, tão-só, que são iguais em direitos, deveres, poderes e ónus, estando colocadas em paridade de condições e gozando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida.

No caso vertente, inexiste a sindicada nulidade visto que ambas as partes tiveram a oportunidade de expor a sua pretensão e contraditarem o alegado pela contraparte, de produzirem prova e de refutarem a prova carreada pela parte contrária, sendo que a nenhuma das partes foi conferida qualquer preferência ou privilégio no uso dos meios processuais ou foi denegado algum direito processual.

Como expendido anteriormente, e que, ora, se dá por reproduzido por forma a evitarmos uma iteração sem valia adicional, a falta de apresentação de resposta por parte da ATA teve na génese e a montante uma situação de inércia da sua parte, ou seja, apenas não respondeu porque não reagiu em sede e momento próprio. Sendo que, reitere-se e sublinhe-se foi expressa e devidamente, notificada para o efeito.

Note-se, neste particular, que “[a] igualdade constitucional engloba a proibição de arbítrio, proibição de discriminação e privilégio, obrigação de diferenciação (tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e tratamento desigual), especificando que a proibição de arbítrio se traduz na exigência de fundamento racional; e é este também o critério preconizado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Ac. TC de 02-07-1991; www.dgsi.pt) que vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções: proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas.(5) (sublinhados nossos).

In casu, como é bom de ver, face a toda a tramitação devidamente densificada anteriormente inexiste qualquer discriminação, privilégio ou tratamento desigual, carecendo do relevo que lhe pretende imprimir a concreta subsunção no artigo 19.º do RJAT, na medida em que, como já evidenciado, o mesmo apenas visa assegurar a celeridade na prolação da decisão, sendo que o nº2 representa, outrossim, uma faculdade que se encontra no arbítrio do julgador. Logo, inexiste qualquer imposição para que existindo uma falta de apresentação de resposta tal obste ao prosseguimento do processo, bem pelo contrário.

Face a todo exposto, não se vislumbra um tratamento parcial e discriminatório das partes, visto que nenhuma das partes foi impedida, sem fundamento, de exercer um direito legítimo, não tendo, contrariamente, ao propugnado pela Impugnante o árbitro decisor colocado a ATA em desvantagem no presente processo.

E por assim ser, improcede, na íntegra, a presente impugnação arbitral.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO.

Custas pela Impugnante.

Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de outubro de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Tiago Brandão de pinho)

(Cristina Coelho da Silva)


(1) cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368
(2) Acórdão do STA, proferido no processo nº 1249/16, datado de 20-06-2017.
(3) Cfr., a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 488.
(4) Vide, neste sentido, designadamente, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª Edição, 1.º Volume, Coimbra Editora, 2007, ponto XI do comentário ao artigo 20.º, pp. 415 e seguintes.
(5) In Acórdão do STJ, proferido no processo nº 3486/12.7, datado de 10.12.2015.