Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RICARDO COSTA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DUPLA CONFORME REVISTA EXCECIONAL IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
| Data do Acordão: | 12/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
| Sumário : | Não há omissão de pronúncia no julgamento de revista em que não se conhece, na modalidade normal, das questões afectadas pelo impedimento da “dupla conformidade” (art. 671º, 3, do CPC), previamente não admitidas em sede de revista excepcional pela decisão definitiva e insindicável da Formação Especial do STJ (art. 672º, 3 e 4, do CPC), e se conhece, com completude e exaustão, da questão relativa ao exercício dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto (art. 674º, 1, b), do CPC), ao abrigo do art. 662º, 1 e 2, com a limitação de recorribilidade do art. 662º, 4, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. Foram proferidas decisões nas instâncias em acção declarativa, sob a forma de processo comum, opondo «BARCELTURBO – Reparações Auto, Lda.» (Autora) a AA e cônjuge BB (Réus) e CC (Interveniente Principal), em que a Autora pede a execução específica de “pacto de opção de compra”, que, substituindo a declaração de vontade dos Réus a formalizar em escritura pública para o efeito, produza os efeitos da venda, de forma a operar para a Autora a transmissão da propriedade de prédio urbano, tendo em consideração a posição de arrendatária com opção de compra nesse imóvel, em que tinha sido celebrado arrendamento com os Réus. Assim: i. em 1.ª instância, sentença a: “Declarar a nulidade por simulação da doação que os réus fizeram à interveniente no dia 28 de Dezembro de 2022 e que era relativa ao prédio urbano situado na Rua 1, em Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 20/Várzea e inscrito no art. .46º da matriz predial respectiva; Declarar a execução específica da opção de compra que foi acordada entre os réus e a autora relativamente a este prédio urbano.”; ii. na Relação, acórdão no qual se decidiu a improcedência do recurso incidente sobre (a) despacho proferido em 1.ª instância na data de 30/11/2023, indeferindo a reclamação contra o objecto do processo/litígio e os temas da prova (com repercussão nas questões relacionadas com a “nulidade por simulação do contrato de doação” entre Réus e Interveniente e a relação da réplica com a não admissão da reconvenção) e, no recurso incidente sobre a (b) sentença final, se decidiu improcedente a impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto e se aditaram oficiosamente os factos provados 2.1., 15. e 16. e, nas questões de direito, julgou-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. 2. Sem se resignarem, os Réus e a Interveniente interpuseram recurso de revista para o STJ, em que se configura revista normal para a sindicação da modificação-aditamento da matéria de facto ao abrigo do art. 662º, 1, 2, c), do CPC – Conclusões XC. a XCVII., C. a CIII. e CXI., 1.ª parte – e revista excepcional quanto às questões identificadas nas Conclusões I. a LXXXXIX., XCII. a XCIV., XCVIII. a XCIX. e CIV. a CXI., 2.ª parte, tendo por base as als. a) e b) do art. 672º, 1, do CPC. 3. Remetidos os autos à Formação Especial a que alude o art. 672º, 3, do CPC, uma vez verificada a “dupla conformidade” nas questões relativas ao despacho de 30/11/2023 – nomeadamente a decisão e consequências de admissão da réplica – e às questões de mérito identificadas pelas Recorrentes – em síntese: a não aplicação do art. 1º do DL 281/99, a eficácia do exercício da “opção de compra” pela Autora, o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento pelos Réus e a existência de pacto simulatório na doação entre Réus e Interveniente –, sem prejuízo da posterior apreciação da revista normal delimitada nas Conclusões pertinentes e indicadas sob 2. por aplicação do art. 672º, 5, do CPC, foi proferido acórdão de não admissão da revista excepcional para as questões afectadas pelo não conhecimento em revista normal, transitado em julgado. 4. Devolvidos e concluídos os autos ao Relator após trânsito de tal acórdão, para apreciação e conhecimento da revista normal, no segmento sindicado do acórdão recorrido, foi proferida Decisão Liminar Sumária, incidindo sobre as (excluídas da “dupla conformidade” fundante da pretérita revista excepcional) Conclusões XC. a XCI., XCV. a XCVII., C. a CIII. e remate na CXI., 1.ª parte, que finalizam as alegações da revista. A saber: XC. Nesta questão, o acórdão que antecede decidiu julgar improcedente a impugnação deduzida quantoà matériadefacto,eainda,poraplicaçãodopoder conferidopeloartigo662º,n.º 1e2, alíneac)doCPC,decidiuaRelaçãoaditaros“factosprovados”sobospontos15e16parasuprir odéficedasentençaproferidaem1ªinstânciaedemodoadarporpreenchidososrequisitosda simulação. XCI. Tendooacórdãorecorridodecididocomfundamentaçãodiferente dadecisãoda1ª instânciaa questão da simulação, entendem os recorrentes que de tal decisão cabe revista normal, que nãodeverádeixardeseradmitidaquandosequestiona,comoéocaso,omodocomooexercício dospoderesdaRelaçãoprevistosnoartigo662.ºdoCódigodeProcessoCivilfoiefetuado,assim comoéadmissívela sindicânciaexpressamente previstanosartigos674.º,n.º 3,e 682.º,n.º3, doCódigodeProcessoCivil. (…) CV. O acórdão que antecede, julgando improcedente a impugnação deduzida pelos recorrentes quanto à matéria de facto provada em 1ª instância, entendeu aplicar o poder conferido pelo artigo662º,n.º1e2,alíneac)doCPC,aditandoospontos15e16dosfactosprovados. XCVI. Primeiramente, e salvo o devido respeito, referir-se que os Réus não quiseram doar o prédio à Interveniente, que esta não o quis receber o prédio por doação, e que os Réus e a Interveniente combinaramemficcionarumadoaçãoapenasparapodereminvocarainoponibilidadedodireito daAutoraemrelaçãoaoterceiro,talnãosereconduzamatériafactual,masantesconclusiva, esemcorrespondêncianademaismatériadefactoprovadaouemqualquermeiodeprova. XCVII. Podendo o STJ, como tribunal de revista, censurar o modo como a Relação exerceu ospoderes de reapreciação da matéria de facto, deverá determinar-se a exclusão da matéria aditada nos pontos15e16dosfactosprovadosporsereportaramatériaconclusivaenãofactual. (…) C. Alémdisso,oaditamentodamaterialidade(conclusões)contidanospontos15e16. dosfactos provados viola o direito ao contraditório e extravasa o poder da Relação contido no artigo 662º, n.º1e2,alíneac)doCPC. CI. A possibilidade de serem considerados factos não alegados pelas partes que resultaram da instruçãodacausa,nostermosdoartigo5.º,n.º2,doCódigodeProcessoCivil,exigequeambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidadedeproduzirprovaecontraprovasobreeles,oquenocasonãoaconteceu,violando oreferidonormativo. CII. Essahipótesesópodeserproporcionadaseotribunal,antesdeproferirasentença,sinalizaràs partesosfactosque,apesardenãoteremsidoporelasalegados,seevidenciaramnainstrução da causa e sejam relevantes para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobreeleseconcedendo-lhesprazoparaindicaremosmeiosdeprovaquepretendamproduzir, relativamenteaosfactosaditadosaoobjetodolitígio. CIII. Poroutrolado,resultadafundamentaçãodoacórdãorecorridoqueaprovadosfactosaditados não se sustentou na prova produzida, nem da factualidade dada por assente ou em qualquer documento superveniente, mas no recurso a presunções e às regras da experiência comum, mostrando-sevioladooartigo662º,n.º1e2,alíneac),doCPC.” Em acrescento, relativamente às Conclusões XCII. a XCIV., em que os Recorrentes alegavam igualmente para a admissão de revista excepcional, o aludido Ac. da Formação sentenciou: “(…) a formulação da questão atinente aos poderes da Relação por referência à alínea c) do n.º 2 e do n.º 1 do art. 662.º do CPC assenta numa interpretação subjectiva do caso e do modo de actuação da Relação, o que não pode per si fundamentar a pretendida relevância jurídica ou social, não se encontrando, outrossim, por este prisma, fundamentada a excepcionalidade.” Nessa Decisão Sumária foi julgada improcente a revista normal interposta pelos Recorrentes. 5. Inconformados, os Recorrentes deduziram Reclamação para a Conferência, de acordo com o art. 652º, 3, ex vi art. 679º, do CPC, alegando nulidades por “omissão de pronúncia” (art. 615º, 1, d), CPC): fosse quanto às (I) questões não admitidas pelo acórdão da Formação em revista excepcional, fosse quanto a (II) uma pronúncia parcial – na relação do art. 662º, 1 e 2, com o art. 5º, 2, do CPC – na questão submetida a revista normal. A Autora e Recorrida «Barcelturbo» apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da pretensão dos Reclamantes. ∗ Foram dispensados os vistos nos termos legais (art. 657º, 4, CPC). Cumpre apreciar e decidir, nos termos dos arts. 615º, 1, d), 613º, 2, 652º, 1, c), 656º, 666º, 2, e 679º, CPC. II) APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS 6. Após as alterações feitas pela Relação, ficou assim estabilizada a matéria de facto provada: “1. Os réus eram proprietários do prédio urbano situado na Rua 1, em Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 20/Várzea e inscrito no art. .46º da matriz predial respetiva. 2. No dia 21 de Novembro de 2014, por documento escrito intitulado contrato de arrendamento de duração limitada com opção de compra, constante de fls. 12 a 14 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, os réus acordaram no seguinte: - Os réus cediam a DD e EE o gozo do prédio urbano para o exercício da atividade de reparação de veículos; - A cedência do gozo do prédio urbano tinha início no dia 1 de janeiro de 2015 e termo no dia 31 de dezembro de 2020 e era pelo período de seis anos (procedeu-se aqui à emenda do evidente lapso de escrita na transcrição do teor do contrato, aditando-se os dizeres, que naquele constam, “1 de janeiro de 2015 e termo no dia”, nos termos do artigo 249º nº 1 do Código Civil e 614º, nº 1, do Código de Processo Civil); - Até ao dia 31 de dezembro de 2017, era entregue aos réus a renda mensal de € 750,00; - A partir do dia 1 de janeiro de 2018, a renda passava a ter o valor mensal de € 1.000,00; - No final do período de seis anos os arrendatários podiam optar por comprar o prédio urbano pelo preço de € 175.000,00; - Para este efeito, os arrendatários deviam comunicar aos réus que pretendiam exercer esta opção através de carta registada com aviso de receção enviada entre os dias 30 de novembro e 31 de dezembro de 2020; - Se os arrendatários não exercessem a opção de compra neste período, a cedência do gozo do prédio urbano renovava-se pelo período de dois anos com início no dia 1 de Janeiro de 2021; - No final deste período de dois anos os arrendatários podiam novamente optar por comprar o prédio urbano pelo preço de € 175.000,00; - Para este efeito, os arrendatários deviam comunicar aos réus que pretendiam exercer esta opção através de carta registada com aviso de receção enviada entre os dias 30 de novembro e 31 de Dezembro de 2022; - Se fosse exercida a opção de compra, os arrendatários deviam proceder à marcação da escritura pública de compra e venda no prazo de trinta dias a contar do fim do arrendamento; - Os arrendatários comprometiam-se a reparar o muro da frente e o muro lateral junto a um anexo que existia no prédio urbano; - Se os arrendatários não procedessem à reparação destes muros, os réus podiam resolver o acordo; - Os arrendatários podiam ceder a sua posição no acordo a uma sociedade comercial que pretendiam constituir para exercerem a sua atividade no prédio urbano. 2.1. O acordo referido em 2. foi reduzido a escrito e as suas assinaturas foram presencialmente reconhecidas e nele foi lavrado na 5ª cláusula, sob a epígrafe “Opção de compra”, o seguinte: “1º As partes acordam em que, no final dos seis anos do arrendamento os arrendatários terão 2º Tal manifestação de vontade por parte dos segundos outorgantes terá que ser transmitida aos primeiros, por carta registada com aviso de recepção, entre os dias 30 de Novembro de 3º Tal preço (175.000,00 €) já tem em conta uma desvalorização de cerca de 45.000.00 € (quarenta e cinco mil euros) derivado aos danos que o prédio possui em consequência dos 4º Não manifestando os segundos vontade em adquirir o imóvel arrendado, o contrato de arrendamento renova-se automaticamente por mais dois anos, isto é, entre 01 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, mantendo-se o montante da renda em 1.000,00 € (mil euros) mensais. 5º No final dos dois anos do arrendamento os segundos terão nova opção de compra do imóvel arrendado, pelo referido preço de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros). 6º Tal manifestação de vontade por parte dos segundos terá que ser transmitida aos primeiros, por carta registada com aviso de recepção, entre os dias 30 de Novembro de 2022 e 31 de Dezembro de 2022. 7º Sendo exercida a opção de compra, na data referida em 5º ou 2º, a marcação da escritura de compra e venda ficará a cargo dos segundos, devendo a mesma ser marcada no prazo de 30 dias a contar da data do termo do arrendamento.
3. No dia 16 de Abril de 2015, os arrendatários cederam a sua posição no acordo a favor da autora. 4. No dia 30 de Novembro de 2022, a autora enviou aos réus uma carta registada com aviso de receção em que comunicava que exercia a opção de compra do prédio urbano e que a celebração da escritura pública de compra e venda estava marcada para o dia 19 de Dezembro de 2022, às 9.30 horas, no Cartório Notarial de FF, em Barcelos. 5. Os réus receberam esta carta no dia 2 de Dezembro de 2022. 6. No dia 15 de Dezembro de 2022, os réus enviaram à autora uma carta registada com aviso de receção em que comunicavam que consideravam o acordo resolvido porque os muros não tinham sido reparados. 7. A autora recebeu esta carta no dia 16 de dezembro de 2022. 8. Os arrendatários e a autora não procederam à reparação dos muros. 9. Os réus não compareceram no cartório notarial para a celebração da escritura pública de compra e venda. 10. No dia 28 de Dezembro de 2022, por documento particular autenticado, os réus declararam que doavam o prédio urbano à interveniente e esta declarou que aceitava a doação. 11. A interveniente é filha dos réus. 12. Os réus não tinham vontade de doar o prédio urbano à filha. 13. Os réus e a filha acordaram em celebrar a doação apenas para impedir que a autora adquirisse o prédio urbano através da opção de compra que havia sido acordada. 14. No prédio urbano existia um anexo que não tinha licença de utilização, o que era do conhecimento dos arrendatários e da autora. 15. Assim como os Réus não quiseram doar o prédio à Interveniente, esta não o quis receber o prédio por doação. (Aditado pela Relação.) 16. Os Réus e a Interveniente combinaram em ficcionar uma doação apenas para poderem invocar a inoponibilidade do direito da Autora em relação ao terceiro.” (Aditado pela Relação.) 7. No contexto da Reclamação agora decidenda, vejamos a tramitação relevante da instância espoletada pela revista. 7.1. Uma vez recebido o recurso no STJ, foi proferido despacho de remessa dos autos à Formação Especial do STJ (art. 672º, 3, CPC), tendo em conta a “dupla conformidade decisória” das decisões das instâncias, no que respeita às questões de mérito e processuais identificadas e elencadas nesse mesmo despacho e em referência às Conclusões pertinentes, a fim de ser admitida ou não a revista excepcional, interposta pelos Recorrentes para o caso de estarem afectadas pelo impedimento do art. 671º, 3, do CPC, “sem prejuízo da posterior apreciação da revista normal delimitadas nas Conclusões (…)” – 10/7/2025, transitado em julgado. 7.2. A Formação do STJ proferiu acórdão de não admissão da revista excepcional, relativamente às questões suscitadas e/ou afectadas pela “dupla conformidade” – 1/10/2025, definitiva e insindicável nos termos do art. 672º, 4, do CPC. 7.3. Aberta conclusão nos autos ao Relator, de acordo e em cumprimento do despacho proferido em 10/7/2025, foi proferida Decisão Sumária (24/10/2025), que teve por objecto o segmento decisório do acórdão recorrido correspondente ao exercício dos poderes da Relação em sede de impugnação e alteração da decisão sobre a matéria de facto, no caso, a propósito da averiguação de “simulação” da doação a que se refere o facto provado 10.; a saber: “Para alcançar quais são os pressupostos da simulação, há que analisar esta figura, ainda que sinteticamente. Uma das causas da nulidade dos negócios é a simulação – artigo 240º, n.º 2, do Código Civil. Nos dizeres do artigo 240º, n.º 1, do Código Civil: “o negócio é simulado quando, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”. De outra forma: por simulação entende-se “a divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros” - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, página 169). A simulação é absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar. Nos casos de simulação relativa, ie, quando as partes quiseram realizar um negócio jurídico diferente daquele que fizeram constar das suas declarações, é aplicável ao negócio o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, observada que seja a competente forma, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado - artigo 240º n.º 1 e 2 do Código Civil. São quatro os requisitos para que se considere preenchido o conceito civilista de simulação: • a existência ou aparência de um negócio cuja nulidade se pretende que seja declarada; • a intencionalidade da divergência entre a vontade real e a vontade declarada; • acordo entre declarante e declaratário («pactum simulationis»); • intuito de enganar terceiros («animus decipiendi»). “Quando se invoca a simulação, afirma-se que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes; através de um concerto defraudatório, fingido, as partes emitiram intencionalmente declarações não consonantes com aquilo que efetivamente queriam, com o fito de enganar terceiros (art. 240.º do CC), ou seja, simularam declarações negociais.” cf Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/22/2012 no processo 82/04-6TCFUN-A.L1.S2, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.) Os Recorrentes salientam que não ficou expresso na matéria de facto provada que a interveniente não queria efetivamente o negócio provado; embora ficasse implícito, quando se refere que os réus e a filha acordaram em celebrar a doação apenas para impedir que a autora adquirisse o prédio urbano, a mesma não é clara em afirmar que também a interveniente não quis receber o prédio, tal como expressou que os Réus não tinham vontade em doar. Mais afirma que não foi alegado ou provado o intuito de enganar a autora, o que não se confunde com a intenção de prejudicar. No entanto, carecem de razão, no que diz respeito à alegação. São os seguintes os artigos mais relevantes da réplica em que a Autora aditou a resposta à exceção da inoponibilidade da opção por força da celebração do contrato de compra e venda: “7º O contrato de doação alegado pela Chamada e formalizado através do documento n.º 1 junto com a contestação é nulo por simulação, o que expressamente se invoca. 8º Com efeito, nem os RR. quiseram doar o prédio à Chamada, 9º Nem esta o quis receber por doação. 10º RR. e Chamada outorgaram tal contrato com o único intuito de prejudicar a A., impedindo-a de fazer valer o seu direito de opção de compra sobre o respetivo imóvel, … 13º Ora, sabendo os RR. que, na sequência da sua conduta, a A. iria forçosamente avançar com a competente ação judicial, os mesmos combinaram com a Chamada, sua filha e perfeitamente conhecedora do contrato de arrendamento e do exercício do direito de opção de compra por parte da A, ficcionar uma doação, 14º E assim poder vir invocar a inoponibilidade do direito da A. em relação ao terceiro adquirente, como aliás veio a suceder na contestação ora apresentada. 15º Verifica-se assim, no negócio em causa, uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, 16º Pelo que a invocada doação é simulada e, como tal, nula.” Destas alegações deflui claramente a falta de vontade de doar, a falta de vontade em aceitar a doação, o acordo celebrado para enganar a Autora e para a prejudicar, impedindo-a de adquirir o prédio, ao referir que entre eles ficcionaram uma doação para poder invocar a inoponibilidade do direito da Autora. Na sentença resumiu-se esta alegação aos pontos 12 e 13, onde efetivamente não se descortina a falta de vontade de receber a doação (seja nos factos provados, seja nos não provados), embora decorra da fundamentação supra reproduzida que o tribunal a quo julgou demonstrada essa falta de vontade. Por outro lado, da menção a um acordo “em celebrar a doação apenas para impedir que a autora adquirisse o prédio urbano através da opção de compra que havia sido acordada”, aliado à falta de vontade em doar e aceitar a doação, não resulta totalmente clara a intenção de enganar, traduzida, nos dizeres da Autora, em “ficcionar uma doação”. E por isso, embora algo à cautela, pode concluir-se que não foi vertida na sentença toda a matéria de facto alegada nos articulados, relevante para a decisão da causa, porquanto não houve pronúncia expressa sobre a vontade da Interveniente, nem sobre o acordo em ficcionar a doação apenas para poder invocar a inoponibilidade do direito da Autora em relação ao terceiro adquirente, enganando e prejudicando a Requerente. Assim, pode ainda dizer-se que, apesar desta matéria ter sido invocada e ser relevante para a decisão da causa, não foi objeto de apreciação pelo tribunal recorrido. Quais são as consequências deste facto? Estão previstas no artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil, o qual determina que se o tribunal da Relação oficiosamente verificar que é deficiente a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, deve anular a decisão proferida na 1ª instância caso não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto. No caso contrário, isto é, se existirem nos autos todos os elementos que lhe permitam fazer tal modificação, deve decidir nos termos do nº 1 esse preceito, a saber, alterar a matéria de facto e os factos tidos como assentes. Como afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 294, 2017), nos casos em que as decisões se revelem parcialmente deficientes, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, o que é de apreciação oficiosa da Relação, esta pode supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação. Tal resulta do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) do Código de Processo Civil: a primeira parte desta alínea impõe à Relação que oficiosamente verifique se é ou não indispensável a ampliação da matéria de facto (e, por maioria de razão, a necessidade de pronúncia sobre factos que, alegados, não foram dela objeto) e a sua parte inicial explana que só se não constarem do processo todos os elementos que permitam a alteração da matéria de facto é que a Relação deve anular a decisão. Nos casos em que ocorreu a falta de pronúncia sobre factos essenciais alegados pelas partes, se os autos forneceram todos os elementos necessários para o efeito, a Relação deve, pois, alterar a matéria de facto em conformidade com a prova produzida. Ora, como decorre da análise da prova efetuada supra relativa aos pontos 12 e 13 da matéria de facto provada e da transcrição de parte relevante da motivação da sentença, também efetuada supra, dos elementos de prova dos autos resulta suficientemente demonstrado que, nem os Réus quiseram doar o prédio, nem a Interveniente o quis receber, quando lavraram a doação; agiram apenas determinados em impedir a transmissão da propriedade para a Autora, com a intenção de a enganar com a aparência desse negócio e assim prejudicá-la. Não há necessidade de repetir o que já supra se explanou, bastando, apenas, convocar os seus tópicos, chamando à colação o momento em que foi efetuada tal doação, logo a seguir à resolução do contrato produzida apenas com o intuito de obstar à eficácia da declaração de opção de compra, a relação de filiação entre doadores e donatária, bem como a gratuitidade do ato, a ausência de apresentação na resposta à réplica de uma motivação cabal para a pressa na doação, a irrazoabilidade do motivo apresentado já em sede de audiência de julgamento e a falta de apresentação de prova documental que indiciasse a razão apontada à doação, de criação de uma empresa de cerâmica. Assim, oficiosamente e em cumprimento do disposto nos artigos 662.º, nºs 1 e 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aditam-se os seguintes factos provenientes da réplica, à matéria de facto provada, levando-os sob os pontos 15º e 16º: 15. Assim como os Réus não quiseram doar o prédio à Interveniente, esta não o quis receber o prédio por doação. (aditado infra, para suprir a omissão de pronúncia sobre este facto invocado na réplica). 16. Os Réus e a Interveniente combinaram em ficcionar uma doação apenas para poderem invocar a inoponibilidade do direito da Autora em relação ao terceiro.” Esta fundamentação do aditamento dos factos provados 15. e 16. relacionou-se com a fundamentação da improcedência da impugnação da decisão sobre a consideração dos factos provados 12. e 13. (“12. Os réus não tinham vontade de doar o prédio urbano à filha; 13. Os réus e a filha acordaram em celebrar a doação apenas para impedir que a autora adquirisse o prédio urbano através da opção de compra que havia sido acordada.”); a saber: “Em termos factuais, o que se discute nestes pontos da matéria de facto provada, é o estado subjetivo das partes ao celebrar o contrato de doação e a sua motivação na feitura desse acordo. Ora, a prova de factos como a intenção, conhecimento ou vontade só por meios indiretos se pode fazer, recorrendo a outros factos que as vão revelando, ainda que todos concatenados, através das regras da experiência comum e da razoabilidade. Por outro lado, na simulação, face ao objetivo enganatório da mesma, a prova direta será praticamente impossível, dada a intenção de camuflagem ali pretendido. (…) No presente caso, as circunstâncias indiciam de forma muito veemente a simulação: o contrato de doação invocado como causa de ineficácia da declaração de opção teve lugar poucos dias depois da declaração de resolução do contrato produzida exatamente com o mesmo objetivo (visto que o contrato, caso não tivesse ocorrido o exercício do direito de opção, terminaria cerca de 15 dias depois), tendo os Réus e interveniente agido no curto espaço de 15 dias: a declaração foi recebida pelos Réus a 2 de dezembro de 2022; no dia 15 de dezembro enviaram carta a declarar resolvido o contrato e no dia 28 de dezembro, por documento particular autenticado, declararam doar o mesmo prédio e a Interveniente aceitou a doação. Assim, a proximidade entre a doação e a declaração de resolução inculca de forma veemente que as mesmas tiveram o mesmo exclusivo propósito de impedir a eficácia da declaração de opção e que com a segunda não se pretendeu a efetiva transmissão da propriedade. O mesmo decorre da relação de filiação entre a beneficiária da doação e os doadores e a gratuitidade do ato, sabido o ascendente que os pais têm sobre os filhos, mantendo-se também o imóvel, embora mais indiretamente, na esfera de ação dos doadores. Tudo aponta no sentido da simulação. Os Recorrentes, no entanto, fundam a doação a uma das filhas do casal na vontade de “lhe dar uma força”, na expressão da beneficiária, em virtude de lhe ter sido diagnosticado um cancro, a cerca de nove dias da data da doação. Tal como se salienta na sentença esta explicação é muito pouco plausível: embora cada pessoa e cada família reaja de diferentes formas a problemas de saúde, não é normal a doação ou aquisição de umas instalações destinadas à indústria para provocar uma reação positiva um diagnóstico de doença grave, no cérebro. Também a motivação da sentença foi nesse sentido, mencionando que atendeu à prova de primeira aparência, seguindo as regras da experiência comum, e a ausência de contraprova pelos réus e pela interveniente. Para obstar à forma como o tribunal a quo analisou a prova os Recorrentes afirmam que inexiste experiência comum da qual se possa concluir que uma doação dos pais a uma filha se trate de um negócio simulado. No entanto, nem o tribunal a quo escreveu isso, nem essa é a razão pela qual não se exige a prova direta quanto à falta de vontade e acordo subjacentes à simulação: o que ocorre é que quando se prova um conjunto de circunstâncias que tornam muito provável que as partes tenham querido simular determinado contrato, se exige das partes que o celebraram um esforço acrescido na demonstração da sua veracidade, porquanto se tem em conta a dificuldade na prova de um facto negativo, mais a mais do foro psíquico das partes (a falta de vontade correspondente às declarações) e que a simulação, por ser um ato pelo qual se pretende enganar terceiros, é em regra realizado de forma escondida. No presente caso aponta no sentido da simulação, em primeiro lugar, o momento em que o negócio foi realizado: logo após a declaração do exercício de opção pela autora e da emissão da vontade de resolver o contrato para obstar à eficácia tal exercício, numa proximidade temporal tão intensa que indicia a doação teve, tal como a declaração de resolução que a precedeu, o objetivo de evitar que a declaração de opção operasse. Em segundo lugar, a relação de proximidade e dependência entre os doados e os doares, de filiação direta, permitindo desta forma um controlo maior por parte dos proprietários sobre o imóvel, face à relação de confiança com a sua filha. Por fim, a inusitada justificação dada para a doação – um cancro no cérebro da filha que justificaria a entrega do imóvel para a prossecução de um negócio que nunca veio a ter lugar – aliada à sua alegação muito tardia e a falta de junção tempestiva de suporte probatório documental, de facílima obtenção, pelo menos quanto à existência de uma condição clínica. Afirmam que os Réus com a declaração de resolução do contrato estavam convictos que não estavam obrigados a celebrar negócio com a Autora, pelo que não teriam pressa na doação do imóvel, mas a proximidade entre os dois atos afasta a invocada tranquilidade na eficácia da resolução. Chamam à colação o depoimento de GG, filho dos RR. e irmão da Interveniente. No entanto, o irmão da Interveniente, arrolado pela testemunha, mostrou um profundo desconhecimento sobre a situação da irmã e imóvel, o que não teria cabimento caso tivesse ocorrido a reunião que afirmam ter tido lugar para discutir tal doação e se mesma se fundasse na grave doença que invoca. Também o depoimento da Ré, não sabendo precisar o ano em que teria sido diagnosticado tão grave problema de saúde à filha e que alegadamente ainda a afeta (se há dois ou três anos a contar da data da inquirição) não nos merece credibilidade. Poucas mães não saberiam se o cancro na cabeça de uma filha, que ainda não estaria superado, teria sido diagnosticado há dois ou há três anos. A Interveniente começou o seu depoimento por salientar que reparou no estado dos muros (a causa da declaração de resolução), concluindo que o seu pai não saberia desse facto, afirmando-o espontaneamente, sem ninguém lho perguntar, mas depois refere também que ninguém a informou da troca de missivas relativos ao imóvel que ocorreram no mês e quinzena anterior à doação desse mesmo imóvel. Não é minimamente credível que lhe tenha sido doado um imóvel, mais a mais que refere ter significado mais do que material para si, sem ter sido informada da sua situação jurídica, como se fosse credível que os pais, oferecendo-lhe o prédio, não a informassem sobre os factos relativos aos mesmos ocorridos na quinzena anterior à da escritura, com troca de missivas em que foi exercido o direito de opção e declarada a resolução do contrato. As cartas remetidas já na pendência dos autos, em nome da Interveniente, relativamente ao imóvel, não têm capacidade para demonstrar os factos psicológicos que lhe poderiam estar subjacentes, por serem elementos de prova produzidos pelos próprios interessados, no decurso dos autos. Também a facilidade com que poderia ter sido produzida prova documental que induzisse, pelo menos, à veracidade do facto apresentado como motivação para a urgente doação, quando o não foi, inculca que à data ainda não se havia pensado na mesma como razão que poderia eventualmente justificar essa urgência. Referimo-nos aos exames médicos que a Interveniente afirma ter recebido nessa altura e à prova documental de eventuais démarches no sentido de iniciar a sua produção de cerâmica. Assim, tudo aponta no sentido da falta de vontade na realização de uma efetiva doação, e que a mesma apenas foi utilizada como uma forma para obviar à eficácia da declaração de opção, para enganar e defraudar a Autora. Desta forma, o depoimento do Réu, contrariado por todos estes elementos, desde a falta de plausibilidade da motivação apresentada para a doação, até à falta de espontaneidade e credibilidade do afirmado não permite que se considere que existia à data efetiva intenção na doação, na aceitação da mesma. Antes pelo contrário, de toda a prova produzida, considerando todas as circunstâncias demonstradas nos autos, resulta essa falta de vontade na realização do contrato e que as partes agiram apenas para enganar e prejudicar a Autora, para formalmente poderem obstar à eficácia da declaração de opção. Concorda-se, pois, com a motivação da sentença, que se transcreve: “A autora logrou fazer a prova de primeira aparência da simulação da doação do prédio urbano a favor da filha dos réus. Perante esta prova os réus e a interveniente ficaram com o ónus da contraprova. Concretamente, impunha-se aos réus e à interveniente que demonstrassem que a simulação correspondia à sua vontade ou, pelo menos, um circunstancialismo que levasse o tribunal a convencer-se da veracidade do negócio. Nas suas declarações de parte, os réus e a interveniente afirmaram que ficaram a saber que a filha sofria de um cancro no cérebro. Por este motivo, cerca de quinze dias depois desta notícia, como sabiam que a filha tinha o sonho de criar uma empresa na área têxtil, decidiram doar-lhe o prédio urbano para que pudesse iniciar este negócio e não estivesse tão triste com a sua situação. A expressão utilizada pela interveniente foi que os réus lhe disseram queremos-te dar uma força. Os réus e a interveniente não demonstraram qualquer sinceridade nos seus depoimentos. Descreveram esta versão, mas não se recordavam das datas e de nenhum facto com exactidão, sendo certo que estava em causa um episódio profundamente marcante para qualquer pessoa. Acresce que a ré começou por adiantar ao mandatário da autora que tinha dificuldade em se recordar dos factos porque tinha sido operada à cabeça e tomava de medicação, mas logo a seguir respondeu ao seu mandatário sem qualquer dificuldade. Também é completamente inverosímil que perante a notícia de que uma filha sofre de um cancro no cérebro os pais decidam doar-lhe um prédio urbano para que inicie um negócio. Sabemos que nem todas as pessoas reagem da mesma forma às situações com que se deparam, mas cremos que pode afirmar-se com segurança que perante uma notícia como aquela a última coisa que ocorria era doar à filha um prédio urbano para que criasse uma empresa. Ainda para mais recebendo a notícia e celebrando a doação cerca de quinze dias mais tarde. Finalmente, os réus e a interveniente não juntaram qualquer documento que confirmasse a sua versão, designadamente a data em que ocorreu o diagnóstico da doença da filha ou as diligências que esta já realizou para iniciar o negócio. Não teria sido difícil demonstrar estas diligências, uma vez que na altura se afigurava aos réus e à interveniente que o negócio devia ser iniciado rapidamente para a sua recuperação de tal forma que a doação ocorreu cerca de quinze dias depois de ficarem a saber da doença. O único elemento que confirmou a versão dos réus e da interveniente foi o depoimento da testemunha GG. Porém, além de ser filho dos réus e irmão da interveniente, pelo que tinha um notório interesse na causa, as declarações desta testemunha foram especialmente vagas, sendo certo que nem sequer sabia com exactidão a doença de que a sua irmã sofria. Atendendo à prova de primeira aparência que a autora logrou fazer e considerando a total ausência de contraprova pelos réus e pela interveniente, o tribunal, baseado nas regras da experiência, considerou provados os factos relativos à simulação da doação do prédio urbano.” Assim, improcede a impugnação da matéria de facto provada.” 8. Deste modo, é claro e inequívoco que a Decisão Sumária não tinha que se pronunciar sobre as questões afectadas para conhecimento em revista normal pela “dupla conformidade” e que, analisadas pela Formação, não foram admitidas para conhecimento em sede de revista excepcional; foram apreciadas para serem ou não admitidas e a decisão final foi não serem admitidas à luz do art. 672º, 1, a) e b), do CPC, uma vez negado o acesso “a priori” ao STJ pela via da revista normal. Depois da configuração feita da revista, depois de não terem impugnado o despacho de 10/7/2025, pode mesmo afigurar-se que, com a presente impugnação, arguindo nulidade nestes termos quanto às questões impedidas para revista normal e não admitidas para revista excepcional, os Recorrentes litigam com abuso de direito processual, por manifesta contrariedade com a sua actuação recursiva em revista. Com efeito, a Decisão Sumária apenas tinha que se pronunciar sobre o exercício dos poderes da Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, ao abrigo do art. 662º, 1 e 2, do CPC, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º, mas ao abrigo do fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, em sede de revista normal não afectada pela dupla conforme (poder deliberativo da Relação exercido em 1.ª mão): “se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes, em face de uma atitude passiva que omite indevidamente as diligências legalmente impostas perante o circunstancialismo do processo – tudo conjugado como sindicação de “errores in procedendo”.” Assim se fez em face do segmento decisório sindicados, que actuou sobre a materialidade relevante para apreciar da subsunção correspondente aos pressupostos de uma simulação negocial entre Réus e Interveniente, que levou à mobilização dos poderes-deveres funcionais do art. 662º, 1 e 2, c) – aqui, sem anulação da decisão proferida em 1.ª instância, por auto-suficiência do processo –, do CPC e suas consequências em ordem à ampliação da matéria de facto. 9. E, neste contexto de julgamento já filtrado, assim se concluiu na Decisão Sumária aqui reclamada: “O que se verifica objectivamente, a págs. 72-73 do acórdão recorrido, é, em referência e diálogo com a fundamentação da prova dos factos 12. e 13., uma análise, ainda que breve, mas circunstanciada e detalhada, com método relacional e crítico, dos meios de prova disponíveis nos autos – declarações de parte, testemunhal, documental –, e o recurso a presunções naturais ou judiciais confirmadas e construídas “ex novo” de acordo com as «regras da experiência» – atendendo em especial ao acervo base dos factos provados 4. a 11. –, para dar como provados os novos factos 15. e 16.; sem assumir neles um juízo conclusivo sobre a interpretação e a aplicação ao caso dos pressupostos normativos da simulação, antes uma configuração mais completa da subjectividade do negócio mediante novos enunciados de facto, concretos e materiais, obtidos pela exteriorização da convicção do julgador em face da prova disponível1. Não se demitiu nem se refugiou o acórdão recorrido em critérios imprecisos nessa análise; não se espraiou em considerações genéricas sobre princípios de ordem processual; muito menos se escondeu em alusões vagas à tarefa de reapreciação fáctica para chegar às suas conclusões; antes se realiza uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda de maneira justificada a modificação do elenco de factos provados para complemento dos factos provados 12. e 13., transparecendo dela um inequívoco e seguro fio condutor quanto à matéria da patologia factual que afectaria o negócio cuja simulação se averiguava2. Para isso, ademais, não se fez uso ilegítimo de poderes relativos a factos instrumentais ou complementares previstos, a título inquisitório, no art. 5º, 2, do CPC, tendo em conta nomeadamente o confronto sublinhado pelo acórdão recorrido com a Réplica da Autora. Deu-se cumprimento aos n.os 4 e 5 do art. 607º do CPC no seu dever de fundamentação especificada, declarando os motivos da sua decisão, em execução dos princípios reitores do art. 662º, 1, do CPC («deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa»), conexionados naturalmente com a parte final da al. c) do art. 662º, 2, do CPC. E, decidindo ampliar a matéria de facto, deu-se cumprimento ao princípio da subsidiariedade imposto pela al. c) do art. 662º, 2: só cassar e “anular” a decisão de 1.ª instância, devolvendo o processo, se não for possível à Relação, recorrendo às duas alíneas anteriores e ao princípio de autonomia decisória do n.º 1, substituir-se à 1.ª instância, alterando a decisão sobre a matéria de facto3; o que não fez, pois considerou constar do processo – como diz e impõe a lei – «todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto» e, estando eles acessíveis para a sua reponderação, introduzir directamente as modificações consideradas oportunas e fundadas nos elementos probatórios acessíveis; (…).” Rematando-se sem qualquer pronúncia lacunosa quanto à sindicação dos poderes de julgamento atribuídos à Relação na decisão sobre a matéria de facto: “Regendo-se o acórdão recorrido no domínio da livre apreciação da prova e da elaboração de presunções naturais, sem se vislumbrar que tenha desrespeitado os limites da força probatória de qualquer meio de prova, muito menos imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório material, estamos perante actuação processualmente lícita (art. 607º, 4, 5, 1ª parte, 663º, 1 e 2, CPC) e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4 («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»), e 674º, 3, 1.ª parte («O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista…»), do CPC4. Ademais, faz-se uma reapreciação-ampliação legítima e exercida por iniciativa a título oficioso, sem violação de contraditório necessário ou pronúncia indevida5, atendendo aos poderes conferidos por lei à Relação na decisão sobre a matéria de facto destinada à subsunção jurídica demandada pelo processo. Ou seja, não se verifica qualquer uso indevido ou patológico, antes o exercício proactivo dos poderes-deveres funcionais atribuídos pelo art. 662º do CPC, norma central do exercício de reapreciação da matéria de facto pela Relação.” Em suma. 10. Nem se deixou de conhecer questões que já não podiam ser conhecidas, por imperativos legais – “dupla conformidade” e decisão definitiva da Formação: arts. 671º, 3, 672º, 3 e 4, CPC; Nem se deixou de conhecer a questão, nas variantes alegadas pelos Recorrentes, que podia ser conhecida em sede de revista normal, com completude e exaustão, de acordo com o objecto delimitado pelas Conclusões pertinentes da revista. Não sofre, por isso, a Decisão Sumária proferida de qualquer vício conducente a “omissão de pronúncia”, razão pela qual improcede sem mais, por manifesta inadmissibilidade, a pretensão dos Reclamantes e se faz recair, agora colegialmente, acórdão sobre a Decisão reclamada. III) DECISÃO Em conformidade, indefere-se a Reclamação deduzida pelos Recorrentes. Custas a cargo dos Reclamantes, que se fixa em taxa de justiça no valor correspondente a 3 Ucs. STJ/Lisboa, 9 de Dezembro de 2025 Ricardo Costa (Relator) Maria Olinda Garcia Luís Correia de Mendonça SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC) _________________________________________________ 1. Sobre este realce, recentemente, v. o Ac. do STJ de 26/11/2024, processo n.º 417/21, Rel. CRISTINA COELHO, in www.dgsi.pt.↩︎ 2. Sobre o ponto, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 170.↩︎ 3. V. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, págs. 171-172, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 306, 307-308, 310-311.↩︎ 4. Neste sentido, em particular para a al. c) do art. 662º, 2, do CPC, v. o Ac. do STJ de 17/10/2023, processo n.º 1088/12, Rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO, in www.dgsi.pt: “Com efeito, tendo o Tribunal da Relação usado activamente a prerrogativa prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 662º, o seu juízo relativamente à indispensabilidade de ampliação de matéria de facto perante a insuficiência dos factos dados como provados e com vista à boa decisão da causa, nos termos aí contemplados, é definitivo e soberano, encontrando-se impedida nestas circunstâncias a interposição da revista. Note-se que esta temática – ampliação da decisão de facto com vista ao esclarecimento de pontos essenciais e indevidamente omitidos pela 1ª instância - insere-se de pleno no âmbito da discussão de facto, não dizendo directamente respeito ao enquadramento jurídico a realizar em momento logicamente posterior. (…) Ou seja, quando o Tribunal da Relação usa a prerrogativa prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 662º, ordenando as diligências probatórias correspondentes, o seu juízo quanto à necessidade de ampliação de matéria de facto perante a insuficiência dos factos dados como provados, nos termos aí contemplados, é insusceptível de revista, tal como resulta, directa, expressa e incontornavelmente, do preceituado no nº 4 do artigo 662º do Código de Processo Civil. O necessário alargamento do quadro factual para viabilizar a apreciação jurídica pertinente releva no âmbito da produção de prova (da sua inteligibilidade ou completude) e não retira, por si só, qualquer direito às partes, permitindo que as suas pretensões sejam analisadas e decididas perante todos os elementos de facto essenciais e indispensáveis, concorrendo ainda para uma solução jurídica conforme à vertente substantiva – e não meramente formal – do pleito, prosseguindo desse modo o princípio pro actione que vigora no nosso ordenamento jurídico processual (o qual visa garantir que serão rigorosamente observadas todas as condições para que a lide processual fique subordinada à salvaguarda da real e substantiva possibilidade de afirmação material das respectivas pretensões, sem a colocação de entraves iníquos, obstáculos de índole processual desproporcionados ou excessivamente formalistas que, as impeçam, diminuam ou dificultem injustificadamente, com primado da substância (verdade material) sobre a forma (verdade estritamente processual), enquanto garante do direito de acção e do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa). Qualquer vício de natureza processual que a parte interessada pretenda suscitar, e que deva ser conhecido, será naturalmente objecto da ulterior interposição do recurso de revista perante a decisão final de mérito ou forma, nos termos gerais dos artigos 671º, nº 1, e 674º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil. (…) Isto é, se se entendesse que seria, sempre e em qualquer circunstância, possível questionar junto do Supremo Tribunal de Justiça a decisão que considera a insuficiência da matéria de facto indispensável e que justifica a ampliação ordenada, a simples pretexto de haver acontecido uma violação de norma processual (qualquer que ela fosse), daí resultaria necessariamente que todas as situações previstas na alínea c) do nº 2 do artigo 662º, nos casos em que o Tribunal da Relação houvesse exercido activamente os seus poderes funcionais (ao invés dos casos em que, censuravelmente, de forma passiva e com violação da lei processual, deles não tivesse feito o devido uso), seriam desde logo passíveis de impugnação junto do Supremo Tribunal de Justiça, colocando em crise a ratio e o alcance expectável da previsão do nº 4 do mesmo preceito legal, o que redundaria, como se compreende, numa clara incongruência, carente de lógica intrínseca e sistemática.”↩︎ 5. V. Ac. do STJ de 15/3/2023, processo n.º 2755/20, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt. |