Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LUIS ESPIRITO SANTO | ||
| Descritores: | QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÃO LEGAL DOAÇÃO DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES ADMINISTRADOR INIBIÇÃO INDEMNIZAÇÃO SOCIEDADE CULPA PRESSUPOSTOS PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE PRESUNÇÃO JURIS TANTUM NEXO DE CAUSALIDADE PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário : | I – O incidente de qualificação da insolvência previsto nos artigos 185º a 191º do CIRE constitui uma fase processual destinada a aferir da existência, ou não, de culpa na origem da insolvência em que a sociedade veio a cair, ou do seu agravamento, através da comprovação em juízo de práticas ou comportamentos tipificados como gravemente imprudentes, irregulares, fraudulentos ou desleais por parte daqueles que em seu nome e interesse agiram, e que, segundo a cláusula geral consagrada no artigo 186º, nº 1, do CIRE, acabaram por se revelar causais relativamente à impossibilidade do ente colectivo satisfazer as suas dívidas vencidas perante terceiros, seus credores. II – Este instituto jurídico prossegue dois desideratos fundamentais: conferir maior eficácia à actividade judicial tendente à responsabilização dos titulares e administradores de pessoas colectivas das empresas declaradas insolventes; prevenir e evitar, pelo cariz dissuasor e fortemente sancionatório para todos agentes directamente envolvidos, a profusão de situações de insolvências fraudulentas ou, pelo menos, evitáveis com outro tipo de gestão séria, responsável e diligente no cumprimento das normas legais aplicáveis, que acarretam avultados prejuízos para os credores e consideráveis danos para a confiança no giro comercial, bem como para a vida económica, social e empresarial em geral. III – O legislador, bem ciente das dificuldades práticas no apuramento e efectiva demonstração das condutas (muito vezes dissimuladas ou encapotadas) que conduziram causalmente à insolvência não fortuita ou ao seu agravamento, instituiu nos artigos 185º a 189º do CIRE um sistema que, sinalizando determinadas situações-tipo, nuns casos faz concluir imediatamente, sem possibilidades de prova em contrário, pela culpabilidade na situação de insolvência ou no seu agravamento, que se presume em termos inilidíveis; noutros onera (uma vez comprovados os factos enquadráveis na previsão normativa) os responsáveis com a prova das circunstâncias que lhes permitem afastar, no caso concreto, a sua presumida culpabilidade na insolvência ou no seu agravamento, o que naturalmente facilita e torna muitíssimo mais viável a sua pronta e completa responsabilização. IV – As diversas alíneas do nº 2 do artigo 186º do CIRE, verificada a demonstração do preenchimento dos elementos de facto descritos nas previsões normativa, abrange a impossibilidade legal do afastamento do nexo de causalidade entre a situação típica descrita e a insolvência da sociedade devedora, ou o seu agravamento, que assim se presume de forma inilidível, sendo as garantias de defesa da sociedade e dos afectados devidamente exercidas no momento em lhes é concedido pelo sistema jurídico a ampla possibilidade de contradizer processualmente a subsunção da realidade em apreço na norma legal em referência. V – Havendo o administrador da sociedade decidido, na iminência da declaração da insolvência desta e no exercício dessas funções, realizar uma escritura de doação em que foi alienado a uma outra sociedade, cuja gerente era pessoa familiar próxima (filha) e também administradora registada da insolvente, um determinado imóvel que estava em nome da sociedade, esta conduta de ambos agravou sensivelmente a situação da insolvência, integrando a previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE e sendo de qualificar, com este fundamento, como culposa a insolvência. VI – Tendo o requerido assumido uma postura, ao longo do processo de insolvência, de total e aberta recusa de colaboração com o desempenho das funções do administrador desta, não dando sequência aos seus contactos e interpelações, e não facultando qualquer tipo de documentação necessária e pertinente, como constituída sua especial obrigação, devidamente plasmada no artigo 83º do CIRE, fazendo-o de forma reiterada e relapsa, com total desinteresse e absoluto desrespeito pelas finalidades do presente processo e pelas próprias pessoas do administrador da insolvência e dos credores da sociedade, tal comportamento integra a previsão da alínea i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, sendo de qualificar, com este fundamento, como culposa a insolvência. VII – É equilibrada a fixação ao requerido da inibição pelo período de 3 (três) anos prevista nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 189º do CIRE e, nos termos do artigo 189º, nº 4, do mesmo diploma legal, a sua condenação a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente à diferença entre o valor global do passivo e o activo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, a liquidar posteriormente. VIII – É equilibrada a fixação à requerida da inibição pelo período de 2 (dois) anos prevista nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 189º do CIRE e, nos termos do artigo 189º, nº 4, do mesmo diploma legal, a sua condenação a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente ao valor do imóvel doado, com o limite máximo do valor dos créditos insatisfeitos, a liquidar posteriormente. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção). I - RELATÓRIO. A sociedade KLACUS, S.A., foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado. Em 25 de Junho de 2023 foi aberto o incidente de qualificação de insolvência. O administrador da insolvência alegou que o administrador da insolvente, AA, violou o dever de colaboração e que ao doar um imóvel da insolvente favoreceu terceiros e praticou actos de administração ruinosa. Indicou-o como a pessoa que deve ser afetada e mencionou como fundamento legal da qualificação como culposa o artigo 186.º, n.ºs 1, 2, alínea a), b), c) i), 3, alíneas a) e b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. O credor BB, para além da mencionada doação, pronunciou-se no sentido de ter sido ocultado e dissipado património da insolvente, incluindo veículos automóveis, acrescentando ainda a violação do dever de colaboração. O mesmo credor indicou AA e CC como as pessoas que devem ser afetadas, com fundamento legal da qualificação como culposa no artigo 186.º, n.º 2, alíneas a) e i), do CIRE. O credor DD pronunciou-se em sentido idêntico, tendo indicado AA e CC como as pessoas que devem ser afetadas e indicou como fundamento legal da qualificação como culposa o artigo 186.º, n.ºs 2, alíneas a), b), d), g), i) e 3, alínea a). Justificou o administrador de insolvência tal qualificação culposa da insolvência nos seguintes termos: (…)4. Notificou o Administrador da Insolvente, Sr. AA, para prestar colaboração e facultar informação sobre a sociedade e este não respondeu. 5. O que fez através de carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente AA, NIF - .......52, Endereço: Rua 1 Torres Novas - foi recebida a 26/04/2023 – Doc. 1. 6. Uma segunda carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente, Rua 2 foi devolvida, com indicação de “objecto não reclamado”. Doc 2. 7. A carta enviada para a morada da sede da sociedade insolvente, Klacus, SA, NIPC .......88, sita na Zona Industrial da Lameira, Edificio Klacus, 3440--010 Óvoa – SANTA COMBA DÃO, foi recebida a 27/04/2023 – Doc. 3. 8. Não tendo o Administrador da sociedade facultado qualquer documento contabilístico ou de outra natureza da empresa. 9. A insolvente tem registado em seu nome 5 viaturas (a saber: V1, Fiat 250; V2 – FORD FIESTA; V3 – RENAULT HR 460;- V4 - RENAULT HR 460 e V5 – IVECO), que não foram aprendidas pois nunca foram encontradas. 10. Da única vez que conseguiu contactar o Administrador por telefone, após várias diligências nesse sentido, este foi confrontado sobre o paradeiro das mesmas e alertado para o dever de colaboração. 11. Tendo transmitido que as viaturas não existiam e que tinha sido pessoalmente declarado insolvente. 12. Mais adiantou que: “…não queria saber do processo para nada nem ia responder a nada…(…) e que não o chateassem mais com o assunto..” Ademais, 13. Constata-se que em 29 de Dezembro de 2022 (4 meses antes de entrada do pedido de insolvência) , a sociedade insolvente Klacus, S.A. alienou por Doação à sociedade CONFORTARRO-JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo o registo da cessação de funções feito em 23 de Janeiro de 2023, o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro, Concelho de Santa Comba Dão, Distrito de Viseu. - SANTA COMBA DÃO FREGUESIA: 10 - UNIÃO DAS FREGUESIAS que esteve em nome da sociedade insolvente, KLACUS, S.A. onde alegadamente deveria existir um edifício, que seria, entre outras coisas, a sua sede – Doc 4 e Doc 5. 14. Mas que na prática é um descampado – Cfr. Fotografias que se juntam como Doc. 6. 15. Factos que agravaram a situação de insolvência da sociedade. 16. E que, em tudo, obstam que os credores sejam ressarcidos através da venda dos activos da sociedade no presente processo. 17. Conclui o administrador judicial pela existência de fortes indícios de insolvência culposa pois a par do dever de falta de colaboração, existiu a doação do seu único activo para outra sociedade, detida pela filha da gerente. 18. Actos praticados dentro dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência estando dentro do limite temporal previsto no art.º 186.º n.º 1 do CIRE. 19. Considera o signatário que o Sr. AA, Administrador de facto e de direito da insolvente com as vendas, favorecimentos a terceiros e actos de administração ruinosa que levaram a cabo e que se alegam no presente parecer, preenchem as diversas alíneas do n.º 2 do art. 186º a saber: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzidos lucros, causando nomeadamente a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Disposto dos bens de devedor em proveito pessoal ou de terceiros; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188. Assim, nos termos do art.º 186.º do CIRE, o Administrador Judicial dá parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa, com afectação do Sr. AA administrador de facto e de direito da insolvente pois considera que a sua actuação preenche as als. a, b, c) e i) do n.º 2 e e als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE. Pois entende que a situação de insolvência foi agravada em consequência da actuação dolosa e com culpa grave do mesmo prejudicando a generalidade dos credores”. O M. º P. º emitiu o seguinte parecer: (…) Perante esta factualidade entendemos, na esteira do Sr. Administrador e sem necessidade de quaisquer outras considerações, que nos termos do art.º 186.º do CIRE, a insolvência ser qualificada como culposa, com afectação do Sr. AA administrador de facto e de direito da insolvente, pois que a sua actuação preenche as als. a, b, c) e i) do n.º 2 e e als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, já que levou ao agravamento da situação de insolvência em consequência da actuação dolosa e com culpa grave do mesmo prejudicando a generalidade dos credores”. Notificada a insolvente e citados os propostos afetados AA e de CC, estes apresentaram oposição, concluindo: 1. Não é verdade que a insolvente não tendo informado o agente de execução em qualquer execução do paradeiro de viaturas penhoradas. 2. Acresce que o Requerente não identificou a execução ou execuções que refere nos artigos 3 a 5 do seu requerimento. 3. Pelo que estão os oponentes impedidos de exercerem o contraditório relativamente à factualidade ali alegada. 4. O Requerente não concretiza que diligências é que terão sido iludidas e por quem uma vez que a sociedade não pode iludir ninguém. 5. Não identificando o Requerente quem terá iludido tais diligencias e quando é que se terá verificado tal alegada ilusão. 6. Também não identificou o requerente em concreto os “diversos expedientes” que abstratamente refere no seu artigo 6. 7. Alegou o Requerente que a insolvente deduziu incidente à penhora como se tal oposição fosse legalmente inadmissível. 8. Parecendo querer confundir o Tribunal com factualidade processual legalmente inadmissível e efetivamente admitida noutros processos judiciais. 9. Conclui alegando que “esses expedientes eram meramente dilatórios” sendo certo que, contrariamente ao alegado, em nenhum processo instaurado contra a insolvente foi decidido que alguma peça processual apresentada pela sociedade tenha sido um qualquer “expediente dilatório”. 10. Aliás o requerente não identifica nenhum concreto processo judicial ou outro onde a insolvente tenha apresentado qualquer peça que tenha sido julgada como “expediente dilatório”; 11. Não identificando qualquer concreta peça processual; 12. Concluindo alegando que foi devido a “actos de gestão deste “que a insolvente foi acumulando dividas atrás de dívidas. 13. Sem identificar nenhum “acto concreto de gestão” que padecesse de qualquer vício 14. Por outro lado as comunicações registadas identificadas em 9 não foram recebidas pelo Administrador da Sociedade. 15. Que delas não tomaram conhecimento. 16. Sendo certo que o Sr. Administrador tinha o contacto telefónico do Administrador AA tendo contactado com este sempre que teve necessidade de algum esclarecimento ou informação. 17. Contrariamente ao alegado no ponto 10 o Administrador da Sociedade prestou sempre ao Sr. Administrador todos os esclarecimentos e colaboração solicitados. 18. Por outro lado, a factualidade identificada no ponto 11 apesar de formalmente ter sido celebrada uma doação tratou-se efetivamente de uma dação em cumprimento. 19. Não tendo a mesma representado qualquer prejuízo para a insolvente ou para os seus credores. 20. Não tendo constituído tal alienação qualquer benefício para terceiros nomeadamente para o beneficiário da doação. 21. Contrariamente ao alegado a Insolvente não dissipou nem tentou dissipar os seus activos. 22. A insolvente e o seu Administrador não sabem que diligências o Requerente terá feito para localizar as viaturas automóveis identificadas no ponto 14 do seu requerimento; 23. Sendo que o Requerente também não identifica que diligências é que efectuou. 24. Contudo, tendo sido ordenada a sua apreensão seria fácil proceder à sua localização e apreensão. 25. Bastando para isso solicitar às entidades policiais a sua efetiva apreensão. 26. Podendo o Sr. Administrador de Insolvência requerer também o cancelamento das suas matrículas para evitar a sua circulação. 27. Acontece que tais viaturas haviam sido entregues a um credor para regularização de um seu crédito sobre a sociedade. 28. Não se encontrando as mesmas na alteração ou disponibilidade da Sociedade nem na do seu Administrador. 29. A Sociedade e a sua Administração não praticou qualquer acto de dissipação do património da sociedade. 30. O Administrador da Sociedade AA não praticou qualquer acto lesivo dos credores da Sociedade, 31. E todos os actos da sua administração foram praticados no sentido de viabilizar a atividade da Sociedade. 32. E de garantir os direitos dos seus credores. 33. Contrariamente ao alegado o artigo 28º a eventual qualificação da insolvência não deverá afetar a Ex Administradora CC que renunciou ao exercício das suas funções em 22 de Fevereiro de 2022 e ainda porque o Requerente não alega qualquer acto por si praticado que pudesse ser lesivo da sociedade e dos seus credores. 34. Concluindo até que foi o administrador AA quem terá incumprido os seus deveres de administração criteriosa da Sociedade. 35. E de não apresentação da Sociedade à insolvência no prazo legalmente estabelecido para o efeito. 36. Nada dizendo relativamente à anterior Administradora CC. 37. A culpa grave alegada pela Requerente no ponto 36 do seu Requerimento não se presume. 38. Devendo assentar em qualquer concreta actuação da Administração da sociedade que agrave a situação da insolvência da Sociedade. 39. Não tendo sido imputados quaisquer acções ou omissões à Administradora CC deverá o presente incidente improceder relativamente a si. 40. O mesmo devendo verificar-se relativamente ao Administrador AA. Deverá o incidente ser julgado improcedente por não provado não se declarando a insolvência como culposa e consequentemente não deverá ser o seu Administrador AA afectado por tal qualificação, O mesmo se devendo verificar relativamente à Ex Administradora CC uma vez que relativamente à mesma não é alegada qualquer factualidade suscetível de culminar na sua afectação pela qualificação da Insolvência como culposa Em 1ª instância foi proferida a seguinte decisão: “Nestes termos, qualifica-se como fortuita a insolvência da sociedade KLACUS, SA. Nos termos do disposto no artigo 303º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa ao incidente de qualificação da insolvência, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objeto de tributação autónoma. Assim, e porque no caso concreto as custas são a cargo da massa insolvente, não há lugar a tributação autónoma. Notifique”. O credor DD não se conformando tal decisão dela interpôs recurso de apelação. Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 8 de Julho de 2025, que julgou procedente a apelação e, em consequência decidiu: a) Declarar a insolvência da sociedade KLACUS, SA, culposa, julgando por ela afectados AA e CC, com as seguintes consequências: b) Decretar a inibição dos afectados AA e CC, para administrarem patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três) anos (a afectada CC) e 4 (quatro) anos (o afectado EE); c) Condenar o afectado AA a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente à diferença entre o valor global do passivo e o que o activo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, a liquidar em execução de sentença. d) Condenar a afectada CC, solidariamente, a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente ao valor do imóvel doado, com o limite máximo do valor dos créditos insatisfeitos, a liquidar em execução de sentença. Interpuseram os afectados AA e CC recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: a) Vem o presente recurso interposto do acórdão da Relação de Coimbra que revogou a sentença recorrida (dupla desconforme) e qualificou como culposa a insolvência da sociedade KLACUS, S.A., declarando afectados os recorrentes. b) As inibições previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) são, inequivocamente, restrições dos direitos fundamentais e, justamente, por isso, estão sujeitas aos limites constitucionais balizados pelo artigo 18.º da CRP. c) Não obstante isto, certo é que os recorrentes vêm condenados, com severidade, pelo tribunal de recurso, com base em apenas presunções, ditas legais, ou seja, meras especulações sem direito a ampla defesa ou defesa nenhuma. d) No âmbito do direito privado, a existência de presunções inilidíveis, embora excecional, é aceitável em certas situações, mas, quando nos movemos para o direito sancionatório público a lógica muda drasticamente e, neste campo, tornam-se imprestáveis. e) Isto porque as presunções iure et jure atentam contra a verdade material, o direito à defesa e ao contraditório, negando, assim, aos recorrentes o devido processo legal o due process of law. f) É inconstitucional a norma extraída do artigo 188.º/2 do CIRE, por violação dos artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 4 da Constituição na interpretação de que, para qualificar a insolvência como culposa, não só não exige a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou com culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave. Isto posto. g) O acórdão recorrido padece de nulidade, por insuficiente fundamentação, desde logo ao alterar a matéria de facto adquirida pelo tribunal de 1.ª instância, eliminando, os pontos 1, 2, 4 e 6 dos factos não provados, mas o ponto 3 dos factos não provados, passou a ser dado como provado. h) Sem que, quanto ao referido ponto 3, os recorridos tivessem dado cabal cumprimento aos ónus imposto pelo artigo 640.º/1 als. a) e b), situação que s. m. o. é aqui sindicável por via do disposto no artigo 674.º/1 al. b) e 3, ambos do CPC, sendo ainda certo que face à sua redação se afigura como conclusão e não facto. A parte recursória de CC. i) Pelo acórdão recorrido, a recorrente vem condenada, porque o tribunal a quo considerou que os factos provados sob os pontos 16 e 18 são suficientes para a subsunção ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º (não diz) do artigo, presumimos, 186.º do CIRE. j) Porém, de tais pontos 16 e 18 o que ressalta é que a recorrente, enquanto pretérita gerente de direito da insolvente, não teve qualquer intervenção nos actos tidos – mas não provados – por causadores ou agravadores da situação de insolvência. k) Está em causa (i) a não apreensão, pelo senhor administrador da insolvência, presume-se, de 5 viaturas registadas como propriedade da insolvente; e (ii) a outorga da escritura no dia 29.12.2022 da alienação, por doação, de um prédio cuja propriedade estava inscrita a favor da sociedade insolvente. l) No que concerne à questão da não apreensão das viaturas pelo senhor administrador dainsolvência queiniciou funções a 13 de Abril de 2023 a recorrente não pode, em qualquer caso, ser responsabilizada por tal putativa omissão, dado que tendo renunciado à administração de direito a 22 de Fevereiro de 2022, não lhe era legalmente exigível ou sequer possível tal acto, donde este não foi omitido por não devido. Ademais, m) O que se verifica é que a não apreensão das ditas 5 viaturas se deveu a um acto imputável exclusivamente ao senhor administrador da insolvência que diligentemente, justiça lhe seja feita, concluiu, pelas matrículas, não terem as mesmas valor comercial que justificasse diligências para a sua apreensão a favor da futura massa insolvente, conforme comunicação do mesmo ao tribunal de 17 de Novembro de 2023 no processo principal. n) No que concerne à outorga da escritura de alienação, por doação, do prédio (ponto 18), a recorrente, não tendo o domínio da acção, por pertencer ao seu pai, limitou-se a, enquanto “administradora de direito” da donatária, note-se bem, a receber a doação do prédio. o) Como resultou provado (ponto 19) o terreno trata-sedeum “descampado”, portanto, sem valor, e por isto mesmo ser assim o senhor administrador da insolvência optou por não lançar mão do instituto de resolução em benefício da massa. p) Outrossim não ficou provado se o dito terreno, era, de facto, propriedade da insolvente (não obstante a presunção do registo), pois que não existe prova de que a mesma o tivesse adquirido por uma das respetivas causas. q) Podia (não se sabe) o terreno estar em nome da sociedade por mera conveniência jurídico-legal do negócio e, portanto, não fazia parte do giro ou acervo patrimonial da insolvente e a este respeito nada vem dito. r) Seja com for, para responsabilizar a recorrente por este acto, por ação ou omissão, não basta que tenha assinado a escritura na outra banda, pois, mister é demonstrar que a mesma, naquela data, era gerente de direito ou de facto da insolvente. s) E o que vem provado é exatamente o contrário, dado que a mesma, por ter renunciado à gerência de direito com que foi “prendada” por seu pai, não o era. t) Não pode, ainda, a recorrente ser responsabilizada nesta sede por, quanto mais não seja, ter intervindo naquele acto de outorga da escritura de doação não na qualidade de representante da insolvente, mas na qualidade de representante da donatária. u) E sabido é que as sociedades comerciais são pessoas coletivas de direito privado, com personalidade jurídica e judiciária distinta de quem as representa, não se confundindo com estas, sentido este em que devem ser interpretados e aplicados os arts. 157.º e 160.º do Cód. Civil e Arts. 1.º, 5.º e 6.º do Cód. Soc. Comerciais. v) É inconstitucional, por violar os artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 4 da Constituição, a norma extraída do artigo 186.º n.º 1 e 2 als. b) e d) do CIRE na interpretação de que pode ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa quem à data dos acto não detinha a qualidade de administrador de facto ou de direito. w) Detodo o modo, o ónus resultante daobrigação de apresentar provas quesustentem a qualificação da insolvência como culposa, recai sobre o administrador da insolvência. x) Isto significa, além do mais, que é ele quem deve apresentar os elementos que demonstrem que a conduta do devedor, nos três anos anteriores ao processo de insolvência, foi dolosa ou gravemente culposa e que essa conduta contribuiu para a criação ou agravamento da insolvência, o que não foi feito. y) Nenhuma prova trouxe o senhor administrador da insolvência, muito menos o credor recorrente (porquê tanta animosidade, quando até o seu putativo crédito é, no mínimo, questionável) sendo que este até intimamente sabe que a recorrente não exerceu nem de direito nem de facto a administração da insolvente. z) Vem provado que o imóvel doado é um descampado, não existindo prova de valor patrimonial real, nem consta nos autos demonstração de prejuízo para os credores, ou seja, a doação não provocou nem agravou a insolvência - foi uma operação inócua. aa) E qualquer que seja a alínea à qual se subsume a conduta, por força do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE, para que a insolvência possa ser qualificada como culposa, tem de se apurar nos autos um nexo de causalidade entre essas faltas e o estado de insolvência, cfr. inter aliaAcs. do STJ de 29 de Outubro de 2019 e de 5 de Abril de 2022. bb) É inconstitucional, por violar os artigos 18.º n.º 2 e 20.º n.º 4 da Constituição, a norma extraída do artigo 186.º n.º 2 do CIRE na interpretação de que perante a verificação de cada uma das situações previstas nas suas diversas alíneas, a insolvência é sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o n.º 1 do mencionado preceito. cc) De todo o modo, a inibição deve atender ao grau de culpa e à concreta contribuição do visado para a situação de insolvência e o certo é que não foi apontado à recorrente um único acto que possa ser tido como criador ou agravado a situação de insolvência. dd) A não entrega das viaturas ao senhor administrador da insolvência, não sendo imputável à recorrente, é um acto posterior à situação e declaração de insolvência, não sendo, portanto, causal da insolvência. ee) Assim como a outorga da escritura do descampado também não foi causadora da insolvência, porque esta já se verificava à data. ff) Quando muito, estamos perante uma situação de mera culpa ou culpa leve, compreendida como uma actuação negligente, mas sem especial gravidade e, por isso, a aplicação de inibição por três anos é ilegal ou, no mínimo, não respeita a gradação da culpa. gg) A condenação da recorrente a indemnizar os credores, não tem fundamento legal, pela simples razão de que mesmo que não tivessem sido praticados os actos imputados à recorrente, sempre se verificaria a frustração do seu crédito, pois que como avaliou – e bem – o senhor administrador da insolvência a sua apreensão não aportava valor acrescentado nenhum à massa insolvente. hh) Anormaextraída do artigo 186.º n.º 1 e2 als. b) ed) do CIRE deveser interpretada e aplicada no sentido de que só pode ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa quem à data dos acto detinha a qualidade de administrador de facto ou de direito e in casu à data dos actos apontados como geradora da responsabilidade a recorrente não a detinha. ii) O acórdão recorrido, ao não apresentar uma fundamentação autónoma quanto à recorrente, padece de nulidade o que hic et nunc se invoca. A parte do recorrente AA jj) A decisão recorrida considera que a sua conduta preenche as alíneas a), b), c) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE (presunções absolutas) kk) A afetação do recorrente com base em presunções legais absolutas, sem prova individualizada da prática dos atos alegadamente lesivos, sem contraditório substancial, e sem oportunidade técnica de afastar a presunção configura uma situação de indefesa inadmissível em sede constitucional. ll) A surpreendente decisão recorrida presumiu dolo e culpa grave, aplicou medida de inibição e condenação indemnizatória, sem assegurar mecanismos de ilisão reais e sem prova do nexo causal entre os alegados atos e o prejuízo. mm) As consequências pessoais e profissionais, mesmo para a mais elementar necessidade de subsistência humana (e. g., habitação, alimentação e profissão) previstas no artigo 188.º do CIRE, são muito mais gravosas das que são previstas no âmbito do direito penal e contraordenacional e sem que quanto a elas o visado não se possa defender. Dito isto, nn) No que se refere à questão das cinco viaturas não resulta que o senhor administrador da insolvência tivesse diligenciado pela sua apreensão que, nos termos do artigo 150.º/2 do CIRE é da sua exclusiva competência, o que, desde logo, desobriga o recorrente do dever de as entregar. oo) De qualquer modo, não foi feita qualquer prova que as viaturas existiam e de que o recorrentetinha arespetiva posse ou possibilidadede as entregar ou fazer entregar ao administrador da insolvência, acaso este tivesse manifestado interesse nisso que, repita-se, não manifestou. pp) Veja-se neste conspecto a informação prestada a 17 de Novembro de 2023 pelo senhor administrador da insolvência onde afirma “…que a informação obtida vai no sentido de serem viaturas que não existem e cuja apreensão apenas vai onerar a massa insolvente com formalismos (registos de apreensão e pagamentos dos subsequentes emolumentos pelo cancelamento de matrículas ou abate…”). qq) Quanto à questão do descampado, repetindo tudo o se disse nas conclusões o), p), e q), julgamos que o acerto continua na 1.ª instância quando concluiu pela sua irrelevância para esta sede. rr) A1.ª instância foi cristalina no juízo que efetuou ao fundamentar que “…o próprio Exmo. Sr. Administrador de Insolvência ter referido quanto ao imóvel identificado nos factos provados que a sua apreensão não aportaria qualquer vantagem para o processo, ao ponto de não ter sequer equacionado a resolução do contrato…”. ss) O acórdão recorrido condenou ainda o recorrente ao abrigo da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º porque, resultou provado que “O proposto afetado AA não facultou qualquer documento contabilístico ou de outra natureza da empresa…”. tt) Defendendo ser de manter os juízos formulados pela 1.ª instância salientamos que a alegada falta de colaboração não impediu o senhor administrador da insolvência de desempenhar cabalmente as suas funções. uu) Tanto assim que atempadamente apresentou o seu relatório, o seu parecer de qualificação da insolvência, as relações de créditos e se não apreendeu bens é porque, no seu prudente e técnico arbítrio, concluiu não haver vantagem nisso, pois previu que a sua liquidação representaria um custo para a massa insolvente e não um benefício. vv) Por cautela, sempre se invoca que se é verdade que a insolvente apresentou as contas de2018 a2021, não menos verdadeéqueà data dadeclaração dainsolvência em 13 de Abril de 2023 ainda não se havia iniciado o prazo legal para apresentação das contas do exercício de 2022. ww) Sendo as datas-limite de 30 de Junho de 2023 e 15 de Julho de 2023, logo se percebe que inexistia o dever de o recorrente apresentar as contas, por falta de poderes ou quais, aliás, se transferiram para o administrador da insolvência nos termos do artigo 65.º n.º 5 do CIRE. xx) De considerar é ainda que na assembleia de credores de 30 de Maio de 2023 o tribunal, além do mais, determinou a comunicação à AT do encerramento da actividade do estabelecimento da insolvente, nos termos e para os efeitos dos artigos 65º, nº 3 e 156.º n.º 2 do CIRE, com efeitos reportados à data da declaração de Insolvência. De todo o modo, yy) Quatro anos de inibição representam uma penalização grave, não apenas profissional, mas reputacional e certo é que tal medida deve ser sustentada por avaliação concreta do grau de culpa, da contribuição direta para a insolvência da empresa e da gravidade dos danos causados e no caso apresenta-se com manifestamente desproporcional e, aliás, desnecessária. zz) O tribunal a quo, ao aplicar cumulativamente as sanções previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, errou, pois, as mesmas visam sancionar situações diferentes sendo que a inibição prevista na alínea b) aplica-se quando se esteja perante uma insolvência de particular não comerciante, ao passo que a alínea c) tem aplicação no caso de insolvência comercial, seja individual seja de uma sociedade. aaa) Acondenação do recorrente a indemnizar os credores, não tem fundamento legal, pela simples razão de que mesmo que não tivessem sido praticados os actos imputados ao recorrente, sempre se verificaria a frustração do seu crédito, pois que como avaliou – e bem – o senhor administrador da insolvência a sua apreensão não aportava valor acrescentado nenhum à massa insolvente! bbb) Por todo oexposto, oacórdão recorrido, além das referidas nulidades processuais e de interpretar e aplicar normas inconstitucionais, violou o disposto nos artigos 186.º n.º 2 alíneas a), b) e i) e 189.º n.º 2 alíneas a), b), c) e e) do CIRE, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso. Não houve contra-alegações. II – FACTOS PROVADOS. Encontra-se provado nos autos que: 1) A sociedade Klacus, S.A., pessoa coletiva n.º ... ... .88, com sede na Zona Industrial da Lameira, Edifício Klacus, Póvoa, concelho de Santa Comba Dão, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número e a respetiva constituição foi registada pela AP. .09 de 12-02-2018; 2) Foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 13 de Abril de 2023. 3) A sociedade Klacus, S.A tem o seguinte objeto social: consultadoria para os negócios e gestão; indústria de transformação de madeiras e seus derivados; aluguer de veículos ligeiros e pesados de mercadorias sem condutor; comércio de máquinas e equipamentos; comércio por grosso e a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis; transporte rodoviário de mercadorias; comércio, importação e exportação de veículos automóveis. 4) Tem o capital social de € 819.500,00 (oitocentos e dezanove mil e quinhentos euros); 5) Para obrigar a sociedade era necessária a intervenção de qualquer um dos membros do conselho de administração e da sua matrícula comercial só consta como administrador AA; 6) Na matrícula comercial da insolvente mostra-se averbado o depósito das contas de 2018 a 2021. 7) Em 25 de Fevereiro de 2023 e 12 de Abril de 2023, a insolvente constava da lista de devedores à administração fiscal no escalão de €10.000,00 a €50.000,00. 8) A insolvente tinha quinze processos executivos instaurados contra a mesma em que é peticionado valor superior a €95.000,00. 9) À data em que foi declarada a insolvência era desconhecida qualquer actividade à insolvente. 10) O Exmo. Sr. Administrador de Insolvência relacionou créditos sobre a insolvente no valor de € 506.984,92. 11) O Sr. Administrador da Insolvente notificou o proposto afetado AA para prestar colaboração e facultar informação sobre a sociedade e este não respondeu. 12) O que fez através de carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente AA, NIF - .......52, Endereço: Rua 1Torres Novas - foi recebida a 26 de Abril de 2023. 13) Uma segunda carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente, Rua 2 foi devolvida, com indicação de “objecto não reclamado”. 14) A carta enviada para a morada da sede da sociedade insolvente, Klacus, SA, NIPC .......88, sita na Zona Industrial da Lameira, Edificio Klacus, 3440--010 Óvoa – SANTA COMBA DÃO, foi recebida a 27/04/2023. 15) O proposto afetado AA não facultou qualquer documento contabilístico ou de outra natureza da empresa. 16) A insolvente tem registado em seu nome cinco viaturas (a saber: V1, Fiat 250; V2 – FORD FIESTA; V3 – RENAULT HR 460;- V4 - RENAULT HR 460 e V5 – IVECO), que não foram aprendidas. 17) Da única vez que conseguiu contactar o Administrador por telefone, após várias diligências nesse sentido, este foi confrontado sobre o paradeiro das mesmas e alertado para o dever de colaboração. 18) Em 29 de Dezembro de 2022, a insolvente Klacus, S.A. alienou por doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo o registo da cessação de funções sido feito em 23 de Janeiro de 2023, o imóvel descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro, Concelho de Santa Comba Dão, Distrito de Viseu. - SANTA COMBA DÃO FREGUESIA: UNIÃO DAS FREGUESIAS (que esteve em nome da sociedade insolvente, KLACUS, S.A.). 19) O imóvel atrás identificado é um descampado. 20) Os propostos afetados conheciam a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas (antigo facto 3 do elenco dos não provados alterado pelo acórdão recorrido). III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. 1 – Nulidade do acórdão recorrido por insuficiente fundamentação ao alterar a matéria de facto adquirida em 1ª instância, eliminando os pontos 1, 2, 4 e 6 dos factos dados como não provados, e ao dar como provado o facto nº 3 dado na sentença como não provado. 2- Incumprimento pelos recorridos/apelantes dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, que os recorrentes entendem ser sindicável nos termos do artigo 674º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma legal. 3 – Regime da qualificação de insolvência previsto no artigo 186º do CIRE. Natureza de presunções inilidíveis dos factos índice enunciados no artigo 186º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE), relativamente ao nexo de causalidade entre a conduta e os prejuízos por esta causados. Natureza de presunções ilidíveis consignadas no nº 3 do artigo 186º do CIRE. 4 – Questões de (in)constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 188º, nº 2, do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que, para qualificar a insolvência como culposa, não só não se exige a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou culpa grave. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 186º, nº 1 e 2, alíneas b) e d) do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que pode ser afectado pela qualificação da insolvência como culposa quem à data detinha a qualidade de administrador de facto ou de direito. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 186º, 2, do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que perante a verificação de cada uma das situações previstas nas suas diversas alíneas, a insolvência é sempre considerada culposa, sem necessidade de demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o nº 1, do mesmo preceito legal. 5 - Condenação de AA. Falta de diligência do administrador da insolvência quanto à falhada apreensão das viaturas automóveis. Irrelevância da doação do terreno para a verificação da insolvência da empresa. Irrelevância da falta de colaboração do recorrente. Não apresentação das contas relativas ao exercício de 2022. Ausência de início do prazo legal para o efeito (à data da declaração da insolvência). Desproporcionalidade da fixação do prazo de quatro anos de inibição. Aplicação cumulativa das sanções previstas nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 189º do CIRE. Ausência de fundamento para a condenação do recorrente a indemnizar os credores. Falta de nexo de causalidade entre as condutas imputadas aos afectados e o estado de insolvência da sociedade. Anterioridade da insolvência relativamente à falta da entrega das referidas viaturas automóveis e falta de valor destas relativamente à valorização da massa insolvente. Menor gravidade e culpa na realização do contrato de doação. 6 - Condenação de CC. Ausência de intervenção desta na factualidade prevista nos pontos 16 e 18 dos factos dados como provados. Sua renúncia à gerência em 22 de Fevereiro de 2022. Falta de apreensão das cinco viaturas automóveis em referência. Doação realizada por escritura de 29 de Dezembro de 2022. Falta de prova a carrear para os autos pelo administrador da insolvência. Da ausência da qualidade de administrador, de facto ou de direito, ao tempo da prática dos actos geradores de responsabilidade. Passemos à sua análise: 1 – Nulidade do acórdão recorrido por insuficiente fundamentação ao alterar a matéria de facto adquirida em 1ª instância, eliminando os pontos 1, 2, 4 e 6 dos factos dados como não provados, e ao dar como provado o facto nº 3 dado na sentença como não provado. Não assiste razão aos recorrentes neste ponto, uma vez que não se verifica, de modo algum, a nulidade do acórdão prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. Com efeito, o acórdão recorrido contém fundamentação clara e suficiente que suporta materialmente o decidido neste particular. Do mesmo consta que: “Ora, nos termos da norma do artigo 662.º, n.º 1, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e segs. e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil , designadamente o artigo 396.º no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas. É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes - Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591-, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância. Mas não podemos esquecer que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte. Acresce, no caso em análise, que por força da nova redacção do corpo do n.º 3, do artigo 186.º, do CIRE, introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que, numa clara interpretação autêntica deste preceito, passou a afirmar que se presume unicamente a existência de culpa grave, não prescindindo, portanto, da prova do nexo de causalidade exigido pelo n.º 1, do mesmo artigo - ao contrário do n.º 2, que estabelece presunções inilidíveis de insolvência culposa (que alguma doutrina e jurisprudência prefere qualificar como “ficções legais”), o n.º 3 consagra meras presunções relativas de culpa grave, não dispensando a prova do nexo de causalidade entre a conduta do gerente/administrador e a situação de insolvência. Para além do exposto, importa ainda realçar que, a insolvência culposa tem consequências gravosas, previstas nos n.2 e 3 do art.º 189.º do CIRE, traduzidas em inibições várias, às quais é conferida publicidade, por via da inscrição no registo civil e no registo comercial. Por isso, deve a matéria de facto provada fornecer uma inequívoca demonstração do preenchimento dos requisitos exigidos pelas diversas hipóteses do art.186º do CIRE – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ, de 29.10.2019 (proc. n.º 434/14.3T8VFX-C.L1.S1), pesquisável em www.dgsi.pt. Adiantamos, desde já, que no caso em análise e ao contrário do decidido na 1.ª instância, entendemos que os factos provados sob os Pontos 11) a 18) e na nossa avaliação, mostram-se suficientes para a procedência do recurso em matéria de direito. Mais, os factos 1 - Os propostos afetados ocultaram ou fizeram desaparecer, no todo ou em parte, o património da devedora em proveito pessoal ou de terceiros -; 2 - A insolvente e os propostos afetados violaram o seu dever de colaboração para com o Exmo. Sr. Administrador de Insolvência; 4 - Os propostos afetados causaram a celebração pela devedora de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas -, e 6 - Os factos descritos nos factos provados obstaram a que os credores sejam ressarcidos através da venda dos ativos da sociedade no presente processo -, são claramente conclusivos - basta ver que aquilo que se diz para os julgar provados assenta e resulta de outros factos provados (sinal claro de que estão em causa meras conclusões a extrair desses factos já provados. Além de se conclusivos, são, inclusivamente conclusões de direito, pelo que, e por essa razão, são retirados da matéria de facto não provada. De todo o modo, quanto ao Ponto 3 dos factos não provados - os propostos afetados conheciam a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas -, esmiuçados os documentos trazidos aos autos e escutada a restante prova, assiste razão ao Apelante na sua discordância quanto à matéria de facto fixada na 1.ª instância. Quanto ao facto não provado 3) – Entendeu a 1.ª instância dar o facto como não provado , “porque ainda que dúvidas não restem quanto à existência de diversas execuções pendentes contra a requerida e os valores entretanto reconhecidos aos credores, a realidade é que estes factos, por si só, são insuficientes para permitir ao Tribunal afirmar, sem mais, que os propostos afetados sabiam que a sociedade se encontrava insolvente, sendo que ainda que se provasse este facto impunha-se prova quanto à concreta data em que tiveram conhecimento dessa situação, facto esse que não resultou demonstrado.”; Não podemos, com todo o respeito, seguir tal raciocínio, atenta a prova levada aos autos. Basta, desde logo, considerar os factos dados como provados pelo Juízo de Comércio de Viseu - Juiz 2, nomeadamente 6) a 10), onde é dado como provado, que na matrícula comercial da insolvente mostra-se averbado o depósito das contas de 2018 a 2021, resultando, assim, que desde 2022 que não apresentava contas, tendo sido declarada insolvente em 13.04.2023; e que Em 25 de fevereiro de 2023 e 12 de abril de 2023, a insolvente constava da lista de devedores à administração fiscal no escalão de €10.000,00 a €50.000,00, que já tinha quinze processos executivos instaurados contra a mesma em que é peticionado valor superior a €95.000,00; À data em que foi declarada a insolvência era desconhecida qualquer atividade à insolvente, e por fim “O Exmo. Sr. Administrador de Insolvência relacionou créditos sobre a insolvente no valor de 506.984,92€. Como alega a Apelante: Ora, das pesquisas realizadas numa plataforma informática de informação comercial, verifica-se a existência de 18 (quinze) processos judiciais contra a Insolvente, maioritariamente executivos, desde 2018 - conforme consta do Doc. n.º 4 do Requerimento inicial do incidente do ora recorrente, datado de 13/06/2023 - relembrando todavia, que a mesma somente havia sido constituída em 2018. Destacando-se que os primeiros processos executivos, reportam-se logo a 2018, seguindo-se de processos em 2019, 2020, 2021 e por aí adiante, o que é por si demonstrativo do “objecto” da sociedade insolvente. E anda, o facto de a mesma já constar da lista de devedores à administração fiscal, ter dividas no valor de 506.984,92€, e o mais evidente de todo, que era falta de qualquer atividade conhecida à insolvente; Sendo também de destacar, que ambos os requeridos tinham uma vasta experiência profissional no sentido, de apurar o estado da insolvente, uma vez que o requerido AA, foi Administrador entre 10.09.2020 e 04.11.2022 da sociedade Wildstone - Rochas Ornamentais S.a., pessoa colectiva n.º .......67, com sede na Rua 3 Lisboa e foi Gerente entre 15.03.2021 e 26.10.2022 da sociedade Differente Occasions - Industria e Comercio De Marmores, Unipessoal Lda., pessoa colectiva n.º .......38, com sede na Rua 3 Lisboa; E a requerida CC, era sócia e gerente da Confortarrojado, Lda., pessoa colectiva n.º .......06, com sede na Rua 2, Pombal, administradora da Nogueiras, Sgps, S.a., pessoa colectiva n.º .......37, com sede na Rua 3 Lisboa, sócia e gerente da Recyklacus, Unipessoal Lda., pessoa colectiva n.º .......59, com sede na Rua 3Lisboa e administradora da Klacus Two, S.A., pessoa colectiva n.º .......16, com sede na Rua 4; Sendo de notar que após o período de gestão do mesmo, ambas as sociedades são inundadas de processos judiciais, muitos eles executivos, o que demonstra claramente o teor da sua gerência - conforme consta dos Docs. n.º 5 a 19 do Requerimento inicial do incidente do ora recorrente, datado de 13/06/2023. Pelo que, dúvidas não temos de que os ora requeridos - propostos afectados - conheciam a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas, provando-se, em consequência, os factos levados pela 1.ª instância ao ponto 3) dos não provados. Procede, pois, a impugnação da matéria de facto”. Basta ler este excerto do acórdão recorrido para se concluir facilmente que o Tribunal da Relação de Coimbra reapreciou, como lhe competia, o juízo de facto emitido em 1ª instância, analisando-o criticamente com base nos diversos elementos de prova recolhidos nos autos e, nessa sequência, modificou - com toda a legitimidade e pertinência - o elenco dos factos provados e não provados, matéria aliás relativamente à qual este Supremo Tribunal de Justiça não dispõe de poderes de sindicância, nos termos gerais dos artigos 662º, nº 4, 682º, nº 2, do Código de Processo Civil. Falece, portanto, o argumentário dos recorrentes neste ponto, não obstante a sua legítima discordância quanto ao enquadramento jurídico realizado em 2ª instância. 2- Incumprimento pelos recorridos/apelantes dos ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, que os recorrentes entendem ser sindicável nos termos do artigo 674º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma legal. Não faz pura e simplesmente nenhum sentido a questão suscitada pelos ora recorrentes. O credor DD, apelante, apresentou justificadamente todas as suas razões de discordância em que alicerçou o pedido de modificação da decisão de facto. Do mesmo recurso consta: “Recurso de facto 9. O recorrente entende que, atendendo à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, bem como à prova documental, ocorreu erro notório na apreciação da prova quanto aos factos não provados 1, 2, 3, 4 e 6, que devem ser considerados provados. 10. Quanto ao facto não provado 1), no seguimento e reiterando o supra referido, o tribunal a quo, deu como factos provados, nomeadamente 16) e 18), onde é assente, que “A insolvente tem registado em seu nome cinco viaturas … que não foram aprendidas.”, e “Em 29 de Dezembro de 2022, a insolvente Klacus, S.A. alienou por doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é CC, administradora presidente da insolvente até 22-02-2022, tendo o registo da cessação de funções sido feito em 23-01-2023, o imóvel descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30”; 11. Foi admitido pelo próprio requerido AA, apesar de tais declarações não merecerem qualquer reconhecimento de veracidade que quanto às referidas viaturas, primeiro disse que lhes perdeu o rasto por terem penhores a favor da Autoridade Tributária, depois alega que foram vandalizadas e por fim, que teriam ido para a sucata, por serem viaturas velhas, porém são viaturas dos anos de 2008 a 2019, pelo que tal história, não faz qualquer sentido. 12. Assim, encontrando-se provado quer pelas declarações prestadas pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, mas também pela prova documental junta aos autos, tais factos 16) e 18), é de concluir que o facto não provado 1), deverá se considerado como facto provado. 13. Quanto ao facto não provado 2), o Tribunal a quo, deu como provados os factos 11) a 17), sucede que, com todo o devido respeito pelo Tribunal a quo, não podes este vir arranjar desculpas para os requeridos, ao alegar “equacionar que, no assinalado período se encontravam, por exemplo, impedidos de responder ou esclarecer o solicitado por alguma razão de saúde e/ou outra que os impedisse de responder àquilo que lhes era pedido”, nenhuma defessa veio alegar qualquer impedimento, e não cabe ao tribunal apresentar a defesa dos requeridos. 14. O requerido AA, confrontado se tinha sido contactado pelo Sr. Administrador Judicial disse que o mesmo lhe ligou e disse: ““Quero saber onde é que está o património da empresa Klacus”, e eu perguntei-lhe quem é que falava, e ele disse “Eu sou um Administrador de Insolvência”. Todo bem, e eu respondi-lhe,olhe mande-me isso por escrito, por email, que eu respondo-lhe. O homem continuou a ser agressivo e eu desliguei-lhe, pura e simplesmente lhe disse que não queria saber disso para nada, que não sabia com quem estava a falar e desliguei-lhe o telefone.” 15. Sendo que por sua vez, o Sr. Administrador Judicial, disse que aquando da referida chamada, se apercebeu que o requerido AA, estava perfeitamente dentro do assunto, e que simplesmente disse directamente que não estava para colaborar. 16. Ora, quanto a uma eventual problemática de recpçaõ ounão de cartas, o que no nosso entendimento não se verifica pelo supra exposto, o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu Ac. de 12.04.2011, do processo n.ᵒ 3489/08.6TBGMR-A.G1, decidiu que “1º- A indisponibilidade do gerente da sociedade para prestar colaboração à Administradora da Insolvência, decorrente da impossibilidade de ser contactado por esta, não pode deixar de corresponder a um incumprimento reiterado do seu dever de colaboração. 2º- A violação reiterada do dever de colaboração previsto no artigo 83º, nº1, al. c) do CIRE determina a qualificação da insolvência como culposa nos termos do art. 186º, nº 2, alínea i) do mesmo diploma.”. 17. Pelo que, o facto não provado 2), deverá se considerado como facto provado. 18. No que concerne ao facto não provado 3), apreciou no nosso entendimento, erradamente o Tribunal a quo a prova produzida, pois dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, nomeadamente 6) a 10), onde é dado como provado, que na “matrícula comercial da insolvente mostra-se averbado o depósito dascontas de 2018 a 2021.”; 19. E que, “Em 25 de fevereiro de 2023 e 12 de abril de 2023, a insolvente constava da lista de devedores à administração fiscal no escalão de €10.000,00 a €50.000,00.”, que já tinha “quinze processos executivos instaurados contra a mesma em que é peticionado valor superior a €95.000,00.”, “À data em que foi declarada a insolvência era desconhecidaqualqueratividade àinsolvente.”, eporfim“OExmo. Sr. Administrador de Insolvência relacionou créditos sobre a insolvente no valor de 506.984,92€.” – negrito nosso. 20. E das pesquisas realizadas numa plataforma informática de informação comercial, verifica-se a existência de 18 (quinze) processos judiciais contra a Insolvente, maioritariamente executivos, desde 2018. Bem como o facto de a mesma já constar da lista de devedores à administração fiscal, ter dividas no valor de 506.984,92€, e o maisevidente de todo, que era falta de qualquer atividade conhecida à insolvente; 21. Sendo também de destacar, que ambos os requeridos tinham uma vasta experiência profissional no sentido, de apurar o estado da insolvente, conforme melhor supra se expõem; 22. Pelo que, dúvidas não há que os propostos afetados conheciam a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas”, devendo concluir que o facto não provado 3), deverá se considerado como facto provado. 23. Quanto ao facto não provado 4), entendeu o Tribunal a quo, que os propostos afetados, não “causaram a celebração pela devedora de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas.”, porém dà como facto provado o ponto 18), que se reporta ao facto de em 29 de Dezembro de 2022, a insolvente Klacus, S.A. alienou por doação a outra sociedade com ligações aos requeridos. 24. Ora, a doação de um prédio urbano, correspondente a um lote de construção numa zona industrial, a uma sociedade, em que a gerente da referida sociedade, é a aqui requerida CC, administradora da insolvente alegadamente até 22.02.2022, tendo porém o registo da cessação de funções sido feito somente em 23.01.2023, e assinado a referida escritura de doação em 29.12.2022, data posterior à alegada cessação de funções, ou seja, um acto na qual a mesma assinou pela insolvente e pela adquirente, em representação das duas sociedades, terá sempre de ser considerado um negócio ruinoso, em proveito da requerida CC ou no de pessoa com ela especialmente relacionada. 25. Devendo assim, o facto não provado 4), ser considerado como facto provado. 26. Quanto ao facto não provado 6), não pode o ora recorrente, aceitar o entendimento do Tribunal a quo, pois, além de tal facto facto não provado, ser o culminar de toda a oposição existente entre factos provados e não provados, mencionados supra. A verdade é que o Tribunal recorrido, deu como facto provado que a insolvente tinha cinco viaturas e não as entregou ao Sr. Administrador Judicial, facto 16), bem como, que tinha um prédio urbano que doaram a uma sociedade que também é gerida pela antiga administradora presidente da insolvente, facto 18); 27. Assim, o facto não provado 6), deverá ser considerado como facto provado”. Não foram apresentadas contra-alegações. Isto significa que nem os ora recorrentes, então apelados, se lembraram de invocar, no momento processual próprio e oportuno, o eventual incumprimento das exigências consignadas no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil. Vício esse que era totalmente inexistente, dada a estruturação concreta imprimida pelo credor apelante ao seu recurso em matéria de facto, conforme se encontra amplamente demonstrado pela transcrição a que se procedeu supra. Pelo que improcede naturalmente a revista neste particular. 3 – Regime da qualificação de insolvência previsto no artigo 186º do CIRE. Natureza de presunções inilidíveis dos factos índice enunciados no artigo 186º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE), relativamente ao nexo de causalidade entre a conduta e os prejuízos por esta causados. Natureza de presunções ilidíveis consignadas no nº 3 do artigo 186º do CIRE. O incidente de qualificação da insolvência previsto nos artigos 185º a 191º do CIRE constitui uma fase processual destinada a aferir da existência, ou não, de culpa na origem da insolvência em que a sociedade veio a cair ou do seu agravamento, através da comprovação em juízo de práticas ou comportamentos tipificados como gravemente imprudentes, irregulares, fraudulentos ou desleais, por parte daqueles que em seu nome e interesse agiram, e que, segundo a cláusula geral consagrada no artigo 186º, nº 1, do CIRE, acabaram por se revelar causais relativamente à impossibilidade do ente colectivo satisfazer as suas dívidas vencidas perante terceiros, seus credores. Este instituto jurídico prossegue dois desideratos fundamentais: 1º - Conferir maior eficácia à actividade judicial tendente à responsabilização dos titulares e dos administradores de pessoas colectivas das empresas declaradas insolventes; 2º - Prevenir e evitar, pelo cariz dissuasor e fortemente sancionatório para os agentes directamente envolvidos, a profusão de situações de insolvências fraudulentas ou, pelo menos, evitáveis com outro tipo de gestão que se tivesse revelado séria, responsável e diligente no cumprimento das normas legais aplicáveis, que acarretam avultados prejuízos para os credores e consideráveis danos para a confiança no giro comercial, bem como para a vida económica, social e empresarial em geral. (Vide sobre esta matéria o preâmbulo da Lei nº 53/2004, de 18 de Março, no seu ponto 40. Sobre a função eminentemente punitiva do instituto, vide Catarina Serra in “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito”, Coimbra Editora, 2009, a página 371). O legislador nacional, bem ciente das dificuldades práticas no apuramento e efectiva demonstração das condutas (muito vezes dissimuladas, sub-reptícias, difusas ou encapotadas) que conduziram causalmente à insolvência não fortuita ou ao seu agravamento, instituiu nos artigos 185º a 189º do CIRE um sistema que, sinalizando determinadas situações-tipo, nuns casos faz concluir imediatamente, sem possibilidades de prova em contrário, pela culpabilidade na situação de insolvência ou no seu agravamento, que se presume em termos inilidíveis; noutros onera (uma vez comprovados os factos enquadráveis na previsão normativa) os responsáveis com a prova das circunstâncias que lhes permitem afastar, no caso concreto, a sua presumida culpabilidade na insolvência ou no seu agravamento, o que naturalmente facilita e torna muitíssimo mais viável a sua pronta e completa responsabilização. Assim, configurou no nº 1 do artigo 186º do CIRE uma definição geral de insolvência culposa (“situação criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culposa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”), para no nº 2 da mesma disposição legal elencar um conjunto de casos-índice em que se deverá considerar, em qualquer circunstância, como necessariamente culposa a insolvência; finalmente, estabeleceu, de forma menos gravosa, no número três do mesmo preceito, outro tipo de situações que constituem meras presunções ilidíveis da culpa grave na produção do resultado insolvência, o que significa que, a verificarem-se, o responsável terá mesmo assim a possibilidade de demonstrar o carácter fortuito da insolvência. Com a entrada em vigor da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que alterou algumas disposições do CIRE, foi estabelecida, ainda e inovatoriamente, no artigo 186º, nº 2, alínea e), uma fonte autónoma de responsabilidade dos afectados pela qualificação como culposa da insolvência, através da previsão da sua condenação a indemnizar os credores em relação aos créditos não satisfeitos, dentro das forças dos seus patrimónios. As diversas alíneas do nº 2 do artigo 186º do CIRE, verificada a demonstração do preenchimento dos elementos de facto descritos na previsão normativa, abrangem a impossibilidade legal do afastamento do nexo de causalidade entre a situação típica e a insolvência da sociedade devedora, ou o seu agravamento. As garantias de defesa da sociedade e dos afectados serão devidamente exercidas no momento em lhes é concedido pelo sistema jurídico a ampla possibilidade de contradizer processualmente a subsunção da realidade em apreço na norma legal em referência. Ou seja, compete-lhes provar que não se verificou nenhuma das situações descritas nas alíneas do nº 2 do artigo 186º do CIRE. Caso contrário, a insolvência deverá qualificar-se necessariamente como culposa (sem possibilidade de impugnação da ilicitude, culpa e nexo de causalidade). A solução contrária consubstancia uma cisão entre a qualificação da culpa do administrador (que se presume grave) e o estabelecimento do nexo entre os factos reveladores dessa mesma culpa grave e as suas efectivas consequências para a deficitária situação financeira da empresa, tornando praticamente dispensável, pela menor relevância e utilidade, a presunção legal em causa, através da qual o legislador enfaticamente afirmou, de modo peremptório e particularmente assertivo, “considera-se sempre culposa...”. Tudo se centraria, no fundo, no concreto apuramento do nexo de causalidade entre a conduta do responsável e a insolvência da empresa, ou o seu agravamento. Nestas circunstâncias – provado que estivesse o mencionado nexo de causalidade – o julgador determinaria então, com os poderes inclusive inquisitórios que a lei lhe confere (cfr. artigo 11º do CIRE), caso a caso, do grau de censurabilidade da actividade prosseguida, qualificando-os como culpa grave ou não, sem que para tal assumisse particular relevo ou sequer interesse útil o estabelecimento da presunção legal inilidível em referência, o que constituiria um evidente e ilógico contra senso. Tratar-se-ia igualmente de um enfraquecimento (contraditório em relação aos desideratos firmados enfaticamente pelo legislador) no firme e determinado propósito, assumido na lei, de tornar mais eficaz e verdadeiramente actuante a pronta responsabilização dos agentes que concorreram para a situação de insolvência ou o seu agravamento. Em sentido afirmativo quanto à presunção inilidível de nexo de causalidade entre as situações-tipo previstas no nº 2º do artigo 186º do CIRE e a produção do resultado insolvência, pronunciaram-se: - Alexandre de Soveral Martins, in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina 2015, a página 376; - Catarina Serra, in “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, 2021, 2ª edição, a páginas 300 a 302; - Luís Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina, 2021, 11ª edição, a página 237, e “Direito da Insolvência”, Junho de 2018, 8ª edição, a página 284. - Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 2008, páginas 610 a 611. - Luís Carvalho Fernandes in “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, Quid Juris, 2009, a páginas 261 a 262 e in Revista “Themis”, Edição Especial (2005) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, a página 94; - A. Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís M. Martins, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Vida Económica, Fevereiro de 2006, a página 265; - Adelaide Menezes Leitão, in “Insolvência Culposa e Responsabilidade dos Administradores na Lei nº 16/2012, de 20 de Abril”, publicado no “I Congresso do Direito da Insolvência”, Almedina 2013, página 275; - Maria do Rosário Epifánio, in “Manual do Direito da Insolvência”, Almedina, Outubro de 2020, 7ª edição, a páginas 154 a 155 e igualmente em “O incidente de qualificação da insolvência”, publicado nos “Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches”, Coimbra Editora 2011, a páginas 584 e 585, onde se refere: “Tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no nº 2 do artigo 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afectada, de que não praticou o acto”. - José Engrácia Antunes, in “As pessoas colectivas na insolvência culposa”, in RCEJ/Rebules, nº 30, 2018, a páginas 74 e 75; Sobre a mesma temática, vide Manuel Carneiro de Frada in Revista da Ordem do Advogados, “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, a páginas 692 e seguintes, salientando o autor: “Temos, portanto, que o art. 186 n.° 2 também faz presumir iuris et de iure a causalidade da violação ilícita e culposa de determinados deveres em relação à insolvência. Esta causalidade é fundamentante da responsabilidade (haftungsbegründend), pois diz respeito ao seu fundamento. O citado preceito dispensa o lesado da respectiva prova. . (...) Do mesmo modo, na al. h) crisma-se de culposa a insolvência perante o simples incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada de que resulte prejuízo para a compreensão da situação financeira ou patrimonial do devedor. No fundo, analogamente, a al. b) do n.° 3 do art. 186 presume logo culpa grave na insolvência quando as contas anuais não foram elaboradas no prazo legal, submetidas a fiscalização ou depositadas na conservatória. Nenhum destes comportamentos autoriza com segurança a ilação de que dada insolvência radica na sua adopção. A infracção de uma disposição de protecção pode portanto corresponder a um delito de perigo abstracto. Nestes casos é certamente compreensível o estabelecimento de uma presunção de culpa. Apesar de tudo, muitas das condutas reprovadas pelo n.° 2 ou pelo n.° 3 são também susceptíveis de encerrar o perigo concreto de ocasionação ou agravamento de uma dada insolvência, ainda que esta, vindo a verificar-se, não tenha de derivar imediatamente de tais comportamentos. Somos assim levados a recordar de novo, no plano delitual, a doutrina dos deveres no tráfico (que cobre o sector das omissões e causações mediatas de danos), embora não deva esquecer-se que a sua livre e indiscriminada admissibilidade poria facilmente em causa a restritividade com que os interesses patrimoniais puros são contemplados em sede aquiliana. (...) Nesta medida, pode dizer-se que as disposições de protecção do n.° 2 e do n.° 3 do art. 186 exemplificam também deveres de conduta que, na sua ausência, seriam, no âmbito de relações especiais entre administradores e terceiros onde não vigoram restrições à reparação dos interesses puramente patrimoniais, passíveis também de serem “desentranhados” pela jurisprudência em concretização dos arts. 64, 72, 78 e 79 do CSC. O que é importante porque quem negasse a natureza de disposição de protecção a tais normas nem por isso só estaria legitimado a ignorar a substância de muito do que nelas se prescreve para efeito de responsabilidade. (...) A dupla natureza que os deveres previstos no art. 186 n.° 2 podem abstractamente apresentar não prejudica. O art. 186 n.° 2 confere relevância delitual às condutas dos administradores também perante a sociedade e os sócios. Surgirá nesse âmbito uma situação de concurso entre a responsabilidade aquiliana, disciplinada pelo art. 186 n.° 2 como disposição de protecção, e uma responsabilidade por violação de deveres emergentes de uma relação especial”. Autonomizando o regime jurídico aplicável às alíneas h) e i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, vide Nuno Pinto de Oliveira in “Responsabilidade civil dos administradores pela insolvência culposa”, publicado no “I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso”, Almedina 2014, a páginas 202 a 209. Em termos jurisprudenciais sobre esta temática, vide, entre outros: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 14604/18.1T8LSB-A.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2023 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 911/19.0T8LRA-A.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatizou: “Os n.os 2 e 3 elencam um conjunto de factos exemplificativos de actuação susceptível de produção ou agravamento de insolvência efectiva do devedor que não seja pessoa singular de acordo com a cláusula geral do art. 186º, 1. Mas não só: o n.º 2 elenca factos que constituem presunções iuris et de iure da existência de comportamento culposo (doloso ou com negligência grosseira e consciente) no surgimento ou no agravamento do estado de insolvência; por sua vez, o n.º 3 adiciona comportamentos que traduzem presunções iuris tantum de «culpa grave» (isto é, comportamento não doloso mas com negligência consciente e grosseira); sempre em referência à actuação do administrador, tanto o de direito como o de facto. Sendo este – agora na perspectiva do estabelecimento dessas presunções – um elenco fechado. Só relevam para a qualificação como culposa factos causadores ou agravantes da situação de insolvência que tenham ocorrido no lapso temporal de três anos anteriores ao início do processo de insolvência. E, adicional e cumulativamente para essa qualificação ser procedente, necessitados de alegação e prova: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2025 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 3814/19.4T8LSB-F.L1.S2, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 807/17.0T8STS-B.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2025 (relatora Cristina Coelho), proferido no processo nº 790/13.0TYVNG-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2023 (relatora Ana Resende), proferido no processo nº 822/15.8T8VNG-C.P2.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 18591/16.2T8LSB-D.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2018 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 8074/16.6T8CBR-D.C1.S2, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2025 (relatora Rosário Gonçalves), proferido no processo nº 920/21.9T8BRR-AL.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (relator José Rainho), proferido no processo nº 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 6824/17.2T8GMR-A.G1.S1, publicado in ECLI.PT:STJ;2020; - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2011 (relator Serra Batista), proferido no processo nº 46/07.8TBSVC-O.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2022 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 1247/13.5TYVNG-A P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; É assim este o enquadramento jurídico geral relativo à interpretação do artigo 186º do CIRE que será tomado em devida consideração aquando da subsunção jurídica da factualidade que foi definitivamente considerada como provada (e não provada). 4 – Questões de (in)constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 188º, nº 2, do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que, para qualificar a insolvência como culposa, não só não se exige a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou culpa grave. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 186º, nº 1 e 2, alíneas b) e d) do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que pode ser afectado pela qualificação da insolvência como culposa quem à data detinha a qualidade de administrador de facto ou de direito. Alegada inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 186º, 2, do CIRE, por violação dos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa na interpretação de que perante a verificação de cada uma das situações previstas nas suas diversas alíneas, a insolvência é sempre considerada culposa, sem necessidade de demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o nº 1, do mesmo preceito legal. Não assiste razão aos recorrentes em qualquer das situações que qualificam como violadoras de preceitos de natureza constitucional. De resto, sobre esta mesma matéria já se pronunciou repetidamente o Tribunal Constitucional. Vide, a este respeito: - o acórdão do Tribunal Constitucional nº 136/2020 (relator Lino Rodrigues Ribeiro, proferido no processo nº 804/2019, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, onde se concluiu: “Não julgar inconstitucional a norma prevista no n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 20 de setembro de 2018” Escreveu-se a esse propósito: “A reclamação em apreço não se afigura capaz de abalar o sentido decisório acolhido na Decisão Sumária n.º 778/2019 nem a fundamentação em que ele se baseou. Nessa Decisão Sumária – recorde-se –, considerou-se que a jurisprudência já prolatada por este Tribunal sobre normas extraíveis do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE – e no sentido da sua não inconstitucionalidade –, se aplicava à questão em apreço nos presentes autos de modo praticamente direto, pelo que tal questão se apresentava como «simples» e justificava, assim, a utilização do poder-dever previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. Os reclamantes afirmam que nenhum dos Acórdãos referidos na Decisão Sumária «abordou a questão, colocada à apreciação deste Tribunal, da necessidade de prova do nexo de causalidade entre a atuação do administrador e a criação ou o agravamento da insolvência». Contudo, toda a argumentação que apresentam (pontos 5 a 45 da reclamação agora em apreço) se traduz em rebater os argumentos com base nos quais aqueles mesmos Acórdãos concluíram pela não inconstitucionalidade – i.e., argumentos já ponderados no âmbito desses Acórdãos. Sucede que nenhuma das duas linhas de argumentação se afigura procedente. Por um lado, os Acórdãos indicados na Decisão Sumária reclamada debruçaram-se de facto sobre a natureza inilidível da presunção prevista no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, como ali se expôs já abundantemente. O único ponto para que importa agora chamar a atenção é o de que, no âmbito do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, diversamente do que os reclamantes pretendem, a questão da “culpa” e a questão do “nexo de causalidade” não são – pelo menos, nos termos em que as mesmas surgem colocadas nos presentes autos – verdadeiramente dicotómicas. Os pontos essenciais da jurisprudência constitucional invocada na Decisão Sumária n.º 778/2019 aplicam-se a ambas as questões. Pois se da verificação de uma das condutas descritas se presume a “culpa”, a fortiori está a presumir-se a causalidade. Serve isto para firmar a aplicabilidade daquela jurisprudência às questões dos reclamantes. Por outro lado, os argumentos utilizados pelos reclamantes não são capazes de abalar o mérito da fundamentação expressa em tais Acórdãos. Os recorrentes salientam, logo no ponto 5 da sua reclamação, que, segundo a interpretação acolhida pelo tribunal recorrido, «provados os factos índice, não é possível aos administradores do insolvente provar que agiram sem culpa». E acrescentam, no ponto 6: «Aliás, a interpretação que é feita pelo Acórdão do Tribunal Constitucional ora em apreço permite que se retire consequências ainda mais gravosas: caso a mesma fosse adotada, ainda que constasse dos factos provados que, apesar de ter praticado um dos factos previstos nas alíneas a) a i), o administrador o fez sem culpa, isso não poderia ser tido em consideração pelo Tribunal». Este, porém, não é senão o conceito de presunção inilidível. Foi sobre ele que o Tribunal Constitucional se pronunciou nos Acórdãos mobilizados na Decisão Sumária reclamada. Convincentes não são igualmente os exemplos usados pelos recorrentes para ilustrarem o seu ponto de vista: «O art. 186º n.º 2 do CIRE, interpretado da forma que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em apreciação daria azo a que se pudesse, por absurdo, responsabilizar pelas dívidas da sociedade: o administrador que, por sofrer de tonturas, se desequilibra e deixa cair peça de cerâmica rara que constitui um dos mais valiosos bens da insolvente, partindo-a (alínea a) do n.º 2 do art. 186º do CIRE); o administrador que não cumpre os seus deveres de apresentação de documentação relevante em virtude de os mesmos terem desaparecido em incêndio que assolou a sede da empresa insolvente (alínea i) do n.º 2 do art. 186º do CIRE)». Evidentemente, tais exemplos não se identificam com os que estavam em questão nos presentes autos nem se afiguram subsumíveis na hipótese das normas indicadas. Tais exemplos nada acrescentam à questão de saber se padece de inconstitucionalidade a classificação inilidível da insolvência como culposa a partir de uma conduta do administrador, porque tais exemplos – um desequilíbrio involuntário do administrador, um incêndio que assola a sede da empresa – não chegam realmente a configurar-se, logo à partida, como “condutas” do administrador”. - o acórdão do Tribunal Constitucional nº 70/2012 (relator Joaquim Sousa Ribeiro), proferido no processo nº 651/11, datado de 8 de Fevereiro de 2012, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, que concluiu: “Não julgar inconstitucional a norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”. Pode ler-se no aresto: “Com a declaração de insolvência, abre-se oficiosamente um incidente tendente à obrigatória qualificação do tipo de insolvência, como culposa ou fortuita (artigos 185.º e 189.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de agosto). Os fatores determinantes da qualificação da insolvência como culposa vêm expressos no artigo 186.º, que reza assim: «Artigo 186.º Insolvência culposa 1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. 2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º 3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. 4 - O disposto nos n.ºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações. 5 - Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.» Como se vê, o legislador utilizou duas técnicas de previsão distintas, fazendo acompanhar uma estatuição genérica, com a natureza de cláusula geral (n.º 1), de regras específicas, atinentes a determinadas formas de comportamento ilícito dos administradores (alíneas a) a i) do n.º 2). Daqui resulta que a insolvência é culposa quando estão cumulativamente preenchidos os elementos da cláusula geral do n.º 1, ou quando, não sendo o devedor uma pessoa singular, os seus administradores tenham praticado algum ou alguns dos atos previstos nas várias alíneas do n.º 2. A violação de deveres que as previsões dessas regras incorporam acarreta sempre a qualificação como culposa (v. o corpo do n.º 2), sem que se admita a possibilidade de justificação ou de prova de factos desculpabilizantes. Para além disso, o n.º 3 do mesmo artigo estabelece uma presunção relativa de culpa grave, exigível, em alternativa ao dolo, nos termos do n.º 1. A qualificação da insolvência como culposa desencadeia relevantes consequências jurídicas, desvantajosas para as pessoas afetadas pela qualificação (obrigatoriamente identificadas na sentença – alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º). Pondo de lado a inabilitação, dado que a norma que a prevê – a alínea b) deste preceito − já foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 173/2009, são elas a inibição para o exercício do comércio, referida na alínea c), e a perda de créditos (ou a obrigação de restituição de bens ou direitos recebidos em pagamento desses créditos) sobre a insolvência ou a massa insolvente (alínea d)), bem como a inaplicabilidade do regime de exoneração do passivo restante (alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º), de que poderia beneficiar o devedor pessoa singular ( a quem pode ser extensível o regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º, nos termos do n.º 4 da mesma disposição). 4. No presente recurso, está em causa a norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º, segundo a qual se considera sempre culposa a insolvência do devedor (que não seja uma pessoa singular), quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º, ou seja, o parecer que o administrador da insolvência apresenta com a proposta de qualificação da insolvência. Ficou provado, nos presentes autos, que o sócio-gerente da insolvente, aqui recorrido, «não prestou qualquer informação ao administrador para a elaboração do parecer, designadamente, não entregando os documentos contabilísticos a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, do CIRE, nem, à data, informou os autos de qualquer dado relevante quanto às causas da insolvência nem para eventual liquidação da massa insolvente». O acórdão recorrido considerou, com um voto de vencido, que a referida alínea i) configura uma norma inconstitucional, cuja aplicação deve, por isso, ser recusada, com a seguinte argumentação, em síntese: «I – A alínea i) do n.° 2 do art.°186.° do CIRE, ao estabelecer que o termo temporal ad quem a ter em conta — para efeitos de, juris e de jure, sublinhe-se, se considerar a insolvência como culposa — é, já não, o início do processo de insolvência, como se prevê no n.° 1 do mesmo preceito, mas a data da elaboração do parecer referido no n.° 2 do art.° 188.º, introduz um inaceitável desequilíbrio no sistema, promotor de igualdade de tratamento de situações substancialmente diversas — tanto é culposa a insolvência da pessoa coletiva cujos administradores, nos 3 anos anteriores ao início do processo respetivo, fizeram desaparecer o património desta (alínea a) do n.° 2 do art.° 186.°), como o é a da pessoa coletiva cujos administradores, já no decurso do processo de insolvência e decretada esta, incumpriram, de forma reiterada, o seu dever de colaboração com o administrador [dita alínea i)], algo que, por necessidade lógica, nenhuma influência pode ter tido naquele decretamento. Uma das vertentes em que se analisa o princípio da igualdade constante do art.° 13.º, n.° 1, da lei fundamental é, segundo Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, fls.416 e segs., maxime, fls. 418, a do dever de tratar de modo diferenciado aquilo que é diferente, opinião esta seguida, sine discrepante, pela nossa jurisprudência, designadamente a constitucional. II – Por outra via, com tal estatuição, de tão gravosas consequências, como se sabe, para a pessoa ou pessoas afetadas, está a atentar-se contra o princípio do Estado de Direito Democrático, do art.° 2.° da Constituição da República, porquanto se estipula uma consequência demasiado gravosa, a classificação da insolvência como culposa, para faltas cometidas após o início do processo respetivo, e mesmo depois de a insolvência estar decretada (momentos em que, por definição — é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, segundo o art.°3.°, n.°1, do CIRE - o comportamento dos administradores da devedora já nada tem a ver com os factos que levaram à dita impossibilidade de cumprimento), afastando-se assim da proporcionalidade que aquele princípio demanda, e caindo mesmo, porventura, na arbitrariedade que ele também proíbe, segundo o autor citado, ibidem, fls. 265 e segs., maxime, fls 270.» Em sentido contrário, salienta-se no voto de vencido aposto no acórdão recorrido que não há «qualquer desequilíbrio inaceitável, pois que a sua colaboração [do sócio gerente] é, em regra, essencial à efetiva apreensão dos elementos da contabilidade e dos bens integrantes da massa insolvente, bem como, numa fase inicial, a um eficaz exercício das funções do administrador da insolvência. Na verdade, é de presumir que seja ele quem detém os elementos da contabilidade da empresa e quem melhor conhece o património que a esta ainda resta. Ora, a sua falta de colaboração pode implicar mesmo perda de bens que deveriam ser apreendidos, agravando, assim, a situação de insolvência.» Na mesma linha se pronuncia, nas respetivas alegações, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, salientando, além do mais, que as medidas a aplicar quando a insolvência é culposa têm natureza sancionatória e que nesse quadro não há razão para exigir que os comportamentos relevantes para a qualificação da insolvência como culposa sejam necessariamente anteriores ao início do processo de insolvência. 5. Como resulta da transcrição da decisão recorrida acima efetuada, a recusa de aplicação da norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE fundou-se, basicamente, na ideia de que a qualificação da insolvência como culposa só pode ter como referência previsional a violação de deveres de conduta dos administradores a que seja imputável a criação ou agravamento dessa situação, logo, determinadas formas de comportamento anteriores ao início do processo de insolvência. Sujeitar a essa mesma consequência a omissão de deveres que só nascem após a declaração de insolvência – como tal, sem influência causal no seu surgimento − representaria uma violação do princípio da igualdade e acarretaria a imposição de sanções não condizentes com o princípio da proporcionalidade. Diga-se, antes de mais, que a afirmada falta de causalidade, em relação à insolvência, do incumprimento dos deveres de apresentação e de colaboração só parcialmente é de verificação certa. Na verdade, se é indiscutível que essa situação nunca pode ser criada por tal conduta, já há que admitir, como oportunamente assinala o voto de vencido, que ela possa ser agravada em resultado desse comportamento. Designadamente, a falta de cumprimento aqui concretamente em juízo, a saber, a não entrega, ao administrador, dos documentos contabilísticos a que se refere o artigo 24.º do CIRE, é de molde a obstaculizar uma identificação correta da situação patrimonial do devedor, em prejuízo da massa insolvente. Independentemente desta consideração, cumpre advertir que a questão é de valoração jurídica, pelo que não deve ser apreciada num puro plano logicista de apreensão de uma ordem natural das coisas e dos nexos causais que entre elas se estabelecem. Ora, a nosso ver, o acórdão recorrido não está imune a esta precompreensão falseadora, como se revela, com particular evidência, no seguinte trecho: «Com efeito, aquilo que faz sentido no contexto em apreço é que a culpa seja aferida relativamente a um momento anterior àquele em que se inicia o processo em que ela vai ser apreciada. Não é coerente que a insolvência, já declarada, possa ser considerada culposa em virtude da atuação do devedor, no processo de insolvência e após tal declaração». Daqui retira a decisão recorrida a conclusão de que a norma «introduz um inaceitável desequilíbrio no sistema», e isto porque determina que a insolvência seja tida como culposa por força de «algo que, por necessidade lógica [itálico nosso], nenhuma influência pode ter tido naquele decretamento». Facilmente se reconhece que as previsões das várias alíneas do n.º 2 do artigo 186.º não formam um bloco absolutamente homogéneo, quanto ao sentido tutelador: enquanto que as das alíneas a) a g) se reportam diretamente a atos de gestão que é de presumir terem concorrido materialmente para a situação de insolvência (ou para o seu agravamento), as das alíneas h) e i) têm outro cariz. Incidem sobre formas de incumprimento que produzem ou podem produzir “efeitos de ocultação” sobre a real situação patrimonial e financeira do devedor, com todos os riscos que tal coenvolve, dificultando ainda uma atuação célere e eficaz do administrador da massa insolvente. Reitera-se, todavia, que “insolvência culposa” é uma categoria normativa, a que corresponde um regime próprio, que genericamente se pode caracterizar como punitivo e dissuasor de práticas violadoras de deveres funcionais dos administradores. Nesta ótica, o que há a ajuizar é se as formas de incumprimento previstas na alínea i) merecem ou não ser sancionadas com as medidas que têm essa qualificação por pressuposto, ou, dito de outro modo, se elas, para esse efeito, podem ser tratadas como insolvência culposa, sem desconformidade com os princípios da igualdade e da proporcionalidade. É nesta perspetiva que analisaremos a questão. 6. Ressalta da previsão da alínea i), como imediata nota distintiva das restantes previsões de factos igualmente abrangidos pelo regime da insolvência culposa, o diferente período temporal que baliza os incumprimentos a considerar. Todos os outros factos têm como termo ad quem o início do processo de insolvência, ao passo que os da alínea i) são necessariamente posteriores a essa data, podendo verificar-se “até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º”. Os deveres de apresentação e de colaboração recaem, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRE, sobre o devedor insolvente, pelo que nascem e devem ser cumpridos no decurso do processo de insolvência. Mas isso não implica uma diversidade de natureza tal que leve a rejeitar, por imperativo do princípio da igualdade, a uniformidade de tratamento. Do ponto de vista valorativamente relevante, e no plano funcional dos interesses a tutelar, não há diferença substancial entre prevenir atos geradores da situação de insolvência, caracterizadamente censuráveis e ilícitos (e puni-los, uma vez praticados) e, após essa situação estar criada, prevenir e punir omissões que, para além de dificultarem ou obstaculizarem o regular andamento do processo, podem conduzir a um agravamento da insolvência. Ademais – há que frisá-lo – a falta aos deveres de apresentação e de colaboração pode não resultar de um simples alheamento do processo, de desinteresse ou negligência, mas antes da intenção deliberada de não concorrer para o conhecimento de factos anteriores ao início do processo de insolvência que levariam à qualificação da insolvência como culposa, à luz de qualquer das restantes previsões. Como salienta o Ministério Público, um comportamento não colaborante do obrigado dificulta ou impossibilita “o conhecimento de factos relevantes e essenciais para a qualificação da insolvência”, pelo que, a não ser sancionado por uma norma como a da alínea i), poderia impedir a justificada aplicação do regime que cabe à insolvência culposa. Nessa medida, essa norma apresenta uma relevante conexão de sentido com as restantes do n.º 2 do artigo 186.º, posicionando-se, se assim se pode dizer, como “norma de salvaguarda” da efetividade aplicativa daquele regime – o que justificará a sua integração sistemática no preceito. Não se descortina, pois, qualquer violação do princípio da igualdade. 7. O mesmo se diga quanto ao princípio da proporcionalidade. Outras formas de prevenção e punição se poderiam, decerto, conceber. Mas, dentro da opção de base do legislador, não arbitrária ou irrazoável, de obrigar a uma qualificação da insolvência como fortuita ou culposa, para fazer decorrer desta última efeitos sancionatórios, não se visiona, pelo menos com a evidência exigível, que a solução legislativa impugnada não apresente suficientes credenciais de observância das exigências de adequação, indispensabilidade e respeito pela justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade. As consequências associadas à insolvência culposa, e muito em particular a inibição para o exercício do comércio durante um certo período, mostram-se perfeitamente ajustados à gravidade e natureza das faltas cometidas. Tendo-se gerado uma situação de insolvência, já de si lesiva dos interesses creditórios e do comércio jurídico, em geral, é elementar dever dos administradores adotarem uma conduta leal e cooperante, por padrões de exigência qualificada, por forma a darem a sua contribuição (quase sempre indispensável, na fase inicial) para o normal desenrolar dos processos de resolução normativamente previstos e para minorar ou não agravar a afetação daqueles interesses. O incumprimento desse dever expõe-se a um juízo de intenso desvalor, tanto mais que a norma só é aplicável em caso de reiteração dessa conduta, sendo que a recusa de prestação de informações ou de colaboração que não revista forma reiterada “é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa”, nos termos do artigo 83.º, n.º 3, do CIRE. Ao adotar uma conduta reticente e obstativa do acesso a dados relevantes, o administrador, além do mais, descredibiliza-se para o exercício da função, pois pratica actos que desmerecem da confiança que o exercício do comércio postula. Uma sanção de natureza pessoal, como a inibição cominada no artigo 189.º, n.º 2, alínea c), incidente no próprio âmbito profissional em que se deu a falta de cumprimento, de caráter, para mais, temporário e de duração a fixar concretamente pelo juiz, dentro de uma moldura suficientemente ampla, não se revela desproporcionada, como reação normativa ao incumprimento reiterado dos deveres de apresentação e de colaboração, atentos o seu relevo e significado no contexto do processo de insolvência. A sanção prevista na alínea d) do mencionado preceito reveste direta natureza patrimonial. Mas é de aplicação eventual, pois pressupõe a ocorrência das circunstâncias que lhe dão objeto. Verificadas essas circunstâncias, é de lhe atribuir, porém, grande eficácia preventiva, representando uma forte e adequada instigação ao cumprimento, sendo certo que, como sanção pecuniária civil, corresponde apropriadamente à natureza dos interesses potencialmente afetados (pelo menos em termos de perigo abstrato)”. - o acórdão do Tribunal Constitucional nº 570/2008 (relator Victor Gomes), proferido no processo nº 217/08, datado de 26 de Novembro de 2008, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, que concluiu: “Não julgar inconstitucional a norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”. Referiu-se nesse aresto: “7.1. Quanto ao vício de inconstitucionalidade orgânica imputado à norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, importa lembrar que o Tribunal já apreciou questão semelhante no acórdão n.º 564/07 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), tendo decidido que o diploma que aprovou o C.I.R.E. (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) ao estabelecer uma presunção de culpa – o que nesse acórdão se apreciava era a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, mas a ponderação efectuada é perfeitamente transponível para a norma da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 186.º – não extravazou, no aspecto considerado, do objecto, sentido e limites da lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi editado: a Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto. Como nesse acórdão se refere, o detalhe adiantado para o regime de qualificação da insolvência na Lei n.º 39/2003 (designadamente no artigo 2.º deste diploma legal) não significa que a lei de autorização tenha um carácter esgotante da disciplina da matéria, de modo a retirar ao legislador autorizado qualquer poder de ulterior conformação normativa. Condicionando e restringindo mais fortemente o espaço de intervenção legislativa do Governo, essas disposições, de acentuado carácter normativo-material, não o inibem da enunciação de conteúdos concretizadores e integrativos da regulação já configurada, nos seus traços fundamentais. O estabelecimento de uma presunção de culpa pelo artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E. em face de determinado comportamento do administrador da sociedade insolvente – “quando…tenham…destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor” – mantém incólume o regime substantivo fixado na lei de autorização, adicionando-lhe uma norma de cariz processual, que em nada contende com aquele regime, antes verdadeiramente se harmoniza com a sua razão inspiradora. Nem se diga que em parte alguma a Lei n.º 39/03 autorizou explicitamente a criação desta presunção de culpa (supondo, agora, que de uma presunção verdadeiramente se trate). Essa solução legislativa está suficientemente coberta pelas autorizações genéricas contidas no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), e no artigo 2.º, n.º 5, daquela lei, legitimadoras de desenvolvimentos normativos compatíveis, como o é o prescrito no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CIRE, com a regulação pré-fixada. 7.2. Os recorrentes não desenvolvem qualquer argumentação específica, no campo da inconstitucionalidade orgânica, relativamente à norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE. Assim, também não vislumbrando o Tribunal razões para essa imputação, julga-se a arguição deste vício, quanto a esta norma, manifestamente improcedente. Deste modo, concluindo-se pela não verificação da alegada inconstitucionalidade orgânica, cumpre passar à apreciação do vício de inconstitucionalidade material que os recorrentes imputam às mesmas normas. 8. O acórdão recorrido interpretou a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE como fazendo corresponder à demonstração de que o administrador da sociedade insolvente destruiu, danificou, inutilizou, ocultou, ou fez desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor – conduta que considerou provada e imputou aos recorrentes – uma presunção inilidível de culpa, conducente à qualificação da insolvência como culposa com as consequências inerentes. Aliás, no mesmo sentido vai a generalidade da doutrina (Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, vol. II, pág. 14, Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, pág. 175, 2ª ed., Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco, vol. II, pág. 963). Este entendimento implica que se considere a situação de insolvência da sociedade imputável ao administrador contra quem se prove uma das condutas previstas, sem possibilidade de o interessado demonstrar (ou de o tribunal verificar oficiosamente) que, apesar da prova do comportamento descrito na norma, o juízo de censura não se justifica (sobre o funcionamento desta presunção vide Carneiro da Frada, na ob. cit., pág. 965-966). As presunções legais são ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Mediante a demonstração de um determinado facto (o facto base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais, intervém a lei para concluir pela existência de outro facto (o facto presumido). Neste sentido, é duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa. De todo o modo, numa ou noutra perspectiva (presunção inilidível de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência. Ora, mais do que a determinação da natureza da norma (estabelecimento de uma presunção juris et de jure ou qualificação jurídica dos factos tipificados), o que é decisivo para a questão de constitucionalidade suscitada é que, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, se conclui pela verificação desse requisito, sem necessidade, nem sequer possibilidade, de um juízo casuístico efectuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto. É esta consequência jurídica, esta limitação do campo de valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta prevista e, correspondentemente, do âmbito da defesa potencial do interessado, que importa confrontar com as normas e princípios constitucionais alegadamente violados. A garantia da via judiciária para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados de um direito de acção judicial, mas também o direito a um processo equitativo (n.º 4, do artigo 20.º, da C.R.P.). Neste direito inclui-se a proibição da indefesa, ou seja, a exigência de que o processo seja estruturado de tal modo que não impeça as partes de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar as provas do adversário e de discretear sobre os resultados de umas e outras (cf., referindo outros, acórdão n.º 658/06, www.tribunalconstitucional.pt). Isso não obsta, porém, a que o legislador estabeleça presunções iuris et iure, com as consequentes limitações ao âmbito da prova dos factos que as poderiam infirmar, desde que as mesmas visem atingir um fim legítimo e não se revelem desproporcionadas. Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vantagem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais. Na previsão normativa em apreciação, o facto que o legislador considerou suficiente para impor a qualificação da insolvência como culposa foi a destruição, danificação, inutilização, ocultação, ou desaparecimento, no todo ou em parte considerável, do património do devedor. Ora, a prática de actos que determinem a perda ou subtracção de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra, caracterizando-se a situação de insolvência por uma incapacidade do devedor de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3.º do C.I.R.E.), é determinante dessa insolvabilidade, num juízo de adequação social‑normativo (Carneiro da frada, ob. cit. pág. 966). Perante tais factos, credencia-se como razoável e adequado que, sem mais, o legislador considere a situação de insolvência culposa, para os referidos efeitos (Repare-se que a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou de responsabilidade civil – cfr. artigo 185.º do C.I.R.E.). São tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência. Pode, pois, concluir-se que os objectivos visados com o estabelecimento da automática inerência do juízo normativo de culpa à prova da verificação da situação descrita no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E., são legítimos e que essa automaticidade ex vi legis se revela adequada, necessária e razoável, como meio de atingir esses objectivos, sem que o núcleo essencial da exigência constitucional do processo equitativo seja atingido, pelo que a respectiva norma não se mostra ferida de inconstitucionalidade. Por último, não sendo a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 286.º do C.I.R.E. que estabelece as consequências da responsabilidade pela falência culposa – estas são cominadas no artigo 189.º do C.I.R.E. – não se vislumbra fundamento mínimo para sustentar a discussão acerca da alegada violação, por aquela norma do direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1 da CRP), do direito à livre escolha da profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), do direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP) ou do direito de propriedade (artigo 62.º da CRP)”. Ora, face à jurisprudência absolutamente firme e consolidada do Tribunal Constitucional neste domínio – da qual se deu pormenorizada notícia – afigura-se-nos, pelas razões aí judiciosamente desenvolvidas, não existir o menor cabimento para a invocação das diversas inconstitucionalidades suscitadas pelos recorrentes, as quais naturalmente improcedem, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos. 5 - Condenação de AA. Falta de diligência do administrador da insolvência quanto à falhada apreensão das viaturas automóveis. Irrelevância da doação do terreno para a verificação da insolvência da empresa. Irrelevância da falta de colaboração do recorrente. Não apresentação das contas relativas ao exercício de 2022. Ausência de início do prazo legal para o efeito (à data da declaração da insolvência). Desproporcionalidade da fixação do prazo de quatro anos de inibição. Aplicação cumulativa das sanções previstas nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 189º do CIRE. Ausência de fundamento para a condenação do recorrente a indemnizar os credores. Falta de nexo de causalidade entre as condutas imputadas aos afectados e o estado de insolvência da sociedade. Anterioridade da insolvência relativamente à falta da entrega das referidas viaturas automóveis e falta de valor destas relativamente à valorização da massa insolvente. Menor gravidade e culpa na realização do contrato de doação. Relativamente à actuação do recorrente AA que motivou que o acórdão recorrido tivesse qualificado como culposa a insolvência da sociedade, encontra-se dado como provado que: Para obrigar a sociedade era necessária a intervenção de qualquer um dos membros do conselho de administração e da sua matrícula comercial só consta como administrador AA. Na matrícula comercial da insolvente mostra-se averbado o depósito das contas de 2018 a 2021. Em 25 de Fevereiro de 2023 e 12 de Abril de 2023, a insolvente constava da lista de devedores à administração fiscal no escalão de €10.000,00 a €50.000,00. A insolvente tinha quinze processos executivos instaurados contra a mesma em que é peticionado valor superior a €95.000,00. À data em que foi declarada a insolvência era desconhecida qualquer actividade à insolvente. O Exmo. Sr. Administrador de Insolvência relacionou créditos sobre a insolvente no valor de € 506.984,92. O Sr. Administrador da Insolvente notificou o proposto afetado AA para prestar colaboração e facultar informação sobre a sociedade e este não respondeu. O que fez através de carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente AA, NIF - .......52, Endereço: Rua 1Torres Novas - foi recebida a 26 de Abril de 2023. Uma segunda carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente, Rua 2 foi devolvida, com indicação de “objecto não reclamado”. A carta enviada para a morada da sede da sociedade insolvente, Klacus, SA, NIPC .......88, sita na Zona Industrial da Lameira, Edificio Klacus, 3440--010 Óvoa – SANTA COMBA DÃO, foi recebida a 27/04/2023. AA não facultou qualquer documento contabilístico ou de outra natureza da empresa. A insolvente tem registado em seu nome cinco viaturas (a saber: V1, Fiat 250; V2 – FORD FIESTA; V3 – RENAULT HR 460;- V4 - RENAULT HR 460 e V5 – IVECO), que não foram aprendidas. Da única vez que conseguiu contactar o Administrador por telefone, após várias diligências nesse sentido, este foi confrontado sobre o paradeiro das mesmas e alertado para o dever de colaboração. Em 29 de Dezembro de 2022, a insolvente Klacus, S.A. alienou por doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo o registo da cessação de funções sido feito em 23 de Janeiro de 2023, o imóvel descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro, Concelho de Santa Comba Dão, Distrito de Viseu. - SANTA COMBA DÃO FREGUESIA: UNIÃO DAS FREGUESIAS (que esteve em nome da sociedade insolvente, KLACUS, S.A.). O imóvel atrás identificado é um descampado. AA conhecia a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas. Vejamos: Com base nesta concreta factualidade o acórdão recorrido enquadrou juridicamente a qualificação da insolvência como culposa, relativamente à conduta do ora recorrente AA, nos seguintes termos: 1º - A circunstância de a insolvente ter registadas em seu nome cinco viaturas automóveis e o requerido AA, seu administrador, nunca as ter entregado – como deveria ter feito - ao Administrador Judicial, integra a previsão do artigo 186º, nº 2, alínea a), do CIRE; 2º - A alienação realizada pela sociedade, meses antes da insolvência, através de contrato de doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é a requerida CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo porém o registo da cessação de funções sido feito somente em 23 de Janeiro de 2023, do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro (e por se tratar de um negócio ruinoso em proveito exclusivo de uma sociedade também controlada e detida pela requerida CC, sendo que ambos os requeridos, tinham plena consciência de tal negócio, uma vez que conforme consta da referida escritura da doação, ambos a assinaram), integra a previsão do artigo 186º, nº 2, alíneas b) e d), do CIRE. 3º - A circunstância de o Administrador de Insolvência haver notificado AA para prestar colaboração e facultar informação sobre a sociedade e este não ter respondido, sendo que tal foi realizado “através de carta enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente AA, NIF - .......52, Endereço: Rua 1 Torres Novas - foi recebida a 26/04/2023.”, seguida de uma segunda carta “enviada para o Sr. Administrador da sociedade insolvente, Rua 2 foi devolvida, com indicação de “objecto não reclamado”, sendo que a “carta enviada para a morada da sede da sociedade insolvente foi recebida a 27 de Abril de 2023”, a que acresce a circunstância de AA não ter facultado qualquer documento contabilístico ou de outra natureza da empresa, integra a previsão do artigo 186º, nº 2, alínea i), do CIRE. 4º - O incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, bem como da obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial, integra a previsão do artigo 186º, nº 3, alíneas a) e b), do CIRE. Apreciando agora do mérito da subsunção jurídica realizada no acórdão recorrido tendo em conta os factos assentes como provados: 1º - Relativamente à matéria referente à não entrega ou ausência de esclarecimento quanto ao destino dos veículos automóveis registados em nome da sociedade insolvente e que nunca chegaram a ser apreendidos para a massa insolvente. Dispõe o artigo 186º, nº 2, na sua alínea a), do CIRE: “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular, quando os seus administradores, de facto ou de direito, tenham: Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou parte considerável, o património do devedor (alínea a)”; Ora, sobre esta temática apenas se provou, no fundo, que a sociedade insolvente teve registada em seu nome as cinco viaturas identificadas e que estas nunca chegaram a ser apreendidas para a massa insolvente. Nada mais se demonstrou de relevante quanto à concreta actuação do requerido AA a propósito da apontada ocultação ou desaparecimento de bens da insolvente. Ou seja, não se encontra provado nos autos qualquer acto praticado por AA que possa ser qualificado como de verdadeira e real ocultação ou dissipação das viaturas automóveis que integravam o património da sociedade ora declarada insolvente. É certo que as viaturas figuraram no património da sociedade insolvente; não chegaram a seu apreendidas para a massa insolvente; que o requerido AA nunca se dispôs proactivamente a colaborar com o administrador da insolvência e a esclarecer, na medida do possível, do respectivo paradeiro e destino. Porém, tal constatação não permite, sem mais, enquadrar a descrita factualidade na figura da ocultação ou dissipação de bens consignada no artigo 186º, nº 2, alínea a), do CIRE, o que pressuporia que o administrador houvesse encetado manobras concretas no sentido de tentar esconder tais veículos ou de os colocar em local relativamente inacessível, inviabilizando a sua descoberta pelas autoridades competentes. De resto, consta a este respeito no despacho de encerramento do processo de insolvência, proferido a 19 de Janeiro de 2024: “Em relação à viatura com a matrícula V1, tendo ao Sr. administrador da insolvência recusado o cumprimento do contrato, não é nestes autos que cumpre efetuar diligências com vista à sua localização. Ref.ª ......73 de 13.12.2023: No relatório a que alude o artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem), o Sr. administrador da insolvência declarou que foram detetados cinco veículos em nome da insolvente (V1– Fiat 250 com reserva de propriedade a favor da Cofidis, V2 – Ford Fiesta, V3 – Renault HR 460, V4 – Renault HR 460 e V5– Iveco) que não apreendeu por desconhecer o paradeiro. Na assembleia de apreciação do relatório, o Sr. administrador declarou recusar o cumprimento do contrato relativo à viatura com a matrícula V1. Posteriormente, o Sr. administrador da insolvência declarou não existirem condições para fazer qualquer apreensão e requereu o encerramento do processo (requerimento de 13-08-2023). Os credores e a insolvente foram notificados para se pronunciarem sobre o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente, e só o credor DD é quesepronunciou,tendorequeridoanotificaçãodasautoridadespoliciais/entidadescompetentes para procederem às diligências legais e necessárias no sentido da averiguação, localização e apreensão das viaturas (requerimento de 03-10-2023). Respondeu o Sr. administrador da insolvência referindo que a informação obtida vai no sentido de serem viaturas que não existem e cuja apreensão apenas vai onerar a massa insolvente com formalismos, pelo que manteve a proposta no sentido do encerramento do processo de insolvência (requerimento de 23-11-2023). Apesar da notificação efetuada, os credores e a insolvente não se pronunciaram sobre este requerimento. Cumpre apreciar e decidir: Estabelece o artigo 230º, n.º 1, al. d) que, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 232.º verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o que se presume quando o património é inferior a €5.000 (n.º 7), o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo. Por sua vez o n.º 2 da mesma disposição legal estabelece que "ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente". Do que resulta da informação prestada pelo Sr. administrador da insolvência, os veículos, se forem localizados, não terão valor superior a cinco mil euros, sendo certo que não foi deduzida oposição ao declarado no requerimento de 23-11-2023. A insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente constitui fundamento de encerramento do processo, pelo que sendo o património da insolvente inferior a cinco mil euros, há que encerrar o processo nos termos propostos pelo Sr. administrador da insolvência”. Ora, daqui resulta, sem margem para dúvidas, que a falta de apreensão das mencionadas viaturas automóveis resultou, desde logo e principalmente, do assumido desinteresse e da inércia na afectivação dessa diligência por parte do próprio administrador da insolvência que afirmou no processo que “os veículos, se forem localizados, não terão valor superior a cinco mil euros” e que, por isso mesmo, não valia a pena a sua localização através das autoridades policiais competentes e a restante tramitação que teria lugar nesse caso. Assim, perante a exiguidade da factualidade dada como provada nestes autos sobre este ponto, não é possível fundadamente concluir que o requerido administrador da sociedade insolvente tenha praticado factos susceptíveis de integrar a alínea a) do nº 2 do artigo 186º do CIRE. Pelo que nesta parte não se concorda com o acórdão recorrido, não existindo fundamento para, com base nestes (poucos) factos, proceder à qualificação da insolvência, assistindo assim razão ao recorrente neste tocante. 2º - No que concerne ao contrato de doação do imóvel pertencente à sociedade insolvente cerca de quatro meses antes de ser declarada como tal. Segundo o acórdão recorrido a conduta do requerido e administrador AA integra as alíneas b) e d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE. Concretamente (Ter) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas (alínea b).”. (Ter) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros (alínea d))” Neste ponto há que concordar com o acórdão recorrido, relativamente ao preenchimento da alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CPC (disposição de bens do devedor em proveito de pessoal e de terceitos), mas não da alínea b), para a qual não existe provada factualidade bastante. O que assenta, a nosso ver, na seguinte ordem de razões: AA assumia papel absolutamente cimeiro no desenvolvimento da actividade da sociedade, na medida em que para a vinculação desta era necessária a intervenção de qualquer um dos membros do conselho de administração e da sua matrícula comercial só ele constava como administrador. A sociedade era devedora à administração fiscal (no escalão de €10.000,00 a €50.000,00), tendo quinze processos executivos instaurados contra a mesma em que era peticionado valor superior a €95.000,00. À data em que foi declarada a insolvência (Abril de 2023) não lhe era conhecida qualquer actividade, havendo sidos relacionados créditos sobre ela no valor de € 506.984,92. Neste especial, concreto e significativo contexto, isto é, na iminência da mais que provável declaração de insolvência da Klacus, S.A., AA, seu administrador, sem nenhuma outra razão que o justificasse e no exercício dessas funções, decidiu a realização da dita escritura de doação em que alienou a uma outra sociedade cuja gerente era CC (a sociedade CONFORTARRO - JADO, LDA. NIPC – .......06), sua filha e também administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022 (tendo o registo da cessação de funções sido feito em 23 de Janeiro de 2023), o imóvel descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro, Concelho de Santa Comba Dão, Distrito de Viseu. - SANTA COMBA DÃO FREGUESIA: UNIÃO DAS FREGUESIAS (o qual estava em nome da sociedade insolvente, KLACUS, S.A., tratando-se de um descampado). O que foi levado a efeito pelo mesmo AA, com a plena e consciente anuência de CC, sua filha, bem conhecendo ambos a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas (conforme resultou a alteração da matéria de facto operada em 2ª instância relativamente ao ponto 3). Ora, afigura-se-nos absolutamente evidente que, perante este quadro factual, a descrita conduta do requerido agravou sensivelmente – e como não podia deixar de ser - a situação da insolvência da sociedade. Com efeito, a sociedade em causa, que atravessava na altura uma situação financeira grave, não se antevendo possibilidade de solver os seus compromissos vencidos, acabou por ficar, sem nenhuma justificação séria e plausível, despojada de um bem imóvel – porventura o único – que lhe pertencia (assim se encontrava registado na Conservatório do Registo Predial) e que transitou gratuitamente para a esfera patrimonial de uma outra sociedade de que era gerente uma pessoa e familiar próxima do requerido AA, que fora administradora da própria sociedade insolvente (sendo certo que, do ponto de visto registral e perante terceiros, ainda assumia tal qualidade jurídica ao tempo da doação). Não é preciso sequer tecer desenvolvidas considerações ou apresentar outras justificações para se perceber com clareza que com esta conduta o requerido e administrador AA mais não pretendeu do que diminuir, sem contrapartida alguma, o património da insolvente, enquanto punha a salvo, junto de pessoa que lhe era familiarmente muito próxima, um bem que de outra forma servira para satisfazer, na medida do possível, os interesses patrimoniais dos credores da doadora. Acresce que não se apuraram nestes autos outros factos justificativos desta actuação e que foram apresentados pelos requeridos AA e CC: não se sabe o concreto valor do imóvel, pelo que não se pode afirmar que “não tinha qualquer valor” (embora – tem de reconhecer-se - não se possa objectivamente deixar de estranhar-se a inércia do administrador judicial em operar a sua resolução nos termos dos artigos 120º e 121º do CIRE); nada se provou quanto à alegada dação em cumprimento que estaria subjacente ao negócio formal de doação (o que aliás a provar-se também seria frontalmente contraditório com a afirmação de que o imóvel doado “não revestia qualquer valor”…). Da mesma forma não se compreende a afirmação da dita “menor gravidade e culpa” dos intervenientes no mencionado contrato de doação, quando os elementos de facto conduzem unicamente a concluir que os ora recorrentes encontraram e acordaram entre si um estratagema destinado a subtrair do património da sociedade determinado bem (com maior ou menor valor pecuniário) com vista a colocá-lo no perímetro da sua disponibilidade pessoal, desviando-o ilicitamente do seu destino normal que seria o de servir de garantia aos credores da alienante. Confirma-se, assim e nestes termos (verificação da alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE), o acórdão recorrido, não assistindo razão aos recorrentes e sendo de qualificar, com este fundamento, como culposa a insolvência. 3º - A falta de colaboração do requerido AA com o administrador da insolvência que o contactou repetidamente para esse efeito, foi integrada no acórdão recorrido como integrando a alínea i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, onde se prevê: “(Ter) incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83º até à data da elaboração do parecer referido no nº 6 do artigo 188º”. Afigura-se-nos absolutamente evidente que a postura do requerido AA ao longo do processo de insolvência foi de total e aberta recusa de colaboração com o desempenho das funções do administrador desta, não dando sequência aos seus contactos e interpelações, e não facultando qualquer tipo de documentação necessária e pertinente, como constituída sua especial obrigação, devidamente plasmada no artigo 83º do CIRE. Fê-lo de forma reiterada e relapsa, com total desinteresse e absoluto desrespeito pelas finalidades do presente processo e pelas próprias pessoas do administrador da insolvência e dos credores da sociedade, numa postura profundamente lamentável e censurável. Bem tentou o administrador da insolvência contactá-lo e sensibilizá-lo para o imperativo de colaboração e esclarecimento que se lhe impunha, sem que o mesmo tenha em momento algum mostrado vontade em assumir as suas responsabilidades perante o descalabro financeiro da sociedade de que era o primeiro e maior responsável. De resto, no âmbito da produção de prova neste incidente rigorosamente coisa alguma demonstrou em sentido oposto à demonstrada postura de ausência de cooperação que irresponsavelmente decidiu assumir. Pelo que se verifica, sem dúvida, o preenchimento da previsão da alínea i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, não assistindo razão ao recorrente e sendo de qualificar, com este fundamento, como culposa a insolvência. Confirma-se, assim, o acórdão recorrido, neste tocante. 4º - Já relativamente ao preenchimento das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 186º do CIRE e das alíneas a) e b) do nº 3 da mesma disposição legal, os factos dados como provados não habilitam, com a necessária segurança, a afirmar a sua verificação. Por um lado, não há prova de que a falta de apresentação à insolvência tenha agravado esta mesma situação ou tenha por si ocasionado novos prejuízos para os credores, ou ainda que se verifique in casu qualquer nexo de causalidade neste particular. (Sobre este ponto, vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2022 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 4654/19.6T8CBR-A.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt.). Por outro, sobre esta matéria apenas se encontra provado que “na matrícula comercial da insolvente mostra-se averbado o depósito das contas de 2018 a 2021”. Tendo a insolvência sido declarada em 13 de Abril de 2023, afigura-se-nos que ainda não havia sequer decorrido o prazo legal para a apresentação do depósito das contas referente ao ano de 2022 (em 15 de Julho do ano seguinte). Neste particular discorda-se, por conseguinte, do acórdão recorrido, assistindo razão aos recorrentes, não existindo neste ponto fundamento para a qualificação da insolvência como culposa. Quanto à sua afectação nos termos do artigo 189º do CIRE. Nos termos do artigo 189º do CIRE, a qualificação como culposa da insolvência implica a identificação dos administradores (de direito ou de facto) da sociedade insolvente e que seja decretada a inibição para administrarem patrimónios de terceiros e, sendo comerciantes para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período mínimo de dois e máximo de dez anos. Quanto ao período de inibição: Foi aplicada ao requerido AA a sua inibição para administrarem patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio bem como a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa por um período de 4 (quatro) anos. Atento o grau de culpabilidade revelado nos presentes autos pela sua actuação e os factos que a este propósito ficaram demonstrados, bem como todas as particularidades deste processo de insolvência (mormente a circunstância de não terem ficado demonstrados todos os fundamentos legais de qualificação da insolvência indicados no acórdão recorrido), entendemos mais equilibrada a fixação do prazo de 3 (três) anos de inibição, ainda assim acima do limite mínimo. Procede, assim e parcialmente, a revista nestes termos. Aplicação da condenação prevista no artigo 189º, nº 4, do CIRE. Dispõe o preceito legal referido: “Ao aplicar o disposto na alínea e) do nº 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios para a sua quantificação, a efectuar em liquidação de sentença”. Vejamos: A alteração introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, na alínea e) do nº 2 do artigo 189º do CIRE, conforma uma nova fonte autónoma de responsabilidade civil. Encontramo-nos perante a fixação ex novo dos pressupostos da constituição da obrigação de indemnizar os credores da sociedade insolvente, a fixar na sentença judicial em sede de incidente de qualificação da insolvência. Tal responsabilização compreende-se, conforme sublinha Luís Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, Junho de 2018, 8ª edição, a página 292: “(...) devido à culpa do devedor, e dos seus administradores de direito e de facto, em relação à frustração dos créditos que a insolvência provoca nos credores, o que constitui fundamento de responsabilidade civil, nos termos gerais (artigo 483º do Código Civil)”. Cumpre também salientar que na apreciação desta temática deverá respeitar-se, em termos gerais, o princípio da proporcionalidade e da proibição de indefesa. (Sobre este ponto, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2021 (relator Barateiro Martins), proferido no processo nº 439/15.7T8OLH.J.E1.S1, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano XXIX, Tomo II, 2021, a páginas 128 a 133, onde se sublinha que: “O princípio da proporcionalidade remete-nos sempre e no essencial para a indagação acerca da adequação entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis, ou seja, a actuação ilícita e culposa do recorrente, enquanto gerente de direito e de facto da devedora insolvente, e o montante da indemnização a impôr-lhe” ). Sobre esta matéria, vide igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2022 (relator José Rainho), proferido no processo nº 291/18.0T8PRG-C.G2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatizou que “A indemnização devida aos credores a cargo do afetado pela insolvência culposa deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir”. Na situação sub judice, o ora recorrente foi condenado a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente à diferença entre o valor global do passivo e o activo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, a liquidar em execução de sentença. Afigura-se-nos nestes termos perfeitamente equilibrada a condenação do Réu afectado pela declaração de insolvência culposa, que será assim de manter. Confirma-se neste tocante o acórdão recorrido. 6 - Condenação de CC. Ausência de intervenção desta na factualidade prevista nos pontos 16 e 18 dos factos dados como provados. Sua renúncia à gerência em 22 de Fevereiro de 2022. Falta de apreensão das cinco viaturas automóveis em referência. Doação realizada por escritura de 29 de Dezembro de 2022. Falta de prova a carrear para os autos pelo administrador da insolvência. Da ausência da qualidade de administrador, de facto ou de direito, ao tempo da prática dos actos geradores de responsabilidade. Relativamente à actuação da recorrente CC que justificou a qualificação como culposa da sociedade de que foi administrador, foi dado como provado que: Em 29 de Dezembro de 2022, a insolvente Klacus, S.A. alienou por doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, cuja gerente é CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo o registo da cessação de funções sido feito em 23 de Janeiro de 2023, o imóvel descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro, Concelho de Santa Comba Dão, Distrito de Viseu. - SANTA COMBA DÃO FREGUESIA: UNIÃO DAS FREGUESIAS (que esteve em nome da sociedade insolvente, KLACUS, S.A). O imóvel atrás identificado é um descampado. CC conhecia a situação de incapacidade da sociedade insolvente para cumprir com as suas obrigações vencidas. No acórdão recorrido enquadrou-se a qualificação da insolvência como culposa, relativamente à conduta da ora recorrente CC nos seguintes termos: A alienação, meses antes da insolvência, por doação à sociedade CONFORTARRO- JADO, LDA. NIPC – .......06, do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Santa Comba Dão, com o número ..30 e inscrito na matriz predial com o artigo ..77 da união das freguesias de Óvoa e Vimieiro cuja gerente é a requerida CC, administradora presidente da insolvente até 22 de Fevereiro de 2022, tendo porém o registo da cessação de funções sido feito somente em 23 de Janeiro de 2023, data posterior à escritura de doação, escritura esta, diga-se assinada pela mesma, em representação das duas sociedades (tratando-se de um negócio ruinoso em proveito exclusivo de uma sociedade também controlada e detida pela requerida CC, sendo que ambos os requeridos, tinham plena consciência de tal negócio, uma vez que conforme consta da referida escritura da doação, ambos assinaram a mesma), integra a previsão do artigo 186º, nº 2, alínea a) e d), do CIRE. Apreciando: A decisiva intervenção da ora recorrente CC na escritura de doação realizada em 29 de Dezembro de 2022 (numa altura em que não se encontrava ainda registada a cessação de funções enquanto administradora da sociedade insolvente), proporcionando que, a poucos meses da declaração de insolvência, o bem em causa fosse transferido para uma outra sociedade de que era gerente é, por si só, bem demonstrativa da verificação da previsão da alínea d) do nº 2, do artigo 186º do CIRE, que justifica a qualificação da insolvência como culposa, nos termos já desenvolvidos supra. Não se esqueça que, perante terceiros, a requerida CC mantinha aquando da celebração do negócio a sua qualidade de administradora da sociedade insolvente. Nos termos do artigo 14º, nº 1 e 2 do Código de Registo Comercial e do artigo 168º, nº 2 e 3, do Código das Sociedades Comerciais, a eficácia da renúncia perante terceiros depende de registo e, em princípio, de publicação. Logo, para efeitos externos (únicos que aqui interessa considerar), a requerida CC mantinha a sua qualidade de administradora da insolvente quando se dispôs a intervir na escritura de doação através da qual um imóvel saiu do património desta para ingressar directamente no de uma sociedade em relação à qual desempenhava as funções de gerente. Também foi dado como provado (por via da alteração operada na matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação de Coimbra) que a requerida CC sabia, já naquela ocasião, bem sabia das dificuldades financeiras da sociedade insolvente e da sua consequente incapacidade de satisfazer os seus compromissos comerciais vencidos. Pelo que, à semelhança do que foi referido a propósito do administrador (e seu pai) AA (que aqui se dá por reproduzido), a conduta da requerida integra indiscutivelmente a alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, constituindo fundamento para a qualificação como culposa da insolvência da sociedade. Não assiste assim razão à recorrente. Quanto à sua afectação nos termos do artigo 189º do CIRE. Perante a sua intervenção enquanto ainda administradora da sociedade insolvente perante terceiros é evidente que a mesma terá de ser objecto da inibição prevista no artigo 189º, nº 2, alínea e), do CIRE. Quanto ao período de inibição: Foi a aplicada à requerida CC a inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três) anos Atento o grau de culpabilidade revelado nos presentes autos e a sua concreta actuação objecto de censura, revelada num único e singular acto por si praticado e no qual bem poderá ter existido a natural influência predominante do administrador AA, seu pai, entendemos mais equilibrada a fixação do prazo de 2 (dois) anos de inibição, correspondente ao limite mínimo. Procede parcialmente a revista nestes termos. Aplicação da condenação prevista no artigo 189º, nº 4, do CIRE. A ora recorrente foi condenada a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, na proporção dos respetivos créditos e em montante correspondente ao valor do imóvel doado, com o limite máximo do valor dos créditos insatisfeitos, a liquidar posteriormente. Afigura-se-nos igualmente equilibrada a condenação desta requerida afectada pela declaração de insolvência culposa, que será assim de manter. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder parcialmente a revista, alterando os períodos de inibição aplicados a AA de 4 (quatro) para 3 (três) anos e a CC de 3 (três) para 2 (dois) anos, confirmando-se na parte sobrante o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 7 de Outubro de 2025. Luís Espírito Santo (Relator) Rosário Gonçalves Ricardo Costa (com declaração de voto): Voto favoravelmente o acórdão. Sem prejuízo. Não subscrevo, como é sobejamente conhecido nesta Secção, que o art. 186º, 2, do CIRE contemple uma presunção legal “iuris et de iure” do nexo de causalidade ou de imputação da conduta ilícita à criação ou agravamento da situação de insolvência efectiva, muito menos que a presunção inilidível que estabelece abranja a ilicitude assente na violação dos deveres em que se traduz o conjunto de factos exemplificativos de actuação susceptível de produção ou agravamento de insolvência que não seja pessoa singular. Tal como está sustentado nos Acs. de 8/2/2022, proc. 897/17, e de 30/3/2023, proc. 911/19, por mim relatados, a inexistência de tal presunção (ou presunções) abrange, a meu ver, tanto o n.º 2 como o n.º 3 do art. 186º, tendo em conta a necessária conjugação intrassistemática com a cláusula geral do n.º 1 do art. 186º do CIRE (v. o que defendi, e reitero, em RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, 2014 (2.ª reimp. 2024), Almedina, Coimbra, págs. 123-125 e nt. 248; na doutrina, v. igualmente, numa tendência interpretativa crescente, RUI ESTRELA DE OLIVEIRA, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, O Direito, 2010, V, págs. 973 e ss, em esp. 980, ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na Lei nº 16/2012, de 20 de Abril”, I Congresso do Direito da Insolvência, coord.: Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 275, HENRIQUE ANTUNES, “Natureza e funções da responsabilidade civil por insolvência”, V Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 137 e ss, em esp. 142-144, FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, “Responsabililidade pela insolvência culposa: causalidade – efeitos”, I Congresso de Direito das Empresas, coord.: Ricardo Costa, Almedina, Coimbra, 2023, págs. 212 e ss; aparentemente, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, sub art. 186º, pág. 719 (“atribuição de caractér culposo” às causas de insolvência). De todo o modo, no contexto de uma “causalidade provada”, tendo sido considerada procedente a qualificação da insolvência como «culposa» por via da al. d) do art. 186º, 2, a factualidade assente, ainda que mínima, é suficiente para demonstrar a imputação do agravamento da situação de insolvência à actuação relativa à doação do imóvel pela pré-insolvente, provável e previsível num juízo de normalidade quanto ao risco gerado em função da actuação ilícita e concretizado no facto, ocorrido no período relevante dos «três anos anteriores ao início do processo de insolvência», e o correspondente prejuízo aferido na situação patrimonial de insusceptibilidade de cumprimento das obrigações por parte da lesada insolvente (dupla causalidade), como aliás se fundamenta exaustivamente no acórdão. Já quanto à al. i) do art. 186º, 2, a conduta que se censura não respeita a esse período anterior ao processo de insolvência e, portanto, dispensará o requisito da causalidade exigido pelo art. 186º, 1, do CIRE. Ricardo Costa. V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |