Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CARLOS PORTELA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE QUESTÃO DE FACTO ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS PROVA TESTEMUNHAL PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DUPLA CONFORME RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR TERRENO DIREITO DE PROPRIEDADE COMPRA E VENDA OBRA | ||
| Apenso: | |||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA NORMAL; - REMESSA À FORMAÇÃO | ||
| Sumário : | Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
I. As questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, com violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do artigo 671º, nº3, do Código de Processo Civil. II. Constitui dever específico do Tribunal da Relação exercer efectivamente os seus poderes de reavaliação do juízo de facto emitido em 1ª instância, na sequência da impugnação apresentada pela apelante. III. Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça. IV. Numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que possa considerar-se observado o ónus da impugnação é preciso que, através das indicações do recorrente dos concretos pontos de facto impugnados e dos meios de prova relevantes para cada um, fique assegurada a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido. V. Na situação dos autos, a discordância da recorrente, apesar da alegação do art.º 662.º do CPC, o que se questiona é o próprio conteúdo e sentido da reapreciação dos factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do tribunal (designadamente a prova documental e testemunhal que foi produzida) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida, o que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o tribunal da Relação do Porto se socorreu. VI. Quanto a esta matéria - discussão da matéria de facto -, carece o Supremo Tribunal de Justiça da necessária competência para conhecer (cf. artigos 662.º, n.º 4, do CPC, 674.º, n.º 3 e 683.º, n.º 2 do CPC), não sendo a revista normal admissível, o que significa que se constituiu no caso dupla conforme (cf. art.º 671.º, n.º 3, do CPC), impeditiva da interposição de revista normal prevista no art.º 671.º, n.º 1, do CPC. VII. A ser assim, impõe-se a remessa dos autos à Formação para a verificação dos pressupostos da revista excepcional, nos termos do art.º 672.º, n.º 3, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório: AA intentou a presente acção de processo comum contra Vianaquatro - Empreendimentos Imobiliários, Lda., pedindo que esta seja condenada a reconhecer que a autora, seus irmãos e demais familiares, todos herdeiros de BB ou dos seus descendentes, são os únicos e legítimos proprietários do prédio, composto por leira de mato, situado na Rua 1, sítio da P...., inscrito na matriz predial sob o artigo ..60º da freguesia de 1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o n.º ..19, bem como a abster-se de perturbar a posse, uso e fruição do mesmo, nele intervir, entrar, dar qualquer uso ou realizar quaisquer obras ou trabalhos, seja de limpeza, desaterro ou outros, publicitar, promover, negociar ou por qualquer forma aliená-lo ou onerá-lo. Alega para tanto, e em síntese, factos conducentes à aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o referido prédio e que a ré, alegando tê-lo adquirido, se propõe vendê-lo, tendo já solicitado a divulgação e promoção da venda junto de agências imobiliárias. Suscitou a intervenção principal, como seus associados, dos demais comproprietários do prédio em causa Devidamente citada, a ré contestou, sustentando que a autora pretende fazer coincidir o prédio identificado na petição inicial com um prédio por si adquirido, mediante a outorga da competente escritura pública, em Junho de 2007 e em cuja posse se encontra desde então, como anteriormente se encontravam aqueles de quem o adquiriu, pugnando, em via reconvencional, pelo reconhecimento do correspondente direito de propriedade, ao abrigo do instituto da usucapião, e pela condenação da autora a abster-se de praticar actos lesivos e ofensivos desse seu direito. Notificada, a autora replicou, sustentando que o seu prédio não se confunde com o da ré e que a posse invocada por esta, reportando-se às vendedoras do prédio por si adquirido, nunca incidiu sobre aquele prédio. Admitido o incidente de intervenção principal deduzido pela autora, citados os chamados e deduzida, procedentemente, a habilitação dos herdeiros daqueles cujo falecimento foi certificado aquando das diligências para citação, nenhum deles interveio no processo. Seguidamente, foi designada data para audiência prévia, na qual, frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador, meramente tabelar, seguido de despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, que não mereceu qualquer reparo. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente a acção e improcedente a reconvenção. Inconformada, a Ré/Reconvinte interpôs recurso de apelação, concluindo as suas alegações a requerer pedindo que se seja declarada nula a sentença e, em qualquer caso, na procedência da apelação, seja revogada a sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a acção improcedente e procedente a reconvenção. Tramitado o processo na Relação foi proferido acórdão no qual se julgou improcedente a apelação e se confirmou a sentença recorrida. Desta decisão veio a Ré interpor recurso de revista, concluindo do seguinte modo as suas alegações: 1. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. o qual decidiu julgar improcedente a apelação interposta pela aqui Recorrente e s.m.o. incorre em nulidade, violação da lei e erro de julgamento. 2. A Revista é admissível porque o valor da acção é superior à alçada do Tribunal da Relação e não há dupla conforme, pois que muito embora o Acórdão recorrido mantenha, a sentença proferida, o certo é que o faz com fundamentação essencialmente diferente (cfr. artigo 671º, nº 3 do CPC), como por exemplo: - a sentença de primeira instância seguiu o entendimento de que estamos perante uma acção possessória e é a partir daí que aprecia e decide toda a matéria de direito, já o Acórdão recorrido, diz, de forma inequívoca a que Mmª Juiz da primeira instância, “…impressionada pelos pedidos formulados sob as alíneas b) e c) qualificou-a agora erradamente, como uma acção possessória.” - o Acórdão recorrido passou a apreciar e resolver todas as questões não como sendo um acção possessória (entendimento da primeira instância) e invocando para o efeito os artigos 2º, nº 2, 10º, nº 3, a) do CPC, 20º, nº 1 do CRP), com reflexo nas demais questões referentes a factos provados, não provados, essenciais, não essenciais, e, quanto ao problema de factos que nem sequer foram alegados e que tinham que ter sido alegados, da falta de factos para a aquisição originária, inexistência de actos da posse da Recorrente, presunção do artigo 7º do CRegistoP. - o Acórdão recorrido apesar de ter confirmado a sentença de fls., o certo é que o fez seguindo um caminho e fundamento diferente. 3. E o Tribunal “a quo” apreciou e decidiu questões que a sentença da primeira instância não fez, é o caso, por exemplo, - das suscitadas nulidades da sentença e dos fundamentos usados para considerar que as mesmas não se verificam. - das suscitadas nulidades do Acórdão recorrido, matéria que obviamente não foi tratada na primeira instância - da natureza e qualificação da acção - da violação pela Recorrente do regime do artigo 640º e 662º, nº 1 do CPC, da natureza dos factos ( instrumentais ou não e da serem ou não factos provados ou não), - o problema de factos não alegados que a sentença considerou e que não podia ter feito - o problema da identidade entre o prédio identificado na p.i. e prédio possuído pela recorrente e a questão da aquisição originária e os factos a ela atinentes, dos actos de posse da Recorrente e a presunção do artigo 7º do CRP - da reconvenção, onde na primeira instância se considerou improcedente por se entender que a Ré (aqui Recorrente) “…não tem interesse em agir”, enquanto no Acórdão recorrido o motivo apresentado, não se prende com o interesse em agir, mas apenas com a consideração de que se reportava à mesma realidade física. 4. Por outro lado, é fundamento da Revista a violação ou errada aplicação da lei de processo e de lei substantiva e ainda as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º do CPC (artigo 674º, nº 1 a), b) e c) do CPC). 5. A admissão da Revista também sempre se justifica porque, o Acórdão recorrido padece de nulidades (como se desenvolve supra) e também porque: a) Está em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estão em causa interesses de particular relevância social; c) A decisão recorrida está em contradição com Acórdãos da Relação e deste Venerando Tribunal (supra identificados), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não havendo acórdão uniformizador de jurisprudência sendo, assim, sempre admissível o recurso nos termos do disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas a), b) e c) do CPC. 6. A matéria objecto dos autos, reconduz-nos para a tutela de direitos fundamentais da Recorrente, no âmbito da tutela do direito constitucional da propriedade e a esse propósito a natureza da acção judicial, os requisitos, incluindo temas como a posse, a aquisição originária ou derivada, a usucapião e a presunção da propriedade por via do registo, matérias que são juridicamente complexas que, não só, têm por si só, enorme relevância jurídica, como carecem de desenvolvimento e densificação doutrinária e jurisprudencial. 8. O Acórdão recorrido incorreu em nulidade e em diversos erros de julgamento (supra alegados e que aqui se dão por reproduzidos) o que fez desaguar numa decisão manifestamente injusta e desadequada, a qual só pode ser sanada por via da admissão do presente recurso. 9. A questão é saber a que imóvel físico correspondem as propriedades registadas da Recorrida e da Recorrente, sendo que, a Recorrente comprou o imóvel e durante anos foi inúmeras vezes a esse imóvel (que sempre entendeu que era o que havia comprado), fez manutenção e limpeza do terreno, tinha lá uma cancela que abria e fechava e até elaborou um projecto para o mesmo que licenciou junto da edilidade municipal e até colocou o mesmo à venda e a Recorrida vem agora dizer que esse terreno é o dela. 10. A Recorrida tinha que ter intentado uma acção de revindicação, além de que, na acção interposta não foram alegados factos, nem foi feita prova, nem foram formulados os pedidos, por forma a que a Recorrida pudesse ter sucesso nessa sua pretensão. 11. O Acórdão recorrido considerou, em violação do artigo 640º e 662º, nº 1 do CPC, que o recurso quanto à matéria de facto não cumpriu as exigências legais, o que, como se demonstra não é verdade, e tal entendimento do Acórdão recorrido, não só não tem respaldo naqueles normativos como vai em sentido inverso ao entendimento de diversa jurisprudência sobre a matéria além de que, o Acórdão recorrido desconsiderou erradamente factos, que sendo ou não instrumentais, tinha que ter considerado. 12. Em face de tamanho desacerto, gerador de uma solução jurídica absurda e contra legem, impõe-se a admissão da presente revista excepcional por ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – art.º 671º, nº 1 al. a) e nº 2 al. a) do CPC. Por outro lado, 13. No Acórdão recorrido, o Tribunal “a quo” entendeu quanto à parte do recurso sobre a matéria de facto que “….o juiz da 1a instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para a avaliar, surpreendendo no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação, pelo que, como pertinentemente se observou no acórdão desta Relação de 19/12/2023 (proc. n°1526/22.0T8VRL.G1), relatado por Maria João Matos, “em caso de dúvida (face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida), deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”. E, “afigura-se-nos que a recorrente não observou os ónus impugnatórios que sobre si recaíam.” (…) “que no caso vertente, para além do elevado número de pontos de facto impugnados em bloco (considerando aqueles que a recorrente pretendia ver aditados à matéria de facto provada), não existe uma conexão íntima entre eles, até porque uns dizem respeito ao prédio da autora e outros ao prédio da ré. Acresce que esta, ora recorrente, remete para um conjunto de depoimentos, concretamente cinco, transcritos, alguns quase integralmente, ao longo de 21 páginas seguidas, sem especificar as afirmações que considera relevantes relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, nem fundamentar em que medida contrariam a apreciação crítica feita pelo tribunal a quo”. 14. À luz do citado Acórdão fundamento Ac. do STJ de 12.07.2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1 (já transitado, sobre a mesma questão e no âmbito da mesma legislação) e em sentido inverso ao entendimento do Acórdão recorrido (de que não se cumpriu o ónus impugnatório da matéria de facto), a Recorrente impugnou correctamente a decisão sobre a matéria de facto e especificou a) Os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. e, no que respeita à prova gravada, indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, e, procedeu à transcrição dos excertos que entendeu serem relevantes, pelo que, não há dúvida que o Acórdão recorrida incorreu em erro de julgamento e violou o disposto no artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC. 15. Também em sentido inverso do Acórdão recorrido é hoje jurisprudência seguida por este Venerando Supremo Tribunal que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. – cfr. Ac. STJ 23807/21.0T8LSB.L1.S1, de 02.05.2024 https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bca8c1c7b. 16. A invocação do direito de propriedade e o pedido do seu reconhecimento, não cabe no âmbito das acções possessórias, mas sim na alçada da norma constante do artigo 1311º/1 do CC, que dispõe que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, como é claramente a situação dos autos em apreço, pelo que a procedência da ação está sempre dependente da procedência dessas duas pretensões, em simultâneo como resulta do artigo 1311.º do C.C. 17. O Acórdão recorrido, sobre a mesma questão e à luz do mesmo direito, decidiu em sentido inverso do citado Acórdão fundamento - Ac. STJ nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1, de 05.05.2016 - já transitado, julgou a acção procedente, não obstante não terem sido pedidos, alegados, nem provados ambos os requisitos previstos no artigo 1311º do CC - o do reconhecimento da propriedade e o da entrega da coisa. Sendo que, a Recorrida não tinha, nem foi provada a posse nem actos possessórios, nem a aquisição originária por usucapião. Além de que, no Acórdão recorrido (como infra se desenvolve e aqui se dá por reproduzido) foi também erradamente considerada a presunção do artigo 7º do CRP até para efeitos de localização e identificação física, quando como se vê no Acórdão fundamento a referida presunção não serve para a exata determinação física ou da real situação do prédio. 18. O Acórdão recorrido (em sentido inverso ao citado Acórdão fundamento) julgou procedente a acção interposta, apesar de não cumprir com o pedido de reconhecimento da propriedade e o da entrega da coisa, de não haver identificação física do imóvel e de não poder estribar-se na presunção do artigo 7º do CRP para esse efeito e de não haver posse, nem actos de posse, nem usucapião, nem aquisição originária. 19. Quanto à matéria dos factos instrumentais, o Acórdão recorrido, em sentido inverso a entendimento vertido neste Acórdão fundamento - Ac. STJ, 02.05.2024, proc. nº23807/21.0T8LSB.L1.S1, Rel. Ferreira Lopes - entendeu que os factos batizados de instrumentais (sendo até discutível se até não são essenciais), apesar de provados e de fazerem parte da instrução, foram desconsiderados. Ora, no âmbito desta mesma questão de direito e ao abrigo da mesma legislação no Acórdão recorrido, em vez de extrair dos factos instrumentais que resultaram da instrução as ilações que se impunham, optou por, não os considerar 1uando, na verdade tinha que ter considerado, até por força do artigo 5º, nº 2, a) do CPC 20. Mostram-se, assim, reunidos todos os pressupostos de admissibilidade da revista excecional, como previsto nos arts. 671º, nº 1, nº 2, a), b), nº 3 e 672º nº 1, alíneas a) e c) do CPC 21. A presente revista deve ser ainda admitida à luz do critério previsto no artigo 672º, nº 1, b) do CPC, pois que, na verdade se trata de matéria que se prende com o direito de propriedade, sendo a propriedade um bem com enorme relevância social é, de tal forma importante que a mais das vezes gera conflitos violentos, agressões físicas e por vezes até a morte e, as questões em apreço nos presentes autos acabam por ter eco e relevância na comunidade e na sociedade. Além de que, a situação em concreto gera uma enorme insegurança, intranquilidade além de um grande sentimento de injustiça, sendo hoje recorrente e comum e está a gerar grande conflituosidade, casos similares, pelo que, também por aí, o presente processo e a sua decisão, assumem grande relevância social. 22. A Recorrida moveu a acção declarativa de fls. mas não alegou a localização, limites, área e configuração do prédio descrito na alínea a) dos factos provados, nem que aquele seu prédio, na atualidade, confronta a poente com a Rua 1 e a sul com CC com efeito, toda a estrutura da ação repousa na inserção do prédio a) em local controvertido, mas não se mostra alegado qual é esse local, quando esse aspeto é essencial e determinante 23. Os factos que conduzem ao efeito jurídico pretendido – o reconhecimento da localização concreta do prédio da Recorrida - são factos essenciais (não alegados pela Recorrida), nos termos e para os efeitos do artigo 5.º/1 do CPC, tais factos só podiam estar ao alcance dos poderes de cognição do tribunal se tivessem sido alegados pela Recorrida e intervenientes principais – e não foram!!! 24. Se a causa de pedir da Recorrida e intervenientes não invoca os aludidos factos essenciais, a decisão proferida não podia “reconhecer a autora, seus irmãos e demais familiares, todos herdeiros de BB ou dos seus descendentes, atrás devidamente identificados como únicos e legítimos proprietários do prédio composto por leira de mato, situado Rua 1, sítio da P...., inscrito na respetiva matriz predial da freguesia da 1, sob o artigo ..60 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número ..19, da freguesia de 1”, na parte em que sentencia “situado na Rua 1”, por isso, o tribunal excedeu, os seus poderes de cognição, assim dando causa à nulidade prevista no artigo 615.º/1-d) do CPC ou mesmo que, assim não se entenda, o que não se concede, sempre então, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento”. 25. Nessa apreciação, o Acórdão recorrido incorre em nulidade por contradição e por omissão de pronúncia – cfr. artigo 615º c) e d) do CPC – pois que, a questão foi suscitada quer como sendo geradora de nulidade, quer, como fundamento de erro de julgamento – mas na verdade, o Tribunal “a quo” ficou-se apenas por apreciar a nulidade apesar de reconhecer que essa matéria não foi alegada, nem consta dos factos peticionados, e que quanto muito se reconduziria a problema de erro de julgamento – mas depois não concluiu pela verificação desse mesmo erro de julgamento. 26. Por outro lado, o Tribunal “a quo” ao dar por não verificada a nulidade suscitada também incorreu em erro de julgamento, pois que, a Recorrida não alegou, nem peticionou a localização do terreno e, não obstante não ter suscitado essa questão (e por isso mesmo não suscitou factualismo a ela referente), o certo é que na sentença de fls. – o Tribunal levou à matéria de facto, factos que não estavam, nem foram alegados e na parte decisória prolatou sentença que abrange essa questão, pois, decidiu-se julgar a acção totalmente procedente e, consequentemente: a) Declara-se a Autora e Intervenientes principais (herdeiros de BB), como únicos e legítimos proprietários do prédio composto por leira de mato, situado na Rua 1, sítio da P...., inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de 1 sob o art.° ..60° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n° ..19, da freguesia de 1. b) Condenar a Ré a abster-se de perturbar a posse, o uso e fruição inerente ao exercício desse direito de propriedade, a não intervir ou entrar no terreno, a dar-lhe qualquer uso ou nele realizar quaisquer obras ou trabalhos, seja de limpeza, desaterro ou outros, ou publicitar, promover, negociar e por qualquer forma alienar ou onerar o imóvel em causa. 27. Não há dúvida que o Juiz na sentença de fls. ocupou-se de questões que as partes não tinham suscitado e que não eram de conhecimento oficioso. 28. E, por isso na Apelação dizíamos (e reiteramos) o tribunal excedeu, os seus poderes de cognição, assim dando causa à nulidade prevista no artigo 615.º/1- d) do CPC. 29. No Acórdão recorrido, a questão foi (erradamente) apenas apreciada e considerada como se tratando apenas de facto, quando na verdade, não é apenas de factos, mas sim de não alegação de uma matéria que é central e essencial – e que se prende com saber que terreno em concreto é e onde é - e, consequentemente, não tendo sido alegada, nem peticionada, a Recorrida conformou a acção e os pedidos com um determinado âmbito, e, a Recorrente defendeu-se e desenvolveu toda a sua estratégia em face dessa mesma delimitação que a Recorrida fez. Pelo que, o Tribunal jamais poderia ter ido além do alegado e peticionado e o que é certo é que foi. 30. O que até, ofende as garantias constitucionais de defesa e o direito da Recorrente a um processo justo e equitativo (cfr. artigo 20º, nºs 4 e 5 da CRP) 31. A suscitada nulidade tinha que ter sido conhecida e declarada no Acórdão recorrido, e, erradamente não foi, fazendo o Acórdão recorrido incorrer em erro de julgamento por violação do artigo 615º, nº 1, d) do CPC. 32. O Tribunal “a quo” também errou no julgamento da matéria referente à nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos, pois que da leitura da sentença de fls. resulta da sua fundamentação de direito que o Tribunal considerou a presente ação, no âmbito das ações possessórias reguladas pelos artigos 1277º e 1278/1 do CC, que se destinam a proteger o possuidor que for perturbado 33. O Tribunal de primeira instância, na sentença de fls. considerou a acção proposta como sendo uma acção possessória porque o diz expressamente, mas na ação possessória o direito real que se diz ter sido violado tem de preexistir, sendo essa condicionante lógica do pedido a que corresponde a ação possessória, logo, a sentença ao “batizar” a acção como uma ação possessória, não podia depois declarar a Recorrida e as intervenientes como únicos e legítimos proprietários do prédio descrito em a) dos factos provados. 34. Pois que, ao ser possessória, os fundamentos da mesma conduzem imperativamente à improcedência do pedido de reconhecimento da propriedade. 35. E, o Acórdão recorrido apesar de reconhecer que na sentença recorrida o Tribunal considerou como sendo uma acção possessória, o certo é que, em vez de concluir como devia pela nulidade suscitada, optou por tentar contornar a situação com o argumento falso de que se tratou de um “equívoco” da Mmª Juiz, porém, como se percebe do teor da sentença de fls., a situações não é reconduzível a um conveniente “equívoco”. 36. O que há é o que está dito na fundamentação da sentença e daí decorre, sem sombra de dúvidas que o Tribunal seguiu o entendimento de se trata de uma acção possessória e depois condenou em contradição com essa mesma natureza de características da acção possessória, daí que, não colhe o entendimento do Acórdão recorrido e o mesmo tinha que ter concluído que a sentença de fls., padece efetivamente de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC. 37. Sobre a questão suscitada pela Recorrente referente à qualificação da acção proposta e de que sendo a mesma uma acção de reivindicação o tribunal ”a quo” não pode limitar-se a reconhecer o direito de propriedade sem condenar na restituição da coisa. 38. Resulta a evidência da não aplicação do tipo/natureza da acção defendida no Acórdão recorrido ao caso em apreço, porquanto, a Autora/Recorrida não está na posse da coisa, como resulta dos factos provados r), s), t), u), w), v), x) e, dos factos não provados a), b). 39. Não estando o imóvel na posse da Recorrida, como não está, então a tese do Acórdão recorrido falece pela base, pois que, assim sendo, já não colhe a tese de que se trata de uma simples apreciação ou declaração, de um autor, que estando já na posse da coisa, se limita a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade. Pois que não é de todo o caso em apreço. 40. A qualificação da ação proposta tem de considerar o(s) concreto(s) pedido(s) formulado(s) e a respetiva causa de pedir, configurada pela Autora, a qual peticiona que lhe seja reconhecido e aos demais herdeiros de BB o direito de propriedade sobre o prédio em discussão nos autos, invocando, quer a aquisição derivada, quer a sua aquisição originária, ora, a invocação do direito de propriedade e o pedido do seu reconhecimento, não cabe no âmbito das ações possessórias, mas sim na alçada da norma constante do artigo 1311º/1 do CC, que dispõe que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. É claramente a situação dos autos em apreço – porquanto, a Recorrida conta que a Recorrente é possuidora ou detentora de um imóvel que a Recorrida entende que lhe pertence. 41. Na ação de reivindicação, o pedido de reconhecimento da propriedade e o pedido de restituição constituem um só pedido indissociável, reciprocamente dependente um do outro e, a procedência da ação está sempre dependente da procedência dessas duas pretensões, em simultâneo artigo 1311.º do C.C. e neste sentido vide Ac. STJ nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1, de 05.05.2016 in www.dgsi.pt . 42. A Recorrida apenas pediu o reconhecimento do direito de propriedade, sem pedir a restituição da coisa e, o tribunal não pode limitar-se a reconhecer o direito de propriedade e a não condenar na restituição da coisa, sendo que, nem sequer podia condenar na restituição da coisa reivindicada porque excederia o peticionado na ação. Ao não entender desta forma o Acórdão recorrido incorreu em claro e inequívoco erro de julgamento. 43. Da matéria de facto provada constam as descrições jurídicas dos prédios [cfr. a) e l)], mas, não se mostra provada (nem alegada) a descrição física do prédio cuja propriedade os recorrentes pretendem ver reconhecida, e no caso, não foi demonstrada a identidade entre a coisa reivindicada e a coisa possuída pela recorrida e não opera a presunção legal de propriedade 44. A presunção de titularidade derivada do registo predial releva em relação ao facto inscrito, aos sujeitos e ao objeto da relação jurídica dele emergente, presumindo-se que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição corresponde a um objeto com determinada substância. 45. Tanto a Recorrida como a Recorrente, são titulares de descrição predial [cfr. factos provados sob a) e l)] que reclamam corresponder ao mesmo prédio físico, o que conduz a um conflito de presunções que se anulam reciprocamente, obrigando cada um dos titulares inscritos a fazer a prova da aquisição originária, tanto mais que, ambas as partes invocam e comprovam a aquisição derivada dos respetivos prédios e provam as sucessivas aquisições dos antecessores até BB e marido DD, sem que se tenha demonstrado a identidade entre a coisa reivindicada e a coisa possuída pela Recorrida e não operando a presunção legal de propriedade, o pedido de condenação da recorrente a reconhecer os recorridos únicos e legítimos proprietários tinha que improceder. 46. O Acórdão recorrido, entendeu em sentido inverso, afirmando que “resulta dos factos provados que o espaço físico em disputa corresponde ao prédio inscrito em nome da autora e demais contitulares…” - neste sentido vide, entre outros, Ac. STJ nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1, de 05.05.2016, acontece que o Acórdão recorrido não diz em concreto quais são esses factos provados de onde resulta que o espaço físico em disputa corresponde ao prédio inscrito em nome das Autoras/Recorrida. 47. E, não o diz, pela simpres circunstância de que percorrendo os factos provados, na verdade não consta dos factos provados que o espaço físico em disputa corresponde ao prédio inscrito em nome das Autoras/Recorrida 48. Dos factos provados ee), resulta que os prédios identificados na al. a) e l) destes factos, não correspondem fisicamente ao mesmo prédio, correspondendo a dois prédios distintos e não consta dos factos provados matéria que permitisse ao Acórdão recorrido afirmar, como afirmou “resulta dos factos provados que o espaço físico em disputa corresponde ao prédio inscrito em nome da autora e demais contitulares…”, aliás, dos factos não provados a) e b), até resulta reforçado e evidente o que acima afirmamos e a evidência do erro de julgamento em que incorre também quanto a esta parte. 49. O Acórdão recorrido também incorre em erro de julgamento quando afirma “…afigura-se-nos que essa argumentação encerra uma petição de princípio, porquanto não se provaram actos de posse da recorrente sobre qualquer um dos prédios identificados sob as alíneas a) e l) do elenco dos factos provados, comprovadamente distintos entre si. Acresce que se provou a concreta localização, composição e até a utilização pretérita do prédio identificado na petição inicial, único sobre que versa o litígio, já que o pedido formulado em via reconvencional tinha como pressuposto que o espaço físico do prédio adquirido pela recorrente, identificado na alínea l) do dito elenco, correspondesse ao que a autora reclamava como correspondendo ao seu.” 50. Pois que, quem tinha que provar acto de posse na acção movida era a Recorrida e não a Recorrente, além de que, como acima já se disse, na verdade não foi provada a concreta localização. 51. Para beneficiar da presunção da titularidade do direito, teriam que resultar provados os concretos limites do prédio, acontece que, os limites concretos do prédio não constam dos factos provados, nem podem resultar, pois que não só não foram alegados, como nem sequer consta dos factos provados a identificação física e em concreto do prédio. 52. Como também resulta do citado Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/12/2022 (proc. n.°87/20.0T8FCR.C1), relatado por Maria Catarina Gonçalves, in www.dgsi.pt, “Resultando provados os concretos limites do prédio, a presunção resultante do registo estender-se-á à totalidade da área que esteja incluída dentro desses limites, dispensando o respectivo titular de fazer prova da aquisição (originária) do direito de propriedade em relação a qualquer parcela ou área que esteja incluída dentro daqueles limites e transferindo para a parte contrária o ónus de ilidir essa presunção”, que, não estando provados como não estão os concretos limites do prédio (nem o prédio fisicamente), falece a tese do Acórdão recorrido e o mesmo incorreu em erro de julgamento. 53. A prova da propriedade nunca pode ser alcançada por obra exclusiva da presunção do direito aqui em causa, uma vez que a presunção do artigo 7º do CRP só faz presumir que o inerente direito existe e que esse imóvel é propriedade do titular inscrito, não abrangendo, no entanto, essa presunção os fatores descritivos do mesmo, tais como os seus limites, confrontações, áreas e natureza. 54. Disputando as partes a propriedade do mesmo concreto prédio, os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objeto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção resultante do registo. 55. Perante a inexistência de material fáctico que possa sustentar a aquisição originária da autora e intervenientes principais, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, com as legais consequências - vide, entre outros, Ac. STJ nº5562/09.4TBVNG.P2.S1, de 05.05.2016, in www.dgsi.pt. 56. A sentença de fls. (e o Acórdão recorrido confirmou) condenou a Recorrente a abster-se de perturbar a posse, o uso e fruição inerente ao exercício do direito de propriedade, a não intervir ou entrar no terreno, a dar-lhe qualquer uso ou nele realizar quaisquer obras ou trabalhos, seja de limpeza, desaterro ou outros, ou publicitar, promover, negociar e por qualquer forma alienar ou onerar o imóvel em causa, mas, não o podia fazer e também por isso incorreu em erro de julgamento. 57. Porque, a posse da Recorrida não integra a lista de factos provados e, também porque não reconhece ter a Recorrida alguma vez exercido sobre o prédio qualquer ato de posse praticado de forma contínua, ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, nem que sempre agiu como se fossem proprietários plenos com exclusão de outrem, sendo que, a posse corresponda ao poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do CC) 58. A Recorrida não logrou provar factos integradores da posse de modo a que pudessem fazer valer uma lesão dessa mesma posse, facto que a sentença aliás sublinha quando afirma “a Autora não logrou comprovar quaisquer actos de posse sobre o terreno para além dos dois últimos anos, tomando por referência a data da instauração da ação (19/02/2020).” Nem sequer se pode dizer que o facto de se ter dado como provadas duas intervenções esporádicas sobre o prédio [facto provado sob a alínea u)] é bastante, pela pontualidade com que ocorreram, e pela reação que suscitaram por parte da Recorrente para serem caracterizados como atos de posse. 59. Não basta a prática de um único ato isolado para se evidenciar a posse, sendo essencial a prática de vários atos aquisitivos, ainda que mais ou menos separados no tempo, que estabeleçam uma relação duradoura com a coisa. 60. Em face da ausência de quaisquer factos reveladores da posse da Recorrida (pressuposto da condenação da recorrente a abster-se de perturbar a posse), em flagrante violação do artigo 1251º do CC do CC, a sentença presumiu-o ilegalmente e sem nenhuma base legal, pelo que, o Acórdão recorrido tinha que ter decidido em sentido inverso. 61. O Acórdão recorrido não se pronunciou sequer quanto a esta questão, padecendo aqui de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, c) do CPC, com as legais consequências. 62. O Acórdão recorrido não conheceu das questões suscitadas sobre a matéria da reconvenção, incorrendo aí em nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615º, nº 1, c) do CPC) e/ou em erro de julgamento, com as legais consequências. 63. A Recorrente na Apelação suscitou uma panóplia de questões (supra identificadas) que o Acórdão recorrido nem sequer apreciou e que acima transcrevemos e damos aqui por reproduzido. 63. É manifestamente errado entendimento no Acórdão recorrido quando refere que “..só podia proceder se improcedesse o pedido da autora, na medida em que ambos se reportavam à mesma realidade física” 64. Em face da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida – cfr. factos provados l, m, n, o, p, q, v, z, bb, ff) e considerando o pedido formulado pela RR na alínea b), outra coisa não podia o Acórdão recorrido ter concluído que não fosse a procedência do pedido reconvencional formulado sob a alínea b), e, ao não o fazer incorreu em manifesto erro de julgamento. 65. O Acórdão recorrido também errou quando diz que o pedido reconvencional diz respeito a um outro prédio alheio à acção e que o prédio que serve de fundamento à defesa não é o mesmo que serve de fundamento à acção e que o pedido de reconhecimento de propriedade peticionado pela Ré não respeita, afinal, ao mesmo prédio, e, errou porquanto tais afirmações não têm qualquer correspondência na matéria de facto provada (e não provada) e por outro lado, dos factos provados a) a ff), em momento algum resulta que estamos perante o mesmo prédio. 66. É falso e errado o entendimento vertido no Acórdão recorrido sobre a questão do pedido reconvencional, com as legais consequências. 67. No Acórdão recorrido, o Tribunal “a quo” incorreu, ainda, em erro de julgamento, porquanto: - o Tribunal não tinha como não reapreciar a prova e a matéria de facto impugnada, em vez de se escudar no entendimento que invoca de que é a primeira instância quem está em condições para o fazer - o Tribunal tinha que ter considerado os factos ainda que instrumentais - não é verdade que não exista conexão entre os factos impugnados - também não é verdade que não especificou as afirmações que considera relevantes relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, nem fundamentar em que medida contrariam a apreciação crítica feita pelo tribunal a quo e, nessa matéria o Tribunal “a quo” não só errou na apreciação que faz, como violou o disposto no artigo 5º, nº 2 e 640º e 662º, nº 1 do CPC. 68. Ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido é hoje jurisprudência seguida pelo STJ que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. – cfr. Ac. STJ 23807/21.0T8LSB.L1.S1, de 02.05.2024, em www.dgsi.pt. 69. No que concerne a factos instrumentais, ao contrário do que foi decidido no Acórdão recorrido, nos termos do art.º 5º, nº2, alínea a) do CPC, aplicável ao acórdão da Relação por via do art.º 663º, nº2, deve o tribunal extrair dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa as ilações que se impuserem no sentido da comprovação dos factos essenciais. 70. Ao contrário do que é dito no Acórdão recorrido a Recorrente cumpriu integralmente o disposto no artigo 640º do CPC, pois indicou em concreto os factos, o sentido da alteração e a prova que permite essa mesma alteração. 71. É certo que transcreveu excertos extensos de parte da prova testemunhal, mas indicou sempre os minutos desses excertos que entendeu serem os relevantes e, assinalou a negrito as passagens em concreto que são relevantes 72. A situação em apreço não é reconduzível ou sequer comparável à situação invocada no Acórdão recorrido de que “Não cumpre os ónus previstos no artigo 640.° do CPC, o Recorrente que para um extenso bloco de factos cuja decisão pretende impugnar, remete para um conjunto de depoimentos, deixando ao Recorrido e ao Tribunal o encargo de ter que ouvir as respetivas gravações, em alguns casos na totalidade, para tentar individualizar as eventuais afirmações pertinentes relativamente a cada um dos factos impugnados”. 73. Como resulta do acima exposto e da Apelação, a Recorrente individualizou os factos, transcreveu apenas excertos dos depoimentos gravados, com a indicação dos minutos em concreto, e, indicou o sentido da decisão que devia ser proferida em face dessa prova documental e testemunhal. 74. O regime do artigo 640º do CPC não impede que se faça a transcrição mais ou menos extensa dos depoimentos, sendo que, no caso, essa transcrição ajuda o Tribunal e a parte contrária, pois que permite perceber o encadeamento e a contextualização do que é dito, e a Recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto e especificou a) Os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 75. No que respeita à prova gravada, indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, e, procedeu à transcrição dos excertos que entendeu serem relevantes. 76. Pelo que, não há dúvida que o Acórdão recorrida incorreu em erro de julgamento e violou o disposto no artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC. 77. O Acórdão recorrido também entendeu que não se tinham que considerar nem aditar aos factos provados porque “os pontos de facto alegadamente omitidos [com excepção do que se pretende ver aditado sob a alínea pp), correspondente à alínea h) do elenco dos factos não provados, que será tratado juntamente com os outros pontos de facto alegadamente mal julgados] não devem integrar o elenco dos factos provados, por se reportarem, como a própria recorrente reconhece, a factos instrumentais”, acontece que, em contradição com o que aí diz, na verdade, depois esqueceu-se de levar aos factos provados o que admitiu que se poderia aditar como alínea pp), por outro lado, também erra ao entender que aqueles factos são instrumentais e/ou sendo instrumentais não se podem considerar como a Recorrente defende que deveriam e tal entendimento viola o disposto no artigo 5º, nº 2, a) do CPC. * Os Autores não vierem responder às alegações da Ré. * II. Da admissibilidade do recurso: Quanto à legitimidade, á alçada e à sucumbência não existe qualquer impedimento à admissibilidade do presente recurso de revista, sendo o mesmo admissível face ao disposto no art.º 671º, nº1 do CPC. Como decorre dos autos, no despacho em que se admitiu o recurso não foi fixado o seu efeito e modo de subida. A ser assim, impõe-se fazer notar que nos termos do disposto nos artigos 675º, nº1 e 676º, nº1 “a contrario sensu” do CPC, a revista dos autos tem subida nos próprios autos, sendo o seu efeito meramente devolutivo. Quanto à revista normal importa chamar à colação, desde logo, o que está previsto no art.º 671º, nº3 do CPC, segundo o qual: “Sem prejuízo doas casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida a revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.” Apesar do exposto, é importante não esquecer que não subsiste qualquer dúvida de que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, com violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do artigo 671º, nº3, do Código de Processo Civil. Ou seja, constitui dever específico do Tribunal da Relação exercer efectivamente os seus poderes de reavaliação do juízo de facto emitido em 1ª instância, na sequência da impugnação apresentada pela apelante. Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça. É o que sucede, por exemplo, quando o Tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente referiu encontrarem-se decididos de forma incorrecta; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova. A este propósito refere Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil”, Almedina, 8ª Edição Actualizada, a páginas 487 a 487, o seguinte: “Uma situação, a carecer de intervenção do elemento racional para determinação da resposta mais correcta, respeita aos casos em que é invocada no recurso de revista a violação de normas de direito adjectivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto. Pode acontecer que a Relação rejeite pura e simplesmente a impugnação da decisão da matéria de facto por motivos ligados à falta de identificação dos pontos de facto impugnados, a omissão de indicação dos meios de prova, ou à falta de enunciação da resposta alternativa. Por exemplo, a Relação não admitiu o recurso de apelação na parte em que foi impugnada a decisão da matéria de facto, com o fundamento no incumprimento de alguns dos ónus previstos no artigo 640º; ou, noutro plano que demanda a aplicação do artigo 662º, recusou a apreciação dos meios de prova, a pretexto de alegadas dificuldades ou impedimentos decorrentes dos princípios da imediação ou da livre apreciação de prova. Numa determinada perspectiva mais formal, em tais circunstâncias ocorreria uma dupla conformidade: literal e finalisticamente a Relação teria confirmado nesses casos a decisão recorrida sem voto de vencido e sem fundamentação substancialmente diversa. Todavia, tal conclusão não parece a mais ajustada, já que, relativamente à questão adjectiva relacionado com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos casos em que o acórdão da Relação esteja eivada de erro de aplicação da lei processual a respeito da decisão da matéria de facto. Nessas situações, e noutras similares, em que seja apontada à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspectos, uma efectiva situação de dupla conforme relativamente a tais aspectos de ordem formal, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação. Na substância, este acórdão revelará uma situação de dupla conforme quanto á matéria de direito, mas apenas pelo motivo de estar inquinada de erro decisório relativamente à questão adjectiva situada a montante que tenha condicionado precisamente a decisão da matéria de facto provada e não provada.” Na jurisprudência, ver, entre outros, os seguintes acórdãos: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2020, relator Ilídio Sacarrão Martins, proferido no processo nº 4794/16.3T8GMR.G1.S1, publicado em www.dgsi.pt; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020, relator Tomé Gomes, proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S3, publicado em www.dgsi.pt; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.04.2022, relator Luís Espírito Santo, proferido no processo nº 1916/18.3 publicado em www.dgsi.pt; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2023, relator Oliveira Abreu, proferido no processo nº 2452/18.3T8VRL.G1-A.S1, publicado em www.dgsi.pt. No caso dos autos foi o seguinte o segmento mais relevante e que por isso cabe considerar, da decisão proferida pela Relação: “Sustenta a recorrente que houve erro na apreciação da prova, pugnando pela alteração da redacção de quatro pontos de facto, pelo aditamento ao elenco de factos provados de oito pontos, contendo factos instrumentais que nele foram omitidos, e pela inclusão nesse elenco de um outro ponto transitado do elenco dos não provados, ao qual, por sua vez, deverão acrescer dois pontos indevidamente incluídos naqueloutro. Vejamos. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto. Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 07/04/2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”. Apesar disso, não se pode olvidar que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para a avaliar, surpreendendo no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação, pelo que, como pertinentemente se observou no acórdão desta Relação de 19/12/2023 (proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1), relatado por Maria João Matos, “em caso de dúvida (face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida), deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”. No caso vertente, a discordância da recorrente relativamente à matéria de facto pode ser subsumida a três grupos distintos, a saber: - Pontos de facto a carecerem de rectificação; - Pontos de facto incorrectamente julgados; - Pontos de facto omitidos. Pois bem. Relativamente ao primeiro grupo, englobando os factos vertidos nas alíneas n), t), ff) e w) do elenco dos factos provados, afigura-se-nos que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, os mesmos não estão, total ou parcialmente, em oposição com o teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 14 e 9 e com o documento junto com a contestação sob o número 11. Com efeito, consta da certidão da descrição predial n.º ...35, concretamente do averbamento que lhe foi feito em 04/08/1993, que o prédio a que a mesma se reporta se situava na freguesia de 2 e tinha a área de 1.500 metros quadrados. Por outro lado, é evidente que a interpelação corporizada no documento junto com a petição inicial sob o n.º 9 se reporta ao prédio de que a autora e seus familiares eram titulares na Rua 1, freguesia de 1, não se vislumbrando a que outro prédio poderia dizer respeito senão ao identificado na alínea a) do elenco dos factos provados, sendo certo que terá sido este que, na sequência da dita interpelação, foi limpo, como consta da alínea u) do elenco dos factos provados, não impugnada. Importa ainda salientar que a notificação corporizada no documento junto com a contestação sob o n.º 11 se reporta a um prédio com a mesma localização do anterior, pelo que não infirma minimamente o facto vertido na alínea ff) do elenco dos factos provados, coerente com o vertido na alínea t), que, por sua vez, também se compatibiliza com o vertido na alínea w). Improcede, pois, nesta parte, a impugnação. Prosseguindo. Invertendo a ordem pela qual foi deduzida a impugnação relativa aos restantes grupos, diremos que os pontos de facto alegadamente omitidos [com excepção do que se pretende ver aditado sob a alínea pp), correspondente à alínea h) do elenco dos factos não provados, que será tratado juntamente com os outros pontos de facto alegadamente mal julgados] não devem integrar o elenco dos factos provados, por se reportarem, como a própria recorrente reconhece, a factos instrumentais. Ora, os factos instrumentais são aqueles que permitem inferir, por presunção judicial, os factos essenciais da causa, assumindo uma função puramente probatória e devendo, como tal, ser valorados em sede de motivação da decisão de facto, nos termos do artigo 607º, n.º 4 do CPC – nesse sentido, entre muitos outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2022 (proc. n.º 23994/16.0T8LSB-F.L1.S1), relatado por António Barateiro Martins, em cujo sumário se pode ler que “São factos instrumentais aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais: a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais”. Sendo assim, os sobreditos factos, a terem resultado da instrução da causa, deviam ter sido invocados como argumento para rebater a convicção da julgadora da 1ª instância relativamente à ocorrência ou não dos factos essenciais e não para que, eles próprios, integrassem o elenco dos factos provados. Tem sido esse o entendimento constante da jurisprudência, defendido, entre outros, no acórdão do STJ de 11/07/2019 (proc. n.º 24369/16.6T8LSB.L1.S1), relatado por Tomé Gomes, e no acórdão da Relação de Lisboa de 25/10/2016 (proc. n.º 600/12.6TVLSB.L1-7), relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, no primeiro dos quais se sublinhou que saber se a desconsideração de factos “instrumentais (…) traduz uma correta valoração da prova produzida é questão que só poderá ser ponderada em sede de reapreciação da (…) decisão de facto e não por via do pretendido aditamento (…)” e no segundo que “(…) falece razão de ser ao peticionado (…) no sentido de ser autonomizada a prova” do facto instrumental, cuja pertinência se dilui “e é absorvida na apreciação da prova, ou não prova, de outros factos principais”. Indefere-se, por conseguinte, o aditamento ao elenco dos factos provados da matéria em causa. Resta o segundo grupo, ao qual foram submetidos os pontos de facto que a recorrente considera terem sido incorrectamente julgados e que é integrado pelas alíneas r) e s) do elenco dos factos provados e pela alínea h) do elenco dos não provados. No tocante a este, porém, afigura-se-nos que a recorrente não observou os ónus impugnatórios que sobre si recaíam. Com efeito, esses concretos pontos, juntamente com parte dos factos instrumentais que pretende ver aditados ao elenco dos factos provados sob as alíneas ll), mm), nn) e oo), foram impugnados em bloco, com o argumento de que apresentariam uma “estreita conexão” entre si. E, de facto, a jurisprudência, sublinhando que, em regra, o recorrente deve especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, tem vindo a admitir a impugnação em bloco “quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos” e bem assim quando essa metodologia não obstaculize a percepção da matéria que se pretende impugnar [v.g. acórdão do STJ de 27/10/2021 (proc. n.º 372/19.9T8VFR.P1.S1), relatado por Chambel Mourisco]. Trata-se, aliás, de uma decorrência de um entendimento jurisprudencial mais vasto, há muito sedimentado, de acordo com o qual a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação dos ónus impugnatórios a cargo do recorrente, em nome dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – como se sintetizou, sumariando, no acórdão do STJ de 03/10/2019 (proc. n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2), relatado por Rosa Tshing, “I - Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” Sucede, porém, que no caso vertente, para além do elevado número de pontos de facto impugnados em bloco (considerando aqueles que a recorrente pretendia ver aditados à matéria de facto provada), não existe uma conexão íntima entre eles, até porque uns dizem respeito ao prédio da autora e outros ao prédio da ré. Acresce que esta, ora recorrente, remete para um conjunto de depoimentos, concretamente cinco, transcritos, alguns quase integralmente, ao longo de 21 páginas seguidas, sem especificar as afirmações que considera relevantes relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, nem fundamentar em que medida contrariam a apreciação crítica feita pelo tribunal a quo. Ora, como se afirmou no acórdão do STJ de 05/06/2024 (proc. n.º 299/21.9T8CTB.C1.S1), relatado por Júlio Gomes, “Não cumpre os ónus previstos no artigo 640.º do CPC, o Recorrente que para um extenso bloco de factos cuja decisão pretende impugnar, remete para um conjunto de depoimentos, deixando ao Recorrido e ao Tribunal o encargo de ter que ouvir as respetivas gravações, em alguns casos na totalidade, para tentar individualizar as eventuais afirmações pertinentes relativamente a cada um dos factos impugnados”. Por outro lado, como se pode ler no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 12/09/2017 (proc. n.º 3310/11.8TBALM.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, “I. – Incumbe ao apelante que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: (i) cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) e tentar demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. II. – Assim, não cumpre tal ónus o apelante que se limita a sinalizar acriticamente a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. III. – O incumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida constitui fundamento de rejeição do recurso nessa parte. Essa é também a orientação uniforme do STJ, acolhida, entre outros, nos acórdãos de 14/01/2021 (proc. n.º 1121/13.5TVLSB.L2.S1), relatado por João Cura Mariano, e de 06/07/2022 (proc. n.º 3683/20.1T8VBG.P1.S1), relatado por Mário Belo Morgado, cujos sumários se transcrevem pela ordem por que foram indicados: - “Embora a impugnação da matéria de facto deva, em princípio, especificar, relativamente a cada facto impugnado, quais os meios de prova que justificam um diferente resultado de prova, nada impede que, quando as razões invocadas para a alteração de vários factos, sejam precisamente as mesmas, essa indicação seja dirigida, em bloco, a toda essa factualidade. Necessário é, que seja compreensível quais os meios de prova e quais as razões pelas quais o impugnante sustenta que o resultado da prova, relativamente a esses factos, deve ser alterado”; - “I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art.º 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art.º 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objecto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo. Face ao exposto, rejeita-se a impugnação dos preditos pontos de facto. Importa, nesta fase, por ser a sede própria para o efeito, apreciar, refutando-a, a alegação de que a sentença considerou um facto essencial não alegado, consubstanciado na localização do prédio identificado na alínea a) dos factos provados, em violação do disposto no artigo 5º do CPC. Com efeito, secundando, uma vez mais, o afirmado pela Senhora Juiz a quo no despacho proferido ao abrigo do artigo 617º, n.º 1 do CPC, a factualidade em causa mostra-se alegada no artigo 16º da petição inicial e, embora não conste expressamente de nenhum ponto de facto provado, resulta das alíneas r), s) e u), conjugadas com a alínea t), todas do elenco dos factos provados, salientando-se que a última se reporta a uma interpelação da autora e seus familiares para procederem, como procederam, à limpeza do prédio situado na Rua 1, 1, cuja composição e utilização passada constam das duas primeiras, bem como, inequivocamente, da fundamentação do julgamento da matéria de facto, acima transcrita, o que, como se sublinhou no acórdão do STJ de 21/06/2021 (proc. n.º 7487/11.4TBVNG.P2.S1), relatado por José Rainho, “vale como interpretação autêntica do sentido a dar aos factos considerados provados”. (os sublinhados são nossos) * Tendo em conta o conteúdo das alegações de recurso que sustentam o recurso da Ré/Reconvinte, podemos afirmar que quanto à impugnação da decisão de facto, o mesmo tem no fundo por base as seguintes três questões essenciais: 1ª) A rejeição do recurso por incumprimento dos respectivos ónus de alegação; 2ª) A forma incorrecta como foi julgada o recurso da decisão de facto; 3ª) O modo inadequado como foi indeferido o pedido de aditamento à mesma decisão de determinados factos tidos por instrumentais. Vejamos pois, tais questões, começando pela primeira. Estabelece do seguinte modo o art.º 640º do CPC: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Como resulta da transcrita fundamentação, a Relação escusou-se de conhecer do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por entender a Ré aqui Recorrente e quanto à matéria das alíneas r) e s) dos factos provados, da alínea h) dos factos não provados e parte daquela quer queria ver aditada aos factos provados sob as alíneas ll), mm), nn) e oo), por considerar que a impugnação, quer quanto aos factos quer quanto aos meios de prova, foi feita em bloco tendo por base a argumentação de que apresentariam uma “estreita conexão” entre si, o que no seu entendimento se traduz no incumprimento das regras previstas nas alíneas a) e b) do nº1 do art.º 640º do CPC. A propósito desta questão, que cada vez com mais frequência vem sendo suscitada nos tribunais, importa ter em conta as seguintes considerações: O recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa relativamente a esses factos e, enuncie a decisão alternativa que propõe. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, são sobretudo os limites que devem ser tidos em conta pelo tribunal de recurso quando reaprecia a prova, isto sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se pode considerar relevante para tal reapreciação, atento o disposto no art.º 662º, nº1 do CPC. Assim, o recorrente terá de tomar posição especifica sobre os motivos da discordância, indicando e explicitando de forma pormenorizada, individualizada e minuciosa os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e a decisão que entenda ser a correta, não sendo para o efeito suficiente uma genérica ou exemplificativa afirmação dessa discordância. Por fim, não se pode esquecer que a lei comina a inobservância destes requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de suprimento na parte afectada, nos termos do disposto no artigo 640º, nº1 do CPC. Sabendo nós das inúmeras decisões onde esta questão é tratada, temos como relevante, entre outros, o que ficou decidido no Acórdão do Supremo de Justiça, relatora Catarina Serra, no processo nº6713/19.6T8GMR.G1.S1, em www.dgsi.pt. e onde no respectivo sumário se fez constar o seguinte: “Numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que possa considerar-se observado o ónus da impugnação é preciso que, através das indicações do recorrente dos concretos pontos de facto impugnados e dos meios de prova relevantes para cada um, fique assegurada a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.” No caso dos autos verifica-se ser verdade que a Ré/Recorrente e quanto aos pontos de facto que considera incorrectamente julgados a saber, os das alíneas r) e s) dos factos provados e pela alínea h) dos factos não provados, procedeu à sua impugnação em bloco, justificando tal procedimento com a ideia de que os mesmos teriam entre si uma “estreita conexão”, o que de facto não se verifica É igualmente verdade que na sua alegação a Recorrente se limita a remeter para cinco depoimentos os quais transcreve quase na totalidade, sem contudo realçar os segmentos que tem por mais relevantes considerando cada um dos pontos de facto que impugna e não justificando as razões pelas quais e no seu entendimento tais meios de prova contrariam a apreciação crítica feita pela 1ª instância (neste sentido cf. págs. 6 a 41 das alegações do recurso de apelação). Por outro lado, nas conclusões das mesmas alegações e a este propósito limita-se a dizer o seguinte: “K) A decisão proferida padece de erro de julgamento na fixação da matéria de facto provada suscitando-se a reapreciação da prova indicada, porque o tribunal desvalorizou documentos essenciais e prova testemunhal relevante, até mesmo produzida por testemunhas indicadas pela autora e, por outro lado, validou excessivamente o depoimento de uma testemunha, EE, que tem a actividade de mecânico, não conhece a realidade do local, está ligada à parte da Autora e faz um depoimento cheio de erros, hesitações e com base numa sua interpretação de um estranho documento que afirmou ter-lhe chegado (de forma não menos estranha) às mãos. L) Após a rectificação pugnada pela apelante os factos dados como provados sob n), t) e w) e ff) devem manter-se como provado, nos termos seguintes: n) O referido prédio estava anteriormente descrito sob o artigo ...35 do livro nº 168 da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, constando como situado no Lugar de 3, a confrontar do norte inicialmente com FF (tendo posteriormente sido alterada essa confrontação para GG), do sul com HH e outros, do nascente com parede e de sul com Canos do Fincão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..36. t) No ano de 2018, AA, foi instada pela Câmara municipal de Viana do Castelo para proceder à limpeza do terreno sito na Rua 1, 1, do qual é titular. w) No ano de 2019, na sequência do referido em t) destes factos os Autores tomaram conhecimento que o prédio na Rua 1, se encontrava à venda, a qual era divulgada e promovida pela Agência Entreportas, Imobiliária, Lda. ff) Entre os anos de 2009 e meados de 2018, a ré foi notificada pelas autoridades para proceder à limpeza do prédio sito na Rua 1. M) Os factos dados como provados sob r) [O prédio identificado na al. a) destes factos é um terreno escarpado e rochoso, sem utilidade agrícola ou arvense] e s) [Em tempos idos foi objeto de exploração de inertes usados na construção (daí o nome de P.... e de B....)], devem ser eliminados da matéria de facto adquirida. N) Resultaram da instrução e discussão da causa factos instrumentais, que não foram conhecidos pelo tribunal a quo e devem passar a integrar o elenco dos factos provados porquanto se mostram relevantes para a decisão a proferir, a aditar aos factos provados: gg) Em 1981 II indicou a CC que a proprietária do terreno contíguo ao seu era JJ. hh) Em 1981 CC conjuntamente com JJ colocaram os marcos a definir as confrontações entre os respectivos prédios ii) Aquando da escritura de compra e venda do terreno identificado em l), a Ré/Reconvinte também adquiriu nessa mesma escritura todos os direitos do processo de obras .82/06 emitido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, do qual consta, além do mais, a localização do terreno e fotografias do mesmo jj) O processo de licenciamento (iniciado em 2006 viria a ser deferido em 2016), ou seja, durante 10 anos que a Ré/Reconvinte e seus antepossuidores-proprietários praticaram centenas de actos junto da Edilidade Municipal demonstrativos que eram possuidores e proprietários daquele terreno em concreto, de forma publica, pacifica e de boa-fé, sem oposição de ninguém. kk) O terreno identificado no processo de obras .82/06 como sendo o terreno adquirido pela Ré/Reconvinte, corresponde ao terreno que consta das fotografias da ata de audiência de julgamento de 23.11.2023. ll) Aquando da escritura de compra e venda do terreno identificado em l), a Ré/Reconvinte também adquiriu nessa mesma escritura todos os direitos do processo de obras .82/06 emitido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, do qual consta, além do mais, a localização do terreno e fotografias do mesmo. mm) O processo de licenciamento (iniciado em 2006 viria a ser deferido em 2016), ou seja, durante 10 anos que a Ré/Reconvinte e seus antepossuidores-proprietários praticaram centenas de actos junto da Edilidade Municipal demonstrativos que eram possuidores e proprietários daquele terreno em concreto, de forma publica, pacifica e de boa-fé, sem oposição de ninguém. nn) O terreno identificado no processo de obras .82/06 como sendo o terreno adquirido pela Ré/Reconvinte, corresponde ao terreno que consta das fotografias da ata de audiência de julgamento de 23.11.2023 oo) O terreno objecto da inspecção judicial e constante das fotografias da ata de audiência de julgamento de 23.11.2023 corresponde ao prédio propriedade da Ré/Reconvinte constante do facto provado L) O) Foi indevidamente dado como não provado o facto h) que merece diverso julgamento, devendo passar a integrar o elenco dos factos provados: pp): “O prédio adquirido pela Ré tem a localização, limites e configuração retratada na planta junta como doc. nº 4 com a contestação.” Perante o exposto, deve pois considerar-se que nos autos a Ré/Recorrente não especificou quer no corpo das alegações quer nas conclusões os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, por referência ao consignado na sentença relativamente aos factos provados e não provados, limitando-se a consignar uma versão da totalidade dos factos que considera que deviam ser tidos como provados. Também se deve considerar que na mesma peça processual não indicou com exactidão as passagens da gravação nas quais se fundava o seu recurso de apelação. Conclui-se, assim, que a recorrente não observou o formalismo mínimo legalmente exigido para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo cumprido, quer no corpo das alegações quer nas conclusões, o estabelecido no art.º 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPC. Bem decidiu pois a Relação quando rejeitou o recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto antes melhor identificada. Face ao acabado de expor, impõe-se pois concluir que nesta parte não estamos no caso perante uma das situações supra referidos nas quais e por estar em causa erro de direito na aplicação da lei adjectiva, traduzida no uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto, não poderiam no caso ter eficácia as regras da dupla conforme. Quanto às duas outras questões antes identificadas, o que cabe dizer é o seguinte: Resulta claro da leitura quer do corpo das alegações de recurso na revista dos autos quer nas respectivas conclusões, que aquilo que verdadeiramente constitui objecto da presente revista normal não consiste, em substância e efectivamente, no incorrecto exercício dos poderes de facto por parte do Tribunal da Relação, tal como decorre do previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, mas antes na frontal divergência contra a concreta decisão tomada na referida instância no que toca aos pontos de facto que, no seu entendimento, carecem de rectificação, quanto aos pontos de facto que foram incorrectamente julgados e por fim quanto aos pontos de factos que não foram considerados na decisão proferida. Ora e sabido que quanto a esta matéria – discussão da matéria de facto provada e não provada -, carece o Supremo Tribunal de Justiça da necessária competência, conforme resulta expressamente quer do disposto no artigo 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, quer do preceituado nos artigos 674º, nº 3 e 683º, nº 2, do mesmo diploma legal, não sendo por isso tal matéria ser objecto de recurso de revista. Ou seja, estamos no caso perante uma situação em que há dupla conformidade decisória, que nos termos do artigo 671º, nº3, do Código de Processo Civil, impede a interposição de revista normal prevista no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil. A ser assim, a única via para a possibilidade do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da presente revista consiste na figura da revista excepcional, genericamente prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil, de que a recorrente, igualmente e a título subsidiário, se socorreu. Por fim e quanto às nulidades que a Ré/recorrente também invoca neste seu recurso (cf. conclusões 26 a 36 das alegações), o que cabe referir, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2024, relatora Maria da Graça Trigo, no processo nº 5223/19.6T6STB.E1.S1., em www.dgsi.pt. onde no respectivo sumário se afirma o seguinte: “Não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, as nulidades previstas nas als. b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC só são arguíveis por via recursória se a revista for interposta por via excepcional (art.º 672.º, n.º 1, do CPC) ou nos casos em que o recurso é sempre admissível (art.º 629.º, n.º 2, do CPC).” Ora nos autos e como se verifica, a Relação já se pronunciou sobre as nulidades que foram arguidas, através da decisão proferida a 25.09.2025 (com a Referência 10388154). Em suma e por tudo o que ficou dito, competirá pois à Formação ajuizar da admissibilidade da revista excepcional em conformidade com o disposto no artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil. * III. Decisão: Pelo exposto, decide-se considerar improcedente o recurso de revista normal e ordenar a remessa dos autos à Formação, nos termos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, com vista à apreciação dos pressupostos da revista excepcional. * Custas da revista pela parte vencida a final. * Notifique. * D.N. Lisboa, 27 de Novembro de 2025 Relator: Carlos Portela 1º Adjunto: Emídio Francisco Santos 2ª Adjunta: Isabel Salgado |