Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
50/23.9SULSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO AUGUSTO MANSO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
HOMICÍDIO
AGRAVAÇÃO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, consagrando o direito a um duplo grau de jurisdição, traduzido no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito – art.º 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa-CRP.

II - O artigo 32.º, n.º 1, da CRP, porém, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, ou, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

III - Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos – art.º 400º, n.º 1 al. f), do Código de Processo Penal -, ou, o que é dizer, só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação, no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas únicas ou conjuntas resultantes de cúmulo jurídico.

IV - A irrecorribilidade diz, ainda, respeito a todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão, tais como, a determinação, escolha e medida das penas parcelares.

V - As penas únicas em que os arguidos foram condenados de 10 (dez) anos, e de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro e ainda de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, mostram-se justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapassem a medida da sua culpa.

Decisão Texto Integral:  

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. Pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa–J12, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, onde são arguidos AA, BB e CC, todos melhor identificados nos autos, a 19.12.2024, foi proferido acórdão que decidiu, para o que importa, nos seguintes termos:

a. absolver os arguidos AA, BB e CC, da prática de 2 (dois) crimes de homicídio qualificado na forma tentada, previstos e puníveis pelos artigos 14, n.º 1, 22, 23, 73, 131 e 132, n.º 2, alínea d), todos do Código Penal, agravado pelo n.º 3, do artigo 86, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições);

b. absolver o arguido CC, da prática de 1 (um) crime de uso de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c), do referido Regime Jurídico das Armas e Munições, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º;

c. absolver o arguido AA da prática de 1 (um) crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153, n.º 1 e 155, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

d. absolver o arguido CC do pedido de indemnização civil formulado pela Unidade Local de Saúde de São José, EPE.


*


e. condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, de cada um dos crimes;

f. condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

g. condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.


*


h. condenar o arguido BB, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, de cada um dos crimes;

i. condenar o arguido BB, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

j. condenar o arguido BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. Inconformado com o decidido, interpuseram recurso os arguidos, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 22.04.2025, decidiu:

A-Julgar procedente o recurso interposto pelos arguidos AA, CC e BB do despacho interlocutório, revogando, em consequência, a condenação em custas, no montante de 2UCs.

(…)

B-Julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos AA e BB do acórdão condenatório, confirmando a decisão recorrida.

(…)

1.3. Mais uma vez, inconformados recorrem agora, os arguidos, para o Supremo Tribunal de Justiça juntando motivação onde, a final, formulam as seguintes conclusões:(transcrição)

1 - O PRESENTE RECURSO TEM POR OBJECTO: Medida da pena no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º e 131.º do CP e art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/2 e escolha da pena no crime de detenção de arma proibida, em relação ao arguido BB, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c) e 2 da Lei n.º 5/2006, de 23/2.

2 – Conforme emerge do Acórdão prolatado no âmbito dos autos, em sede de 1ª instância, em 19/12/2024, coma Ref. Citius n.º .......60, foram os arguidos/recorrentes condenados, como coautores e em concurso real, nos subsecutivos termos:

A1) AA, pela prática, na forma tentada, de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, de cada um dos crimes;

A2) AA, pela prática, na forma tentada e de 1 (um) detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

A3) AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

B1) BB, pela prática, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, de cada um dos crimes;

B2) BB, pela prática, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

B3) BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3 Subsecutivamente, por acórdão emanado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/4/2025, com a Ref. Citius n.º ......17, no pertinente, foi julgado improcedente o recurso interposto pelos arguidos AA e BB do acórdão condenatório, confirmando a decisão recorrida.

4 – No recurso, sinalizou-se a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, imutável no que tange aos arguidos /recorrentes no que logrou demonstração em sede de 1ª Instância (que aqui se considera descrita).

MEDIDA DA PENA NO QUE CONCERNE AO CRIME DE HOMICÍDIO AGRAVADO NA FORMA TENTADA, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º e 131.º do CP e art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/2

5 – Nesse âmbito, deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo a medida da pena ultrapassar a medida da pena. De outro lado, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e o tribunal deve atender, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

6 – No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se aqui as vertentes da prevenção geral, negativa e positiva, e da prevenção especial.

7 – Os fins das penas só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa –, e não natureza retributiva.

8 – Na determinação concreta da pena, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

9 – No atinente às exigências de prevenção geral, a pena deve então satisfazer aqui necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária, isto é, deve visar a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo certo que, na órbita do crime aqui em pauta, se fazem sentir necessidades de prevenção.

10 – No parâmetro das exigências de prevenção especial, a pena deve ser “usada” na sua função primordial de socialização, a fim de se obter uma maior conformação do arguido com os padrões axiológicos vigentes.

11 Assuntou-se que:

- As exigências de prevenção geral para o crime em causa não se afiguram elevadas/exorbitantes, em face do contexto da sua ocorrência. - A ilicitude da conduta dos arguidos em sede dos crimes em tela não se afigura superlativa.

- Os antecedentes criminais que o arguido AA regista remontam a 2000, 2001 e 2010, sendo que o arguido BB NÃO REGISTA QUALQUER CONDENAÇÃO.

- Por outro lado, os arguidos mostram-se integrados na Sociedade e na Família, sendo as relações com os elementos do agregado constituído coesas e afectivamente gratificantes.

- O arguido AA recebe visitas regulares dos familiares no Estabelecimento Prisional onde se encontra.

12-Sopesandoa moldura penal abstracta em crise, mediando a mesma entre 2 anos, 1 mês e 18 dias e 14 anos, 2 meses e 20 dias, por equitativa, justa e proporcional, pela prática de cada crime de homicídio simples agravado, na forma tentada, pugnou-se pela fixação:

- Em relação ao arguido AA a pena de prisão de 5 (cinco) anos e 8 (meses).

-Em relação ao arguido BB a pena de prisão de 4(quatro) anos e 8 (meses).

ESCOLHA DA PENA NO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA, EM RELAÇÃO AO ARGUIDO FILIPE ALVES, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c) e 2 da Lei n.º 5/2006, de 23/2.

13 – Afirmou-se a possibilidade de fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente), pelo que se pugna pela aplicação de uma sanção pecuniária, por se revelar suficiente para realizar as finalidades da punição, ao arguido BB, no que tange ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c) e 2 da Lei n.º 5/2006, de 23/2.

14 – Sopesando que a actuação dos arguidos revela, no seu conjunto, uma intensidade de ânimo contrário ao direito que não pode qualificar-se de persistente na medida em que se está perante um acto episódico e que no contexto dos crimes em apreciação a ilicitude da conduta dos arguidos não se afigura exorbitante, tudo visto e ponderado, nos termos do art.º 77.º, n.º 1 do CP, entende-se como adequada:

º Em relação ao arguido AA uma pena única a fixar em 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas.

º Em relação ao arguido BB uma pena única a fixar em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas.

15 - Não se pode deixar de concluir que o Tribunal recorrido, ao fazer uma aplicação espúria dos princípios que preordenam as necessidades de prevenção geral e especial, proferiu uma decisão inçada de clara violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, porquanto a punição utilizada (a pena concreta e escolhida) é desproporcionada/desarrazoada em relação aos fins de prevenção, especial e geral, requisitados pelo caso concreto.

16 - Por não se conformar com o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o Acórdão inquina da correspondente inconstitucionalidade, que ora se invoca.

17O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, violou o estabelecido nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.º 2 da CRP, 40.º, 70.º e 77.º do Código Penal.


*


NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO NOS EXACTOS TERMOS DEFINIDOS NA PRESENTE PEÇA.

Consequentemente:

Deverão ser reduzidas, nos termos pugnados, as penas parcelares de prisão aplicadas aos arguidos no que concerne aos crimes de homicídio agravado na forma tentada, reformulando-se o respectivo cúmulo jurídico de acordo com o aduzido, e ser aplicada ao arguido BB uma pena de multa no que concerne ao crime de detenção de arma proibida DESSA FORMA, SERÁ FEITA A TÃO PEDAGÓGICA JUSTIÇA.”

1.3. Ao recurso respondeu a Senhora Procuradora Geral Adjunta no Tribunal da Relação, pronunciando-se pela improcedência do recurso, concluindo:

(…)

“Em consonância com todo o exposto, manifesto se revela sufragarmos dever-se concluir que o recurso interposto deve ser considerado improcedente, devendo ser mantido, nos seus precisos termos, o Acórdão recorrido, com o que farão Vªs. Excelências, como sempre, Justiça.”

1.4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer onde conclui que, porque “as questões acerca das quais existiu já decisão concordante da Relação não” podem “ser reanalisadas, concretamente no que se refere à espécie e medidas das penas parcelares, por inferiores, todas elas, a 8 anos de prisão.

Todos esses aspetos mostram-se fixados por força da dupla conforme. Pelo que o recurso, no que a estes aspetos concerne, deverá ser rejeitado.”

Assim, apenas “[s]ubsiste, como passível de ser apreciada no presente recurso, a matéria respeitante às penas únicas aplicadas aos arguiudos em cúmulo jurídico, por superiores a 8 anos de prisão.”

Quanto a esta parte (única que entendemos dever ser analisada por este Supremo Tribunal de Justiça, pelos motivos atrás referidos), deverá ser julgado improcedente o recurso, sendo mantida, na íntegra, a decisão recorrida.”

1.5. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, apresentaram os arguidos a seguinte resposta:

“1 – No respetivo Parecer, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no recortado de uma questão prévia, nos termos do adjetivado nos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, alínea b), pugnou pela rejeição parcial do recursointerposto pelos oras Respondentes, no segmento em que exorbita da impugnação referente à medida da pena única.

2 – Relativamente a tal obtemperação, entende-se que não assiste razão ao Digno Procurador-Geral Adjunto.

Senão veja-se.

A problemática em tela justapõe-se à exegese atinente ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que dispõe não ser admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Com a sobredita alínea, pretendeu-se adstringir o triplo grau de jurisdição aos casos de maior merecimento penal – nesse recortado, permite-se, então, a recorribilidade da dupla conforme.

Diante da sinalizada redação, numa interpretação a contrario, conclui-se que, no caso de a Relação, em recurso, proferir acórdão condenatório que confirme decisão de 1.ª instância, é admissível recurso para o Supremo Tribunal, contanto que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos: é, pois, a superior gravidade da condenação, com privação da liberdade que exceda 8 anos, que enseja a intervenção de uma terceira instância.

“Agora é omitido esse sintagma [“mesmo em caso de concurso de infrações”], o que, face aos antecedentes jurisprudenciais, parece apontar para que diversamente se deva entender que o limite de 8 anos se refere à pena aplicada, seja em caso de infracção única, seja em caso de cúmulo jurídico.” (1 - Veja-se Simas Santos/Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª Edição, Rei dos Livros, 2020, pp. 45-46).

Ora, sendo certo que o punctum saliens se consolida aqui na pena efetivamente aplicada e na respetiva gravidade, o Supremo Tribunal de Justiça deve conhecer, no caso em pauta, as questões de direito que lhe sejam submetidas no recurso interposto (designadamente a medida da pena referente às penas parcelares) e as que deva conhecer ex officio, que estejam correlacionadas com os crimes cogitados nos presentes autos, em cujo apartado foi aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena superior a 8 anos de prisão – concretamente: 10 anos de prisão, relativamente ao arguido AA; e 8 anos e 6 meses de prisão, pelo tocante ao arguido BB

Pode, por conseguinte, inferir-se, que o legislador, na envolvência de um condicionalismo correspondente ao dos presentes autos, não quis, de facto, arredar/apartar a possibilidade de o recurso ter a predita amplitude.

Tanto vale por dizer que os brocardos latinos ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus [onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir], verba cum effectu sunt accipienda [não se presumem, na lei, palavras inúteis] e uni lex voluit dixit, ubi noluit, tacuit [quando a lei quis, dispôs, quando não, calou], têm aqui uma plena e axiomática aplicação.

É também essa a inteleção de Helena Morão e Paulo Pinto de Albuquerque (2- 2 - Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Comentário do Código de Processo Penal, Volume II, 5.ª edição actualizada, UCP Editora, 2023, pp. 575-576, nota 13. (também assim, SIMAS SANTOS, 2008b: 362)., ao afirmarem o seguinte:

“No caso de concurso de crimes é relevante a pena conjunta aplicada. A supressão na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º da expressão "mesmo em caso de concurso de infrações" pela Lei n.º 48/ 2007 poderia dar azo a interpretação diversa, no sentido da relevância da pena concreta aplicada a cada crime, havendo concurso de crimes. Mas esta interpretação seria inconstitucional, por violar o direito ao recurso do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Com efeito, a interpretação segundo a qual, em caso de concurso de crimes, só há recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem, pelo menos, a um dos crimes pena de prisão superior a oito anos poderia ter o efeito nefasto de impedir a recorribilidade para o STJ de um acórdão do TR que confirmasse uma pena conjunta de 25 anos de prisão, desde que o acórdão da primeira instancia tivesse condenado cada um dos crimes em concurso com pena ate oito anos de prisão. Constituiria uma inadmissível restrição das garantias de defesa que o STJ estivesse arredado de conhecer este recurso, atenta a gravidade das consequências jurídicas da atividade criminal do arguido. Portanto, é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al f) que vede o recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem a cada um dos crimes em concurso penas concretas inferiores a oito anos de prisão, mesmo que a pena conjunta seja superior a oito anos de prisão. Por outro lado, após oposição de julgados, o acórdão do TC n.º 186/2013 não julgou inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al.ª f), segundo a qual, "havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão" (ver ainda os acórdãos do TC n.os 269/2014, 107/2015, 239 /2015, 516/2015, 212/2017 e 599/ 2018). Porém, esta orientação colide efetivamente com a proibição de analogia desfavorável e o direito ao recurso (artigos 29.º e 32.º, n.º 1, da CRP), pois o que esta em causa não é a leitura possível da expressão "pena de prisão" desta alínea f) enquanto pena única ou pena parcelar, mas a circunstância de os critérios de recorribilidade dos artigos 399.º e 400.º, n.º 1, se referirem às decisões no seu conjunto, só podendo o objeto do recurso ser restringido, nos casos legalmente previstos e por vontade do recorrente (artigos 402.º e 403.º; assim, corretamente, o acórdão do TC n.º 590/2012, revogado pelo acórdão do TC n.º 186/2013, e, na doutrina, SANDRA OLIVEIRA E SILVA, 2014: 296-297, BRUNA RIBEIRO DE SOUSA, 2020: 446 e ss. E 457 e ss., e MARIA JOAO ANTUNES, 2022: 231-232).”

No mesmo exato alinhamento, Hugo Luz dos Santos (3- Hugo Luz dos Santos, Código de Processo Penal – Anotado e Comentado, Volume V, Tomo II; Nova Causa, Edições Jurídicas, 2023, pp. 33-40, máxime pág. 37, § 49) expendeu as subsecutivas observações: “Perfilho a tese segundo a qual o marco juridicamente relevante para recorribilidade para o Supremo Tribunal, quando esteja em causa concurso efectivo de crimes, é a pena única conjunta concretamente determinada após o competente cúmulo jurídico realizado pelas instâncias. A recorribilidade autónoma de cada uma das penas parcelares significa deixar fenecer o axioma jurídico segundo o qual estas – as penas parcelares – perdem autonomia com a realização do cúmulo jurídico, que pavimentará o caminho para a pena única conjunta.”

Desta sorte, dissente-se, na totalidade, do posicionamento assumido pelo Digno Procurador-Geral Adjunto – no consectário, devem ser também apreciadas as penas singulares/parcelares aplicadas.

3 – Ad ultimum, persiste o pleno valimento das cogitações tecidas, no recurso, acerca dos sequentes tópicos: da escolha da pena atinente ao crime de detenção de arma proibida, em relação ao arguido BB; da medida da pena; e do cúmulo jurídico.

4 – Na defluência do aduzido, deve, então, ser prolatada decisão em assonância com o solicitado no recurso.”

1.6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – art.ºs. 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

2. Fundamentação

2.1. Factos.

2.1.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

“1. No dia 05 de outubro de 2023, o arguido AA, adiante designado por arguido AA, comunicou à sua companheira DD que não queria continuar a relação com a mesma.

2. Nesta sequência, DD foi acolhida na casa dos ofendidos EE e FF, seus pais, situada na Rua 1

3. No mesmo dia, os ofendidos e a filha DD decidiram pernoitar noutra residência, na ..., a fim de evitar outros conflitos com o arguido AA e seus familiares.

4. No dia 06 de outubro de 2023, cerca das 07 horas, os ofendidos regressaram à zona da residência de ambos.

5. Para o efeito, deslocaram-se no veículo automóvel, com a matrícula V1, conduzido pelo ofendido.

6. Ao chegar à estrada junto das traseiras da residência, o ofendido imobilizou o veículo e saiu do mesmo, tendo a ofendida permanecido sentada no lugar do passageiro do lado direito.

7. Nessa ocasião, os arguidos AA e BB, adiante designado arguido BB, encontravam-se no interior da residência do arguido BB, sita na Rua 2, ao se aperceberem da presença dos ofendidos no local, munidos de duas espingardas, ambas de calibre 12, uma das quais da marca “Benelli”, série n.º Z....02 e outra de marca e modelo desconhecidos, bem como de uma pistola da marca “Astra”, de calibre 6.35mm, sem número de série visível, efetuaram pelo menos 30 (trinta) disparos, 10 (dez) com as espingardas e 20 (vinte) com a pistola, na direção dos ofendidos, logrando atingir a ofendida na cara.

8. Em consequência direta e necessária dos disparos efetuado pelos arguidos AA e BB, com as espingardas, a ofendida sofreu hematoma da hemiface esquerda com 2 (duas) portas de entrada a nível mandibular e dor a nível da mão direita e ombro direito edema/hematoma do lábio inferior à esquerda e região do corpo mandibular esquerdo, com 2 (duas) portas de entrada cutâneas milimétricas; no lábio inferior porta de saída na mucosa e nova ferida (provável porta de entrada junto ao canino do 3º quadrante).

9. Um dos disparos efetuado com a pistola antes referida, impactou a porta dianteira direita do veículo automóvel onde a ofendida se encontrava sentada, a cerca de 110 cm (cento e dez centímetros) do solo e 90 cm (noventa centímetros) da frente do mesmo e ficou alojada no respetivo forro e outro, o puxador da referida porta da referida.

10. Já os disparos efetuados com as espingardas, um atingiu a parte superior, junto à porta dianteira do lado direito do mesmo veículo, a cerca de 190 cm (cento e noventa centímetros) do solo.

11. A ofendida foi assistida no local pelo INEM e, posteriormente, no Hospital de São José, em Lisboa, para onde se dirigiu por meios próprios.

12. Após os disparos, os arguidos abandonaram o referido imóvel, dirigiram-se ao imóvel de GG, sita na Rua 3, onde o mesmo não se encontrava e ali ocultaram as armas utilizadas.

13. No citado imóvel, a Polícia Judiciária apreendeu o seguinte:

- 4 (quatro) cartuchos por deflagrar, de calibre 12, com inscrições "FIOCCHr e 12 (doze) munições, com inscrições "GFL" e "6.35"mm, no chão da sala do 4"A, do Lote B4;

- 1 (um) cartucho por deflagrar, de calibre 12, com inscrição “FIOCCHr, no chão da sala;

- 1 (um) cartucho por deflagrar, de calibre 12, com inscrição “FIOCCHf’, na mesa da sala;

- 1 (uma) caçadeira, de calibre 12, cano único da marca "BENELLI", com n.° série z1o4go2, contendo 5 (cinco) cartuchos por deflagrar com as inscrições “FIOCCHr;

- 1 (uma) pistola de calibre 6.35 mm, da marca ASTRA”, sem n.º de série visível, com 1 (um) carregador contendo seis (6) munições, com inscrições “GFL 6.35", no teto falso da casa de banho do 4ºA, do Lote B4;

- 3 (três) cartuchos por deflagrar, calibre 12, com a inscrição "FIOCCHI", no sofá da sala;


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14. A espingarda da marca “Benelli”, série n.º Z....02, trata-se de uma arma de fogo, de repetição, por atuação manual no fuste (“pump action”).

15. A pistola da marca “Astra", trata-se de uma arma de fogo semiautomática de movimento simples (ação simples), de calibre 6,35mm “Browning”.


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16. Os arguidos AA e BB agiram com o propósito de molestar o corpo e a saúde dos ofendidos, bem sabendo que os disparos efetuados indiscriminadamente pelas armas de fogo que utilizavam, eram aptos a atingirem zonas vitais dos corpos dos ofendidos e a tirar-lhes a vida, o que quiseram.

17. Os arguidos AA e BB conheciam a natureza das armas que detinham e ainda assim quiseram usá-las, como efetivamente usaram, para efetuar disparos contra os ofendidos.

18. Os arguidos AA BB agiram livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.


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19. Os arguidos AA e BB não são titulares de licença de uso e porte de arma.

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20. A demandante Unidade Local de Saúde de São José, EPE, é uma pessoa coletiva de direito público integrada no Serviço Nacional de Saúde.

21. A assistência referida em 11. dos factos provados teve um custo de € 141,11 (cento e quarenta e um euros e onze cêntimos).


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22. Do certificado do registo criminal do arguido AA consta:

a) a condenação, datada de 31 de maio de 2001, pela prática, em 21 de setembro de 1998, de 1(um) crime de roubo qualificado, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 210, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova.

b) a condenação, datada de 11 de junho de 2003, transitada em julgado em 26 de junho de 2003, pela prática, em 26 de julho de 2000, de 1 (um) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão. Por realização de cúmulo jurídico entre esta pena e a anterior, veio a ser condenado numa pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

c) a condenação, datada de 11 de fevereiro de 2013, transitada em julgado em 24 de outubro de 2013, pela prática, em 29 de outubro de 2010, de 1 (um) crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.

Por despacho judicial datado e 21 de setembro de 2016, a pena de prisão suspensa na sua execução foi declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 57, do Código Penal.


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23. Do certificado do registo criminal do arguido BB nada consta.

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24. O arguido AA viu o seu processo de socialização ocorrer no Bairro 1, na freguesia de Marvila, Chelas, na zona oriental de Lisboa, integrado num agregado familiar de etnia cigana, composto pelos seus progenitores e uma fratria de 11 (onze) irmãos.

25. Tratava-se de um agregado familiar de classe baixa, sendo que o progenitor se dedicava à venda ambulante, enquanto a sua progenitora era doméstica, cuja sobrevivência dependia, maioritariamente, de apoios sociais.

26. Ao nível escolar, o arguido AA concluiu o 4º ano de escolaridade, vindo a frequentar um curso de serralharia, com o propósito de trabalhar no ramo da construção civil, onde nunca chegou a exercer atividade.

27. No início da idade adulta, adotou comportamentos de risco, na sua zona residencial, vindo, então, a ter os primeiros contactos com o Sistema da Administração da Justiça, cumprindo uma pena de prisão entre 11 de junho de 2003 e 10 de dezembro de 2006.

28. Em contexto prisional manteve um trajeto positivo, trabalhando e beneficiando de RAI.

29. Em liberdade, reuniu-se com a família de origem, no bairro 2, em Olivais Norte, onde conheceu a sua companheira DD, com quem mantém relação há 18 (dezoito) anos, vindo a constituir agregado familiar próprio e a ter 4 (quatro) filhos em comum.

30. No plano laboral exerceu apenas atividade de vendedor ambulante em mercados e mais recentemente na compra e revenda de automóveis, sempre de modo precário e irregular, imputando a precariedade à discriminação da etnia de que faz parte.

31. À data dos factos sub judice, o arguido AA, integrava o agregado familiar que constituiu com a sua companheira e os seus 4 (quatro) filhos, com idades entre os 17 (dezassete) e os 6 (seis) anos.

32. Residiam na Rua 4, bairro 2, em Olivais Norte, cuja habitação é gerida e atribuída pela ... a famílias desfavorecidas.

33. Trata-se de uma zona conhecida pela existência de problemáticas sociais e delinquenciais.

34. A situação económica da família dependia de apoio da Segurança Social, com um RSI de cerca de € 500 (quinhentos euros) mensais, e dos rendimentos auferidos como vendedor ambulante em mercados municipais e com o comércio de veículos automóveis a particulares, através de plataformas on-line que rendiam cerca de € 600 (seiscentos euros) a € 800 (oitocentos euros) mensais – tudo numa atividade fiscalmente não declarada.

35. O agregado familiar mantinha como principal encargo fixo a renda da habitação, no valor de € 350 (trezentos e cinquenta euros) mensais.

36. Mantiveram, ao longo dos anos, uma relação de proximidade e convivência com ambas as famílias de origem, nomeadamente os sogros, ofendidos nos presentes autos, residentes no mesmo prédio e com o pai e irmãos do arguido AA, residentes em zona próxima.

37. A família alargada do arguido AA e da sua companheira é oriunda da zona da ....

38. À data dos factos, o arguido AA experienciava uma situação de conflito com a companheira e com o progenitor desta, em virtude de uma relação extraconjugal que mantinha com uma rapariga de etnia não cigana, residente noutro bairro, o que levou igualmente a situação de tensão entre ambas as famílias.

39. Tal situação obrigou mesmo que o progenitor do arguido AA saísse da zona residencial, com receio de represálias.

40. Em prisão preventiva, o arguido AA tenciona, uma vez em liberdade, regressar ao seu agregado, junto da companheira e dos filhos, porquanto o conflito se encontra sanado e ambas as famílias decidiram continuar a relacionar-se, atendendo aos laços familiares.

41. O arguido AA orienta-se pelos valores, tradições e ritos da sua etnia, mantendo laços estreitos com a sua família de origem, da qual já não faz parte a sua progenitora, que faleceu há 6 (seis) ou 7 (sete) anos, vítima de doença prolongada.

42. O arguido AA respeita as regras prisionais, beneficiando de visitas regulares por parte da companheira e dos filhos, que residem na casa da família, no mesmo prédio dos progenitores da companheira.

2.1.2. Factos não provados:

1. No dia referido em 1. dos factos provados, cerca das 06 horas, os ofendidos EE e FF encontravam-se na residência de ambos, sita na Rua 5, quando lhes bateu à porta o arguido AA, acompanhado da companheira DD, filha dos ofendidos, para ali a deixar.

2. O arguido AA abandonou o local, e enquanto o fazia, dirigindo-se ao ofendido aos gritos dizia: “vou-te matar paneleiro, tens de desaparecer daqui senão eu mato-te”.

3. Aquando do referido em 3. dos factos provados, outros familiares também decidiram pernoitar noutra residência.

4. Aquando do referido em 4. dos factos provados, os ofendidos decidiram regressar à residência de ambos.

5. Aquando do referido em 12. dos factos provados, os arguidos AA e BB abandonaram o imóvel em 2 (dois) veículos automóveis, um de marca “Lancia”, de cor azul, com a matrícula V2, propriedade do arguido BB e outra da marca “BMW”, com a matrícula V3, registada em nome de HH, pai dos arguidos.

6. Aquando do referido em 16. dos factos provados, os arguidos AA e BB admitiram como possível conformando-se com tal resultado.

7.O arguido AA agiu ainda com o propósito alcançado de intimidar o ofendido, anunciando que o matava, o que conseguiu, já que este ficou amedrontado com tal atitude, perturbado no seu sossego e tranquilidade, com receio de que o arguido pudesse, naquela noite, concretizar o que anunciava e atingir a sua integridade física ou a sua vida, tanto mais que nessa noite não dormiu na sua residência.

8. O arguido CC teve participação dos factos provados.

9. Os primeiros autores dos disparos foram os ofendidos.

2.1.3.O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:

A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova que infra se descreverá, tendo em conta as declarações dos arguidos, os depoimentos das testemunhas, os documentos, exames judiciários e relatórios de exame pericial e ainda as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos.

(…)

Concretizando:

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados em:

1. atendendo às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023.

Ainda a este respeito, acrescentou que o propósito de por termo à relação decorre do facto de pretender assumir uma relação afetiva com uma mulher fora da sua etnia cigana, o que não foi aceite pela companheira DD e pelos pais da mesma, o que é corroborado pelo teor do Relatório Social, o qual foi considerado de acordo com a posição expressamente assumida pela defesa.

2. atendendo, igualmente, às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023 e, bem assim, no teor do auto de notícia de fls. 48 a 50 (considerado apenas quanto à identificação dos intervenientes) em articulação com as informações do registo civil de fls. 55 e 70.

3. atendendo novamente às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023, que salienta ter conhecimento que os ofendidos foram pernoitar em casa de familiares, na zona da ..., onde também o arguido AA tem familiares, que disso o informaram.

4. considerando o registo fotográfico integrado no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, que nos dá conta da presença do veículo de cor branca, de marca Citroen, com a matrícula V1 e de ambos os ofendidos, e de toda a prova articulada entre si, que confirmam a presença dos ofendidos no local - zona da sua residência.

5. atendendo às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023, articulado com o registo fotográfico integrado no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, acima referidos e da restante prova articulada entre si.

6. atendendo, mais uma vez, às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023.

As lesões sofridas pela ofendida, demonstradas fotográfica e clinicamente nos autos (cfr. “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, fls. 11 e 132) dão conta precisamente do lugar que ocupava não apenas no veículo, mas também na via pública em questão, sendo que as regras da experiência comum também permitem que se forme convicção a este respeito, uma vez que a cultura própria da etnia em questão nos leva a concluir que havendo um indivíduo do sexo masculino habilitado a conduzir é este quem assume a direção efetiva do veículo, para mais sendo membro do casal em questão.

7. atendendo novamente às declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial, que teve lugar no dia 13 de outubro de 2023, articulado com a ficha de registo automóvel de fls. 44, que nos dá conta que o veículo de marca Lancia, com a matrícula V2, foi registado em nome do arguido BB em data anterior ao registo da sua aquisição - 24 de agosto de 2023 - com referência a tal morada.

Ainda que ninguém o dissesse, seria evidente que os arguidos AA e BB se aperceberam da presença dos ofendidos no local, razão pela qual todo o episódio teve lugar.

Considerando o relatório da balística, de fls. 739 a 762, resulta evidente a existência de 2 (duas) espingardas, ambas de caibre 12, uma das quais de marca “Benelli”, série n.º Z....02, outra de marca de modelo não apurados, bem como de uma pistola de marca “Astra”, de calibre 6,35 mm, sem número de série visível, no local.

Aliás, o arguido AA admite a existência das 2 (duas) armas de fogo apreendidas e identificadas no relatório da balística. Acrescentando inclusive nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório que ambas eram suas, uma por via “hereditária”, antes pertencente a um tio já falecido (espingarda) e outra, a pistola, adquirida por si na Feira da Ladra.

Tudo isto, apesar de contraditório nas suas declarações, ora dando a entender que a primeira arma serviria para defesa do seu progenitor, residente na fração autónoma sita na Rua 2, ora afirmando que eram, ambas, para sua defesa pessoal, contudo ali estando porque em sua casa tem crianças.

Afirme-se, desde já, que tal ambiguidade lógica, articulada com as regras de experiência comum do modo de atuação da comunidade de etnia cigana - facilidade com que aportam armas de fogo - o número de munições detidas e o modo como procuraram ocultar as armas de fogo logo após a sua utilização, permitem concluir-se pela inverosimilhança das declarações do arguido AA nesta parte.

Ao associamos a isto o quanto foi declarado pelo arguido AA, que havia um conhecimento amplo de ambas as famílias envolvidas sobre a localização de cada um dos seus membros e movimentações de e para o bairro da residência dos ofendidos, fácil é de concluir que quer os ofendidos podiam saber onde os arguidos se encontravam, como igualmente fácil era para os arguidos saberem que os ofendidos se dirigiam para lá e, por isso, aguardar pela sua chegada.

Ainda a propósito da inverosimilhança das declarações do arguido AA importa salientar que não faria qualquer sentido se afirmar, como afirmou o arguido AA, que acordou com o ofendido a gritar: “Oh AA!” e começar a disparar quando o mesmo veio à janela. E isto porque, não faria sentido:

a) ser o ofendido o primeiro a disparar, quando sequer imobilizou o veículo em frente ao lote onde estava o arguido AA, o que dificultaria muito a iniciativa do “ataque”;

b) ser o ofendido a disparar quando no interior da cabine do veículo, com a ofendida como passageira, no meio da linha de fogo;

c) estar o veículo atingido maioritariamente na sua parte lateral direita frontal, quando o ofendido estaria na parte traseira, com a porta traseira direita aberta a fazer fogo e simultaneamente a proteger-se (pergunte-se, já agora, do quê, senão do ataque dos arguidos AA e BB).

Mais ainda, não é verosímil serem os ofendidos a iniciar uma ação hostil, sabendo que facilmente os membros da etnia cigana têm acesso a armas de fogo, principalmente se tal ação hostil se dirige a arguidos “entrincheirados” no interior de uma casa de alvenaria, num ponto sobrelevado e, por isso, mais adequado a efetuar um ataque.

A probabilidade de os ofendidos perderem essa “guerra” era, com as armas de fogo empregues, significativamente maior do que o inverso acontecer. Bastava os arguidos AA e BB se manterem no interior do imóvel, para que os ofendidos não fossem bem-sucedidos, havendo mais armas de fogo envolvidas, correriam sério risco de vida ao voltarem a tentar sair da proteção conferida pelo veículo de marca Citroen, e acreditarem na possibilidade de ser dirigirem para casa em segurança em qualquer momento futuro.

Também não faz sentido o que o arguido AA afirma de disparar com uma arma e depois com outra por terem acabado as munições, porque ficou fotográfica e pericialmente demonstrado que as munições não acabaram, estavam no chão inúmeras munições por deflagrar - “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236.

Mais ainda o relatório da balística, de fls. 739 a 762, demonstra que boa parte dos cartuchos deflagrados (os itens 18., 33, 51. a 55. não foram disparados pelas armas de fogo identificadas como itens 11. e 61. - armas de fogo longas apreendidas ao ofendido e aos arguidos, respetivamente) não foi disparada por nenhuma das armas de fogo apreendidas, pelo que existiu, pelo menos, mais uma arma de fogo longa e até mesmo mais uma arma de fogo curta que efetuou disparos, em virtude das “exclusões” demonstradas no aludido relatório.

Eram, por isso, pelo menos duas as armas de fogo longas na posse dos arguidos AA e BB, considerando o número de cartuchos deflagrados e que, por força da lei física absoluta da gravidade, caíram ao solo no exterior do edifício onde os arguidos se encontraram, ao serem projetadas da câmara.

Mais ainda, a frescura dos vestígios biológicos atribuídos ao arguido BB dão-nos conta que, por um lado, manipulou o carregador da pistola - onde não foram encontrados vestígios biológicos do arguido AA, outro autor dos disparos, e que, após ferimento, se deslocou de uma zona mais próxima da janela de uma das divisões da habitação para a sua saída, justificando o ferimento que tenha saído do local ferido pela troca de tiros ou estilhaço provocado pela rutura do vidro da janela, e nesta “saída” tenha deixado para traz as chaves e documentos de identificação civil e automóvel.

O que não faz sentido são as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB, segundo as quais este último apenas se limitou a demover a ação daquele e sair do local acompanhado pela companheira e pelo pai. Reitere-se, se houvesse sido o arguido AA quem manipulou o carregador da pistola, não seriam os vestígios biológicos do arguido BB os encontrados, mas antes os daquele - cfr. relatório de exame pericial de fls. 272 e 273.

De acordo com os critérios da lógica, das regras da experiência comum e normalidades das coisas, para mais no seio de uma comunidade que se pauta pela sua agregação, não fazem sentido as declarações dos arguidos AA e BB quando prestadas no sentido de desresponsabilizar o arguido BB do local, porquanto o arguido BB, encerrado no interior da sua habitação, estaria seguramente mais seguro, assim como a sua companheira e o seu pai, do que sair do seu interior e aventurar-se para a via pública de onde e para onde eram efetuados disparos.

Quiseram os arguidos, com declarações concertadas, prestadas uma semana depois dos acontecimentos, proteger criminalmente o arguido BB (o mais novo de todos eles), quando ficou por perceber inclusive a forma como se feriu no episódio, revelando precisamente a coesão familiar que as declarações procuraram por em causa - como se o problema de um dos seus membros não fosse o problema sentido por todos os membros da comunidade, como sucede nesta comunidade e etnia.

Por conseguinte, o Tribunal formou a convicção que quer o arguido AA, quer o arguido BB foram autores dos disparos, que ocorreram através das janelas de duas divisões da fração voltadas para a Avenida 1, até porque os vestígios balísticos que foram identificados, o afastamento das cortinas e o número de armas de fogo (pelo menos três) assim o ditam e não por terem faltado munições, pois continuaram a encontrar-se muitas ainda por deflagrar.

Do relatório da balística, de fls. 739 a 762, resulta, em suma, que:

a) a arma de fogo apreendida aos ofendidos (identificada como item 11. - espingarda) não foi responsável pela deflagração dos cartuchos infra identificados como itens 18., 33. e 51. a 55.

b) a arma de fogo apreendida aos arguidos (identificada como item 61. - espingarda) foi responsável pela deflagração apenas dos cartuchos infra identificados como itens 34., 37. e 38. - apenas três.

c) a arma de fogo apreendida aos arguidos (identificada como item 64. - pistola) foi responsável pela deflagração apenas dos invólucros infra identificados como itens 35. e 50. - apenas dois.

d) o carregador apreendido aos arguidos (identificado como item 48.) estava em boas condições.

e) as 21 (vinte e uma) munições (por deflagrar) apreendidas (identificadas como itens 45., 46., 49., 58. e 65.) são compatíveis com a arma de fogo item 64..

f) os 45 (quarenta e cinco) cartuchos carregados (por deflagrar) apreendidos (identificados como itens 9., 10., 12. a 17., 44., 47., 56, 57., 59., 60., 62., 63. e 66.) têm calibre 12., estavam aptos a deflagrar e são compatíveis com as armas de fogo itens 11. e 61.

g) dos 22 (vinte e dois) invólucros apreendidos (identificados como itens 19. a 32., 35., 36., 39. a 43. e 50.), 18 (dezoito) - os identificados como itens 19., 20., 22. a 28., 30. a 32., 36. e 39. a 43. foram disparados pela mesma arma.

h) os 10 (dez) cartuchos deflagrados (identificados como itens 18., 33., 34., 37., 38. e 51. a 55.) têm calibre 12., sendo que os itens 18., 33, 51. a 55. não foram disparados pelas armas de fogo identificadas como itens 11. e 61. - donde existia no local outra espingarda de calibre 12.

i) o projétil (identificado como item 8.) não foi deflagrado pela arma de fogo item 64.

j) as buchas (identificadas como itens 1., 2., 3., 4., 5.) provêm de um cartucho de calibre 12.

k) os fragmentos de buchas (identificados como itens 6. e 7.) provêm de um cartucho de calibre 12.

É certo que a prova disponível pelo Tribunal para formar a sua convicção foi significativamente obliterada pela forma como a investigação foi conduzida, designadamente, considerando que nos processos com intervenientes processuais desta etnia frequentemente a prova não se mantém íntegra ao longo do processo, sendo aconselhável que as autoridades judiciárias assumam a presidência dos atos, possibilitando o aproveitamento da investigação levada a cabo no inquérito na fase processual do julgamento.

Contudo, o certo é que das informações recolhidas no dia 06 de outubro de 2024, foi possível à investigação ter um fio condutor que, com sucesso, nos levou à identificação dos autores dos factos sub judice, designadamente através da identificação dos titulares do direito de propriedade dos veículos associados (cfr. fls. 44 e 45), identificação dos ofendidos (informação do registo civil de fls. 55 e 70 e subscritores da “INFORMAÇÃO AO OFENDIDO” de fls. 61 e 62, 75 e 76), a colocação no local do arguido BB, com ferimento visível na fotografia de fls. 101 e 102, termo de entrega de documentos e chaves ao arguido BB, de fls. 103, conjugado com a reportagem fotográfica de fls. 16, auto de recolha de elementos biológicos de fls. 118, a desistência de queixa apresentada pelos ofendidos, que reconhecem ter apresentado em 06 de outubro de 2023, contra os arguidos AA e BB, porque “(...) já não têm interesse algum no prosseguimento dos presentes Autos.” - cfr. fls. 282 e 283.

8. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA" de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e clínica de fls. 132.

9. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

10. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

11. atendendo à prova documental de fls. 132.

12. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

13. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

***

14. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

15. atendendo à prova documental fotográfica integrada no “AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIÁRIA” de fls. 2 a 24 e “RELATÓRIO DO EXAME” de fls. 194 a 236, e relatório da balística, de fls. 739 a 762.

***

16. a 18. atendendo a toda a prova acima referenciada e, bem assim, às regras da experiência comum e normalidade das coisas, é evidente que qualquer pessoa que dispara armas de fogo com as características que as mesmas encerravam (aptas a deflagrar munições), à distância aproximada de 28 (vinte e oito) metros, dirigindo os disparos sobre um veículo ou local onde se encontram seres humanos, fá-lo com a consciência de que, acertando (próprio de quem não “dispara para o ar”), tem por propósito atingir esses mesmos seres humanos, querendo ou admitindo que ao acertar causará dano no corpo e saúde desses seres humanos, atingindo-os em zonas vitais, que terão por consequência tirar-lhes a vida.

Os arguidos AA e BB são dotados de inteligência e capacidade de conformar os seus comportamentos de acordo com o Direito, conhecedores da natureza dos bens jurídicos que procuraram atingir, praticando uma série de atos preparatórios e de execução do crime que procuraram ver consumado, sabendo da reprovabilidade e punibilidade dos seus atos.

Acrescente-se ainda o facto de o arguido AA ter expressado o seu arrependimento em sede de declarações prestadas aquando do primeiro interrogatório judicial, revelando a capacidade crítica que é esperada por quem tem consciência dos factos que praticou e do carácter antijurídico dos mesmos, sendo que idêntica convicção se forma a partir das declarações prestadas pelo arguido BB, pois, procurou convencer que havia tentado demover o seu irmão e coarguido AA da prática dos atos.

*

19. atendendo à ausência de licença de uso e porte de arma que ateste a legalidade das mesmas por parte dos arguidos AA e BB.

*

O Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção e quanto aos factos provados em 22. a 42., os certificados do registo criminal dos arguidos AA e BB e, bem assim, o relatório social do arguido AA.

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A matéria de facto não provada resulta da ausência de prova nesse sentido, designadamente por recusa em prestar depoimento por parte dos ofendidos e porquanto a proximidade física entre os dois imóveis, visível de fls. 195, não torna verosímil a utilização de veículos automóveis na deslocação referida, razão pela qual esta matéria foi julgada não provada.

Resulta ainda da inverosimilhança das declarações prestadas precisamente pelo arguido AA quando procurou convencer o Tribunal que estaria atuar ao abrigo de uma situação de “legítima defesa”, uma vez que teriam sido os ofendidos a iniciar os disparos, o que não faz qualquer sentido pelas razões já acima referidas, tudo independentemente do registo fotográfico da janela cujo vidro foi partido, porquanto se desconhece qual a real causa da quebra do vidro, a posição da janela sobreposta (ou não) aquando da respetiva quebra e a direção da força que provocou a quebra do vidro”.

2.2. De Direito.

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto e âmbito do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

O recurso, circunscrito à matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem por objeto um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa-5ª secção, que confirmou a condenação dos recorrentes AA,

- pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, de cada um dos crimes;

- pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- e, em cumulo jurídico, condenou o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão,

e,

BB,

- pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22, 23, 73, 131, todos do Código Penal e artigo 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, de cada um dos crimes;

- pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, e,

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…)

E, levando em conta as conclusões dos arguidos recorrentes, constantes da motivação e resposta ao “parecer” do Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, as questões suscitadas, como sintetizam, são:

1-A “escolha” da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão), quanto ao arguido BB;

2-Medida concreta das penas parcelares, “no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma atentada”;

3-A pena única.

Questionou, depois, o Sr. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal a recorribilidade da decisão no que respeita às duas primeiras questões, ou seja, a “escolha” da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão), quanto ao arguido BB, e a medida concreta das penas parcelares, “no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma atentada”.

2.2.2. (In)admissibilidade parcial do recurso: (i)a “escolha” da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão), quanto ao arguido BB, e, (ii)medida concreta das penas parcelares, “no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma atentada”

a.Determina o art.º 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – CRP -, sob a epígrafe garantias de processo criminal, integrado no Título II, Direitos, liberdades e garantias, e Capitulo I, direitos, liberdades e garantias pessoais, que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”., consagrando assim, direito a um duplo grau de jurisdição, traduzido no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito1.

As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem, porém, o duplo grau de recurso.

O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Interpretação que se mostra conforme com as normas constitucionais, pois o Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/20132, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art.º 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

Densificando, na delimitação legal da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, estabelece o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal que:

1 - Não é admissível recurso: …

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…).

Por sua vez, dispõe o artigo 432.º, do CPP, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: …

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

(…)

Por fim, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, preceitua que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º.

E dispõe o artigo 432.º do C.P.P., no que ora mais interessa:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

(…)

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

b.No caso, foi o arguido recorrente BB, condenado, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência às alíneas q), az) e ae), do n.º 1, do artigo 2º e alínea a) e alínea l), do n.º 1 e alínea c), do n.º 5, do artigo 3.º, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

No caso, ainda, foram os arguidos, AA, condenado pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º, todos do Código Penal e artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, de cada um dos crimes;

e

o arguido BB, pela prática, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos e puníveis pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º, todos do Código Penal e artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, de cada um dos crimes.

Decisões estas que foram confirmadas pelo Tribunal da Relação, no acórdão recorrido.

Ou seja, estamos, assim, em presença de um acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso, que confirma a decisão condenatória da 1ª instância - juízo central criminal de Lisboa-J12, que condenou os arguidos nas penas de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, respectivamente, todas, portanto, inferiores a 8 anos de prisão.

Da conjugação das disposições legais citadas – art.º 432º, 1, b), art.º 400º, 1, e) e f), art.º 434º e art.º 432º, 1, a) e c), todos do CPP, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Pena que tanto é a parcelar aplicada aos crimes individualmente considerados, como a pena única conjunta.

Ou, o que significa “só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico”3.

A irrecorribilidade diz, ainda, respeito a todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão, tais como, no caso, a determinação, escolha e medida, das penas parcelares ou única, consoante os

casos, das alíneas e) ou f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP.

Conclui-se, portanto, que não é admissível recurso para o STJ de acórdãos proferidos, em recurso, pela Relação que aplique pena de prisão não superior a 5 anos excepto no caso de decisão absolutória em 1ª instância.

Pelo que, aferindo-se a recorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pela Relação, referentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão são insusceptíveis de recurso para o STJ, nos termos do disposto no artigo 432º, 1, b) do CPP4.

Pena que tanto é a parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única conjunta.

Estando em causa penas superiores – parcelares ou única – superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão, está vedado o recurso para o STJ de acórdão da relação que haja confirmado – dupla conforme – a decisão da 1ª instância.

Refere, também, Paulo Pinto de Albuquerque5, que “no caso de concurso de crimes é relevante a pena conjunta aplicada”, sem necessidade de, pelo menos, a um dos crimes ter sido aplicada pena superior a 8 anos tal como vimos referindo e se verifica no caso.

E, ainda, Hugo Luz dos Santos6, (citado pelo recorrente) afirma “[p]erfilho a tese segundo a qual o marco juridicamente relevante para recorribilidade para o Supremo Tribunal, quando esteja em causa concurso efectivo de crimes, é a pena única conjunta concretamente determinada após o competente cúmulo jurídico realizado pelas instâncias. A recorribilidade autónoma de cada uma das penas parcelares significa deixar fenecer o axioma jurídico segundo o qual estas – as penas parcelares – perdem autonomia com a realização do cúmulo jurídico, que pavimentará o caminho para a pena única conjunta.”

Pelo exposto, por inadmissibilidade legal, rejeita-se parcialmente o recurso, quanto à “escolha” da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão), quanto ao arguido BB, e, quanto à medida concreta das penas parcelares, “no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma tentada, quanto a ambos os arguidos recorrentes.”

2.2.3. Pena única.

a.Defendiam os arguidos/recorrentes a redução das penas parcelares pela prática dos crimes de homicídio agravado na forma tentada bem como a aplicação de uma pena de multa quanto ao recorrente BB pela prática do crime de detenção de arma proibida.

E, “consequentemente” deveria reformular-se “o respectivo cúmulo jurídico de acordo com o aduzido”…

Como referido os segmentos do acórdão recorrido que confirmaram as penas parcelares de 6 seis anos e 8 oito meses de prisão e 5 cinco anos e 9 meses de prisão, pela prática dos crimes de homicídio agravado na forma tentada e de 2 dois anos e 6 seis meses e 2 dois anos e 3 três meses, pela prática do crime de detenção de arma proibida, não admitem recurso para o STJ, como se concluiu, permanecendo imutáveis.

E, sai enfraquecido o pedido dos arguidos/recorrentes de ver reduzida a pena única dependente como estava da redução das penas parcelares.

Para além disso, os recorrentes apenas citam doutrina genérica relativa à escolha da pena única.

De concreto, referem apenas que os factos praticados não passam de «acto episódico», e de que «a ilicitude da conduta dos arguidos não se afigura exorbitante» “superlativa”.

Pedem a condenação nas penas únicas de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas, o arguido AA e 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas, o arguido BB.

As “penas parcelares supra referidas” que pediam, pela prática do crime homicídio agravado na forma tentada, eram de 5 seis anos e 8 meses o AA e 4 quatro anos e 8 oito meses o arguido BB, que, como se disse, se mantêm.

Não havendo alteração das penas parcelares e porque a alteração das penas únicas requeridas, dependiam da redução destas, não se verificando outras razões que possam determinar a redução, também estas deveriam manter-se.

b.Além disso, mantendo os recursos, também, em matéria de pena o modelo de “recurso-remédio”, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrange a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, excepto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”7

Tal como a fundamentação não é tão exigente pois que existe já uma decisão de 1ª instância que só deverá ser alterada quando não decorra de uma correcta aplicação das normas legais e constitucionais.

Ora, percorrendo o acórdão recorrido não se vislumbra que tenha desrespeitado os princípios gerais sobre determinação da medida da pena, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena.

O que já antes acontecia. No acórdão recorrido quanto ao cúmulo jurídico efectuado, pode ler-se que… [f]alecendo esta questão, (a não alteração das penas parcelares) nada temos de igual modo a apontar à correspondente operação de cúmulo que, aliás, nem sequer foi contestada pelos recorrentes, sendo por isso de manter as respetivas penas únicas.

c.Acresce, ainda, que, no caso, cometeram, os arguidos/recorrentes, em coautoria material, na forma tentada e em concurso efetivo de 2 (dois) crimes de homicídio, previstos pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º, todos do Código Penal e artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro puníveis com pena de 02 anos, 01 mês e 18 dias a 14 anos, 02 meses e 20 dias de prisão, um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, ou com pena de multa até 600 dias, cada um deles.

Os crimes cometidos, atentam contra a vida humana, primeiro e principal valor jurídico, constitucional e penalmente protegido, no crime de homicídio, e contra a segurança, no crime de detenção de arma proibida.

Os arguidos sem qualquer troca de palavras com os ofendidos, não se apurando o motivo ou razões concretas da prática dos crimes, munidos de três armas de fogo, fizeram pelo menos 30 disparos atingindo a ofendida na face., o que demonstra bem da gravidade e censurabilidade da sua conduta

Actuaram os arguidos de forma violenta, com dolo directo e intenso e uma vontade firme de concretizar os seus intentos, só não os conseguindo por razões alheias à sua vontade.

Considerando a natureza dos crimes, o grau de dolo, a ilicitude e o modo de execução, o desvalor do resultado e dos efeitos reais ou potenciais para os bens jurídicos tutelados pelos tipos criminais violados, as necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo os crimes cometidos, dos que geram maior sensação de insegurança na comunidade, exigindo firme resposta do Estado.

Prevenção geral que se traduz na proteção dos bens jurídicos ofendidos mediante a aplicação de penas proporcionais à gravidade dos factos e que satisfaçam as necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas.

E o número de disparos feitos contra os ofendidos, pelo menos 30, como se deu como provado (factos 6,7 e 8), é revelador da vontade firme dos recorrentes e da persistência desta, o que mais faz aumentar a censurabilidade ético-jurídica.

O modo de execução e gravidade dos factos pelos quais foram condenados os arguidos, requerem, também, exigências preventivas de socialização.

Sendo elevadas as necessidades de prevenção especial e exigências de ressocialização, com a aquisição de consciência do valor do bem jurídico em causa e do juízo crítico face às práticas criminais.

Como vem sendo dito, a pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la.

Em tudo deve ainda considerar-se o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso.

Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela.

No caso, concorrem para o cúmulo jurídico:

1-a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada um dos crimes de homicídio agravado, na forma tentada;

2-a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, quanto ao arguido AA;

e,

1-a pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) de prisão, por cada um dos crimes de homicídio agravado na forma tentada, e,

2-a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão no que respeita ao crime de detenção de arma proibida.

A moldura penal tem, assim, como limite mínimo, 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão (pena parcelar mais alta das penas concretamente aplicadas aos três crimes), e como limite máximo, 15 (quinze) anos e 10 (dez) meses, quanto ao arguido AA e quanto ao arguido BB de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses a 13 (treze) anos e 9 (nove) meses de prisão.

Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes8, como decidido nos processos n.º 2489/23.0PFLSB.L1.S1, n.º 99/23.1PJAMD.S1, n.º 151/16.0JAPTM.E1.S1, n.º757/20.2PGALM.L1.S1, in www. dgsi.pt.

Neste contexto, considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostram-se justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapassem a medida da sua culpa, as pena em que os arguidos foram condenados de 10 (dez) anos de prisão, o arguido AA e de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão o arguido BB, não se justificando qualquer intervenção correctiva por parte deste Tribunal.

Do mesmo modo não se mostra violada qualquer norma legal, nomeadamente

os artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 40.º,

70.º, 71º e 77.º do Código Penal.

Improcede, por conseguinte, o recurso.

3. Decisão.

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em:

-rejeitar parcialmente o recurso, quanto à “escolha” da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão), quanto ao arguido BB, e, quanto à medida concreta das penas parcelares, “no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma tentada, quanto a ambos os arguidos recorrentes”, nos termos sobreditos.

-no mais, negar provimento ao recurso dos arguidos AA e BB, confirmando, antes, o acórdão recorrido.

-Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UC`s, a cargo de cada recorrente (artigo 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


*


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Outubro de 2025

António Augusto Manso (Relator)

José Luis Lopes da Mota (Adjunto)

Antero Luis (Adjunto)

__________


1. Direito igualmente previsto, ainda, em instrumentos internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – art.º 14º, n.º 5 - e Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais – art.º 2º do Protocolo n.º 7 -, que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais, como referido no Parecer do Exmo. PGA neste STJ citando o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1. S1, 3ª Secção, sendo Relator o Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha.

2. Ac. do TC, de 4 de Abril, proferido no processo n.º 543/12, 1ª secção, sendo relator José da Cunha Barbosa. V., ainda, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 64/2006, proferido no processo 707/2005, n.º 659/2011 proferido no processo n.º 670/2011, 2ª secção, e n.º 290/2014 proferido no processo n.º 139/14, 2ª secção, o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, in Diário da República n.º 219/2013, Série I de 2013-11-12, páginas 6431 - 6451 e Ac. do STJ de 13.04.2023, proferido no processo n.º 305/21.7PHLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt, onde vêm citados.

3. Ac. do STJ de 11.04.2024, proferido no processo n.º 850/21.4PAMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt.

4. Ac. do STJ de 11.04.2024, proferido no processo n.º 850/21.4PAMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt.

5. Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, Universidade Católica Editora, p. 1020, também citado pelo recorrente.

6. Hugo Luz dos Santos, Código de Processo Penal – Anotado e Comentado, Volume V, Tomo II; Nova Causa, Edições Jurídicas, 2023, pp. 33-40, máxime pág. 37, § 49.

7. Ac. do STJ de 08.11.2023, proc. 808/21.3PCOER.L1.S1, e Figueiredo Dias, Consequências jurídicas do crime, 1993, §254, p. 197, aí citado.

8. v. acórdãos do STJ de 14.11.2024, proferido no processo n.º 526/22.5PFSXL.s1 e de 28.11.2024, proferido no processo n.º 135/23,1GBLLE.S1., in www.dgsi.pt.