Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2316/19.3T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CULPA DO LESADO
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
INDEMNIZAÇÃO
REDUÇÃO
SITUAÇÃO ECONÓMICA DIFÍCIL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O artigo 492º Código Civil visa onerar aqueles que retiram proveito da propriedade do bem (ou que estão obrigados a substituí-los )no dever de conservação pelos danos devidos a vício de construção ou a defeito de conservação.

II. A faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado contemplada no artigo 570º do Código Civil, pressupõe que a sua conduta tenha sido concausal do dano, seguindo os padrões de causalidade adequada.

III. Sob as regras da experiência comum, não se afigurava previsível que a actuação da Autora (e da outra pessoa) que se encontrava junto ao varandim tivesse o lamentável desfecho da queda da varanda, como consequência ordinária, normal ou natural do facto - nem que implicasse que o guarda/corrimão se partisse.

IV. A redução equitativa da indemnização prevista no artigo 494ºdo Código Civil tem subjacente o princípio de proporcionalidade, cabendo ao interessado o ónus de alegação dos factos que integram os factores ponderativos, como a situação económica.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

Da acção

AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo a sua condenação no pagamento de 449 562, 67 € , a título de indemnização por danos pessoais que sofreu.

Em fundamento sintetizado alegou que em 23.07.2016, caiu de cerca de 3 m de altura até ao solo, quando se encontrava na varanda da casa propriedade dos Réus e arrendada a sua amiga.

Sustentou a responsabilidade civil dos demandados pela ocorrência ao abrigo do disposto no artigo 492º, nº1, do Código Civil , afirmando que a queda se deveu à cedência do varandim que quebrou, por não ter , como devia, ferrolhos de ferro nas estruturas da base a prender o corrimão à parede.

Na contestação os Réus impugnaram a versão do acidente e pugnaram pela absolvição do pedido.

Defenderam que foi a Autora, que por culpa sua deu causa à derrocada do varandim, em consequência do forte impulso que empreendeu sobre outra pessoa, que ali se encontrava e também caiu, estando os balaústres da varanda devidamente contruídos e bem conservados, sem sinal de degradação.

A sentença

Na prossecução da instância e realizada a prova pericial, após a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os Réus a pagar à Autora a quantia de € 40.993,67, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais e que relegou para incidente de liquidação as indemnizações respeitantes às despesas com ajudas medicamentosas, consultas psiquiátricas regulares e uso de óculos.

A apelação

Inconformados os Réus apelaram, sem êxito, tendo o Tribunal da Relação do Porto secundado o juízo de culpa dos Réus pela ruína do balaústre da varanda e confirmado a sentença condenatória do ressarcimento dos danos sofridos pela Autora.

A revista

Mantendo a sua discordância, interpuseram revista excecional invocando a relevância jurídica e social das questões em discussão nos autos.

Pugnam pela revogação do acórdão, e consequente absolvição do(s) pedido(s)e subsidiariamente, pela redução do valor da indemnização fixada , ante a censurabilidade da conduta da lesada que levou ao sucedido e a capacidade económica das Recorrentes.

As suas conclusões são as seguintes:

« (..)C) Com efeito, o Tribunal a quo, após alteração da resposta dada a alguns factos sub judice, analisou da aplicabilidade ou não do disposto no artigo 570º do Código Civil, ou seja, se os danos que a Recorrida sofreu decorreram de culpa sua e / ou se ambas as partes, lesada e lesantes, com as suas ações, contribuíram para tais danos e em que medida, entendendo aquele que a culpa do lesado prevista naquela norma convoca a apreciação do nexo de causalidade entre a conduta do lesado e o dano, e já não a mera apreciação da censurabilidade da conduta nem da ilicitude. Ora, os Recorrentes, com o devido respeito por douto entendimento contrário, entendem que a censurabilidade e ilicitude da acção do lesado têm de ser objecto de apreciação na aplicação do disposto no artigo 570º do Código Civil, até para se aferir ou da culpa total ou da quota de responsabilidade na produção do evento.

D) Daí que os Recorrentes entendam que o Supremo Tribunal de Justiça deva pronunciar-se, para melhor aplicação do direito, se a solução jurídica a aplicar, com base no artigo 570º do Código Civil, é a defendida no douto acórdão recorrido ou se, pelo contrário, é a defendida, pelo menos, pelo Ilustre Professor Doutor Menezes Leitão, citado no douto acórdão recorrido, que entende que “para este regime de aplicar é necessário que a atuação do lesado seja subjetivamente censurável em termos de culpa não bastando assim a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos” (in Direito das Obrigações, Volume I, 3ª edição, página 333.

E) Acresce também que se impõe que este Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie, atento o facto que os lesantes são pessoas singulares e de acordo com os valores indemnizatórios elevados que foram aplicados, se um dos critérios a ter em conta na fixação da indemnização será o da capacidade económica dos lesantes em poderem satisfazer a indemnização e se para tanto, com base nos critérios da proporcionalidade e equidade, se o Tribunal na sua fixação, ainda que não disponha de elementos nos autos, não deva oficiosamente indagar dos recursos económicos dos lesantes de forma a não proferir uma decisão que, a querer-se ser justa e equilibrada, implicaria um empobrecimento e / ou situação de insolvência injustificável da parte os lesantes.

F) Entende-se que a situação económica do lesante tem que ser um dos critérios relevantes para o arbitramento de uma indemnização, que a Requerida não alegou, nem provou como devia, e que o Julgador que fixa a indemnização de acordo com o seu livre arbítrio, deverá indagar, da capacidade de poder ser satisfeita pelo lesante a indemnização a arbitrar, até para não se criar uma situação injusta em que o lesado enriquece à custa de um empobrecimento do lesante, ainda mais numa situação como a dos autos que foi fortuita e que nunca os Recorrentes previram que pudesse vir a ocorrer. Ora

G) Estas questões de direito relevantes para a apreciação do litígio, estando ainda longe da uma estabilidade tal que confira segurança na aplicação do regime jurídico da responsabilidade civil, é muito relevante para uma melhor aplicação do direito, designadamente para a sedimentação de jurisprudência que possa servir de orientação para os cidadãos sobre qual a gravidade exigida a um comportamento culposo do lesado para que se possa concluir pela exclusão do direito de indemnização.

H) Com efeito, as Instâncias, quando analisaram todos os meios de prova e proferiram as duas decisões, deveriam ter presente o fundamento de facto que a Recorrida alegou no seu petitório e o que realmente resultou provado e que contraria a tese que aquela trouxe à acção, uma vez que segundo a tese da Recorrida a sua queda deveu-se aos seguintes factos: a) a Recorrida estava encostada aos balaústres da varanda objecto dos presentes autos e quando se encostou os mesmos cederam e partiram, o que deu origem à queda – cfr. artigos 6º e 7º da Petição Inicial; e b) a Recorrida alegou no petitório que estava sozinha na varanda e caiu sozinha. Ora

I) Contrariando a versão apresentada pela Recorrida no seu petitório, não era a Recorrida que estava encostada nos balaústres da varanda, nem foi por esse encosto que os mesmos cederam, antes era outra pessoa que estava a curta distância do parapeito da varanda e foi com a acção e devido ao comportamento da Recorrida de se querer aproximar de forma abrupta, inopinada e mesmo apaixonada e violentíssima de tal pessoa, com oposição e contra a vontade desta, e cuja acção / movimento e o peso e impacto das duas pessoas fez com que a protecção da varanda se partisse.

J) Em face desses factos dados como provados, fica demonstrado que os Recorrentes afastaram a presunção de culpa prevista no artigo 492º do Código Civil, até tendo em conta também os factos que a Recorrida alegou e que não foram provados, designadamente, as alíneas a), j), k) e n), para além de que também a versão narrada pela Recorrida na sua Petição Inicial, sobre a forma como se deu o sinistro, resultou de todo não provada / demonstrada.

K) O Tribunal a quo na apreciação que faz do evento que terá estado na origem do derrube dos balaústres, reconhece que o varandim sofreu o impacto do peso conjugado das duas sinistradas, tendo que se retirar dessa afirmação a conclusão óbvia e lógica que teria que haver um impacto forte e brusco apto a derrubar tal varanda, que a recorrida, incorretamente, acidente que a Recorrida alegou nos artigos 4º ,5º,6º,7º,8º,9,º,85º e 104º da PI e que foram a causa do pedido.

L) Ficou provado / demonstrado, em face dos factos que foram considerados pelo Tribunal a quo, que o derrube da protecção da varanda não ficou a dever-se a qualquer defeito de construção e / ou falta de conservação, antes tem que se retirar da leitura desses factos e conjugado com a versão apresentada pela Recorrida que a derrocada se deveu ao comportamento incorreto e inopinado da Recorrida que deslocando-se em direcção da testemunha DD, o peso dos dois corpos, cerca de 140 kg em movimento – que dado o deslocamento corresponde a três vezes mais –, tal peso / carga excessiva provocou o derrube.

M) Em face do quadro fáctico apurado pelas Instâncias, fica demonstrado que o acidente objecto dos presentes autos se ficou a dever única e exclusivamente a um acto grave e negligente da Recorrida, designadamente, de ter investido em direcção à testemunha DD e feito com que esta se desequilibrasse e fosse projetada contra a protecção da varanda, cujo peso dos dois corpos em movimento, -no qual a recorrida pretendia agarrar, como agarrou, e caiu no piso do rés do chão sobre àquela, multiplicado por três, cria uma força dinâmica excessiva que ao embater na varanda faz com que a mesma colapse.

N) Atendendo às regras da experiência comum, que está corroborado pelos meios de prova existentes nos autos, o acidente sub judice teve como causa principal e única o movimento que a Recorrida fez em direcção à testemunha DD, fazendo com que esta fosse projetada contra a protecção da varanda e o peso dos dois corpos, agarrados e em movimento, provocou o derrube, o que teria o mesmo efeito se houvesse desequilíbrio, pois estando afastada teria que haver um movimento contra a varanda, e não por um simples encosto da Recorrida, que nem sequer a ele estava encostada, estando antes de frente para a testemunha DD e a meio a varanda.

O) Como ficou provado, os balaustres têm como função evitar quedas, e cuja função os mesmos sempre cumpriram, cumprem,- e continuarão a cumprir, até tendo em conta o tempo já decorrido, mais de 8 anos - sendo que tal estrutura da varanda não serve para nela uma pessoa se sentar em cima, tendo quanto a este aspeto o Sr. Eng.º EE, como consta do seu depoimento e do relatório que elaborou, afirmado que um simples encosto ou mesmo sentar-se em cima do corrimão não iria provocar a queda / derrube da estrutura da varanda, devendo as pessoas fazer um uso correto das varandas, o que não ocorreu por parte da Recorrida.

P) Com efeito, atendendo ao objecto do litígio, à Recorrida incumbia-lhe o ónus da prova dos factos e do facto delituoso, in casu, que o derrube da varanda se deveu a defeito de construção ou da falta de conservação, o que aquela, como se disse, não logrou provar, uma vez que dos factos dados como provados, designadamente, do que consta do ponto 58, não há qualquer nexo de causal entre a queda e o facto de a varanda ter derrocado por alegadamente haver falta de conservação, estar mal construída ou apresentar qualquer defeito.

Q) Se a Recorrida não tivesse tido o ímpeto de beijar uma terceira pessoa – que como ficou demonstrado foi contra a vontade dessa pessoa, que se afastou – nunca teria provocado o desequilíbrio da mesma e o embate no varandim e consequente derrube, para além de que, como resultou provado sob o ponto 58 dos factos provados, não havendo evidências de que a varanda estivesse mal construída ou apresentasse defeitos, até porque também nunca os arrendatários alguma vez alertaram os Recorrentes, não seria exigível a um bom pai de família colocado nessa situação concreta, e quando não tinha a posse do imóvel, saber do estado das varandas, pois tal incumbia a quem no momento tinha a posse e usufruía do imóvel e que sabia da existência ou não de qualquer defeito ou necessidade de alguma conservação.

R) Pelo que as causas e circunstâncias que motivaram o derrube e consequente queda das duas mulheres e não só da Recorrida, nada têm que ver com a estrutura da varanda, mas antes e sim ao comportamento da desta já acima alegado e que ficou demonstrada na acção, pois foi a força dos dois corpos em movimento, precedido do avanço da Recorrida para a testemunha DD, que fez com que ocorresse um violento embate na estrutura provocando a sua derrocada.

S) Para além disso, não ficou demonstrado que a obra tivesse defeitos ou falta de manutenção, antes pelo contrário, ficou provado que a construção foi feita de acordo com as legis artis, estando a moradia dos Recorrentes licenciada pela Câmara Municipal de Águeda e cuja licença é contemporânea do acidente.

T) Daí que também nenhum facto se provou que os Recorrentes tivessem adotado, por acção ou por omissão, qualquer comportamento contrário à lei, não tendo a Recorrida, como devia, alegado e provado que lei ou comando legal foi por eles violado, afastando-se aqui, uma vez mais, o dever de indemnizar com base na responsabilidade civil.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Admissibilidade e objecto do recurso

1. Questão prévia

Atestados os requisitos gerais de recorribilidade do acórdão e a dupla conforme, a Formação admitiu a revista excepcional, em atenção à relevância da análise jurídica das questões - da culpa do lesado na produção do dano , dado o ineditismo do contexto factual à luz do artigo 570º do Código Civil, e, a incidência da capacidade económica do lesante, a alegar pelo interessado ou de conhecimento oficioso, no arbitramento da indemnização na previsão do artigo 494º do Código Civil.

A análise da motivação dos recorrentes extrapola, porém, tal querela argumentativa.

Em pretensão expressa e autonomizada nas suas conclusões1 impugnam, no plano dos factos apurados, o nexo de causalidade estabelecido pelas instâncias, entre a queda da varanda da Autora, e a situação/estado de construção do varandim, contrapondo que radicou na acção culposa da própria lesada, que elegem como causa naturalística e exclusiva do evento danoso.

Adquirido que o fim da revista excecional transcende a resolução do litígio entre as partes, visando salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito,2 parece incontornável que na correcta acepção da unidade do recurso de revista, apesar das duas vias, o tema decisório é delimitado pelas conclusões do recorrente.

Em outro ângulo, podendo objetar-se que a culpa assinalada em matéria de facto é da competência das instâncias, o seu apuramento em abstracto, na falta de outro critério, afere-se "pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (artigo 487º, n.º 2, do Código Civil) mobiliza a interpretação da norma, e, portanto, tarefa do Supremo enquanto questão de direito 3.

Situando-se a apreciação do mérito do direito no âmbito da responsabilidade civil, implicará a reavaliação da matéria de facto na dupla vertente da causalidade do acidente e da causalidade dos danos.

2. Tema decisório

Posto isto, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, sem embargo do conhecimento de matéria oficiosa, importa decidir se a queda da varanda se ficou a dever a conduta culposa da Autora, e não à inadequada construção do varandim-balaústre, ou caso assim não se conclua, excluída a obrigação de indemnizar, ou, pelo menos, reduzido o montante indemnizatório em atenção à situação económica dos RR.

Trazendo para debate as seguintes questões:

• os factos apurados - causa adequada da cedência - ruína do varandim da varanda; a responsabilidade do proprietário no âmbito do artigo 492º do Código Civil ;

• na aplicação do artigo 570º do Código Civil importa o nexo de causalidade, ou deve atender-se à censurabilidade e ilicitude da acção do lesado;

• a capacidade económica do lesante valerá como critério na fixação do valor da indemnização a atender oficiosamente - artigo 494º do Código Civil.

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem provado das instâncias:

1– Os RR. são os legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano constituído por habitação composta de cave ampla, rés-de-chão e águas-furtadas, sita na Rua 1, a confrontar do norte com FF, sul GG, nascente GG e do poente com Estrada, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 4765 – fls. 43/44 (A).

2 - Este imóvel foi dado de arrendamento a HH, por contrato escrito datado de 01/12/2015 – fls. 45/47 (B).

3 - No dia 23/07/2016 a A. encontrava-se no imóvel identificado em 2 dos Factos Provados quando caiu de uma varanda do mesmo em resultado da cedência do seu balaústre (C).

4 – A A. nasceu a D/M/1988 – fls. 192/193.

5 - No dia 23/07/2016, cerca das 23,00 horas, a A., que tinha sido convidada para o jantar de aniversário da amiga HH, encontrava-se na varanda do prédio identificado em 1 dos Factos Provados, juntamente com outra convidada, estando ambas a fumar e a beber um copo de vinho.

6 - Esta varanda situa-se na frente da vivenda, está construída a uma altura de 3 metros do chão, e tem uma proteção de balaústre feitos em massa de betão de areia, cimento e brita pequena, e o formato em “C”, conforme fotografias de fls. 48/52 – fls. 405v.

7 – A convidada mencionada em 5 dos FP estava numa das extremidades da varanda (do lado direito, para quem está virado de frente para o prédio), de costas para a proteção de balaústre, a poucos centímetros desta, e a A. estava de frente para a referida convidada, a curta distância desta.

8 – A determinada altura, a A. teve o impulso de se aproximar da referida convidada e de a beijar, e esta, por sua vez, recuou em direção ao balaústre desequilibrando-se ambas, pelo que este cedeu, partindo-se e a Autora e a convidada que estava com ela na varanda caíram juntas de uma altura de 3 metros.

9 – A queda fez com que a A. embatesse no chão.

10 – A A. foi assistida no local pela equipa do INEM, apresentando-se consciente, sem dificuldade respiratória, com aparente traumatismo da coluna, crânio-facial e torácico, com feridas e com hemorragia ativa, pelo que foram feitos pensos, aplicadas ligaduras e imobilização.

11 – Foi transportada para o Serviço de Urgência do CHUC, onde deu entrada pelas 02,24 horas do dia 24/07/2016, por queda de três metros de altura.

12 – Apresentava-se hemodinamicamente estável, desorientada no tempo e no espaço, orientada alopsiquicamente, colaborante, mas com discurso repetitivo, sem alterações das pupilas, com diminuição da força muscular em ambos os membros superiores e membros inferiores. Apresentava escalpe na região frontoparietal esquerda com início no supracílio esquerdo que foi desinfetado e suturado pela Cirurgia Geral. Referia também dor ao nível das interfalângicas proximais dos 3º e 4º dedos, verificando-se edema associado, mobilizando ativamente os dedos sem limitação. Foi avaliada pela Especialidade de Oftalmologia, negando perda de acuidade visual ou diplopia. Foi ainda avaliada pela Cirurgia Plástica, tendo indicações para efetuar cuidados de penso em dias alternados e ser reavaliada dentro de 5-6 dias.

13 – Foi submetida a diversos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente:

- radiografia da mão: sem sinais de fratura aparentes;

- tomografia computorizada (TC) crânio-encefálica: imagens sugestivas de deiscência da sutura temporo-occipital esquerda (…). Hematoma epicraniano frontoparietal esquerdo, por rutura muscular e com ar sub escalpe na região frontoparietal esquerda;

- TC coluna cérvico-dorso-lombar: fratura das apófises espinhosas de C7, D1, D2, D3 e D9. Fratura da lâmina direita de D9. Fratura da apófise transversa esquerda de D10. Fratura dos corpos vertebrais de D6 e D9;

- radiografia do tórax e grelha costal – sem hemotórax, pneumotórax ou sinais de fratura;

- TC maxilofacial – sem sinais de fratura.

14 – Iniciou antibioterapia empírica e apresentou recuperação do défice motor dos membros inferiores, com apenas ligeira diminuição (G4+). Foi avaliada pela Ortopedia, tendo-se concluído que não necessitava de cuidados desta especialidade, razão pela qual foi novamente observada pela Neurocirurgia no dia seguinte, altura em que se apresentava lentificada, com Escala de Glasgow 14, défice da força muscular na elevação e flexão da coxa direita (G4) e no membro inferior esquerdo (G4+), com hipostesia no membro inferior direito, sem dermátomo definido e sem nível sensitivo evidente, mas afetando os territórios de L3-L4-L5, sem aparente assimetria da força no membro superior, mas com dor na mão direita, com tónus do esfíncter anal presente e com sensibilidade vesical aparentemente mantida, com sonda vesical.

15 – Ficou internada no Serviço de Neurocirurgia para vigilância. Durante o internamento realizou ressonância magnética que confirmou as fraturas previamente estabelecidas, sem alteração do sinal medular. Apresentou recuperação total da força dos membros, a realizar marcha à data da alta.

16 – Teve alta no dia 04/08/2016, com consulta agendada, indicação de analgesia em caso de dor e fazer levante e treino de marcha, recomendando-se aplicar dorsolombostato tipo Jewett em caso de dorsalgia intensa.

17 – Passou a ser seguida em regime de consulta externa no CHUC pelas especialidades:

a) Neurocirurgia: reavaliada em consultas nos dias 21/11/2016, 09/03/2017 e 17/04/2018, verificando-se recuperação completa dos défices neurológicos, mantendo, no entanto, queixas álgicas ligeiras a nível dorsal, com esforços, mas autolimitada. Repetiu TC coluna dorsal, a 21/02/2017, que evidenciou: “(…) Visualiza-se, de novo, degenerescência gasosa dos discos intervertebrais D8-D9 e D9-D10”, bem como sinais de consolidação das restantes fraturas. Teve alta da consulta de Neurocirurgia.

b) Cirurgia Plástica: recorreu a consulta externa em 21/01/2017, apresentando cicatriz conspícua na região frontoparietal esquerda, associada a desnivelamento supraciliar. O caso foi apresentado em reunião de serviço em 31/01/2017, tendo sido considerado não haver indicação para reconstituição cirúrgica, optando-se pela injeção local de toxina botulínica.

c) Medicina Física e de Reabilitação: esteve presente em consulta de fisiatria do Hospital da Misericórdia ... no dia 30/08/2016, com referência às lesões resultantes do acidente. Ao exame objetivo apresentava-se sem défices de força muscular aparentes e com edema da articulação interfalângica proximal dos 3º e 4º dedos da mão direita (referência a radiografia recente que não revelou sinais de fratura). Foi-lhe prescrito programa de reabilitação funcional.

18 – Foi, ainda, avaliada em consulta de Oftalmologia, na S...., no dia 22/11/2016, tendo-lhe sido prescritos óculos de correção com os quais obteve 10/10 de visão em cada olho. Apresentava assimetria facial, frontal, pelo que tinha indicações para ser avaliada em consulta de Cirurgia Plástica no CHUC.

19 – Realizou tratamentos de medicina dentária na Clínica ... a 20/06/2017, a 14/12/2018 realizou destartarização, a 06/07/2017 realizou restauração em resina da face vestibular do dente 27, e em 04/02/2018 restauração em resina da face disto-platina do dente 23.

20 – A A. apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento:

- Cabeça: complexo cicatricial nacarado, irregular, quase de tonalidade da pele, aparente à distância social (cerca de 3 metros), estendendo-se desde a porção posterior da região parietal esquerda continuando pela metade homolateral da região frontal, associado a alopécia, e terminando no quadrante lateral da pálpebra superior ipsilateral, medindo 23 cm de comprimento e 3,5 cm de maior largura (a nível do couro cabeludo da metade esquerda da região frontal); cicatriz localizada na metade esquerda da região frontal e lateralmente à atrás descrita, nacarada, linear, sensivelmente transversal, com 3 cm de comprimento; tatuagem das sobrancelhas; discreto desnivelamento inferior da pálpebra superior esquerda; sem alterações dos movimentos oculares ou da mimica facial; pupilas isocóricas e isoreativas.

- Raquis: contraturas generalizadas dos músculos paravertebrais bilateralmente; fenómenos dolorosos à palpação das apófises espinhosas; índice de Shober de 10/15 cm.

- Tórax: sem queixas álgicas à compressão látero-lateral ou ântero-posterior.

- Membro superior direito: força muscular contra a resistência ligeiramente diminuída (grau IV+) em vários segmentos anatómicos; pinça fina presente; reflexos osteotendinosos presentes e simétricos.

21 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22/07/2018.

22 – O período de défice funcional temporário total é fixável em 72 dias (entre 23/07/2016 e 02/10/2016.

23 - O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 658 dias.

24 – O período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 730 dias (entre 23/07/2016 e 22/07/2018).

25 – O quantum doloris é fixável no grau 5/7.

26 – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 19 pontos.

27 – As sequelas de que a A. ficou a padecer são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

28 – O dano estético permanente é fixável no grau 4/7, tendo em conta as características morfológicas das cicatrizes e desnivelamento inferior da pálpebra.

29 – A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 5/7

30 – Dependência permanente de ajudas: a) medicamentosas (analgésicos e eventualmente psicofármacos de acordo com prescrição efetuada pela Psiquiatria), consultas psiquiátricas regulares e uso de óculos.

31 - Em face da queda, a A. sofreu diversas lesões, sendo a imediatamente visível um grande corte na cabeça, levantando o escalpe na região frontal e parietal esquerda com início no supracílio esquerdo, o que a levou a perder muito sangue.

32 – Foram chamados ao local uma ambulância dos bombeiros e uma ambulância do INEM.

33 – A A. foi medicada no CHUC com Metamizol magnésico 200mg/5 ml, Polielectrol+Glucose 50mg/ml, Ceftriaxona 1000mg Pó, Pantoprazol 40mg Pó, Ondansetrom 8mg/4 – fls. 70.

34 - A A. recebeu alta da urgência às 15,45 horas do dia 24 de julho, sendo encaminhada para a Cirurgia B, aos cuidados da Neurocirurgia, onde ficou internada 2 dias – fls. 76.

35 - A seguir foi encaminhada para o internamento na Neurocirurgia B em 26/07/16, tendo-lhe sido dada alta para retornar a casa em 04/08/2016 – fls. 77.

36 - Durante o período da recuperação a A. teve de utilizar durante algum tempo o colete Jewett devido o quadro de dorsalgia.

37 – Após lhe ter sido dada alta a 04/08/2016, e durante dois meses, a A. ficou totalmente dependente de terceiros para efetuar todas as atividades diárias, inclusive para se vestir, fazer a sua higiene e alimentar-se.

38 - Em consequência do acidente referido em 3 dos Factos Provados, a A. partiu dentes pelo que teve de fazer tratamentos dentários.

39 – E passou a ter de usar óculos de correção com os quais obteve reforço de visão em cada olho.

40 - Por recomendação médica, a 24/08/2016, iniciou sessões de fisioterapia no Hospital de Misericórdia ..., tendo sido submetida a 60 sessões.

41 - Mantém dores, especialmente cefaleias e dores na coluna que obrigam a medicação diária analgésica.

42 - Durante o seu internamento, a A. ficou privada de ver o seu filho, pois por ter a “cara desfigurada” este não conseguia estar mais de 5 minutos ao lado dela, causando um grande abalo psicológico na A. por sofrer duplamente pelo medo de não voltar a ser “normal” e pelo sofrimento evidenciado pelo seu filho.

43 - A A., durante a sua recuperação, tomou conhecimento de que estava a usar fraldas e sondas (naso-gástricas e urinária), o que lhe causou profundo sofrimento e grande impressão.

44 – A A. sentiu uma grande dor em face das seguintes transformações físicas que sofreu:

a) foi obrigada a cortar o seu cabelo, e mantê-lo muito curto sem o poder pintar na sua cor habitual, louro, o afetou a própria identidade da Autora e a sua auto-estima;

b) ficou com uma grande cicatriz que inicia no canto do olho esquerdo e vai subindo pela testa até o topo da cabeça;

c) na zona da cicatriz, onde se inicia a implantação do cabelo, tem uma falha de cerca de 3,5cm por 2cm em que já não nasce mais cabelo.

d) na sobrancelha esquerda deixou de ter pelos, pelo que passou a fazer micropigmentação como forma de disfarçar as falhas;

e) ficou impossibilitada de fazer qualquer atividade física, não suportando nem mesmo uma caminhada por meia hora;

g) deixou de poder calçar saltos altos, como sempre fez;

h) apresenta problemas de memória, esquecendo-se de tarefas que tem para fazer, de recados para cumprir, de compromissos;

i) não consegue estar numa varanda devido ao trauma que a queda lhe causou.

45 - A A. durante algum tempo não se sentia bem em locais com demasiadas pessoas, como festas.

46 - Perdeu a libido e apetite sexual, afetando a sua relação com o companheiro.

47 - Deixou de ter o período menstrual desde a data do acidente.

48 – A A. esteve com incapacidade para o trabalho até 22/07/2018.

49 - Em janeiro de 2019 a A. começou a trabalhar em ... para a empresa V..., S.A.., auferindo o vencimento mínimo nacional.

50 - Devido ao esforço com o trabalho, a Autora sente fortes dores, sendo mais comum sentir dores mais intensas - costas e no pescoço - ao final do dia nas últimas horas de trabalho, ou mesmo quando vai dormir, estando dependente de medicação analgésica e para dormir.

51 - A varanda na qual ocorreu o acidente, tinha formato em “C”, com uma guarda composta por balaústres pré-fabricados, feitos com massa de betão de areia, cimento e brita pequena, com apenas uma verguinha de aço no eixo e enformado em dois moldes que se justapõem para o enchimento e se retiram após os dias necessários para que o betão ganhe presa. Posteriormente é feito o acabamento tapando algum chocho e eliminando alguma excrescência na zona das juntas dos moldes – fls. 405v./406.

52 – A peça de remate ou corrimão também é pré-fabricada em betão com as mesmas características, armado por duas ou mais verguinhas de aço e enformada num único molde com abertura superior que corresponde à face plana inferior do corrimão - fls. 406.

53 - Estes balaústres devem ser dotados de ferrolhos ou ferros na sua base para cravamento na superfície onde vão ser montados.

54 – E a guarda/corrimão deve estar encastrada ou amarrada na parede.

55 - Devido às consequências da queda a A., até à presente data, teve as seguintes despesas:

a) € 319,70, com taxas moderadoras, consulta médicas e outros tratamentos;

b) € 226,28, com despesas com medicamentos;

c) € 447,63, com a aquisição de óculos.

56 A estrutura que compõe a guarda da varanda foi aplicada há cerca de 30 anos.

57 – Os balaústres não cederam/partiram por simples encosto da A.

58 – Os balaústres não apresentavam, à simples vista, defeitos de construção, instalação ou manutenção à data dos factos, nem alguma vez foi chamada, pelos inquilinos atuais ou anteriores, a atenção dos RR. para que apresentassem sinais de degradação em qualquer lado.

59 – A A. caiu juntamente com outra pessoa.

60 – O balaústre da varanda da casa dos RR. tem a finalidade de evitar quedas de quem se aproxima do seu extremo.

61 - A guarda/corrimão da varanda encontrava-se apenas colada à parede na parte lateral que quebrou.

62- Nesse ponto a referida peça não estava cravada por ferros à parede.

E, não provado:

a) quando a A. se encostou ao balaústre, normalmente, este cedeu;

b) a A. precisou de ser submetida a massagem cardíaca e medidas de reanimação pela equipa de socorro do INEM e do VMER no decurso do transporte;

c) a A. ficou com a mastigação limitada;

d) mantém dores na mão direita;

e) não houve a aplicação da injeção de toxina botulínica, visto os riscos da intervenção – próximo a um nervo ocular - poderem acarretar riscos de causar cegueira;

f) a A., antes do acidente, trabalhava como ..., auferindo € 800,00 mensais;

g) a A. deixou de poder exercer a sua profissão, face à impossibilidade de estar muito tempo em pé, devidos as fortes dores na coluna, lombar e cervical, bem como pelas dores, inchaço e formigueiros na mão direita;

h) qualquer movimento diferente deixa a A. com os sentidos instáveis, como é o caso de andar de elevador ou escada rolante, ou mesmo durante a condução do carro, dançar ou andar num carrossel;

i) não consegue acompanhar o seu filho em atividades ao ar livre, devidos as dores e consequentemente a mobilidade reduzida;

j) os balaústres e a guarda/corrimão encontravam-se apenas colados na parte inferior;

k) os RR. colocaram a casa para arrendar, sem verificarem se a mesma, no caso da guarda da varanda, tinha condições adequadas e seguras;

l) o assento dos balaústres de cimento pré-fabricado é feito em cimento, sendo a sua fixação à estrutura de suporte feita através da aplicação de cimento cola;

m) a estrutura que compõe a guarda da varanda foi devidamente aplicada, conforme indicação dos fabricantes, por quem, há vários anos, fez a construção da moradia por incumbência dos RR.;

n) os balaústres não estavam fixados por ferro cravados no pavimento;

o) houve um forte impacto nos balaústres;

p) a estrutura da varanda é robusta e só um impacto forte de força estranha e excessiva a poderia ter feito colapsar;

q) foi exercida de alguma forma pressão excessiva sobre o canto da estrutura que colapsou.

r) face à impossibilidade de fazer atividade física e pelo efeito da medicação que toma, a A., que sempre manteve os 55kg-65kg, passou a pesar 85kg, alterando totalmente a sua aparência.

B.O Direito

1. Enunciado do litígio

A Autora reclama que os Réus suportem a indemnização que lhe é devida pelos danos corporais e outros que sofreu, em resultado da queda da varanda do imóvel, que cedeu em consequência da deficiente construção e falta de conservação do balaústre/guarda, e do qual que são proprietários.

Os Réus declinaram a responsabilidade fundada na alegada deficiência da estrutura da varanda e defenderam que a ocorrência se deveu, outrossim à acção culposa e negligente da Autora que investiu de modo abrupto e violento em direcção a outra pessoa, cujo impacto e força fez ceder o varandim e levou à sua queda.

Apurada a dinâmica factual do acidente, as instâncias identificaram como causa da derrocada do varandim e consequente queda da Autora - a inadequação do estado construção do suporte do varandim/balaústre à parede que não cumpria a função de guarda .

Convergiram ainda sob o enquadramento da responsabilidade civil dos Réus no âmbito do artigo 492º, nº1, do Código Civil, e por último, na avaliação e fixação do quantum indemnizatório.

Os Réus continuam inconformados acerca do juízo de imputação da responsabilidade formulado pelas instâncias; pedem revista por via excecional, para o que anunciam discórdia jurídica sobre a interpretação e aplicação pelo acórdão recorrido dos artigos 570º, nº1, e 494º do Código Civil, que pretendem ver revogado ou alterado em sentido favorável à sua argumentação inicial.

2. Os factos provados

O que foi alegado como causa de pedir pela Autora corresponde aos especificados defeitos de construção e conservação do varandim, que impediram o cumprimento da função inerente de guarda de corpos e demonstrada na matéria de facto provada4.

Assente na existência de vício de construção, na afirmação de que os balaústres verticais e o corrimão que os unia e encimava horizontalmente, tinham de estar presos/cravados com ferros ou ferrolhos no pavimento da varanda e nas suas paredes laterais, respetivamente, e que tal não fora feito, estando essas peças presas apenas com cimento cola, conforme matéria factual provada.

Como se disse no ponto II, os recorrentes - conclusões I,J,L,K- afirmam que a cedência do varandim/balaústre/guarda da varanda, teve como causa naturalística a investida abrupta e com força da Autora em direcção à outra pessoa que estava junto à varanda.

Contrapõem um enunciado de factos, salvo o devido respeito, ao arrepio dos factos provados, designadamente, através da hipervalorização do facto provado no ponto 58º:“Os balaústres não apresentavam, à simples vista, defeitos de construção, instalação ou manutenção à data dos factos, nem alguma vez foi chamada, pelos inquilinos atuais ou anteriores, a atenção dos RR. para que apresentassem sinais de degradação em qualquer lado.”

Resulta evidenciado, outrossim, do elenco dos factos provados ( realizada prova pericial ) que os balaústres verticais e o corrimão que os unia e encimava horizontalmente tinham de estar presos/cravados com ferros ou ferrolhos no pavimento da varanda e nas suas paredes laterais, respetivamente, e que tal não fora feito, estando essas peças presas apenas com cimento cola – cfr. Pontos 51º,52º, 53º,54º, 57º,60º,61ºe 62º dos factos provados.

Matéria provada que se respiga para melhor compreensão sob os pontos 53 e 54 - “(…) balaústres devem ser dotados de ferrolhos ou ferros na sua base para cravamento na superfície onde vão ser montados”; “(…) guarda/corrimão deve estar encastrada ou amarrada na parede” –, pontos 61 e 62 – “[a] guarda/corrimão da varanda encontrava-se apenas colada à parede na parte lateral que quebrou”; “[n]esse ponto a referida peça não estava cravada por ferros à parede” -, bem como a matéria não provada sob as alíneas o), p) e q) – “houve um forte impacto nos balaústres”; “a estrutura da varanda é robusta e só um impacto forte de força estranha e excessiva a poderia ter feito colapsar”; “foi exercida de alguma forma pressão excessiva sobre o canto da estrutura que colapsou”.

Em abono da explicitação da matéria de facto lê-se no acórdão recorrido:

Ou seja, a carga sobre o varandim foi a resultante do peso conjugado de ambas as mulheres que sobre ele caíram em desequilíbrio, mas o impulso, o movimento que antecedeu tal queda, resultou de um desequilíbrio a poucos centímetros do ponto de impacto, e não foi causado por ato ou movimento violento. Pelo que continua a não haver qualquer razão para que se julguem provados os factos das alíneas o) a 1) também relativas ao tipo de impacto que sofreu o varandim e que poderiam ter de ser alterados por via da alteração da alínea 8ª dos factos provados.

(..)Como salientado na motivação da sentença recorrida, a curta distância de ambos os corpos relativamente ao varandim onde embateram não é de molde a concluir que o impulso sobre ele tenha sido forte, sem embargo de se reconhecer que aquele sofreu o embate do peso conjugado das duas sinistradas. A determinada altura, a A. teve o impulso de se aproximar da referida convidada e de a beijar, e esta, por sua vez, recuou em direção ao balaústre desequilibrando-se ambas, pelo que este cedeu, partindo-se e a Autora e a convidada que estava com ela na varanda caíram juntas de uma altura de 3 metros. Não se provou que tivesse havido um forte impacto nos balaústres, uma força excessiva sobre os mesmos. Estando as duas mulheres tão próximas do balaústre que cedeu, não pode ter havido uma deslocação em velocidade em direção ao mesmo. E se os balaústres e a guarda/corrimão tivessem sido devidamente construídos e cravados/encastrados no chão e na parede tinham de ter solidez suficiente para suportar o peso de duas mulheres contra a referida guarda da varanda. Repete-se, não só não se provou que tivesse havido um forte impacto em velocidade contra a guarda da varanda, como se provou que ambas estavam a poucos centímetros da mesma e que tiveram um pequeno (necessariamente, face à pouca distância a que estavam da varanda) impulso para trás, em direção à guarda.”

2.1. Imputação da responsabilidade

De acordo com a melhor interpretação do modelo legal de responsabilidade civil delitual ou aquiliana contemplado no artigo 483º do Código Civil, os pressupostos (cumulativos) da obrigação de indemnizar são o facto voluntário – acção ou omissão do lesante, a ilicitude da conduta, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto imputado e o dano causado ao lesado.

Ao lesado que reclama indemnização pelos danos sofridos cabe o ónus de alegação e prova da verificação dos pressupostos legais da obrigação, salvo nas situações tipificadas em que beneficie de presunção legal de culpa do lesante, a quem caberá então o ónus de elidir essa presunção5.

O estabelecimento do nexo de causalidade, enquanto requisito da responsabilidade civil, transporta, não raro, atribulação e esforço de demonstração, que se prende com as conexões naturalísticas entre o facto e dano.

Converge grande parte da doutrina e da jurisprudência, que o nosso sistema recepcionou a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa – artigos 562º e 563º do Código Civil6.

Impõe-se primeiramente, verificar a existência de um facto naturalístico concreto condicionante do dano, e na afirmativa, aferir de seguida, se o facto é em abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano sofrido pelo lesado.

Esta traduz a concepção metodológica perfilhada maioritariamente na jurisprudência e com respaldo na doutrina civilista tradicional dominante 7 .

Ligação entre o dano e a ocorrência factual, na qual poderão confluir intervenções estranhas, exteriores e alheias ao facto e que desvirtuam os resultados por ele produzidos, ou quando tais resultados apenas ocorrem por circunstâncias totalmente anómalas e invulgares segundo as regras da experiência.

Noutra perspectiva da teoria da causalidade, para ocorrer obrigação de reparar o dano, é necessário que o acto seja condição dele, exigindo-se, ainda que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão a uma questão de probabilidade; sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária.

Conforme afirma Antunes Varela, que preconiza uma concepção mais rigorosa da causalidade adequada - « (…)o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgültig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.», e mais adiante, afirmando, «Não são já relevantes todas as condições que originaram determinado dano, nem a análise se cinge a uma espécie de casuísmo, pois temos agora uma verdadeira norma geral que cinge os factos relevantes àqueles cuja não verificação implicaria a não verificação do dano.8»

Na jurisprudência destaca, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2010 :

« (…) o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.9 »

Esta formulação promove, ademais, um conceito bastante amplo da causalidade adequada, em termos de consideração de âmbito material ou de efeito irradiante de nexo causal, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, estendendo-se em consequência o próprio espaço axiológico – normativo de influência.

De acordo com o artigo 563º do Código Civil que acolhe a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa quanto à obrigação de indemnização, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão 10.

Apelando à orientação dominante, a causa de certo efeito é a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo11.

«Essa adequação traduz-se em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo os ensinamentos da experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre ele. Deste modo, o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos.12»

A doutrina e a jurisprudência concordam em que a tarefa do apuramento do nexo causal entre o facto e o dano, desdobra-se por dois patamares sequenciais: o primeiro, traduz um juízo de causalidade física que cuida de averiguar se o acto do agente foi em concreto uma condição sine qua non da produção do dano, evidenciando uma questão de facto ; o segundo e posterior , não bastando uma ligação meramente natural ente os factos, é necessário adequar a causalidade enquanto formulação jurídica, evidenciando questão de direito.

Na demonstração do nexo causal ter-se-ão em conta as regras probatórias e da sua valoração judicial, sendo que a prova do nexo causal compete, em regra, ao lesado, enquanto facto constitutivo do direito de indemnização de que se arroga, e as provas são apreciadas pelo tribunal e a sua prudente convicção, i.e., de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência13.

Sob essa perspectiva, desde logo, no nosso sistema jurídico o juízo de prova relativo ao preenchimento do nexo causal entre o facto e o dano, no âmbito pressuposto da responsabilidade civil, não está cerceado por um valor matemático de probabilidade da ocorrência, e aponta para uma noção probabilística, conforme ressalta do disposto no artigo 563º do Código Civil.

Revertendo ao caso em juízo e aos factos provados, acompanhamos na íntegra o juízo de causalidade do acidente identificado pelas instâncias e arrimado nos factos provados dos pontos 51º,52º, 53º,54º, 57º60º, 61º e 62º 14.

A causa da queda da Autora da varanda e dos danos que sofreu ficou a dever-se ao vício de construção do varandim que ruiu ao contacto dos corpos da Autora e da outra pessoa.

A ilicitude no âmbito da omissão de um dever de diligência, assentou no vício de construção da obra que ruiu e levou à queda- da Autora, em violação do direito absoluto da integridade física -resultado danoso.

Os balaústres verticais e o corrimão da varanda do imóvel que os unia e encimava horizontalmente, tinham de estar presos/cravados com ferros ou ferrolhos no pavimento da varanda e nas suas paredes laterais, respetivamente, o que não fora feito, estando essas peças presas apenas com cimento cola15 .

Quanto ao requisito da culpa imputável aos Réus pela omissão do dever de diligência, com particular alcance no caso sub iudice na aplicação do regime (excepcional) de presunção (“juris tantum”) de culpa16.

A presunção de culpa do dono ( ou possuidor) do edifício ou obra , cuja ruína provoque danos a terceiro - artigo 492º, nº 1, do Código Civil - dispensa o lesado os elementos de facto atinentes à culpa do lesante 17.

Sobre o conteúdo do direito de propriedade das coisas – artigo 1305º do Código Civil - encontra-se ressalvada a sujeição do proprietário aos «limites da lei» e à observância das restrições por ela impostos, entre as quais, se encontram os condicionamentos impostos pela segurança.

Seguindo Pires de Lima e Antunes Varela :

«Deve entender-se que, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção) o proprietário tem obrigação de adoptar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria actuação ou decorrente, por outro motivo, das coisas que lhe pertencem (dever da prevenção do perigo)18

No artigo 492.º Código Civil visa-se onerar aqueles que retiram proveito da propriedade do bem ou que estão obrigados a substituir os primeiros no dever de conservação pelos danos devidos a vício de construção ou a defeito de conservação19.

Trata-se de norma alicerçada na protecção de perigo abstracto, em que a conduta infratora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior20.

A análise dos factos provados revela que os Réus não alcançaram tal desiderato.

Para concluirmos que não merece censura a imputação da responsabilidade civil pelos danos aos Réus enquanto proprietários do imóvel em consonância com o disposto no artigo 492º do Código Civil.

3. A culpa da lesada e o artigo 570.º do CC

A formulação em torno da interpretação da regra do artigo 570º do Código Civil, atribuída a Menezes Leitão, que no entender dos recorrentes, os avantaja sobre a interpretação prosseguida no acórdão impugnado, s.d.r., encerra um manifesto vício de raciocínio na interação com a situação factual sub judice 21.

Importante também referir, que o acórdão recorrido não excluiu a hipótese de ser apreciada a censurabilidade e a ilicitude da conduta do lesado para efeitos do artigo 570.º do Código Civil; pelo contrário, nele resulta que inclusive uma conduta involuntária do lesado poderá fundamentar o recurso àquele critério normativo, e afastar a responsabilidade do lesante na produção do dano.

Algo diferente, mas inteiramente acertado, a nosso ver, diz o acórdão recorrido, isto é, que o funcionamento daquele normativo na fixação da indemnização, exige que a conduta do lesado seja adequada à produção do dano.

Estabelece o artigo 570.º do Código Civil:

«1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.»

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela:

« Para que o tribunal goze da faculdade conferida no número 1, é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente22».

Por outro lado, a expressão “culpa” do lesado assume no texto um sentido impróprio, uma vez que não pressupõe o facto ilícito e danoso (relativamente a outro), mas visa as situações em que o acto do lesado tenha sido concausa do dano, ainda que não tenha natureza ilícita ou corresponda à violação de um dever, mas que traduza um comportamento censurável; donde se compreende a expressão legal “gravidade das culpas”, que impõe necessariamente que a conduta do lesado seja passível de um juízo de censura decorrente de uma actuação negligente ou imprópria com relevância no processo causal (adequado) do dano23.

Precisamente, a tese prosseguida por Menezes Leitão24 , numa vertente interpretativa mais favorável ao agente lesante considera que, para efeitos da aplicação do artigo 570.º do Código Civil, uma conduta não censurável do lesado apenas pode relevar quando muito no funcionamento do artigo 494º do Código Civil, o que não significa que se exclua a causalidade da conduta.

Tendo-se presente o alcance do preceito, a faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado depende do acto se apresentar como uma das causas do dano (segundo os princípios da causalidade adequada), e a sua preponderância em função do comportamento temerário revelado (não consentâneo com os cuidados que se exigiam a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso).

Ou seja, o que se trata é de averiguar da adequação, ou não, da conduta para certo resultado, à luz da doutrina da causalidade adequada vertida no artigo 563º do Código Civil (cujas diretrizes foram referidas) e, não se confunde, como sustentam os recorrentes, com a condição naturalística da conduta da Autora lesada que antecedeu a queda.

Já se viu que o movimento empreendido pela Autora em direcção à outra pessoa, que se encontrava perto do varandim, não produziu forte impacto ou implicou pressão excessiva sobre o canto da estrutura que colapsou - (matéria de facto não provada sob as alíneas o) p )e q)25.

De resto, à luz da experiência comum, não se afigurava previsível que o desequilíbrio da Autora (e da outra pessoa) tivesse o lamentável desfecho da queda da varanda como consequência ordinária, normal ou natural do facto - nem que implicasse que o guarda/corrimão se partisse.

Note-se que, como acentuou o acórdão recorrido: “ (..)a idêntico resultado se chegaria se ambas tivessem, por exemplo, escorregado em simultâneo e caído sobre o varandim ou se ambas se tivessem debruçado de forma súbita e em simultâneo sobre o mesmo (..)

Finalmente, no pressuposto da violação de qualquer dever de cuidado pela lesada, também não resultam provadas as exigidas ilicitude e censurabilidade da conduta.

Provado apenas que a lesada, em ambiente de festa e convívio, se aproximou de uma convidada para lhe dar um beijo, não sendo aceitável como conduta apelidada pelos recorrentes de “ofensa à liberdade individual, autodeterminação”, acto de “grande censura”.

Para concluirmos não existir justificação para alterar a posição expressa no acórdão recorrido, ficando afastada pelas razões expostas a aplicação do artigo 570º do Código Civil.

4. Da redução da indemnização; situação económica do lesante

Defendem os recorrentes que a indemnização arbitrada deverá reduzir-se em atenção à sua condição económica a atender ex officio.

A pretensão carece de fundamento legal.

De acordo com a estabelecido no artigo 494º do Código Civil, a redução equitativa da indemnização em caso de mera culpa não é de funcionamento automático 26.

De outro passo, face ao disposto no artigo 562º do Código Civil, basta que se alcance através da mera ponderação do grau de culpabilidade e / ou outras circunstâncias do caso, para se concluir pela desproporção da solução dada pelo critério geral.

A redução do valor da compensação a atribuir ao lesado não tem por fim atenuar um seu “pretenso” enriquecimento, como defendem os recorrentes; a ratio do preceito aponta, diferentemente, para uma redução quanto aos danos causados, à luz do padrão definido no artigo 562º do Código Civil – único limite da função indemnizatória, encontrando-se a responsabilidade civil assente e dependente no resultado danoso27 .

Em evidência está uma garantia de proporcionalidade28.

Redução do valor da indemnização a arbitrar ao lesado que funciona depois de afirmada a responsabilidade - e é aceite em ordem, e em função de um princípio de proporcionalidade, por se considerar desajustado o resultado nos casos de responsabilidade fundada em mera culpa, ante, v.g., o grau de culpabilidade do agente e a disparidade das condições económicas29.

Acerca da capacidade económica dos Réus e ora recorrentes, a Relação desconsiderou a sua atenção por entender não corresponder a critério obrigatório e, por outro lado, carecer de alegação.

Na verdade, no quadro normativo os critérios ponderativos não se encontram limitados, nem em relação de prevalência.

Sendo possível discorrer sobre a obrigatoriedade ou a essencialidade do referido factor- capacidade económica do lesado e do lesante - na ponderação do valor da indemnização 30, outrossim não parece de aceitar uma qualquer relação de dependência com a eventual redução equitativa do respetivo montante.

Mafalda Miranda Barbosa explica que a relevância da condição económica do lesante e do lesado - « não pode ultrapassar a intencionalidade do artigo 494.º CC (…) o julgador não pode, ao arrepio do sentido de justiça vinculante, introduzir soluções distributivas que levem a privilegiar a posição daquele que se mostre financeiramente mais débil. Assim (…) o julgador não pode limitar o montante indemnizatório– sem consideração dos restantes elementos ponderativos ou ao arrepio deles – apenas e só por se confrontar um lesante cuja situação financeira é frágil.31»

De todo em todo, o obstáculo à sua ponderação situa-se na circunstância da imposição do ónus de alegação, que no caso os recorrentes não cumpriram.

Tal como se pronunciou a propósito o Supremo Tribunal de Justiça, inter alia, no Acórdão de 30.10.2008, cujo sumário é peremptório 32 :

« (..) IV “É à parte que pretende beneficiar da redução da indemnização prevista do art. 494.º do CC que incumbe o ónus de alegar factos susceptíveis de preencher a respectiva previsão.»

Posto isto. Cabia aos interessados alegarem os factos essenciais, que lhe poderiam ser favoráveis e, no caso, pretendendo a redução da indemnização33, trazerem aos autos tal matéria de facto34, com vista a ser sujeita à contraditoriedade e prova e, se porventura justificado, permitir em conjunto com o restante circunstancialismo, fundamentar in casu uma eventual redução da indemnização, cuja superação não compete ao tribunal, como bem decidiu o acórdão recorrido 35.

IV. Decisão

Pelas razões expostas, nega-se revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargos dos Réus e recorrentes.

Lisboa, 2 de Outubro de 2025

Isabel Salgado (relatora)

Carlos Portela

Catarina Serra

___________


1. Com destaque nas conclusões I,J,L,K. os recorrentes impugnam o juízo da Relação sobre o iter factual que precedeu a ocorrência e a dinâmica do evento danoso.

2. Cfr. Em anotação ao 672º , nº1, al) a do CPC, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa in CPC anotado I, 2ª edição,p.839.

3. Cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114º, p.320.

4. Os balaústres da varanda estavam colados à parede, e deveriam pelas legis artis, estar cravadas com ferro, que lhe daria a robustez para cumprir a função/finalidade que cumprem - guarda de corpos.

5. Tendo presente que a culpa se resolve num juízo de censurabilidade ou de reprovação de um comportamento do agente que só existe se tiver ocorrido a prévia violação de normas – i.e. a ilicitude – esta presunção de culpa é, no fundo, uma presunção de ilicitude, dado que, havendo dano provocado por uma coisa, se postula ter havido violação do dever de a vigiar- cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 2010, p. 584.

6. Inter alia, Antunes Varela in Das Obrigações, I, p.878; em contrário, Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, I, p.362.↩︎

7. Cfr. Pessoa Jorge in Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p.410; e Galvão Telles in Direito das Obrigações, p .409: “determinada acção será adequada de certo prejuízo, se tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem comum podia conhecer, essa acção se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.

8. In Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, 2003, pp. 890/94 e 899/900.

  in www.dgsi.pt;

9. No proc. 670/04.0TCGMR.S1, in www.dgsi.pt.

10. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª ed., pp 921, 922 e 930 .

11. A acção será causa adequada de certo dano se, atendendo às circunstâncias conhecidas do agente e as que o homem normal poderia conhecer, a acção, ou omissão, à luz das regras da experiência comum, surge “adequada à produção do dano, havendo fortes probabilidades de o originar.

12. Cfr. Pessoa Jorge - In Ensaio sobe os pressupostos da responsabilidade civil, 1995, pp 392/3.

13. Cfr. Artigos 342º, nº1, do CC e 607º, nº5, do CPC; e cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil “, p347.

14. De resto, as instâncias seguiram o caminho da jurisprudência e doutrina, que também acolhemos, no sentido de o artigo 492.º do Código Civil exigir a prova de que a ruína proveio de vício de construção ou defeito de manutenção, que favorece o lesante, em contraponto com a tese defendida, por exemplo por Menezes Leitão que defende a dispensa de tal requisito, sob pena da difícil tarefa do lesado em grande número de situações.

15. No caso, a demonstração factual da causalidade nestes parâmetros, torna desnecessário a abordagem do preenchimento do nexo de causalidade à luz da dogmática inovadora, como a teoria do escopo da norma, ou das esferas de risco-cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Do Nexo de causalidade ao nexo de imputação in “Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil”, Cadernos CEJ, 2018.

16. Menezes Cordeiro vai mais longe, e defende que as presunções em equação(artigos 491º do CC e seguintes)coenvolvem uma presunção de ilicitude, consagrando no nosso ordenamento jurídico, o modelo da falte - In Da Responsabilidade civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, p.469; entendimento também, em parte, defendido por Mafalda Miranda Barbosa, in Direito da Responsabilidade, uma disciplina jurídica autónoma, 2021, pp. 150/161.

17. Em desvio à regra geral do artigo 487.º, nº1, do Código Civil. A mencionar que alguma doutrina vem salientando que as hipóteses de presunção de culpa consagradas nos artigos 491º, 492º e 493º do Código Civil encerram, também, presunções de causalidade.

18. In Código Civil Anotado , vol. III, 2ª ed, p. 95

19. Cfr. Ana Taveira da Fonseca, in Responsabilidade civil pelos danos causados pela ruína de edifícios ou outras obras, em Novas Tendências da Responsabilidade Civil, 2007, pp. 129 ss.

20. Nas palavras de Vaz Serra, a responsabilidade pode ser afastada, não obstante o vício de construção ou de manutenção mediante a prova de que se observou a diligência devida- in Responsabilidade pelos danos causados por edifícios ou outras obras, BMJ, n.º 88 (1959), pp. 38 e 49.

21. Supondo que na génese está a defesa da sua tese principal, segundo a qual, a queda e os consequentes danos da Autora decorreram de culpa da mesma, o que excluiria a responsabilidade dos recorrentes em aplicação do artigo 570º, nº2,do CC.

22. In Código Civil anotado, I ; ali afirmam também que, ao referir-se ao concurso do facto culposo do lesado para a produção do dano, o legislador permitia que o mesmo fosse tanto causador do dano como dos danos diretamente provenientes desse facto, ou seja, abrangendo as situações em que o lesado tivesse contribuído para o resultado ou apenas para seu agravamento.

23. Com explica Antunes Varela. In RLJ, n.º 102, p.60, a lei quis arredar da norma os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável .

24. Direito das Obrigações, Volume I, 8.ª ed., página 332 e 333, quando refere “[p]ara este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando assim a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos. Naturalmente que por esse motivo, o lesado terá que ser imputável. A actuação culposa do lesado que contribui para os danos, não corresponde, porém, a um acto ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a ocorrência de danos para si próprio” e nota 704, quando refere “[p]ensamos, porém, que a conduta não censurável do lesado que contribua para os danos só poderá relevar nos termos do art. 494.º, e não para efeitos de aplicação do art. 570.º. “

25. Os recorrentes persistem em invocar matéria que não foi julgada provada e relativa à acção da lesada, aludindo a um impacto “forte e brusco “como causa do derrube da estrutura, em contraciclo com o acervo factual apurado sobre o tópico-cf. as alíneas o), p) e q) da matéria de facto não provada.

26. Cfr. neste sentido, o acórdão do STJ de 29-09-2011, proc. 679/07.2TCGMR.G1.S1 in www.dgsi.pt; na doutrina , Pereira Coelho, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967,1967, p.183, : “O Juiz não deverá fixar uma indemnização inferior só porque a culpa do agente seja leve ou porque a sua situação económica seja inferior à do lesado. Deverá usar da faculdade do artigo 494.º apenas quando, dado o volume dos danos, a indemnização que os cobrisse a todos fosse claramente injusta em face da pequena culpa do lesante, da disparidade de condições económicas das partes, etc.”

27. Cfr. M. MIRANDA BARBOSA, Reflexões em torno do artigo 494.º CC, in Revista de Direito da Responsabilidade – Ano 2 – 2020, publicação on-line, p. 824.

28. Bem sabemos que a interpretação e alcance do artigo 494º do CC não gera consensos, tendo v.g. o STJ se pronunciado pela inconstitucionalidade da consideração relativa à situação económica do lesado por violar o princípio da igualdade -cfr. ACSTJ de 24.04.2013, Proc. nº 198/06, in www.dgsi.pt.

29. No mesmo local, p. 852, nota 78.

30. Ibid., p. 842.

31. Local citado, p.840

32. No proc. 2978/08, disponível in www.dgsi.pt.

33. Quanto à circunstância de a redução de indemnização ter de ser requerida pelo agente, veja-se, exemplarmente, Ana Prata, Responsabilidade delitual nos Códigos Civis português de 1966 e brasileiro de 2002 in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas / [comissão organizadora] Armando Marques Guedes... [et al.]. - [2013], p 133, quando refere que [ não costuma ser sublinhado e parece importante é a de que ao tribunal não se afigura autorizada a redução da indemnização se o agente a não requerer; porém, tratando-se de preceito excepcional, que visa agravar a situação do lesado e beneficiar a do lesante, julgo ser incontroverso que o tribunal só o considere se tal lhe for pedido, de acordo com as regras gerais do processo civil.; ainda, na anotação ao artigo 494.º do Código Civil, Código Civil Anotado, Volume I (artigos 1.º a 1250.º) / coord. Ana Prata, 2017, página, 643.

34. Citando as situações semelhantes que foram tratadas nos acórdãos do STJ de 07-03-2019, proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1,de 09-03-2019, proc. 683/11.6TBTVR.L1.S2 e 30-11-2021, proc. 5344/16.8T8ALM.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.