Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | RECUSA DE JUÍZ JULGAMENTO IMPEDIMENTOS DO JUIZ OBJECTO DO PROCESSO | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - A admissibilidade do recurso da decisao de não reconhecimento de impedimento aposto a juiz desembargador para o STJ emerge da norma especial do artº 42º 1 CP P e do artº 433º do mesmo código II - O julgamento previsto no artº 40º c) CPP é essencialmente o realizado em 1ª instância seja ele por parte do tribunal da Comarca seja da Relação ou do Supremo quanto intervêm nessa qualidade, por estarem em causa os factos já apreciados anteriormente no primeiro julgamento visto que a sua finalidade “ é afastar a intervenção de um juiz de participar em processo em que venha apreciar a questão substantiva dos autos que foi objeto de anterior decisão / ponderação, em que igualmente participou…” III - Objecto do processo, é o fixado pela acusação ou despacho de pronuncia que descreve os factos da vida real que foram investigados e vão ser submetidos a julgamento e objecto de decisão de condenação ou absolvição. IV - Se no primeiro recurso objecto do recurso era o de saber se devia ou não ser revogada a pena suspensa, e no segundo se a pena devia ser cumprida no estabelecimento prisional ou na habitação do arguido, em nenhuma das decisões esteve em causa o objeto do processo (os factos já julgados que levaram à sua condenação), e em nenhuma delas se impunha a apreciação da situação de facto anterior que envolvera a respectiva decisão, sendo perfeitamente autónomas. V- A razão de ser do impedimento traduz-se no facto de o julgador ao tomar uma decisão - o que implica a formação de juízos e convicções inerentes à mesma -, poder ser condicionado em futuras decisões por aqueles juízos já expressos e isso poderia afectar a sua imparcialidade objectiva, - o que levou o legislador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, e na comunidade, apreensões e receios, sobre a sua imparcialidade por influência do decidido – não subsiste por as circunstâncias, factos e os juízos apreciativos a emitir em vista da decisão, serem divergentes. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Proc. nº nº37/14.2IDLRA do Tribunal da Comarca de Leiria – juízo local criminal das Caldas da Rainha – Juiz 2 em que é arguido AA, foi por despacho por despacho de 4/9/2024, indeferido o requerimento do arguido AA, no sentido de o pagamento por si entretanto efectuado ser atendido como cumprimento da obrigação imposta à suspensão da pena de prisão, e foi ordenada a oportuna emissão de mandados de detenção daquele, por não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 43º do C.P. para o cumprimento da pena em que foi condenado nos autos ocorrer em regime de permanência na habitação. Inconformado recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual por acórdão de 9/4/2025 decidiu: - Desatender o pedido de recusa por impedimento da Mª Juiz Desembargadora relatora, e - No mais julgar “ totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o despacho recorrido.” Recorre o arguido para este Supremo Tribunal o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes e extensas conclusões: “I - Por via de requerimento apresentado no dia 30 de janeiro de 2025, foi suscitado o impedimento da Mmª Relatora no termos do artigo 40.º n.º 1 c) do C.P.P., tanto que a apelação interposta pelo arguido não se enquadra no âmbito do artigo 379.º, n.º3 do C.P.P., normas que foram neste caso violadas. II - Apresenta-se breve explanação: Por sentença de 7/09/21, o arguido viu ser-lhe aplicada pena de prisão suspensa por 18 meses, com a condição de proceder à entrega de € 20.000,00 junto da A.T., tendo instruído previamente à audiência de condenado, 16 documentos justificativos da sua incapacidade. III - O arguido emigrou em 2020 na pendência do processo, demonstrou ser motorista de crianças, tendo um rendimento mensal de 4035, 64€, que para a realidade Suíça, não lhe possibilitou uma poupança que permitisse o pagamento. IV - O Tribunal a quo a 10/10/23, revogou a pena suspensa, sem concessão de prorrogação nos termos do artigo 55.º do C.P, tendo o arguido apelado junto do TRC, que manteve a decisão de revogação, não obstante o voto de vencida elaborado pela então Exma. Juíza Desembargadora, Dra. Maria Teresa Coimbra, que defendeu o enquadramento do caso àluz da alínea a) ed) artigo 55.º do Código Penal. V - O que sustentou por via da inequívoca integração social e laboral do arguido, e por via da alusão ao facto de a principal finalidade subjacente à suspensão, ser o afastamento do arguido da prática de crimes, sendo que neste caso o arguido era primário até estes autos, e durante a suspensão até ao presente, em nenhum ilícito incorreu. VI - O arguido alegou a nulidade do Ac. do TRC por omissão de pronúncia quanto a certa questão central, pois insinuou o Tribunal a quo que o condenado “ao longo da sua audição não revelou disponibilidade para proceder ao pagamento futuro de nenhuma quantia à Fazenda Nacional por conta dos referidos € 20.000,00”, afirmação que é falsa e que contribuiu para afastar o arguido da possibilidade de prorrogação, não tendo a Mmª Relatora exercido pronúncia quanto aos argumentos da defesa. A nulidade foi indeferida. VII - Antes de conhecida essa decisão, o arguido dirige requerimento a 9/5/24 à Mmº Relatora, perguntando se caso fizesse pagamentos junto dos autos, se os mesmos poderiam ser considerados em seu prol, e a resposta foi: “O primeiro requerimento de 9/5/2024 deverá ser apreciado pelo Tribunal de primeira instância.”(página 1, acórdão 22 de maio de 2024) VIII - Porém, antes da decisão atingir o seu trânsito em julgado, o condenado pagou a injunção imposta, através de meios de terceiros, no dia 3/6/2024, 3 meses antes da audiência de 04/09/2024, da qual resultaram os despachos, que foram objecto impugnação junto do TRC. IX - A audiência de 04/09/2024 foi determinada pois o Ac. do TRC declarou nula a sentença a quo, mas apenas na parte em que esta não se pronunciou sobre a ponderação do cumprimento da pena de prisão, em regime de permanência da habitação, pois a decisão de revogação manteve-se imutável. X - Após o requerimento de 4/6/2024 a dar conhecimento do pagamento, a 24/07/2024 o arguido remeteu novo requerimento, invocando que, tendo conseguido o pagamento antes do trânsito da decisão de revogação, teriam deixado de existir antes desse trânsito, quaisquer razões em sede de finalidades das penas, que legitimassem a privação da sua liberdade. XI - No dia 4/09/24, a Mmª Juiz a quo expressou em audiência que não podia atender ao pagamento, alegando o esgotamento do seu poder jurisdicional, com a prolação da decisão de revogação, sendo que deste despacho foi interposto recurso, não enquadrável no artigo 379.º nº3 CPP., pelo que não poderia ser atribuído à mesma relatora, sob pena de violação do artigo 40.º n.º1 c) do C.P.P. e consequente cometimento de nulidade nos termos do artigo 119.º, alínea e) do C.P.P., como veio a suceder. XII - O arguido submeteu questão nova nos termos do artigo 621.º do C.P.C, cuja apreciação não estaria vedada pelo esgotamento do poder do juiz,-ao ser matéria não antes conhecida,- tanto que o pagamento ocorre antes do trânsito da decisão de revogação, significando que antes desse momento, deixou de existir qualquer razão à luz do artigo 40..º CP, apta a legitimar a prisão, facto que em prol das garantias do arguido tem de ser conhecido. XIII - A própria Mmª Relatora defende o não conhecimento da questão nova, quando como citado na conclusão VII, havia respondido ao arguido quanto ao seu requerimento de 9/05/2024, que a competência para essa decisão cabia à 1ª instância. XIV - A defesa entende que a Mmª Relatora não poderia ter julgado a derradeira apelação, onde perante factos novos voltou a deliberar acerca da liberdade ou não liberdade do mesmo individuo. XV - Quando o recurso apresentado e que lhe foi atribuído, não é um recurso interposto de decisão proferida na sequência de anulação em recurso de uma decisão anterior nos termos previstos no artigo 379.º n.º3 do C.P.P., mas sim, um recurso na sequência de uma decisão que perante factualidade nova, invocou o esgotamento do seu poder jurisdicional. XVI - A douta julgadora reconhece a páginas 22 que, “Efectivamente, o acórdão supramencionado no ponto III, 3., que confirmou a revogação da suspensão da pena de prisão decidida pela primeira instância, foi relatado pela mesma Juiz que ora relata o presente acórdão.” XVII - Ao versar sobre a alínea c) do n.º1 do art. 40.º C.P.P., a Mmª Relatora expressa que esta norma “reporta-se ao julgamento em primeira instância”; sendo que acaba a não declarar impedimento por considerar que o recurso foi interposto na sequência de anulação, em recurso, de uma decisão anterior, no termos do art. 379 n.º3 do C.P.P, razões que aqui se impugnam. XVIII - No que concerne à alegação de a alínea c) do n.º1 do art. 40.º do C.P.P. ser aplicável apenas à 1ª instância, não se percebe o fundamento pois vários acórdãos já se pronunciaram no passado sobre eventual impedimento de juízes desembargadores, não se alcançando a fonte de direito para a dita afirmação. XIX - Não nos encontramos também perante “recurso de uma decisão proferida na sequência de anulação, em recurso, de uma decisão anterior…”, pois a apelação impugna antes de mais e de modo central, o novo posicionamento do Tribunal a quo assente na invocação do esgotamento do seu poder em face da questão nova que lhe fora submetida, que teve lugar em momento prévio ao trânsito em julgado da decisão. XX - O Ac. de 24/04/24 que determinou o suprimento da nulidade julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido no que toca à revogação da suspensão da pena de prisão, pelo que quanto à questão de fundo relacionada com a justiça da revogação da suspensão da pena de prisão, não existiu anulação, tendo sido a decisão da 1ª instância, mantida na íntegra. XXI - O recurso interposto não se enquadra no artigo 379.º, n.º3 do C.P.P., pois a nova decisão proferida pela Mmª Juiz a quo, mais que suprir a nulidade em questão, invocou o esgotamento do seu poder em despacho autónomo, como fundamento para o não conhecimento do facto novo carreado pelo arguido, consubstanciado no pagamento da injunção, previamente ao trânsito em julgado da decisão de revogação. XXII - Antes da definitividade da decisão, em requerimento de 24/7/24, deixou de subsistir qualquer fundamento à luz do artigo 40.º do Código Penal, apto a justificar a prisão de um cidadão primário, integrado na sociedade suíça onde trabalha, que paga pontualmente todos os meses, pensão de alimentos no valor de 280€ ao seu filho menor, e que acabou a contrair um empréstimo para pagar parte da injunção, que deixará de honrar se for preso. XXIII - Crê a defesa, que o espectro da apelação interposta e admitida, transcende absolutamente a previsão do artigo 379.º n.º3 do C.P.P., pois o recurso acaba a ser interposto não de uma decisão proferida na sequência de anulação, mas na sequência de uma decisão que invocou o esgotamento do poder do juiz perante nova factualidade que lhe fora carreada. XXIV - Questão nova, enquadrável pelo menos, ao abrigo do artigo 621.º do C.P.C., suscitada em momento prévio ao trânsito em julgado, apta a impor um novo juízo critico sobre a finalidade, proporcionalidade e adequação da pena, pela insubsistência superveniente à decisão mas prévia ao trânsito da mesma, de qualquer razão à luz do artigo 40.º do C.P., apta a justificar a prisão. XXV - Salientou-se a posição do Prof. Dr. Rui Pinto quando expressa que, “a intangibilidade da decisão proferida encontra-se limitada pelo respectivo objecto, ou seja, a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão.” XXVI- Aludiu-se ao confronto entre o princípio da proporcionalidade e o princípio que professa a estabilidade das decisões judiciais, tendo-se defendido que nada impediria a douta julgadora, de valorar a ocorrência deste facto em momento prévio ao trânsito, também por força do princípio que consagra a conformação do processo penal com as garantias de defesa do arguido. XXVII - O Ac. do TRC diz que o pagamento é extemporâneo e expressa a páginas 25 que a 24/04/24 o arguido não havia efectuado qualquer pagamento, mas depois desconsidera o pagamento integral a 3/6/24 quando em ambas as datas, estamos perante o mesmo momento temporal, que é o que medeia a tomada de decisão de revogação e o seu trânsito em julgado. XXVIII - Questionada a 9 de maio de 2024, sobre se o arguido podia fazer nesse momento, pagamentos junto dos autos a Mmº Relatora disse que tal era da competência da 1ª instância, porém, acaba a secundar o não conhecimento pelo tribunal a quo do pagamento feito no dia 3/6/24. XXIX - Pelo que deriva este núcleo de discussão, da decisão que veio suprir a nulidade determinada? Cremos respeitosamente que não, sob pena de ficar em causa as garantias do processo criminal, assim como a segurança jurídica e a protecção da confiança dos cidadãos. XXX - Como refere no Ac. STJ de 10-03-2010: “O envolvimento do juiz no processo, através da sua directa intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, o que sempre implica a formação de juízos e convicções, sendo susceptível de o condicionar em futuras decisões, assim afectando a sua imparcialidade objectiva, conduziu o legislador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objectivamente fundados.” XXXI - A Exma. Relatora decidiu num primeiro julgamento em conferência, manter a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, sendo-lhe atribuído posteriormente o julgamento de nova apelação na qual se impugna, matéria que nada tem que ver com a nulidade cuja supressão se ordenou, e que aportou esta necessidade de nova deliberação, sobre a justiça de manter a privação da liberdade do arguido. XXXII - Não será consentâneo com a teleologia subjacente ao artigo 379.º n.º3 C.P.P, que a mesma julgadora que formulou num primeiro momento, uma convicção de estar perante uma violação grosseira dos deveres impostos e que sentiu que a solução seria a prisão efectiva, possa vir posteriormente, no mesmo processo e quanto ao mesmo arguido, libertar-se das suas pré-concepções, e defender uma posição diferente, mesmo perante facto atendível. XXXIII - A defesa crê que o impedimento nos termos da alínea c) existe, pois a liberdade do arguido foi exposta ao mesmo crivo, após a interposição de recurso de decisão não foi proferida em consequência de nulidade decretada pela Relação, o que nos coloca fora do âmbito do artigo 379.º n.º3 do C.P.P. e perante a necessidade de distribuição, aqui omitida, o que traduz nulidade nos termos do artigo 119.º, alínea e) do C.P.P. XXXIV - Impugna-se o fundamento aposto pela Exma. Relatora a páginas 23, de aplicabilidade da alínea c) do artigo 40.º, apenas à primeira instância, pois tal estatuição não resulta de nenhuma fonte de direito, e a douta julgadora também não a menciona. XXXV - Impugnando-se também o fundamento a pág. 24(1º parág.), pois a Mmª Relatora interveio no recurso de uma decisão proferida, não na sequência de uma anulação (a decisão de revogação manteve-se na íntegra), mas na sequência da submissão de nova factualidade, que gerou um novo posicionamento do Tribunal a quo, assente no esgotamento do seu poder, posicionamento que foi impugnado e que em nada se relaciona com o suprimento da citada nulidade. XXXVI - Sem prejuízo e uma vez querendo tomar conhecido da apelação, crê-se que a Mmª Relatora deveria ter valorado o facto à luz do artigo 621.º do C.P.C. e 32.º n.º1 da C.R.P., porém, acabou a entender que a Justiça no caso concreto, ficaria assegurada com o desenraizamento social e profissional do arguido. XXXVII - Determinando de modo inaudito que um cidadão primário, sem qualquer perfil delinquente e que pagou a injunção antes da definitividade da decisão, deva enfrentar a realidade da prisão. XXXVIII - Ao abrigo dos fundamentos atrás explanados, suscita a defesa do arguido, a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída do artigo 379.º n.º3 do C.P.P., melhor descrita no art.º 70.º do presente recurso. XXXIX - Sem conceder, o arguido, no seu requerimento de 30/01/25, aludiu também a possível irregularidade na distribuição, tendo requerido certidão da operação de distribuição do dia 20/12/24, nos termos do artigo 204.º n.º5 do C.P.C, que não foi fornecida ao mandatário, em violação da citada norma. XL - Pela posição expressa da Mmº Relatora, percebe-se que a apelação foi-lhe atribuída e não distribuída, facto que se impugna, não obstante a inobservância do exposto no n.º 6 do artigo 204.º do C.P.C., por omissão dos fundamentos subjacentes à atribuição. XLI - No CITIUS, surgiu a indicação de o recurso interposto ter sido “distribuído por sorteio” no dia 20/12/24, o que é uma menção incongruente com a atribuição que a Mmª Relatora defende ter-lhe sido realizada à luz do artigo 379.º n.º3 do CPP. Pelo que a informação da pauta está errada, em violação do artigo 209.º n.º2 do C.P.C. XLII - O arguido nunca conheceu os fundamentos previstos no artigo 204.º n.º6; nunca teve acesso a qualquer certidão da ata inerente à operação de distribuição conforme o n.º5; e se quanto à Mmª Juíza Presidente é sabido que a própria quis essa atribuição, o certo é que quanto à distribuição do recurso às Exmas. Juízas Adjuntas (que não integraram o colectivo do primeiro recurso), também nada está documentado, facto que contende com a previsão do artigo 213.º, n.º3, a) do C.P.C. XLIII - O arguido suscitou em tempo a possível irregularidade na distribuição, bem antes da conferência, e a mesma foi ignorada, tendo sido lavrado um acórdão que compromete as suas legitimas expectativas, dentro de um quadro legal, em que o admissível seria, poder manter a sua liberdade. XLIV - Invoca-se assim junto de V. Exas que a irregularidade invocada em requerimento do dia 30/01/25, não foi reparada, sendo apta a afectar o valor do acto praticado, neste caso o acto decisório emanado do TRC , por violação dos artigos 204.º, n.º4, n.º5 e n.º6, assim como o artigo 209.º n.º 2 e 213.º n.º3 a) do C.P.C. XLV - Não foi assim fornecida acta da operação de distribuição como requerido; não foram elencadas as razões para a atribuição do recurso à Exma. Relatora e nada se deu a conhecer sobre o sorteio das Exmas. Juízas Adjuntas que vieram compor o colectivo, factos que consubstanciam irregularidade nos termos do art.º 123.º n.º2 do C.P.P. pois afectam o valor da decisão e inerentemente as garantias processuais do arguido. XLVI - Traz ainda o presente recurso irregularidade nos termos do artigo 123.º, n.º2 do C.P.P. por violação do artigo 41.º n.º2 do C.P.P., uma vez que ao contrário do aí previsto, a Mmª Relatora não proferiu “o despacho no prazo máximo de cinco dias.” XLVII - Após o requerimento apresentado no dia 30/01/25, a douta julgadora apenas se pronuncia sobre o impedimento suscitado, no próprio Ac. de 10/04/25, facto que para além de ilegal consubstanciará mais uma irregularidade apta a comprometer o valor do acórdão que acabou a ser proferido. XLVIII - A Mmª decide a questão no âmbito do recurso (vide ponto IV), quando a mesma foi levada muito antes dessa apreciação, sendo completamente autónoma das alegações de recurso, pelo que a sua contemplação em sede de “apreciação de recurso”, compromete os direitos e garantias do arguido e viola a lei, designadamente, o artigo 41.º n.º2 do C.P.P. XLIX - Estaremos perante uma irregularidade, apenas conhecida com a prolação do acórdão, sendo desde logo este o primeiro argumento para defender que a irregularidade afectou o valor da decisão tomada, pois o legislador ao prever decisão no prazo máximo de 5 dias, não quis fazer desta uma questão menor. L - Pretendeu-se que antes de novas incidências na tramitação, esta questão seja dilucidada, o que terá sido preconizado para garantir uma tramitação o mais regular possível mas também, para assegurar os direitos do arguido, que de uma decisão que não reconheça o impedimento, tem direito a recorrer, com efeito suspensivo. LI - A Mmª Relatora cometeu irregularidade que impacta nas garantias processuais do arguido, constrangendo entre outros, o seu direito de recorrer, pois ao decidir da questão do impedimento apenas no acórdão e no âmbito da apreciação do recurso, profere duas decisões de natureza distinta, com diferentes prazos de recurso a exercer, junto de diferentes instâncias superiores. LII - Pois o arguido vê-se na contingência de ter de recorrer para o STJ nos termos do artigo 42.º, n.º1 do C.P.P. do impedimento não reconhecido; e quanto ao mérito da manutenção da revogação ao ser mantida a decisão, é teoricamente admissível recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez terem sido invocadas inconstitucionalidades junto do TRC. LIII - Esta sobreposição de decisões com diferentes regimes de recurso deverá ser decretada como irregularidade nos termos do artigo 123.º n.º2 pois o legislador não preconizou com a redacção da parte final do artigo 41.º n.º2 do C.P.P. que o arguido antes, ou em simultâneo a um recurso para o STJ a propósito de impedimento não reconhecido, tenha que também acautelar junto do Tribunal Constitucional o competente recurso quanto às inconstitucionalidades arguidas. LIV - Trata-se de irregularidade que afectou o valor da decisão, pois não poderia ser o recurso decidido pela Mmª Relatora, mas também porque ao não respeitar o prazo previsto na no artigo 41.º, n.º2 do C.P.P., constrangeu as possíveis vias de refutação que nos termos da Lei, assistem o arguido em sede daquelas que são as suas garantias reconhecidas. LV - Por último, suscita-se junto de V. Exas, a irregularidade da não aplicação do artigo 621.º do C.P.C. por força do disposto no artigo 4.º do C.P.P., nos termos do artigo 123.º, n.º2 do C.P.P. LVI - Defendeu o arguido que o pagamento da injunção, prévio ao trânsito poderia e deveria ter sido relevado, por constituir a submissão de questão nova, tendo-se suscitado o seu enquadramento à luz do artigo 621.º do Código de Processo Civil. LVII - A douta Relação ao abrigo desta visão irregular de não aplicação subsidiária do artigo 621.º do C.P.C., acabou a não reconhecer a existência de uma questão nova que nos termos da lei sairia fora da sua égide de julgamento, nos termos do artigo 379.º n.º3 do C.P.P. LVIII - Observado o escrito a pág. 28 pela Mmº Relatora, expressa-se que a defesa invocou o artigo 621.º do C.P.C. não para defender a existência de lacunas no regime dos art.ºs 51.º, 55.º e 56.º, mas para sustentar que o aludido esgotamento ocorreu apenas nos precisos limites e termos em que julgou e não quanto à matéria levada nos requerimentos de 4/6/24 e 24/7/24, pois o processo penal não tem norma própria quanto ao alcance do caso julgado e neste caso aquando do pagamento, ainda não havia trânsito em julgado da decisão de revogação. LIX - A Exma. Relatora rejeita a apreciação do pagamento à luz do artigo 621.º, afirmando a sua não aplicabilidade ao caso concreto, quando por via do mesmo e antes do trânsito, deixaram de subsistir razões à luz do artigo 40.º do CP para a manutenção da privação da liberdade. LX - Suscitou-se Ac. do TRG, de 2/5/24, Proc. 2851/14.0T8VNF.G1 que indica que, “(…) a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão”, acabando a estatuir, “Não ocorre violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional sempre que o juiz se pronuncie de novo sobre uma questão que lhe é suscitada.” LXI - Se o que se defende carecesse de lógica, o Ac. STJ de 9/12/10, lavrado no âmbito do processo 346-02.3TAVCD-B.P1.S1, Relator Dr. Rodrigues da Costa, não teria declarado “que o arguido podia até ao trânsito em julgado de tal despacho (de revogação), proceder ao pagamento integral da divida.” LXII - Terá assim a Mmª Relatora incorrido em irregularidade nos termos do art.º 123.º, n.º2 do C.P.P. hábil apôr em causa o valor da decisão tomada, ao não aplicar ao caso concreto e por força do artigo 4.º do C.P.P., o artigo 621.º C.P.C., o que se imporia na senda da observação das garantias do arguido, uma vez que à luz do artigo 40.º do Código Penal, antes do trânsito da decisão de revogação, deixou de existir qualquer razão apta a manter a privação da liberdade. LXIII - Irregularidade que deverá ser decretada com as consequências inerentes pois a não aplicação subsidiária da citada norma, entronca num entendimento de extemporaneidade do pagamento pela Mmª Relatora, que não é assertivo, sendo até incongruente. LXIV - No Ac. de 24/04/24 expressa que nem até essa data o arguido fez pagamentos (pág 21-1.º parág.), ideia que volta a repetir a páginas 25 do presente acórdão, mais tarde, em Ac. de 22/5/24 e respondendo ao requerimento do arguido de 9/5/24 que perguntava se podia fazer pagamentos junto dos autos, a Exma. Relatora, diz: “O primeiro requerimento de 9/5/2024 deverá ser apreciado pelo Tribunal de primeira instância”. LXV - O certo é que o pagamento do arguido, tendo ocorrido no dia 3/6/24 foi realizado dentro do mesmo balizamento temporal em que foi proferido o Ac. de 24/04/24, ou seja dentro do espaço de tempo que medeia a decisão de revogação e o seu trânsito em julgado, pelo que se o pagamento seria admissível a 24/04 também o seria a 3/6, pois em qualquer caso não havia trânsito da decisão, pelo que a sua não relevância por via da não aplicação do artigo 621.º, é uma irregularidade que afecta a decisão. LXVI - Refere a douta julgadora a páginas 25, o decurso de um “novo período de seis meses” após a decisão de revogação, como se ao arguido tivesse sido concedida alguma prorrogação nos termos do artigo 55.º do CP, e como se este não tivesse direito por lei, a recorrer das decisões que considera injustas, quando em causa está a injusta privação da sua liberdade! LXVII - Ficando à vista que ao arguido seria sempre árduo saber com o que contar, pois a Mmª Relatora expressa que no dia 24/04/24, o arguido ainda ia a tempo de pagar e evitar a prisão, mas no dia 3/06/24 já não, sem que se perceba a lógica subjacente. LXVIII - A afirmação de que o art.º 621.º do C.P.C. não é de aplicar ao caso concreto, consubstancia irregularidade que afecta o valor da decisão nos termos do art.º 123.º n.º2 C.P.P., ao coadjuvar na sustentação de um juízo que é ilegal e que mantém uma pena de prisão sem requisitos, pois o pagamento não foi extemporâneo, e o requerimento deveria ter sido conhecido nos termos daquela disposição. LXIX - A interpretação normativa extraída do artigo 621.º do C.P.C pela Mmª Relatora é ainda inconstitucional, conforme elaboração levada a cabo no presente recurso, no artigo 118.º. LXX - Referir por último que na pendência do processo penal e após o colapso da empresa do seu pai, o arguido emigrou para a Suíça para refazer a sua vida; nunca antes tinha tido averbada qualquer condenação e em nenhum ilícito incorreu no período de suspensão; pagou a injunção antes do trânsito da decisão de revogação o que fez recorrendo a empréstimos que incumprirá se for preso; tem um trabalho digno e de responsabilidade de motorista de crianças; está enraizado e integrado na sociedade; sempre pagou pontualmente pensão de alimentos no valor de 280 € junto do seu filho menor. LXXI - Tendo a Mma Relatora expressado a pág. 31, que não vê onde está a desproporção da decisão, reitera-se junto de V. Exas que um individuo sem razões à luz do artigo 40.º do C.P. ainda antes do trânsito da decisão de revogação, ficará privado da sua liberdade; será desenraizado da sociedade e do seu trabalho; deixará de pagar pensão de alimentos e entrará em incumprimento face a empréstimos que contraiu; terá de enfrentar o nefasto ambiente prisional que nunca foi o seu; e após, terá de voltar a erguer-se e a reconstruir aquilo por que tem lutado, e que apenas corresponde ao desejo de poder manter uma vida digna. Termos em que se requer junto de V. Exas, seja o presente recurso admitido por estar em tempo, concedendo a Douta decisão provimento ao mesmo por provado, podendo ser conhecidas e relevadas as quatro questões autónomas apresentadas, designadamente, ser decretada a nulidade suscitada nos termos do artigo 119.º alínea e) do C.P.P. por violação do artigo 40º. n.º1 c) e 379.º n.º3 do C.P.P., sem prejuízo de caso V. Exas assim entendam como justo, poderem ser decretadas as irregularidades suscitadas nos termos do artigo 123.º n.º2 do C.P.P., por afectarem o valor da decisão tomada, podendo ser estatuídas as respectivas consequências.” Respondeu o Mº Pº, o qual pugna pela rejeição parcial do recurso e improcedência no demais, formulando as seguintes conclusões: 1. O arguido AA vem recorrer do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.04.2025. 2. O qual julgou improcedente o impedimento da Mmª Juiz Relatora, nos termos do artigo 40.º n.º 1 c) e d) do C.P.P., por não ter participado em decisão anterior e a intervenção anterior não conheceu, a final, do objeto do processo, mas tão só de uma questão processual. 3. Sendo o recurso admissível porquanto visa o conhecimento de decisão na qual o juiz não reconheceu o impedimento para participar no processo. 4. Mas sem que tenha o alcance que o recorrente lhe deu. 5. Por pretender ver discutida a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância e relativamente à qual o acórdão do Tribunal da Relação proferiu acórdão em 09.04.2025 julgou improcedente; 6. Sendo inaplicável o disposto no art.º 432.º do C.P.P. e, em aplicação do disposto no art.º 400.º n.º 1 al. c) do CPP, deverá, neste segmento, ser o recurso rejeitado. 7. A alegação de que a Sr.ª Juiz se encontrava impedida, nos termos do disposto no art.º 40.º, n.º 1 al.sc)e/ou/d), do C.P.P, por ter proferido decisão do recurso de apelação anterior e o atual recurso não se enquadrar no âmbito do art.º 379.º, n.º 3 do CPP, impondo-se a distribuição do processo e não atribuição, foi praticada a nulidade insanável, cfr. art.º 119.º al. e) do C.P.P. 8. Enferma de manifesto lapso. 9. Já que a sentença condenatória da 1.ª instância datada de 07.9.2021 que condenou o arguido pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, 103º e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigação de pagar, durante o período da execução, não foi objeto de apelação. 10. Tendo em ambos os acórdãos do Tribunal da Relação- 24.04.2024 e, 09.04.2025 - sido apreciadas questões processuais nunca tendo o juiz participado em julgamento anterior; 11. Nem proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido do objeto do processo. 12. Carecendo de fundamento o alegado impedimento, assim como a atribuição do novo processo ao mesmo Relator, por se verificar o disposto no art.º 379.º n.º 3 do C.P.P.; 13. Já que o processo foi distribuído em conformidade com o disposto o art.º 204.º n.ºs 1, 3, 4, als. a) e b) do C.P.C., sem qualquer irregularidade.” Neste STJ o ilustre PGA foi de parecer que o recurso deve improceder quanto à impedimento suscitado e rejeitado o recurso quanto às demais questões. Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP O arguido respondeu defendendo o seu recurso e invocando o processado quanto à instrução do recurso para a Relação, e seus incidentes, ultrapassando o âmbito do parecer a que responde. Procedeu-se à conferência com observância das formalidades legais Cumpre apreciar. Consta do acórdão recorrido (transcrição) “II. OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer : - Manutenção da revogação da suspensão da execução da pena de prisão perante o cumprimento do dever imposto na sentença; - Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 613, nº 1 do C.P.C. e 56º, nº 1 do C.P. por violação dos artigos 13º, nºs 1 e 2, 18º, nº 2, 27º, nº 2, 30º, nº 4 e 32º, nº 1 da CRP; - Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 43º, nº 1 do C.P. por violação dos artigos 13º, 18º, nº 2, 27º, nº 2, 30º, nº 4 e 32º, nº 1 da CRP; III. FUNDAMENTAÇÃO Definidas as questões a tratar, importa considerar a seguinte sucessão de actos processuais: 1 – Em 7/9/2021 foi proferida sentença, transitada em julgado em 20/12/2021, que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, 103º e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigação de pagar, durante o período da suspensão, a quantia de 20.000 euros à Fazenda Nacional, juntando o respectivo comprovativo aos autos. 2 – Em 6/10/2023 foi proferido despacho a declarar o incumprimento culposo e grosseiro da condição imposta à suspensão da pena de prisão, que foi revogada e, em consequência, ordenado o cumprimento de 18 meses de prisão efectiva. 3 – Por acórdão desta Relação prolatado em 24/4/2024, foi mantida a revogação da suspensão da pena de prisão, mas foi declarada nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia relativamente à não ponderação do cumprimento da pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação . 4 – Por acórdão desta Relação de 22/5/2024, foram indeferidas as nulidades invocadas pelo recorrente relativamente ao acórdão de 24/4/2024. 5 – Por requerimento datado de 4/6/2024, o arguido, ora recorrente, juntou comprovativo do pagamento do valor de 20.000 euros à Autoridade Tributária e Aduaneira, efectuado em 3/6/2024, pretendendo evitar a emissão de mandado de detenção. 6 – Em 24/7/2024 o arguido, ora recorrente, veio requerer a extinção da sua pena, por o pagamento aludido no ponto anterior ser anterior ao trânsito em julgado do acórdão aludido no ponto 3, pelo que permite a aferição de um juízo de prognose favorável. 7 – Foi designada data para a prestação de consentimento do ora recorrente para a aplicação da obrigação de permanência na habitação, tendo o arguido sido notificado com a informação de que a sua ausência injustificada inviabilizaria a prestação de consentimento, e de que deveria, até à data designada, indicar uma morada em território nacional onde pudesse cumprir a medida . 8 – No dia em questão – 4/9/2024 - o arguido faltou, tendo junto a seguinte declaração, por si assinada, para justificar a ausência à diligência: «esta audiência se realize sem a minha presença». 9 – Foram então proferidos os seguintes despachos : «Relativamente ao requerimento de 24-07-2024, cumpre decidir: Veio o condenado no dia 04-06-2024 juntar aos autos comprovativo do pagamento de € 20.000,00 à Autoridade Tributária, requerendo agora que o mesmo seja atendido como cumprimento da obrigação imposta à suspensão da pena de prisão, por no momento em que ocorreu o pagamento ainda não ter transitado o acórdão da Relação de Coimbra que confirmou a decisão da 1ª instância, de revogação da suspensão da pena de prisão. Quanto ao teor deste requerimento, impõe-se esclarecer o seguinte: O poder jurisdicional deste Tribunal esgotou-se com a prolação da decisão de revogação da pena de prisão, independentemente do momento do trânsito de tal despacho, nos termos do disposto no art.º 613, nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o art.º 4º, do Código de Processo Penal. Á data da prolação de tal despacho e, bem assim, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a obrigação imposta à suspensão da pena não se encontrava cumprida. De qualquer forma, o valor pago à Autoridade Tributária era efetivamente devido, independentemente da obrigação oportunamente imposta à suspensão da pena de prisão. A decisão de revogação da suspensão da pena de prisão, por decisão transitada em julgado, implica o cumprimento da pena de prisão estabelecida na sentença, seja em estabelecimento prisional, seja no domicílio, não sendo possível a extinção pelo pagamento, como ocorre em caso de condenação em pena principal de multa, convertida em prisão subsidiária, que não é o caso dos autos. Em face do exposto indefere-se o requerido pelo condenado. Relativamente à ausência do arguido: O mesmo veio justificar os motivos da sua ausência e nessa medida, não será condenado em pena de multa. De qualquer forma não deixa de inviabilizar a prestação de consentimento para o cumprimento desta pena em permanência na habitação, como resultava expressamente do despacho que designou a presente diligência. Por outro lado, até ao momento, o arguido também não forneceu qualquer morada em território nacional, conforme convidado a fazer no mesmo despacho, onde pudesse cumprir a pena em regime de permanência na habitação.». 10 – De seguida, a Mm.ª Juiz de Direito deu a palavra ao Ilustre Mandatário do Arguido no sentido de, ultrapassada a questão de existir uma reversão na decisão, se a defesa pretende que o Tribunal agende uma nova data para prestação do referido consentimento para cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. Pelo Ilustre Mandatário do Arguido foi dito que é impossível indicar uma morada em Portugal para cumprimento da prisão domiciliária, não tendo igualmente requerido novo prazo para prestação de consentimento. 11- Na sequência foi então proferido o seguinte despacho: «Perante a posição assumida pela defesa que, perante a ausência do arguido, não manifestou abertura para a prestação de consentimento noutra data, conjugado com o teor do despacho proferido, em que o condenado foi expressamente advertido das consequências da sua ausência, fica inviabilizada a prestação de consentimento presencial, prescrito na Lei. Por outro lado, não houve também indicação de morada em território nacional, pelo que é absolutamente inconsequente solicitar outras diligências com vista a apurar da possibilidade do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. A obrigação de permanência na habitação depende expressamente do consentimento do condenado. Não constando o mesmo dos autos, não tendo o mesmo comparecido e manifestando a defesa essa inviabilidade, entende-se que não se encontram reunidos os pressupostos previstos no art.º 43º, do Código Penal. Pelo que, oportunamente, deverão ser emitidos os mandados de detenção com vista ao cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional.». IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO Questão prévia Antes de entrarmos no mérito do recurso, importa apreciar se assiste razão ao recorrente quando, a 30/1/2025, defende que a relatora do presente acórdão se encontra impedida ao abrigo do disposto no artigo 40º, nº 1, als. c) ou d) do C.P.P., dado que procedeu à decisão do recurso de apelação anteriormente interposto pelo arguido. Efectivamente, o acórdão supra mencionado no ponto III , 3., que confirmou a revogação da suspensão da pena de prisão decidida pela primeira instância, foi relatado pela mesma Juiz que ora relata o presente acórdão. Curiosamente, o recorrente hesita no enquadramento jurídico que faz do invocado impedimento, fazendo alusão, quer à alínea c), quer à alínea d) do nº 1 do artigo 40º do C.P.P. Dispõe então o citado normativo, sob a epígrafe «Impedimento por participação em processo» : «1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.». Manifestamente, a situação em apreço não preenche qualquer uma das hipóteses legais transcritas : A alínea c) reporta-se ao julgamento em primeira instância. E o acórdão proferido nos autos em 24/4/2024 não conheceu, a final, do objecto do processo (sendo que, nitidamente, também não versou sobre a decisão instrutória ou a aplicação de medidas de coacção privativas da liberdade, nem estamos no âmbito de um recurso de revisão). Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 23/5/2018, processo 1211/12.1pbsxl.L3.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, in www.dgsi.pt, «decisão que conhece a final do processo é aquela que se debruça sobre o mérito da causa, sobre a relação substantiva, pondo termo ao processo, assumindo a forma de acórdão ou sentença» e «ao aludir ao objecto do processo, refere-se [a lei], obviamente, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum». De tal modo que mesmo na situação em que os mesmos juizes desembargadores intervêm no recurso de uma decisão proferida na sequência de anulação, em recurso, de uma decisão anterior, portanto, no mesmo processo e na mesma fase processual, não se verifica qualquer impedimento – cfr. o nº 3 do artigo 379º do C.P.P.. Tudo para concluir não se verificar qualquer impedimento à intervenção do presente colectivo” + O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, pelo que são as seguintes as questões que o arguido suscita: - saber se a Mª Juiz Desembargadora relatora estava impedida de intervir no recurso; - Da inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída do artigo 379.º, n.º3 do CPP no sentido de que, o recurso interposto de nova decisão proferida pelo tribunal recorrido, em nada relacionada com a nulidade de sentença conhecida em recurso, é sempre distribuído ao mesmo relator, entendimento que viola os artigos 13.ºn.º1 e n.º2, 18.º, n.º, 30.º n.º4 e 32.º, n.º1 da C.R.P. - Da violação dos artigos 204.º n.º5 e n.º6 e 213.º n.º3 a) do C.P.C. -Da irregularidade na distribuição apta a afectar o valor do acto decisório, nos termos do artigo 123.º n.º2 do C.P.P.( 2ª questão autónoma) - irregularidade da distribuição do dia 20.12.2024, tratando-se de uma atribuição e não distribuição. - Da violação do artigo 41 n.º2 do Código de Processo Penal -Da irregularidade nos termos do artigo 123.º n.º2 do C.P.P (3ª questão autónoma) - falta do cumprimento do prazo de 5 dias para a prolação de despacho. - Da irregularidade da não aplicação do artigo 621.º do C.P.C. por força do disposto no artigo 4.º do C.P.P., nos termos do artigo 123.º, n.º2 do C.P.P. ( 4ª questão autónoma) - a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída do artigo 621.º do C.P.P., no sentido de que, ocorrendo o cumprimento do dever imposto na sentença como condição da suspensão da execução de pena prisão no decurso do período entre a revogação da suspensão e o seu trânsito em julgado, tal vicissitude não poder ser valorada ao abrigo dacitada norma, por esgotamento do poder jurisdicional do juiz, entendimento que viola o princípio da proporcionalidade e dos fins e necessidade da pena e garantias do arguido no processo criminal, conforme os artigos 13.º n.º1 e n.º2, 18.º, n.º, 30.º n.º4 e 32.º, n.º1 da C.R.P. Pelo Mº Pº: - Inadmissibilidade parcial do recurso + Apreciando: Suscita o Mº Pº desde logo a inadmissibilidade parcial do presente recurso interposto pelo arguido por irrecorribilidade parcial da decisão recorrida, questão que há que apreciar porquanto a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior – artº 414º 2 CPP. Depois de o artº 399º CPP proclamar que “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.” o artº 400º estabelece os casos em que este não é admissível, e entre eles (que para o caso interessem) constam: c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;” Ora como não estamos perante acórdão absolutório ( al. d) ou condenatórios com aplicação das penas discriminadas nas alíneas e) e f), resta-nos a al. c) que se refere aos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo (salvo se relativas a medida de coaçao inovatoriamente aplicadas- que não é o caso). Nos termos do acórdão ora recorrido proferido pela Relação de Coimbra em 9/4/2025, as questões que ali se suscitavam que constituam o objecto do recurso eram: - A questão previa do impedimento que ali foi apreciado, e - Manutenção da revogação da suspensão da execução da pena de prisão perante o cumprimento do dever imposto na sentença; - Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 613, nº 1 do C.P.C. e 56º, nº 1 do C.P. por violação dos artigos 13º, nºs 1 e 2, 18º, nº 2, 27º, nº 2, 30º, nº 4 e 32º, nº 1 da CRP; - Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 43º, nº 1 do C.P. por violação dos artigos 13º, 18º, nº 2, 27º, nº 2, 30º, nº 4 e 32º, nº 1 da CRP; Vistas as questões suscitadas verifica-se que estamos perante um acórdão proferido, em recurso, pela Relação que não conhece a final do objeto do processo, pois que objecto do processo é o facto de que o arguido foi acusado ou pronunciado e submetido a julgamento do qual resultou a decisão absolutória ou condenatória1. Não estando em causa no acórdão da Relação ora recorrido o facto submetido a julgamento, o acórdão proferida pela Relação é com estes fundamentos e no que a eles (objecto do recurso) respeita ao abrigo desta norma irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça. Isto mesmo resulta da norma do artº 432º CPP, que estabelece a competência do STJ neste âmbito, e tem o seguinte teor: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.” Donde de todas as questões suscitadas pelo recorrente relativas ao objecto do recurso interposto para a Relação de Coimbra e que ela conheceu, não é admissível recurso. E já não o era, mesmo que assim não fosse (e é), porque os recursos visam reapreciar as questões que foram submetidas à apreciação do tribunal recorrido, ou seja o STJ só pode apreciar as questões que foram apreciadas pelo tribunal da Relação, pois não podem ser objecto de conhecimento do tribunal superior questões que não foram suscitadas ou apreciadas pelo tribunal recorrido. Os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, pelo que não constituem objecto de recurso questões que apenas sejam suscitadas em recurso, denominadas questões novas2, pelo que sobre todas as questões que ultrapassem as questões anteriormente submetidas a decisão na Relação, não é admissível o recurso e deve nessa parte ser rejeitado, e em face disso encontra-se “também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito”3 Dito isto, dispõe o artº 433º CPP que “ Recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja” pelo que importa analisar se existe norma especial no caso, fora das normas analisadas que permita o recurso para este Supremo Tribunal. E assim é, estando em causa o disposto no artº 42º CPP, que no seu nº 1 estabelece: “ 1 - O despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível. Do despacho em que ele não reconhecer impedimento que lhe tenha sido oposto cabe recurso para o tribunal imediatamente superior.” Tal norma diz respeito ao incidente de impedimento de juiz e que foi aposto pelo arguido à Mª Juiz Desembargadora relatora neste recurso para o tribunal da Relação, por requerimento de 30/1/2025, e que a Mª Juiz pronunciando-se no acórdão ora em causa, não reconheceu a existência de tal impedimento. Assim sendo e recorrendo o arguido desta decisão sobre o impedimento, é a mesma susceptivel de recurso para este Supremo Tribunal e, em face do seu objecto é sobre esta questão e suas conexas caso existam e que não sejam prejudicadas pela decisão dada a outra logicamente anterior que tenha sido suscitada, que o recurso é admissível, constituindo a questão objecto do impedimento a única a apreciar. Neste âmbito, e em face da pronúncia no acórdão recorrido, dá-se aqui por reproduzido o já transcrito teor da parte do acórdão que se pronuncia sobre essa matéria. Em face do teor do requerido e da norma que rege os impedimentos- artº 40º CPP4 - , apenas pode estar em causa, nos termos expressos pelo requerente / arguido as al. c) participado em julgamento anterior, ou d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo…; Os fundamentos do impedimento expressos no artº 40º CPP são taxativos5, pelo que ou a situação se enquadra num daqueles casos ou não ocorrerá impedimento à intervenção do juiz. Vejamos: Resulta dos factos apurados que: Em 7/9/2021 foi proferida sentença, transitada em julgado em 10/9/2020, que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, 103º e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigação de pagar, durante o período da suspensão, a quantia de 20.000 euros à Fazenda Nacional, juntando o respectivo comprovativo aos autos. Como o arguido não cumpriu a obrigação imposta de pagamento no prazo fixado, em 6/10/2023 foi proferido despacho a declarar o incumprimento culposo e grosseiro da condição imposta à suspensão da pena de prisão, que foi revogada e, em consequência, ordenado o cumprimento de 18 meses de prisão efectiva. Recorrendo o arguido, por acórdão desta Relação prolatado em 24/4/2024, [de que foi relatora a Mª Juiz desembargadora] foi mantida a revogação da suspensão da pena de prisão, mas foi declarada nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia relativamente à não ponderação do cumprimento da pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação. Reclamou o arguido por nulidade e por acórdão desta Relação de 22/5/2024, foram indeferidas as nulidades invocadas pelo recorrente relativamente ao acórdão de 24/4/2024. Donde a decisão de revogação da pena suspensa transitou em julgado, e como tal não pode ser modificada / alterada seja pelo tribunal de 1ª instância seja pelo tribunal da Relação. Temos assim que a decisão sobre a revogação da pena suspensa transitou em julgado (até porque já não admitia recurso ordinário ou outra reclamação), devendo por isso ser cumprida, e importava apenas averiguar sobre o modo de cumprimento da pena de prisão: no estabelecimento prisional ou na habitação. A esta questão respondeu o tribunal de comarca (1ª instância), na sequência da decisão da Relação que, por omissão de pronuncia sobre essa questão decretando a nulidade do acórdão apenas nessa parte, lhe determinara que se pronunciasse sobre o cumprimento da pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação ou não, o qual por despacho de 4/9/2024 determinou que o cumprimento da pena ocorresse no Estabelecimento prisional, por não estarem reunidas as condições para o ser em permanência na habitação e foi indeferido o requerimento do arguido no sentido de o pagamento por si entretanto (em 3/6/2024) efectuado ser atendido como cumprimento da obrigação imposta à suspensão da pena de prisão. Qual foi a intervenção da Mª Juiz Desembargadora? Interveio no recurso da decisão de revogação da pena suspensa e ao mesmo tempo declarou nula a decisão na parte em que omitiu ponderar o cumprimento da pena de prisão no estabelecimento prisional ou na habitação. Esta foi a primeira intervenção. Interveio depois no recurso da decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão no Estabelecimento prisional por não existirem condições para o ser na habitação. Cumpre desde logo salientar que a sua intervenção é em recurso e não no julgamento da causa. Ambas a situações aventadas pelo recorrente de impedimento têm como elemento comum a intervenção anterior do juiz no processo, ou seja, a intervenção em fase anterior do processo, mas constituirá esse facto o impedimento na al.c) do artº 40º CP “participado em julgamento anterior”? Cremos que não e por diversas razões. Julgamento é essencialmente o realizado em 1ª instância seja ele por parte do tribunal da Comarca seja da Relação ou do Supremo quanto intervêm nessa qualidade. Os tribunais superiores (Relação e Supremo Tribunal) decidem em recurso – reapreciando o julgamento das instâncias e não fazendo novo julgamento) e por isso tal impedimento surgirá senão sempre, por norma, nos tribunais de 1ª instância, até porque é aí que surgirão “todas aquelas situações em que a participação de juiz em processo anterior se traduziu na prática de atos que, pela sua frequência, intensidade ou relevância, se mostram de carga que ilustre estar o juiz comprometido com “pré-juízos” sobre as questões que tenha de decidir, designadamente, sobre a matéria de facto ou sobre a culpabilidade do arguido”6, estando em causa os factos já apreciados anteriormente no primeiro processo/ julgamento, visto que a sua finalidade “ é afastar a intervenção de um juiz de participar em processo em que venha apreciar a questão substantiva dos autos que foi objeto de anterior decisão / ponderação, em que igualmente participou, envolvendo os mesmos factos, e onde se conheceu do mérito da causa; surja de novo a intervir em aspetos atinentes e relacionados com a vertente / dimensão da factualidade e / ou da culpabilidade, e não já, com notas que sobre tal rotundamente nada têm a ver.”7 donde não estão em causa a apreciação dos mesmos factos já apreciados. Por outro lado a norma faz a destrinça expressa entre o julgamento anterior (al. c) e ter proferido ou participado em decisão em recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo (ad. d), prevendo assim o caso de recurso em que o impedimento só ocorre se no anterior recurso tiver sido apreciado o objecto do processo. O que nos leva e remete para apreciar este impedimento. Como já mencionado, impedimento, cuja compreensão depende da fixação do conceito de objecto do processo, e este como já assinalado é o fixado pela acusação ou despacho de pronuncia que descreve os factos da vida real que foram investigados e vão ser submetidos a julgamento e objecto de decisão de condenação ou absolvição. Ora nada disto está ou esteve em causa quer no primeiro recurso decidido proferido pela Mª Juiz Desembargadora quer no segundo ora em apreciação, pois no 1º objecto do recurso era o de saber se devia ou não ser revogada a pena suspensa, e no segundo se a pena devia ser cumprida no estabelecimento prisional ou na habitação do arguido. Daqui decorre que em nenhuma das decisões esteve em causa o objeto do processo (os factos já julgados que levaram à sua condenação), e em nenhuma delas se impunha a apreciação da situação de facto anterior que envolvera a respectiva decisão, sendo perfeitamente autónomas. Sendo questões autónomas e implicando a apreciação de questões ou circunstâncias diferentes num e noutro recurso, a razão de ser do impedimento – que se traduz no facto de o julgador ao tomar uma decisão o que implica a formação de juízos e convicções inerentes à mesma, poder ser condicionado em futuras decisões por aqueles juízos já expressos e isso poderia afectar a sua imparcialidade objectiva, - o que levou o legislador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, e na comunidade, apreensões e receios, sobre a sua imparcialidade por influência do decidido – não subsiste por as circunstâncias, factos e os juízos apreciativos a emitir em vista da decisão, serem divergentes. Ora se há “circunstâncias específicas … que podem colidir com o comportamento isento e independente do julgador, pondo em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança das «partes» e do público em geral (comunidade)”8, que tanto podem dar lugar à existência de impedimento como de suspeição, sendo que o impedimento afecta sempre a imparcialidade e independência do juiz, a suspeição pode ou não afectar a sua imparcialidade e a sua independência9, e por via disso se entende que nos casos em que tais circunstâncias ocorrem há que afastar o julgador, substituindo-o por outro, o certo é que não se verificando tais condicionamentos deve subsistir o principio do juiz natural10, sendo que o seu afastamento só deve ocorrer se existiram razões mais fortes para tal do que aquelas que “visa salvaguardar, que se relacionam com a independência, mas também com a imparcialidade do tribunal”11 visando o instituto dos impedimentos a obtenção das máximas garantias de objectiva imparcialidade da jurisdição e assegurar a confiança da comunidade relativamente à administração da justiça, o tem a ver com a composição concreta do tribunal, e no caso o afastamento de um dos seus intervenientes na decisão. Assim não há que considerar verificado o impedimento suscitado. No requerimento em que suscitou o impedimento alega o arguido que aludiu a possível irregularidade na distribuição, que estaria na base do impedimento que levará à intervenção da Mª Juiz no processo. Ou seja não o afirma mas levanta a suspeita, o que vai contra a urbanidade processual. Sem razão. Desde logo porque o recorrente labora em erro quando imputa à decisão a existência de uma atribuição e não de uma distribuição ao abrigo do artº 379º3 CPP, pelo facto de no acórdão se referir “ De tal modo que mesmo na situação em que os mesmos juizes desembargadores intervêm no recurso de uma decisão proferida na sequência de anulação, em recurso, de uma decisão anterior, portanto, no mesmo processo e na mesma fase processual, não se verifica qualquer impedimento – cfr. o nº 3 do artigo 379º do C.P.P..” pois não se trata mais do que um argumento no raciocínio do acórdão da possibilidade de intervenção do mesmo juiz no mesmo processo e não na afirmação de que tal tinha acontecido no caso concreto, por efeito da decretada nulidade parcial do acórdão anterior atribuição essa do processo que a Mª Juiz não invoca como razão de ser relatora do recurso, pelo que não foi aplicada no mesmo, com o falece de razão a invocada inconstitucionalidade. Depois porque conforme anota o Mº Pº na sua resposta “…o processo foi distribuído por todos os juízes do tribunal, sendo, por sorteio distribuído à Sr.ª Juiz Desembargadora e às Sr.ªs Juízas Adjuntas (1.ª e 2.ª, conforme documentado na ata elaborada imediatamente), (…), razão porque não se tratando de atribuição de um processo a um juiz (mas sim de uma distribuição), não consta da página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e fundamentos legais da mesma.” Por fim questiona a existência de uma irregularidade por a decisão sobre o impedimento suscitado não haver sido proferida no prazo de 5 dias. Sobre esse assunto salienta-se que os recursos sobre o não reconhecimento do impedimento aposto visam apreciar “se existe falta de garantia de imparcialidade ou isenção por banda do juiz visado, não sendo o palco próprio e adequado para apreciar, ponderar, avaliar e decidir da existência ou inexistência de nulidades e/ou outros vícios alegadamente patentes no processado e, muito menos, num acórdão”12 face à especifica razão da admissibilidade do seu recurso, e depois como anota o Mº Pº na sua resposta tratando-se de uma irregularidade, - pois a inobservância do prazo13 não é cominada na lei com qualquer sanção processual -, pelo que anotada pelo recorrente essa falta no prazo legal devia ter suscitado essa irregularidade em tempo oportuno o que não fez (artº 123º CPP), sendo que tal irregularidade não afectou nenhum direito do arguido incluindo o de recurso sobre a decisão da Mº Juiz (de que ora se conhece) ou outro que entendesse interpor, por autónoma das demais. Improcedem assim todas as questões suscitadas e de que cumpre conhecer, e com elas improcede o recurso. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça, decide: - Rejeitar parcialmente o recurso interposto pelo arguido quanto às questões apontadas e, no mais Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido quanto às questões sobre o impedimento suscitado da Mª Juiz Desembargadora relatora Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 8 Ucs e nas demais custas a que deu causa. Notifique Dn + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 15/10/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Antero Luis Maria Margarida Almeida ________ 1. Ac. STJ de 17-10-2007, CJ (STJ), T3, pág.223: I. A decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. (…)” Ac. STJ de 10-12-2008 : I. Conforme entendimento já expresso por este Supremo Tribunal, decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise, trata-se da decisão que põe termo à relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o terminus da relação entre o Estado e o cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal. (…) III. O recurso para o STJ dessa parte do acórdão da Relação é inadmissível, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP.” www.dgsi.pt Decisão STJ de 2-07-2009 : I. A alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP determina a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo. II. É a acusação ou a pronúncia que define e fixa o objecto do processo.” In www.stj.pt Ac. STJ 13/7/2006 proc 06P2161, Simas Santos, in https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2006:06P2161.46?search=zH2l9EjAAwe7f1RTyjY “ É irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação, proferido em recurso de decisão de 1.ª instância, que se pronunciou sobre a revogação de uma pena suspensa, já que, em termos processualmente relevantes, não se trata de "decisão que põe termo à causa", isto é, a decisão substantiva que foi objecto do processo, enfim, a decisão sobre o mérito da causa” Comentário Judiciário do Código de Processo Penal Tomo V, Almedina”, nota 36 do art.º 400.º, onde se anota que conhecer do objeto do processo é decidir a viabilidade da acusação, como inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido e que, como regra, são irrecorríveis as decisões proferidas em recursos pelas relações sobre questões processuais. 2. Cfr texto do ac. STJ 6/6/2002 proc 1874/02- Cons. Simas Santos www.dgsi.pt “Ora, como é sabido, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso (Cfr., por todos os Acs do STJ de 12-07-1989, BMJ 389-510, de 07-10-1993, Proc. n.º 43879, de 09-03-1994, Proc. n.º 43402, de 12-05-1994, , Proc. n.º 45100, de 01-03-2000, Proc. n.º 43/2000, de 05-04-2000, Proc. n.º 160/2000, de 12-04-2000, Proc. n.º 182/2000, de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01-5, de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01-3, de 08-11-2001, Proc. n.º 3142/01-5, de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01-3). Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre. No caso, o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de questões que, embora resolvidas pelo Tribunal de 1.ª Instância não foram suscitadas perante a 2.ª Instância, de cuja decisão agora se recorre” que constitui jurisprudência uniforme no âmbito de todas as jurisdições. 3. Cfr por todos Ac. STJ 9/7/2025 proc. 1/21.5GMLSB.L1.S1, Lopes da Mota, www.dgsi.pt “I Estando o STJ, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, nelas se incluindo as relacionadas com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos.” 4. Do seguinte teor: “1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta. 2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior. 3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.” 5. Juntamente com os impedimentos do artº 39º CPP cfr. Ac. STJ de 19-05-2010, in www.stj.pt 6. Ac STJ 11/6/2025 Proc. 9560/14.8TDPRT-Y.G1-A.S1, Cons. Carlos Lobo, www.dgsi.pt 7. Ac STJ 11/6/2025 citado 8. Ac. STJ 8/5/2010 cit. In https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=199A0042&nid=199&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo 9. Artº 43º1 CPP “1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.” 10. Principio do “juiz natural”, consagrado no n.º 9 do artigo 32.º CRP que dispõe que “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”. 11. Ac. STJ 23/9/2009 Proc 532/09.5YFLSB www.dgsi.pt Cons. Maia Costa 12. Ac STJ 18-06-2025 Proc. n.º 22/23.3YREVR-A.S1, Cons. Carlos Campos Lobo Cfr. também Ac STJ 25-06-2025 Proc. n.º 8/23.8YGLSB.S1-A Cons. Maria Margarida Almeida “IV - …um incidente de recusa não tem por objectivo, nem cabe na competência dos juízes que o apreciam, avaliar e decidir a existência ou inexistência de nulidades num acórdão. O que há que apreciar é tão somente se existe falta de garantia de imparcialidade ou isenção” tendo intervindo em ambos como adjunto. 13. Artº 41º 2 CPP: “… O juiz visado profere o despacho no prazo máximo de cinco dias” |