Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO FUNDAMENTAÇÃO AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA MEDIDA DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Nº Único do Processo: | | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
| Sumário : | I - A fundamentação existe para cumprir as seguintes finalidades: de conhecer e convencer os destinatários (as partes) da bondade da decisão e a sociedade em geral sobre a correção e a justiça do caso; permitir ao tribunal de recurso conhecer do processo logico-racional subjacente à decisão e aos destinatários da mesma exercer o direito ao recurso de modo consciente e de posse de todos os dados necessários para o efeito, e de permitir o auto controlo e a ponderação por parte do tribunal que decide, sobre a apreciação das provas (pensar duas vezes antes de decidir), e por estas vias assegurar o respeito pelo principio da legalidade da e na sentença (e do decidido) e assegurar e demonstrar a independência e imparcialidade dos juízes e das suas decisões, como fatores que são de credibilidade e de legitimidade; II - a fundamentação da sentença, é essencial para a compreender, por expressar o raciocínio seguido pelo julgador, mas ela é um todo unitário, e neste âmbito, exige a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e também os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que essa convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. III – E tem de conter a indicação das provas utilizadas e das testemunhas ouvidas e tem de conter as razões de ciência do depoimento e os elementos que em razão das regras da experiencia ou da lógica que levou à formação da convicção num determinado sentido, também deve expressar as razões de credibilidade de um dado meio de prova e o que dele o tribunal extraiu em termos probatórios. IV - A estrutura normativa que emerge do DL 15/93 de 22/1 de combate ao comércio ilicito de estupefacientes, para além do consumo (artº 40º) é constituída por um tipo base ou fundamental – ao artº 21º - um tipo agravado – o artº 24º – e dois tipos privilegiados - artº 25º por ilicitude consideravelmente diminuída – e artº 26º traficante consumidor (tráfico para o fim exclusivo do seu consumo) e assim justificando as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes e médio traficante (artigos 21º, 22º e 24º) e o pequeno (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).” tradutora do diverso grau de ilicitude do facto em concreto. V - Não existe regra jurídica, ou definição legal, do conceito de “avultada compensação remuneratória”, sendo que o único conceito em termos de valorização patrimonial que a legislação penal estabelece, ocorre no artº 202º al. a), b) e c) do CP mas que não podem servir de suporte àquele conceito mas podem ter uma valorização de exclusão. VI - são diversos ao factores a considerar para o preenchimento do conceito, desde logo porque a norma em causa tem em conta não apenas elementos objectivos mas também dados de natureza subjectiva, como seja o fim visado com a sua acção / actividade, pois a norma refere-se a dois momentos obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória, sendo um como facto consumado (da sua actividade já obteve) e o outro como fim visado (procurava obter) numa continuação da actividade em causa, o que tudo tem de ser contabilizado. VII – Sabendo-se apenas o valor da droga, se não está contabilizado o seu custo de aquisição e consequentemente a quantia envolvida na aquisição, não se sabe qual o valor da compensação remuneratória auferível, a não ser que se esteja perante uma situação isenta de duvidas. VIII – O conceito de avultada compensação, que tem na sua génese uma ideia de algo fora do normal, ou “ coisa que se destaca pelo seu volume ou grandeza”, fabuloso, o que pode ocorrer no caso de dezenas ou centenas de quilogramas de estupefaciente, sem mais, como ocorre nos casos de grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição. IX – A detenção de 2,600Kg de estupefaciente (cocaína e MDMA) nos valores de €78.080,00 e de €93.660,00, integra-se no crime de tráfico p.p. pelo artº 21º DL 25/93 de 22/1 | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Proc. C.C. n.º 62/24.5 PEBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal – Juiz 1 em que é arguido AA Foi por acórdão de 16/6/2025 proferido a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se: a) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1 e 26º, 1ª proposição, todos do CP, e artigos 21º, nº1 e 24º, alínea c), estes do DL, por referência às Tabelas I-B e II-A, anexas ao referido diploma legal, na pena de 6 anos de prisão. b) Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida (cfr. artigos 513º e 514º, do CPP, e artigos 3º, nº1 e 8º, nº9, estes do Regulamento das Custas Processuais (doravante, abreviadamente, RCP), por referência à Tabela III, anexa ao mesmo diploma legal), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie. “ Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguinte3s conclusões: “1- A decisão proferida não fundamenta por que motivo deu como demonstrado os factos descritos sob os pontos 4, 5 e 6, sendo, por isso, a decisão proferida nula por falta de fundamentação. Dispõe o art. 374º n.º 2, do CPP que, a seguir ao relatório, segue-se a fundamentação da decisão, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sendo que a lei comina com nulidade a sentença/acórdão que não contiver as menções supra descritas – cfr. o disposto no art. 379º n.º 1 al. a) do C.P.P 2- – In casu, a decisão recorrida não fundamentou por que motivo deu como demonstrado: 2.1- Que a droga apreendida ao arguido, por referência ao exame pericial e ao número de doses individuais que daria, seriam vendidas por este , a 10 euros a dose. 2.2- Que o estupefaciente apreendido em estado puro, poderia ainda ser cortado 2.3- Que sendo o arguido membro da claque do “Sporting ...”, local onde privava presencialmente com outros indivíduos cuja identidade, não foi possível apurar, vendia cocaína e MDMA, para posterior revenda, auferindo avultados lucros 3- Da leitura da fundamentação não se alcança como chegaram à demonstração de tais factos, constituindo os mesmos, o cerne para o preenchimento da agravante da al c) do art 24 do D.L 15/93. 4- Assim, não se mostram identificados ou minimamente concretizados na factualidade provada ou na fundamentação da decisão, os actos de venda, as quantidades, o preço de aquisição e venda, por forma a ser contabilizada a margem de lucro, 5- A factualidade descrita no ponto 6 é genérica e conclusiva,uma vez que, não existindo qualquer identificação dos adquirentes, quando e em que circunstâncias tais vendas ocorreram, preços praticados e quantidades transaccionadas, não permitem que o arguido se possa defender, ou contestar tal matéria e muito menos concluir que obteve nessa actividade avultados lucros. 6- Ademais, não existem meios probatórios que permitam concluir que o arguido iria proceder ao corte das substâncias que lhe foram apreendidas,uma vez que, não lhe foram confiscadas substâncias ou objectos para esse fim. O tribunal omite o raciocínio lógico que lhe permitiu tal ilação e não indica meios probatórios que a sustentem. 7- Decorre do texto da decisão recorrida, contradição entre a factualidade dada como provada e a motivação. Isto é, se por um lado, o tribunal alicerça o seu raciocínio da obtenção dos elevados lucros, na quantidade e número de doses possíveis, do produto estupefaciente apreendido, por referencia ao custo individual de cada uma delas, do chamado tráfico de rua, €10,00, por outro afasta o arguido desse tipo de tráfico, dando como provado, a venda para revenda, cfr ponto 6, afirmando expressamente, que o arguido não seria um simples vendedor de rua, mostrando-se mais próximo da figura de um grossista. 8- Ora, não só não ficou demonstrado, no caso concreto, o preço de aquisição e venda, para se apurar o lucro obtido, com das regras da experiência comum, sabemos que quem venda por grosso, obtém um menor lucro, uma vez que, os preços praticados, são menores. 9- A ausência de fundamentação e indicação de meios probatórios que demonstrem vendas, quantidades e preços, necessariamente exclui a ilação de que o arguido auferiu quantidades monetárias avultadas 10- Verifica-se estarmos em presença da nulidade a que se refere o art. 379º, n.º1, alínea a), com referência ao art. 374º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, o que determina a nulidade da decisão – o que se requer. 11- Violou-se o disposto nos arts 97, 374 nº 2 e 379 al a) do C.P.P, 205 da CRP. 12- Entende o recorrente, não estarem preenchidos os requisitos para o preenchimento da agravante da alínea c) do artigo 24 do D.L 15/93 de 22-01. 13- Sustenta a sua pretensão nas razões aduzidas nos ponto 1 a 12 do itemA, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 14- Concretizando, entende o recorrente que o tribunal dá por preenchida a agravante atento à quantidade de droga apreendida. Ora, tal é manifestamente insuficiente para o fazer. Haveria que ponderar: 14.1- O período em que a actividade ilícita se desenvolveu 14.2- O modo como a actividade era desenvolvida, designadamente se o arguido procedia à venda directa ou detinha um suporte organizativo, contando com a colaboração de outros operacionais, e casas de recuo. 14.3- O número de vendas realizadas, bem como o número de adquirentes identificados 14.4- O preço de aquisição e venda, por forma a percepcionar a margem de lucro. 14.5- As quantias obtidas com essa actividade, bem como bens obtidos com rendimentos provenientes dessa mesma actividade. 14.6- A venda ser ao consumidor ou para revenda. 15- Concatenando a matéria dada como provada, e ponderando os factores supra enunciados, temos que a actividade ilícita apurada, decorreu num curto período de tempo. A apreensão surge na sequência de um processo de natureza diversa, existindo para além dessa apreensão uma conversa 10 dias antes, entre o arguido e um INI, em que se fala de uma presumível transação de estupefaciente na ordem das 20 /40 gramas, cuja efectivação, não se veio a apurar. O arguido nunca foi referenciado nos meios policiais, especializados na investigação deste tipo de criminalidade, como ligado ao tráfico de estupefacientes. Era o arguido que procedia à venda directa, sem qualquer suporte organizacional, numa área circunscrita à cidade de Braga, a eventuais elementos da claque do “Sporting ..., que não foram identificados, nem contabilizados. O tribunal não apurou o preço de aquisição ou venda dos produtos que lhe foram apreendidos, a materialidade dada como assente exclui a venda de doses individuais, colocando-o na venda intermédia. Neste tipo de venda, os lucros são menores, porque os preços de venda são inferiores, ainda assim e tal com supra se aduziu, não se tendo apurado os valores de aquisição e venda, não é possível estabelecer a margem de lucro. Ademais, haveria a esse valor que descontar, os custos da aquisição, as flutuações do valor de mercado, consoante a oferta e a procura, e ainda ponderar o facto do arguido ser também, ele consumidor de tais produtos estupefacientes. A quantia de €2.935,00 euros apreendida ao recorrente e dada como provada ser proveniente da actividade ilícita, não se integra na ordem de grandeza que a agravante da al c) do artigo 24 do DL 15/93 de 22-01, pretende abarcar, e ao arguido não foram apreendidos objectos que traduzam a obtenção desses lucros elevados. 16- Pelo que, não será de concluir pela obtenção de lucros verdadeiramente excepcionais e com ordem de grandeza que não caiba no padrão do tráfico matricial, já de si abarcando situações de grande tráfico. 17- Sem prejuízo do aduzido, dir-se-à, que a matéria dada como provada é mesma da imputação em sede de indiciação em 1ª interrogatório judicial, tendo sido tipificada no art 21 do DL 15/93 de 22-01. 18- Pelo que, poderemos concluir que, “in casu” está afastada a agravante da alínea c) do art. 24 do D.L 15/93 de 22-01 19- Violou-se o disposto no art 24 al c) do D.L 15/93 de 22-01. 20- Caso seja procedente a impugnação da matéria de direito pela qual se pugnou, terá o Recorrente de ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c), do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, subsumindo-se a sua conduta à previsão do art 21 nº 1 do D.l 15/93 de 22-01- 21- Tendo em conta a alteração peticionada, a qual, por si só, representa uma diminuição da ilicitude do facto e concomitante alteração do quantum da pena fixada, haveria ainda que ponderar: - O período de tempo muito reduzido em que a actividade ilícita se desenvolveu. - A ausência de concretização de vendas nesse período. - O valor resultantes dessas vendas, €2935,00 -Ausência de antecedentes criminais - Inserção familiar e profissional que dispõe, mantendo promessa de trabalho após a sua restituição à liberdade. Registando ao longo da sua vida hábitos de trabalho regulares, e estando habilitado numa profissional de larga procura no mercado. -A idade do arguido, 30 anos. - Ter conseguido identificar um dos factores que estiveram subjacentes à conduta criminosa, o consumo de drogas, situação que não se mantém. - Pese embora, o tribunal pondere negativamente as declarações prestadas pelo arguido, uma vez que, não obtém corroboração nos demais elementos de prova conjugados com a s regras da experiência comum, ainda assim, seria de atender, que apenas por força das declarações do arguido, é possível concretizar actos de venda, quantidades e preço, bem como a colaboração que o mesmo prestou aquando da busca domiciliária, indicando prontamente o local onde estava o grosso do produto estupefaciente. 22- No caso concreto, entende o recorrente que o tribunal não ponderou de forma relevante, o seu comportamento posterior aos factos, as suas condições pessoais, incluindo a situação familiar, profissional, económica, o seu percurso de vida. Na verdade, pese embora os mesmos correspondam aos descritos na factualidade provada, cfr pontos 15 a 36, que aqui se dão por reproduzidos, a sua ponderação ficou aquém do que era expectável, não tendo nessa medida tidos reflexos na pena que lhe veio a ser aplicada. 23- Em suma, as exigências de prevenção especial estão mitigadas, em face da ausência de antecedentes criminais, mas sobretudo pelo comportamento posterior ao factos, que conjugado com os hábitos consistentes e regulares de trabalho que registou ao longo do seu percurso de vida, habilitações e competências profissionais que dispõe, permitem dizer que não estão comprometidas as expectativas da sua inserção no mercado de trabalho aquando da sua restituição à liberdade. Tanto mais que, o arguido dispõe de apoio familiar estruturado, mantém-se abstinente, factores decisivos para que se opere essa mesma ressocialização. 24- Assim, pese embora as exigências de prevenção geral positiva ou de integração serem bastantes elevadas no caso dos crimes de tráfico de estupefacientes, pela perturbação e alarme social que provocam, sobretudo pelos danos que produzem em bens e valores fundamentais como a saúde física dos consumidores e das famílias e para a sociedade em geral, estas não podem sobrepor-se ás exigências de prevenção especial que em cada caso o tribunal deve aferir, tendo subjacente que a pena a aplicar deverá potenciar a recuperação social do arguido, permitindo que possa visionar um estado em liberdade. 25- A pena ora aplicada, 6 anos, compromete no modesto entendimento do recorrente a sua futura reintegração social. Releva sobremaneira as exigências de prevenção geral em detrimento das exigências de prevenção especial, dando uma ênfase excessiva à quantidade de produtos estupefacientes apreendidos, quando comparada com a real dimensão da actividade ilícita apurada. 26 - Face aos critérios legais (arts 70 e 71 do C.P) o recorrente deveria ser punido atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, pelo crime de tráfico de estupefacientes p.p pelo artigo 21 nº 1 do D.L 15/93 de 22-01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. 27- Caso assim não se entenda, e se mantenha a qualificação jurídica, ( arts 21 e 24 al c) do Dec.Lei nº 15/93 de 22/01, pelas razões supra indicadas, o arguido não deveria ser condenado, em medida não superior a 5 anos de prisão. 28- A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 70 e 71 do C. P” Respondeu o Mº Pº defendendo a rejeição do recurso por tratar de matéria de facto e a sua improcedência. Neste Supremo Tribunal, o ilustre PGA emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão sob recurso Foi cumprido o artº 417º2 CPP. O arguido respondeu mantendo as razões do seu recurso. Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal. Cumpre apreciar. Consta do acórdão recorrido (transcrição): “II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. Factos provados Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, resultou provada a seguinte matéria de facto: Da acusação pública 1. No dia 25.06.2024, pelas 07h, foi dado cumprimento ao mandado de busca emitido no âmbito do Processo com o NUIPC nº2174/23.3PBBRG, visando a residência do arguido AA, que era suspeito nesses autos da prática do crime de participação em rixa no âmbito de espectáculo desportivo ou em acontecimento relacionado com o fenómeno desportivo. 2. O arguido, à data, residia na morada dos autos, sita na Rua 1, do concelho de Braga (...). 3. Após dar-se início ao cumprimento do mandado referido em 1., verificou-se que o aludido AA tinha no interior da sua residência: a. No quarto do arguido, mais concretamente, na mesinha de cabeceira do lado direito da cama: (i) um saco em plástico, de cor azul, que continha no seu interior vários pedaços de cocaína, que perfaziam o peso total de 56,62gr; (ii) uma balança de precisão, da marca “Nutriente Scale”, de cor preta, com vestígios de cocaína; (iii) uma balança de precisão, da marca “Onbalance”, de cor preta; (iv) um frasco em vidro, com uma colher de sobremesa e vários pedaços de papel plástico no interior com vestígios de cocaína; (v) uma caixa de plástico que continha vestígios de cocaína; (vi) no interior de uma caixa de telemóvel, acondicionado no interior de um saco plástico transparente encontravam-se oito pastilhas de MDMA, com o peso líquido de 2,734gr e com um grau de pureza de 19,8% (correspondentes a 5 doses individuais) e um pequeno saco de cor verde que continha no seu interior MDMA, com o peso líquido de 0,738gr e com um grau de pureza de 95,6% (correspondentes a 7 doses individuais); (vii) no interior de uma caixa de telemóvel, de cor preta, com a inscrição “S10”, encontrava-se a quantia monetária de €2.145,00, em notas do Banco Central Europeu (doravante, abreviadamente, BCE); (viii) no interior da mesinha de cabeceira encontrava-se a quantia de €690,00, em notas do BCE; e (ix) no interior de um cofre de metal pequeno encontrava-se a quantia de €100,00, em notas do BCE. b. No quarto do enteado do arguido, mais concretamente, no armário embutido, na parte superior, encontrava-se uma caixa térmica “Termo Future Box” que continha no seu interior: (i) um saco de plástico, de cor azul, contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 614,192gr e com um grau de pureza de 98,1% (correspondentes a 3012 doses individuais); (ii) um saco de cor preta que continha no seu interior um saco incolor que, por sua vez, acondicionava MDMA, com o peso líquido de 997,300gr e com um grau de pureza de 93,8% (correspondentes a 9354 doses individuais); (iii) uma placa rectangular, com a descrição “Blessed”, que continha no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1002,400gr e com um grau de pureza de 95,7% (correspondentes a 4796 doses individuais); (iv) uma caixa de plástico que continha vestígios de cocaína; e (v) uma balança de precisão, da marca “Onbalance”, de cor prateada. 4. Nas circunstâncias espácio-temporais supra descritas, o arguido detinha, assim, na sua posse: [i] cocaína, com o peso total líquido de 1616,592gr, que daria para um total de 7808 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €78.080,00; e [ii] MDMA, com o peso total líquido de 1000,772gr, que daria para um total de 9366 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €93.660,00. 5. O estupefaciente apreendido ao arguido encontrava-se em estado puro, com o que podia ainda ser cortado. 6. O mencionado AA fazia parte da claque do “Sporting ...”, local onde privava e contactava presencialmente com outros indivíduos, cuja identidade, em concreto, não foi possível apurar, a quem vendia cocaína e MDMA essencialmente para posterior revenda, auferindo avultadas quantias monetárias. 7. Na sua actividade de tráfico, o arguido mantinha conversas através de chats, como o Telegram, as quais eram apagadas ou pelo próprio ou automaticamente decorrido certo tempo. 8. No dia 15.06.2024, através do chat do Telegram, o utilizador ........31 (a que correspondia o nº.......50) perguntou ao arguido se lhe arranjava 20gr de branca – pretendendo referir-se a cocaína –, por €400,00, tendo aquele AA respondido que lhe arranjava 40gr por €800,00. 9. O arguido, sem que para tanto estivesse autorizado, destinava as substâncias estupefacientes que lhe foram apreendidas (cocaína e MDMA) à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra. 10. As quantias monetárias apreendidas, referidas em referidos em 3. – a) – (vii), (viii) e (ix), num total de €2.935,00, foram obtidas pelo arguido como contrapartida dessa venda. 11. As balanças, frasco, colher, caixas de plástico, sacos de plástico e pedaços de papel plástico, eram pelo arguido utilizados no corte, pesagem e doseamento dos estupefacientes (cocaína e MDMA) que comercializava. 12. O arguido conhecia a natureza e as características dos estupefacientes (cocaína e MDMA) que comprava e/ou vendia e/ou guardava e/ou detinha e não ignorava que a respectiva compra e/ou venda e/ou detenção lhe estavam legalmente vedadas. 13. Agiu o arguido de modo deliberado, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta. Dos antecedentes criminais do arguido 14. Do Certificado do Registo Criminal do arguido AA nada consta. Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido 15. O arguido AA, à data dos factos sob discussão nestes autos, contava com 30 anos de idade. 16. Tendo por referência esse período, o arguido mantinha uma relação afectiva de união de facto, partilhando o agregado com a companheira BB, com a filha de ambos – com 2 anos de idade – e com o enteado – com 9 anos de idade –, residentes em casa arrendada, numa freguesia periférica ao centro urbano da cidade, com condições de habitabilidade. 17. O relacionamento com a companheira era afectivo, estável e de vinculação, o que se estendia aos menores. 18. Mantinha, igualmente, relação afectiva com os progenitores e com o irmão, assim como com os familiares de origem daquela BB. 19. O arguido, antes da sujeição à medida de coacção de prisão preventiva (aplicada no âmbito dos presentes autos), desempenhava funções no sector da construção civil, particularmente como ..., auferindo um vencimento mensal na ordem dos €1.100,00. 20. A companheira é assistente dentária no Hospital ..., em ..., auferindo um vencimento mensal no montante de 1.032,00. 21. Habilitado com o 9º ano, o aludido AA abandonou a escolaridade durante a frequência do 10º ano, para iniciar-se profissionalmente a trabalhar para a mesma entidade patronal que o progenitor, como ..., tendo permanecido em várias regiões da França, no Mónaco, no Dubai, entre outras. 22. Aos 25 anos de idade, após conhecer a companheira, não voltou a emigrar e empregou-se na empresa de construção civil “O..., Lda.”. 23. Decorridos anos, contratualizou no dia 11.03.2024 com uma outra empresa (onde trabalha um primo e um amigo), denominada “P..., Lda.”, com sede na Avenida 1), onde se manteve laboralmente activo até à aplicação da supra referida medida de coacção. 24. O arguido é adepto e membro da claque do “Sporting ...”. 25. No quotidiano sociofamiliar e profissional detém uma imagem de pessoa cordata, trabalhadora, disponível e de bom relacionamento interpessoal. 26. O agregado do arguido apresenta como despesas fixas, essencialmente, a manutenção da habitação, como renda da casa (€500,00), consumos de abastecimento doméstico e telecomunicações (€150,00). 27. O mencionado AA teve experiências de consumo de estupefacientes durante a juventude, num período de imaturidade pessoal, que, entretanto, ultrapassou. 28. No entanto, já no período dos factos ora em apreço manteve consumos irregulares de cocaína e MDMA, o que era desconhecido pelos familiares de origem. 29. A sua rede de suporte social aparece ligada à companheira, aos respectivos familiares de origem e amigos. 30. Nos últimos anos estabeleceu conhecimento e convivialidade com pares, alguns deles igualmente elementos da claque do “Sporting ...”. 31. O arguido deu entrada em situação de prisão preventiva no EP de Braga, sendo esta a sua primeira entrada em instituição prisional, onde revela uma conduta educada e cordial. 32. Beneficia do apoio e visitas da companheira, de familiares e de amigos. 33. Revela uma postura calma, facilidade em localizar temporalmente alguns acontecimentos da sua vida e alguma capacidade introspectiva. 34. Por força da reclusão não consome produtos estupefacientes. 35. Para além dos constrangimentos decorrentes da condição de arguido e reclusão, sinaliza repercussões no âmbito profissional, económico e familiar, traduzidas no impacto causado nos vários meios em que se movia, mas sobretudo nos diferentes elementos da família, que, surpresos, revelam algum sofrimento e preocupação com o desfecho destes autos. 36. O legal representante daquela empresa “P..., Lda.” mostra-se disposto a readmitir o arguido assim que colocado em liberdade. * II.2. Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos alegados nos autos ou em audiência de julgamento com interesse para a justa decisão da causa, constantes da acusação pública e/ou da contestação do arguido AA, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada irrelevante e/ou conclusiva e/ou de direito e/ou repetida, designadamente: a. que o cumprimento do mandado de busca referido sob o nº1, do factos provados, ocorresse no dia 24.06.2024; b. que no cumprimento desse mandado fossem apreendidos telemóveis e tesouras; c. que a companheira do arguido, à data dos factos sob discussão nos presentes autos, desconhecesse que este era consumidor de produtos estupefacientes; d. quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir. * II.3. Motivação A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do CPP), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do mesmo diploma legal, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova. Importa realçar, desde já, que nesta apreciação não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador. Com efeito, a convicção do tribunal não se funda apenas nos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, linguagem não verbal, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados e coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência dessas mesmas declarações e depoimentos. Como, aliás, se explicita no Acórdão da Relação de Évora, de 24.05.2018, (…) segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14 (acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº266/14.9GAVNO.E1, relator Martinho Cardoso). A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal, que não se confunde, naturalmente, com arbitrariedade. Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (vide Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 1º Volume, 1986, p.211). O mesmo autor afirma que a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores (vide Curso de Processo Penal, reimpressão, Volume II, 1981, p.298). Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom-senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou, nas palavras de Castanheira Neves da liberdade para a objectividade (vide Revista do Ministério Público, 19º-40). Como nota Germano Marques da Silva, a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão (vide Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 2008, p.151). Ainda a este propósito, afirma Figueiredo Dias que (…) [u]ma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo – sublinhado nosso (vide Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1981, p.202). A motivação de uma convicção deve sempre assentar num processo lógico, que impõe a conjugação de todos os indícios factuais constitutivos do tipo de crime, no sentido da sua conformidade com as regras da lógica, os conhecimentos científicos e as máximas da experiência crítica. Como se escreve no Acórdão do STJ, de 09.02.2012: (…) IX – A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade às formalidades legais e às garantias constitucionais. X – As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtêm mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária. XI – O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa – pode alicerçar a convicção do julgador. XII – Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova – sublinhado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº233/08.1PBGDM.P3.S1, relator Santos Cabral). * Cumpre, também, referir que, como se esclarece no Acórdão da Relação do Porto, de 09.12.2015: (…) [a] lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº9/14. 7T3ILH.P1, relator Eduarda Lobo). E no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24.06.2020, salienta-se que (...) [o] exame crítico da prova não exige a exposição descritiva de todas as provas produzidas, nem é necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que se tem de deixar claro é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma valoração do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº3902/13.0JFLSB-3, relator João Lee Ferreira). * Tendo em consideração tudo quanto vem de expressar-se, passaremos a apreciar, de forma conjugada e crítica, o acervo probatório produzido em audiência de julgamento, em ordem a averiguar se os factos que se discutem resultaram provados ou, ao invés, não lograram merecer adesão de prova. * Mereceu relevância a perícia realizada nos autos, atenta a idoneidade, isenção e indiscutível conhecimento técnico que se reconhece ao(à)(s) Sr.(s) Perito(a)(s) que subscreveu/subscreveram o competente relatório pericial, sendo certo que o mesmo, na sequência da sua notificação, não foi questionado por nenhum dos sujeitos processuais. Aliás, como se estatui no artigo 163º, nº1, do CPP, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. É certo que, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (assim o nº2, subsequente). Não é, porém, o que se verifica no caso dos presentes autos. Importa, neste âmbito, referir que como se elucida no Acórdão da Relação de Évora, de 02.05.2017: 1 – Exame e perícia são coisas diferentes com regimes distintos. 2 – Um exame, meio de obtenção prova, é a análise em pessoas, lugares e coisas, de “vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido” - artigo 171º do C.P.P.. A perícia, bem ao invés, é um meio de prova que deve (ou tem que) ser produzido quando o processo e a futura decisão se defrontam com conhecimentos especializados que estão para além das possibilidades de constatação e/ou percepção, efectivas ou presumidas, do tribunal em três campos do saber, os técnicos, os científicos e os artísticos. 3 – O “exame” está sujeito à regra geral de apreciação probatória, a livre apreciação da prova prevista no artigo 127º do Código de Processo Penal. 4 – A perícia tem um regime específico de produção e apreciação probatória, diverso de qualquer outro meio de prova ou de obtenção de prova. E esse distinto regime consta do nº 2 do artigo 163º do C.P.P.. e determina que o “juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, podendo o juiz “divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência” mas com apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia – destacado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº208/14.1ECLSB.E1, relator João Gomes de Sousa). No caso decidendo o tribunal valorou positivamente o relatório pericial nº........92, a fls.198-199, aí sendo indicada a quantidade, qualidade e o grau de pureza das substâncias estupefacientes apreendidas na habitação do arguido – concretamente, cocaína e MDMA –, bem como o correspondente número de doses individuais (calculado de acordo com a Portaria nº94/96, de 26 de Março). * Atendeu-se também aos documentos que foram juntos aos autos e aos dados objectivos que deles é possível extrair. Como é sabido, o regime da prova documental encontra-se previsto nos artigos 164ºss, do CPP, contendo uma série de normas ao nível da valoração desta prova. Uma dessas normas é a do artigo 169º, que constitui um desvio à regra da livre apreciação da prova (consagrada no já referido artigo 127º, do mesmo diploma legal), ao considerar provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa – sublinhado nosso. Como esclarecem os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto em anotação a este normativo, a atribuição de uma força probatória especial aos documentos autênticos e autenticados identifica-se com (…) a fé pública de que se encontra revestida a entidade documentadora, incumbida por lei de imprimir certeza e autenticidade a determinados actos, a qual, por sua vez, se baseia nas garantias de veracidade proporcionadas pelo cuidado que é posto na sua nomeação e na fiscalização do exercício das suas funções (…) Como se afigura natura, essa fé pública só pode abranger os factos de que o funcionário foi agente ou testemunha (vide Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora, 2009, p.435-436). No caso vertente, a força probatória dos documentos que constam dos presentes autos não foi posta em causa em nenhum momento processual, designadamente, em sede de audiência de julgamento. Deste modo, não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade desses documentos, pelo que relativamente aos documentos autênticos e autenticados aplica-se o disposto no citado artigo 169º, do CPP, e quanto aos documentos não autênticos o seu teor pode ser valorado livremente pelo tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim, tomou-se em consideração: - o auto de notícia por detenção, a fls.4-5; - o mandado de busca e apreensão emitido no âmbito do Processo com o NUIPC nº2174/23.3PBBRG, a fls.6-7 - o auto de busca e apreensão, a fls.8-9, de onde resulta ter sido apreendido, além do que consta indicado na acusação pública, também um saco em plástico, de cor azul, que continha no seu interior vários pedaços de cocaína, que o arguido AA confirmou; - os testes rápidos, a fls.10-16 (sendo que no de fls.10 consta que os supra referidos pedaços de cocaína encontrados no interior do saco em plástico, de cor azul, tinham um peso total de 56,52gr); - o DUC, a fls.17 (respeitante aos valores monetários apreendidos, num total de €2.935,00); - a reportagem fotográfica, a fls.20-28, que documenta a diligência de busca domiciliária realizada no dia 25.06.2024; - a pesquisa na base de dados da Segurança Social, a fls.32-33; - os Anexos A e A1 (onde consta a conversa de chat do Telegram a que alude a acusação pública); e - a ‘declaração’ datada de 12.02.2025, da responsabilidade do legal representante da empresa “P..., Lda”, e o contrato de trabalho celebrado com o arguido no dia 11.03.2024, a fls.245 e fls.242-244, respectivamente. * Ainda a propósito dos documentos supra enunciados, teve-se em consideração que, como decidiu o STJ, em Acórdão de 31.05.2006: (…) [o]s documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº06P1412, relator Sousa Fonte; vide, também, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.01.2010: (…) [é] permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº20/05.9TAAGD.C1, relator Alberto Mira)). * Os elementos periciais e documentais supra elencados foram conjugados com a apreciação crítica das declarações prestadas pelo arguido AA e do depoimento das testemunhas CC e DD – agentes da Polícia de Segurança Pública –, EE – legal representante da empresa “P..., Lda.” e patrão do arguido – e FF – que conhece os arguido por razões de família. * A convicção do tribunal formou-se em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que transpareceram em audiência daquelas mesmas declarações e depoimentos testemunhais. * Na avaliação dos diversos relatos teve-se em consideração que, como se escreve no Acórdão da Relação de Guimarães, de 23.03.2015: [a] circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito à inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº159/11.5PAPTL.G1, relator João Lee Ferreira). Neste aresto explica-se que (…) julgar é precisamente “escolher”, “optar”, “decidir”. A função do julgador não consiste em encontrar a versão que recolhe maior número de testemunhos, mas, sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum, determinar como os factos se passaram: exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade a quem compete julgar depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante. A circunstância de uma pessoa produzir declarações inverosímeis ou sabidamente desconformes com a realidade não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal nunca se encontra adstrito à inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios: desde que o raciocínio seja compreensível, o tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção – sublinhado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº159/11.5PAPTL.G1, relator João Lee Ferreira). Com efeito, mesmo de boa-fé, qualquer depoimento pode conter erros, ou seja, ao lado de dados verdadeiros é possível também incluir dados falsos ou inexactos. Assim, o depoimento não pode considerar-se como um bloco indivisível (vide, neste sentido, Ricardo António da Velha, “Psicologia Judiciária, Do determinismo psicológico à liberdade de decidir”, Sub Judice, 22/23, Julho/Dezembro de 2001, p.129). Tal como referiu Enrico Altavilla, (…) qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras (vide Psicologia Judiciária, Volume II, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, p.12). Importa, também, aqui salientar que o julgador não é um mero colector de depoimentos, impondo-se-lhe que os avalie criticamente, que os submeta ao crivo da razão e ao filtro da lógica, valendo-se das regras gerais da experiência corrente, da sua vivência social e pessoal e do conhecimento da normalidade do acontecer. A convicção do juiz forma-se livremente, podendo, neste juízo de verosimilhança acerca dos dados processualmente adquiridos, estribar-se nas máximas da experiência e nos parâmetros de normalidade que subjazem à generalidade dos acontecimentos (cfr. o já referido artigo 127º, do CPP). A credibilidade da prova passa pela plausibilidade da descrição factual, que, para ser tida em conta, deverá pautar-se pela lógica e coerência, aferida à luz dos juízos da experiência comum. * O tribunal tomou desde logo em consideração o depoimento dos agentes da PSP, CC – que teve intervenção na busca domiciliária realizada no dia 25.06.2024 na habitação do arguido – e DD – que foi responsável pela elaboração do Anexo A1 –, que foram objectivos, seguros e isentos na descrição que fizeram daquela que foi a sua intervenção nos autos e que decorreu, exclusivamente, das funções que exercem. Acresce que tudo quanto afirmaram encontra-se devidamente sustentado nos documentos já supra referidos. * O arguido AA afirmou que o produto estupefaciente (cocaína e MDMA) que foi encontrado no seu quarto era sua pertença, enquanto que o que se encontrava no quarto do enteado (que trata como um filho) pertencia a um indivíduo, que conhece pelo nome de GG” (que é uma alcunha), que lhe pediu para que o guardasse. A este respeito, explicou ter conhecido o tal GG em Maio de 2024, nos bares ... e por terem amigos em comum. Desconhece qual seja o apelido desse GG, sabendo que é da zona do Porto, não conseguindo precisar de que local em concreto. Perguntado se tinha o número de telefone do mesmo, respondeu que este GG contactava-o através de números desconhecidos e que atendia. Numa altura em que tinha saído cerca de meia dúzia de vezes com o GG, este, no início de Junho de 2024, fez-lhe uma proposta que consistia em o mencionado AA guardar-lhe droga durante uns quanto dias (cerca de meia dúzia) em troca de dinheiro. O arguido, contudo, recusou por ter receio do risco que isso envolvia. Voltou a sair com aquele GG cerca de 3 vezes e, em todas elas, este voltou a fazer-lhe a mesma proposta. Como o arguido era consumidor de cocaína e MDMA e, nessa altura, estava a exceder-se nos consumos, o que implicava ter que recorrer ao dinheiro que auferia do seu trabalho para suportar esse vício, decidiu aceitar essa proposta pois que assim não tinha que fazê-lo à custa do respectivo vencimento. Assim, o que ficou ajustado com o tal GG foi o seguinte: o aludido AA guardava-lhe cerca de 1.600gr de cocaína e 1.000gr de MDMA e, como contrapartida, recebia logo nesse momento a quantia de €2.000,00 em numerário. Essa droga ser-lhe-ia entregue no dia 20 ou 21.06.2024, acondicionada numa caixa, voltando a devolvê-la no dia 26 ou 27.06.2024. Questionado acerca do motivo pelo qual aquele GG, sendo da zona do Porto, ter decidido confiar num indivíduo (o arguido) de Braga, que conhecia de saídas em contexto lúdico, referiu supor que se devia ao facto de ter família, de que não arriscaria pô-la em risco, nem “passar-lhe a perna”. Acrescentou que o que recebeu desse GG decidiu arrumar no quarto do enteado/filho, num compartimento do guarda-vestidos, longe da vista, onde nem a companheira, nem o enteado/filho conseguiam chegar, sendo que na caixa, para além do produto estupefaciente, encontrava-se também 1 balança de precisão. Relativamente às quantias monetárias apreendidas, esclareceu que os €2.145,00 correspondem à contrapartida que recebeu desse GG para guardar-lhe a droga, os €690,00 recebeu-os por ter andado a ajudar a construir um anexo e os €100,00 são economias suas e da companheira que vão pondo no cofre e que serve para depois usarem quando faça falta. A propósito do seu consumo, o identificado AA explicou que consumia cocaína aos fins-de-semana, cerca de 1-2gr por fim-de-semana, em particular por ocasião de eventos desportivos (é membro da “Claque do Sporting...”). Para o efeito, costumava comprar 5-6gr nos bares da Universidade do Minho, que davam para si e igualmente para disponibilizar 1-2gr a 3-4 amigos, vendendo-lhes cada grama a €40,00, sendo que adquiria-a por €35,00. Esse seu consumo não era do conhecimento nem da companheira, nem da família, mas só dos amigos e também daquele GG. Ora este, para que o arguido não andasse a correr riscos sempre que adquiria 5-6gr, designadamente, poder ser visto por alguém, propôs deixar-lhe 60gr “à consigna” (consignação), o que o aludido AA aceitou. Foi desses 60gr que vieram a ser apreendidos 56gr no quarto do arguido (o que faltava – 3,5gr – tinha vendido na noite de São João a 2 amigos (3gr por €40,00 e 0,50gr por €25,00). Quanto às 2 balanças de precisão aí encontradas, afirmou serem suas e que estavam guardadas no interior da sua mesinha de cabeceira, sendo que uma estava avariada e a outra era por si utilizada para verificar “o meu consumo” e igualmente a dosagem da droga que vendia àqueles 3-4 amigos. Da mesma forma, o frasco em vidro com a colher e vários pedaços de papel associou ao seu consumo. Confrontado com o facto de todos este bens encontrarem-se na mesinha de cabeceira do seu quarto e, como tal, acessíveis à companheira e também aos menores que ali residiam, rejeitou-o afirmando que “aí ninguém mexia”. Questionado a respeito do chat do Telegram e confrontado com o Anexo A1, reconheceu essa conversa, não conseguindo identificar qual dos seus amigos é o “HH”. Recorda-se de este ter-lhe pedido 20gr de cocaína, desconhecendo para que queria tal quantidade e o que lhe disse foi “mais para despachar” pois não tinha consigo tal quantidade, embora soubesse que iria receber do tal GG os 60gr de cocaína. Quando assim sucedeu, voltou a falar com esse “HH”, mas, nessa altura, este já não quis fazer negócio. Encontrando-se o arguido a responder a perguntas do seu Ilustre Mandatário, constatou o tribunal que aquele aproveitou uma “deixa” para trazer mais um argumento acerca dessas vendas. Com efeito, pelo Ilustre Mandatário foi dito: “... também não seria porque o sr. AA naquela altura resolveu, depois de ter conhecido o GG, começar a vender mais do que vendia até ali? Também não viu ali uma oportunidade de vender mais?”. Seguiu-se de imediato a seguinte resposta do arguido: “... na altura estava mais apertado de dinheiro e vi ali uma oportunidade para juntar mais dinheiro, sim, e para não mexer no dinheiro do meu trabalho para as contas familiares”. Procedeu-se, ainda, à reprodução das declarações prestadas pela arguido em sede de interrogatório judicial perante ao(à) Juiz(a) de Instrução (cfr. artigo 357º, nº1, alínea b), do CPP – cfr. fls.43-50 – referência nº.......44). Nessa sede, a versão apresentada pelo mencionado AA apenas divergiu da sustentada em julgamento nos seguintes aspectos: [i] não mencionou que era consumidor de produtos estupefacientes; [ii] o tal GG era da zona de Gondomar; [iii] não sabia que quantidade de droga seria para guardar; e [iv] aceitou a proposta devido a uma “fase complicada de dinheiro” (como não referiu que consumia, não pôde servir-se da justificação de que estava a exceder-se nos consumos). A seu propósito esclareceu que como estava muito nervoso optou por não mencionar que era consumidor e também não concretizou as quantidades de estupefaciente que seria para guardar por recear que tal pudesse desfavorecê-lo. Salvaguardando o devido respeito, consideramos que as declarações prestadas pelo arguido (seja na fase do inquérito, seja na fase do julgamento) pautaram-se por interessadas, subjectivas e implicadas, sendo notório que procurou trazer a julgamento uma narrativa dos factos que favorecesse a sua posição, ou melhor, que menos o desfavorecesse. Norteou-se, pois, pela selectividade. Além disso, as explicações que ofereceu, quando apreciadas à luz do que ditam as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e da normalidade do acontecer, primam por incoerentes e inconsistentes. Com efeito, o aludido AA pretendeu convencer o tribunal que um indivíduo de nome GG – de que não sabe o apelido (apenas que usa a alcunha de “II”), nem a morada (somente que é da zona de Gondomar – nas declarações no inquérito – ou da zona do Porto – nas prestadas em julgamento), nem o número de telefone (porque, muito convenientemente, usa vários números desconhecidos) –, que conheceu em Maio de 2024, num contexto de saídas nocturnas e de diversão, depois de saírem uma meia dúzia de vezes, abordou-o para que lhe guardasse na sua habitação uma elevada quantidade de produto estupefaciente (cocaína que daria para 7808 doses individuais e MDMA que daria para 9366) juntamente com aparelho(s) usado(s) na sua distribuição, a troco do pagamento imediato de €2.000,00. O arguido pretendeu convencer que alguém que era só um conhecido, com quem privou meia dúzia de vezes em ambiente recreativo, decidiu arriscar confiar-lhe 1616,592gr de cocaína e 1000,772gr de MDMA e pagar, “à cabeça”, €2.000,00, abdicando de saber se era (ou não) pessoa responsável, se era (ou não) pessoa honesta, se era (ou não) pessoa zelosa, se era (ou não) pessoa confiável, supondo aquele AA ter merecido um “voto de confiança” porque esse seu conhecido sabia que tinha uma família e que não iria “passar-lhe a perna”. O arguido pretendeu convencer ter decidido aceitar a proposta do tal GG só porque estava a exceder-se nos consumos e não queria continuar a suportar esse custo com dinheiro do seu vencimento, isto apesar de saber que não tinha forma de contactá-lo, até porque conhecia-o de saídas fugazes, pelo que, se viesse a ser encontrado com tão elevada quantidade de droga – como acabou por acontecer na sequência daquela busca domiciliária –, não teria como fornecer outros elementos identificativos do (suposto) verdadeiro dono. O arguido, que comprava 5-6gr de cocaína, que consumia por fim-de-semana 1-2gr e que vendia a 3-4 amigos também 1-2gr, pretendeu convencer que esse GG deixou-lhe “à consigna” 60gr, o que aceitou com normalidade, não obstante ir muito além do que eram os seus consumos habituais e o dos seus 3-4 amigos. O identificado AA pretendeu convencer que usava uma balança de precisão também para dosear o seu próprio consumo. O arguido, que, segundo esclareceu, começou por fazer um favor àquele GG – que se traduziu em guardar-lhe substâncias estupefacientes por uns dias –, pretendeu convencer que ao receber deste os tais 60gr decidiu alargar as vendas que vinha efectuando (até aí limitadas a 3-4 amigos) por ver “... ali uma oportunidade para juntar mais dinheiro”. E fazer tudo isto à socapa da companheira, que não desconfiaria de nada! A versão que o arguido trouxe a julgamento (e também na fase investigatória), como facilmente se intui, mostra-se frontalmente contrariada pelas mais elementares regras da experiência corrente e da lógica. A realidade que descreveu ao tribunal pura e simplesmente não funciona da forma que transmitiu. Ninguém que seja dono de uma quantidade de produtos estupefacientes idêntica à que foi apreendida na habitação do mencionado AA pede a um conhecido, com quem conviveu muito episodicamente, em contexto de diversão e descontracção, que a guarde na sua residência. Nem tampouco ninguém acederia fazê-lo sem adoptar precauções, desde logo, obter elementos de identificação do dono da droga para o caso de algo correr mal. Uma vez desconsideradas as declarações do arguido, a convicção do tribunal formou-se mediante a conjugação da demais prova com, precisamente, os juízos da experiência comum aplicáveis nesta matéria. Ora, se a droga apreendida não era de nenhum “GG”, conclui-se que pertencia ao próprio arguido. E, atenta a quantidade que detinha, logo se infere que não era (só) para consumo próprio, nem para deixá-la acumular em casa. Tinha que ser, necessariamente, para vender. É, aliás, o que também se retira da conversa do chat do Telegram no dia 15.06.2024. O aludido AA não conseguiu identificar quem era o tal “HH” por uma razão muito simples: não vendia cocaína a 3-4 amigos, pois se assim fosse, nesse universo tão restrito, logo teria identificado a pessoa em causa. Por outro lado, esse “HH” não pediu 1-2gr que seria aquilo que esses 3-4 amigos normalmente consumiam, pelo contrário, solicitou 20gr, respondendo-lhe o arguido ter 40gr. Deste modo, em face da quantidade encontrada – e demais material apreendido –, bem como desta conversa, conclui-se que vendia inevitavelmente a um número (muito) mais alargado de pessoas, não sendo, aqui, irrelevante que, como se apurou, fosse adepto e membro da claque do “Sporting ...”, o que lhe permitia privar e contactar presencialmente com diversos indivíduos, que constituiriam o seu “público/mercado alvo”. Ainda neste âmbito, repare-se que as substâncias estupefacientes existentes na habitação do arguido encontravam-se em estado puro, ou seja, podiam ser cortadas, com o que lograria aumentar o número de doses a transaccionar, daí retirando um mais elevado retorno financeiro. Aliando tal quantidade ao mais que foi apreendido (balanças de precisão, frasco em vidro com uma colher de sobremesa e vários pedaços de papel plástico, €2.935,00 em notas do BCE) e à conversa do chat do Telegram, é possível intuir que o identificado AA não seria um simples vendedor de rua, mostrando-se muito mais próximo da figura de um grossista, movendo-se num circuito em que não estaria tão exposto à detecção e consequente identificação (como sucede com o mero vendedor de rua) – note-se que como explicou o agente José Antonino Henrique não estava sequer referenciado por tráfico – e auferindo um lucro maior, vendendo essencialmente para posterior revenda. * No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo do arguido, insusceptíveis de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina Germano Marques da Silva, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (vide Curso de Processo Penal, Volume II, p.127). A prova do elemento subjectivo, por pertencer ao mundo interior do agente, é, pois, indirecta, devendo ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum. Como se escreve no acórdão da Relação de Coimbra, de 23.05.2012: (…) tratando-se de factos de ordem subjectiva (do mundo dos pensamentos e das representações mentais do agente: os seus conhecimentos e intenções) são insusceptíveis de prova directa, havendo que retirar a convicção da sua verificação da análise dos factos objectivos praticados à luz das regras da experiência comum (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº630/09.5TACNT.C1, relatora Maria Pilar Oliveira). Deste modo, em relação ao elemento subjectivo do tipo legal de crime em apreço nos autos, o mesmo ou é revelado pelo próprio arguido, através da confissão (vide o acórdão da Relação de Évora, de 14.07.2015 (acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº27/14.5PTEVR.E1, relator Alberto Borges), ou então tem de ser inferido de factos objectivos que sejam suficientemente idóneos para a sua demonstração. No caso decidendo, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida pelo aludido AA com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança, que, não obstante saber que o comportamento que adoptou era proibido e punido por lei como crime, agiu sempre de modo deliberado, livre e consciente, nos moldes que, neste âmbito, se tiveram como provados e que, aqui, temos por integralmente reproduzidos, por brevidade de exposição, sendo certo que a intenção que presidiu à sua actuação também resulta da materialidade objectiva dos demais factos que se tiveram por demonstrados. * A convicção do tribunal quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido resultou do que se extrai do respectivo Certificado do Registo Criminal (cfr. referências nº...42). * No que respeita às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do mencionado AA, atendeu-se ao que avulta do respectivo relatório social (cfr. referência nº17762630), que se mostra cabalmente fundamentado e com indicação expressa das respectivas fontes, além de que o seu teor foi confirmado pelo próprio arguido. Valorou-se, igualmente, o que esclareceram a este propósito as testemunhas EE e FF, que sendo conviventes com o arguido – por motivos profissionais e de família, respectivamente –, aludiram a aspectos da sua vida e da sua pessoa, o que fizeram de modo coerente, consistente e credível. * A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o supra referido princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do CPP.” + O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer: -Competência deste Supremo Tribunal -Nulidade do acórdão for falta de fundamentação- arts 97 nº 5, 374 nº2, 379 nº1 a), todos do C.P.P e 205 da C.R.P. - Qualificação Jurídica: Não verificação de factos subsumíveis ao art. 24 al.c) do Dec.Lei nº 15/93 de 22/01. - Medida da Pena + O presente recurso foi instaurado pelo arguido directamente para este Supremo Tribunal (per saltum) o que sendo o resultado de uma decisão do tribunal colectivo que condenou o arguido na pena de 6 anos de prisão, é admissível atento o disposto no artº 432º 1 c) CPP “c) De acórdãos finais proferidos … pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” Invoca o MºPº que o arguido pretende discutir a prova, pelo que impugnando esta o STJ não é competente por sê-lo a Relação. Tal invocação é verdadeira mas não parece ser o caso. Na verdade, apesar da referencia a alguma prova, nomeadamente testemunhal, sobressai da motivação e das conclusões do recurso que o que o arguido questiona é a, do seu ponto de vista, falta de fundamentação relativa a 3 pontos concretos dos factos provados, por falta de exame critico, ficando sem se saber a razão porque tais factos foram considerados provados pelo colectivo, e é esse o vicio, da nulidade, que assaca ao acórdão recorrido. Sendo assim, como nos parece ser, não falece este STJ de competência para conhecer do recurso. Assim. Suscita o arguido a falta de fundamentação no acórdão recorrido, na vertente do exame critico da prova, no que respeita aos seguintes factos: “4. Nas circunstâncias espácio-temporais supra descritas, o arguido detinha, assim, na sua posse: [i] cocaína, com o peso total líquido de 1616,592gr, que daria para um total de 7808 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €78.080,00; e [ii] MDMA, com o peso total líquido de 1000,772gr, que daria para um total de 9366 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €93.660,00. 5.O estupefaciente apreendido ao arguido encontrava-se em estado puro, com o que podia ainda ser cortado. 6.O mencionado AA fazia parte da claque do “Sporting ...”, local onde privava e contactava presencialmente com outros indivíduos, cuja identidade, em concreto, não foi possível apurar, a quem vendia cocaína e MDMA essencialmente para posterior revenda, auferindo avultadas quantias monetárias.” Conhecendo: A fundamentação da decisão judicial é um dever imposto pela CRP - artº 205º CRP - e surge no processo penal como decorrência das garantias de defesa do arguido expressas no artº 32º1 CRP, e encontra consagração legislativa no artº 374º CPP quanto às sentenças sendo a sua omissão, quanto a estas, cominada com a nulidade - artº 379º1 CPP aplicáveis aos recursos por força do disposto no artº 425º4 CPP - e existe para cumprir as seguintes finalidades: de conhecer e convencer os destinatários (as partes) da bondade da decisão e a sociedade em geral sobre a correção e a justiça do caso; permitir ao tribunal de recurso conhecer do processo logico-racional subjacente à decisão e aos destinatários da mesma exercer o direito ao recurso de modo consciente e de posse de todos os dados necessários para o efeito, e de permitir o auto controlo e a ponderação por parte do tribunal que decide, sobre a apreciação das provas (pensar duas vezes antes de decidir), e por estas vias assegurar o respeito pelo principio da legalidade da e na sentença (e do decidido) e assegurar e demonstrar a independência e imparcialidade dos juízes e das suas decisões, como fatores que são de credibilidade e de legitimidade - Cf. Ac STJ 18/12/91 BMJ 412º, 383, e ac TC 59/2006 http://www.tribunalconstitucional.pt/ -, e por isso o artº 374º2 CPP, dispõe quanto à elaboração da sentença que ao relatório, “… segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” e nessa sequência dispõe o artº 379º1 a) CPP, que “É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374ºnºs 2 e 3, alínea b), ou seja que não seja fundamentada.” Neste contexto, cremos que se mostra sedimentado, e como temos escrito, que como decorre dos normativos citados, a fundamentação da sentença, é essencial para a compreender, por expressar o raciocínio seguido pelo julgador, mas ela é um todo unitário, e neste âmbito, exige a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e também os elementos (se for o caso) que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que essa convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (v. ac. STJ de 08.02.07, proc. n.º 07P028, www.dgsi.pt), e para melhor compreensão tem sido também delimitado negativamente, no sentido de que não se basta com a mera enumeração dos meios de prova e uma vaga e genérica referência à sua ponderação e valoração, e “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência… A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz…” (Marques Ferreira, “Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 229-230), cf. Ac. R. P 25/3/2010 rec. 552.07.4PJPRT.P1 www.dgsi.pt/jpr, e “…consiste tão somente na indicação das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal” Ac. STJ 24/6/99 proc 457/99 SA STJ nº 32, 88 cit. Por M. Gonçalves, CPP, 16ª ed. pág.789, ou “… esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo” – Ac. STJ 12/4/2000 proc. 141/2000 SA STJ nº 40, 48, e de 11/10/2000 proc 2253/2000 SA STJ nº 44, 70; ou “… traduz-se na indicação das razões que levaram a que o tribunal formasse a convicção probatória num dado sentido, repelindo um e adoptando outro, porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substrato lógico da decisão”- Ac. STJ 17/3/2004 Proc. 4026/03 cit. por M. Gonçalves, ob. cit. pág. 793 e Ac. STJ 12/7/05 proc 2315/05 SA STJ nº 93, 116. Acresce que se o tribunal não tem de fundamentar cada facto por si mesmo - pois “A lei não impõe a indicação dos meios de prova atinentes a cada um dos factos provados” – Ac. STJ 2/12/98 CJ STJ, VI, 3, 229, nem impõe que “… em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir “ – Ac. STJ 30/6/99 proc 285/99 SA STJ nº 32, 92 in M. Gonçalves, ob. cit. pág. 789, e antes “ …a fundamentação tem de surgir como um todo …” (Ac. STJ 24/4/2001 Proc. 3063/01 SA STJ nº 57, 69 cit. M. Gonçalves, ob. cit. pág. 791) mas já tem de conter a indicação das provas utilizadas e das testemunhas ouvidas e tem de conter as razões de ciência do depoimento e os elementos que em razão das regras da experiencia ou da lógica que levou à formação da convicção num determinado sentido, também deve expressar as razões de credibilidade de um dado meio de prova e o que dele o tribunal extraiu em termos probatórios. No que respeita ao nº4 dos factos provados, para o arguido o acórdão “ é completamente omissa, quanto às razões que lhe permitiram concluir, que o arguido iria vender cada dose a €10,00” venda directa e “iria por força da detenção das quantidades de droga que lhe foram apreendidas, obter o lucro” ali descrito. No nº5 porque não existe qualquer justificação para se dizer que o estupefaciente “ podia ainda ser cortado” não lhe sendo encontrado nada que tivesse a ver com a adulteração da droga. No nº 6 porque não se identifica a quem vendia nem como auferia “avultadas quantias” Para além do que se irá transcrever adiante, cumpre já assinalar que o arguido admite neste seu recurso que o valor de 10€ / dose “são esses os preços praticados” e que o que ali, no acórdão, se descreve é o valor que a droga em causa se vendida proporcionaria, e por outro lado “venda directa” é aquela que é feita directamente pelo arguido a quem consome e não tem necessariamente ser de uma dose de cada vez. Tal como esquece que é exactamente pela possibilidade de corte (e qual a quantidade que é para consumo individual diário) que consta do exame pericial e em vista à verificação da danosidade do estupefaciente e possibilidade de “corte” que é apurado o seu grau de pureza, e o que ali se afirma é que podia em face disso ser “cortado”/ adulterado com adição de elemento que lhe altera o peso/volume, e ainda se esquece da quantidade/ peso da droga apreendida e das doses que possibilitava e respectivo valor, o que desde logo possibilita um juízo sobre o valor a obter na venda. Se este valor está correto ou não ou se integra o conceito legal em face do valor apurado, não tem a ver com a fundamentação mas com a sua valoração jurídica. No mais no que à fundamentação respeita, é manifesta a sem razão do recorrente, pois desde pertencer à claque de futebol e ser, como afirma, nessas alturas de futebol que consome (sendo aquela um grupo de risco / face à irmandade dos seus membros) aliado ao facto de ser contactado pelo Telegram por comprador, segundo as regras da experiencia, é porque há conhecimento do facto, e os objectos balança e plástico são essenciais ao doseamento e embalagem (próprios de quem vende e não de quem consome em casa) e depois todo o comportamento emergente da audiência e suas declarações, levam o tribunal a concluir, como o fez, pela sua falta de credibilidade, e apreciar o seu comportamento segundo as regras da experiência, no que respeita ao mundo /submundo da droga, salientando-se da fundamentação supra integralmente transcrita que aqui se dá por reproduzida, que “Além disso, as explicações que ofereceu, quando apreciadas à luz do que ditam as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e da normalidade do acontecer, primam por incoerentes e inconsistentes”,“Uma vez desconsideradas as declarações do arguido, a convicção do tribunal formou-se mediante a conjugação da demais prova com, precisamente, os juízos da experiência comum aplicáveis nesta matéria” demonstrando-se assim que o tribunal “separou o trigo do joio”, selecionando umas provas e rejeitando as outras de acordo com os critérios da experiência comum mas também à luz dos conhecimentos científicos e técnicos e de desenvolvimento deste tipo de actividade ilícita, e demonstrando que ocorreu uma análise e ponderação da prova demonstrativa da razão pela qual o tribunal chegou àquele resultado, pelo que justifica a sua opção tendo em conta os princípios que regem a apreciação da prova e o que lhe é dito e demonstrado. Não ocorre assim a nulidade invocada. Questiona o arguido a qualificação jurídica dos factos por em seu entender não ocorre a qualificativa da al. c) do artº 24º do DL 15/93 de 22/1 “c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;” por entender que a conduta do arguido não preenche essa qualificativa, face ao valor da droga se vendida. O tribunal recorrido qualificou a conduta do arguido no tipo agravado ( artº 24º c) DL 15/953, entendendo que: “O crime fundamental do citado artigo 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. Será em função do grau de ilicitude que se qualificará de grande, médio ou pequeno tráfico a conduta do agente, supondo-se que se mantém a mesma intensidade da culpa. Sendo o tráfico, como se explanou supra, um crime de perigo comum e abstracto, o grau de ilicitude varia também na mesma proporção em que varia o perigo criado pelo agente, o que nos permite compreender as distinções e punições feitas pelo legislador e previstas nos artigos 21º, 22º e 24º (grande tráfico), 25º (tráfico de menor gravidade) e 26º (traficante-consumidor). Salienta-se no Acórdão do STJ, de 13.05.2020, que [c]omo vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº168/17.7PAMDL.S1, relator Raul Borges). A intenção político-legislativa que subjaz ao aludido DL é, sobretudo, a de permitir ao julgador operar com maior segurança – por mais ampla ser a abrangência – a distinção entre os casos de tráfico importante ou significativo (ou significativamente importante) e o tráfico menor (ou de menor gravidade). Daí poder contar-se com uma maior flexibilidade de valoração não só na delicada tarefa de sopesar a ilicitude das condutas, como também na não menos delicada operação de delinear os parâmetros permissivos de uma adequada justiça relativa no doseamento sancionatório, o que nem sempre é fácil de lograr em domínio tão diversificado em cambiantes como é o dos crimes de tráfico. De todo o modo, tal valoração, destinada a diferenciar o grande tráfico do tráfico menor, não pode, nem deve ser realizada de forma superficial ou ligeira. É que não será bom esquecer que, muitas vezes, quer os aparentemente pequenos traficantes, quer os chamados “dealers” de rua, assumem um papel preponderante ou mesmo essencial nos circuitos do tráfico mais intenso, sendo partes integrantes ou servindo como elos importantes na longa cadeia em que aquele se desenrola. * Na sequência do que vem de referir-se, as penas previstas no artigo 21º (e também no 22º), do DL, segundo o artigo 24º, do mesmo diploma, são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo [isto é, de 5 a 15 anos de prisão] se: (…) c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; (…) A maioria da Jurisprudência do STJ vem sustentando que os factos tipificados neste artigo 24º conferem de imediato a ilicitude do tráfico especialmente grave, como se decidiu, nomeadamente, no Acórdão do STJ, de 13.09.2018, lendo-se no seu sumário que [o] art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº184/17.9JELSB.L1.S1, relator Maia Costa). Como tal, (...) a verificação de uma circunstância qualificativa obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude, apesar de poder admitir-se que haja situações de tal forma excepcionais que tornem excessivamente insuportável, do ponto de vista da justa medida, a aplicação da moldura penal agravada (vide o Acórdão do STJ, de 09.12.2021, acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº774/19.5JAPDL.S1, relatora Adelaide Magalhães Sequeira). Pelo que, escreve-se no Acórdão da Relação do Porto, de 05.06.2024, que (...) [s]ó ocorre a possibilidade de preenchimento de uma circunstância agravante do art. 24º se a conduta em análise se subsumir sem restrições ao disposto no art. 21º, o que ficará excluído no caso de ocorrerem uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude da conduta, que assim preencherá antes o disposto no art. 25º do mesmo D.L (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº5090/20.7JAPRT.P1, relatora Raquel Lima). Como vem de expor-se, o citado artigo 24º prevê as condições agravantes da medida abstracta da pena. Tratam-se de circunstâncias que ofendem de forma grave ou muito grave o bem jurídico protegido com a incriminação. Estes casos, excepcionalmente graves, estão elencados de forma taxativa, embora descritos, em alguns casos, através de conceitos abertos. Quanto à verificação das agravantes supra enunciadas, não são de funcionamento automático, devendo ser analisadas tendo em consideração o princípio da proporcionalidade (cfr. o artigo 3º, nº4, da Convenção da ONU de 20.12.1988, ratificada por Portugal, que esteve na base do DL, conforme se refere no respectivo preâmbulo), pelo que só haverá agravação do tráfico de estupefacientes nas situações em que a conduta do agente revele, em concreto, um particular desprezo ou desrespeito pelos objectivos perseguidos pela norma penal agravante. Um desses casos, previsto na alínea c), do artigo 24º, ocorre se o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória. (…) O carácter “avultado” da remuneração terá de ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou que o agente pretendia alcançar. Deste modo, “avultada” será a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo (vide, neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 04.12.2008 e de 17.04.2013, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj, Processos nºs08P3456 e 138/09.9JELSB.L1.S2, relatores Maia Costa e Pires da Graça, respectivamente). Neste âmbito, por Acórdão de 16.11.2009, decidiu a Relação de Guimarães, que: A «avultada compensação económica», a que se refere a al. c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro sobre o crime de tráfico de estupefacientes agravado, só se verifica quando, afastando-se manifestamente do crime base (art.º 21.º), aponta paro o grande tráfico, longe, portanto, do da distribuição intermédia (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº2/04.8GDPNF.G1, relator Estelita de Mendonça). A respeito da supra referida alínea c), escreve-se no Acórdão do STJ, de 30.06.2011, que: (...) XIII – Relativamente às alíneas b) e c) deste art. 24.º, trata-se de circunstâncias que, traduzindo-se na multiplicação dos resultados danosos ou na acentuação egoísta dos fins que motivaram a acção ilícita, aquela provocada por uma particularmente alargada distribuição dos produtos estupefacientes e esta pelos avultados lucros que se obteve ou procurava obter com o comércio ilícito de tais produtos, à custa da saúde pública, subalternizada a tais intentos, agravam substancialmente (em 1/4), os limites mínimo e máximo, de si já bastante gravosos, da moldura penal estabelecida para o tipo-base de tráfico (...) no que toca à avultada compensação remuneratória, a lei contenta-se com a expectativa de grandes lucros. Também neste aspecto, porém, se exige que o agente tenha obtido proventos de uma grandeza que claramente extravase os lucros que normalmente se obtêm ou se tentam obter com o tráfico de produtos estupefacientes, sendo esta uma actividade ilícita que, normalmente, pela sua natureza, tende à consecução de operações rentáveis e de aquisição de somas monetárias significativas (obtenção de ganhos fáceis e de rápida realização). Tem de estar, portanto, em causa um empreendimento ilícito de tal ordem, que seja de molde a gerar grandes lucros ou a criar expectativas de um enriquecimento do património em grande escala, muito para além do que está pressuposto no tipo-base de tráfico. Só assim se compreende a agravante, como exasperação da ilicitude que fundamenta o tipo matricial. XVI – Esta agravante supõe a realização de negócios de grande envergadura, quer pelo carácter maciço das operações envolvidas, quer pela sua dimensão ao longo do tempo, em que adquirem relevo as quantidades transaccionadas, a dimensão do abastecimento do mercado, o efeito conjugado da oferta e da procura, a complexidade ou estruturação da organização de fornecimento aos revendedores e (ou) a distribuição pelos consumidores directos, tudo isso a indiciar, em termos objectivos e em consonância com a experiência normal das coisas, o envolvimento de grandes quantias e a materialização ou projecção de grandes lucros – destacado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº83/08.5JAFUN.L1.S1, relator Rodrigues da Costa). (…) * Caracterizado o tipo legal de crime em apreço, cumpre agora fazer a sua subsunção à factualidade apurada, de molde a indagar se o arguido praticou tal ilícito criminal.(…) Os factos que mereceram adesão de prova preenchem, segundo entendemos, o tipo objectivo do ilícito criminal de tráfico de substâncias estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea c), ambos do DL. Com efeito, numa valoração global dos factos estamos perante actos de ilicitude significativa e relevante, havendo, aqui, que atentar-se na elevada quantidade de substâncias estupefacientes apreendidas, bem como na sua qualidade e grau de pureza (acima dos 90% – exceptuando as 8 pastilhas de MDMA). Na habitação do aludido AA encontrou-se, em estado puro (com o que poderia, ainda, haver corte): [i] cocaína, com o peso total líquido de 1616,592gr, que daria para um total de 7808 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €78.080,00; e [ii] MDMA, com o peso total líquido de 1000,772gr, que daria para um total de 9366 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €93.660,00. Este arguido, fazendo parte da claque do “Sporting ...”, privava e contactava presencialmente com outros indivíduos, a quem tais estupefacientes eram vendidos essencialmente para posterior revenda, daí retirando elevados ganhos económicos. No caso decidendo, o arguido, ao deter a quantidade de cocaína e MDMA supra referida, tinha em vista obter uma compensação financeira significativamente superior ao habitual, pois que, no mercado de tráfico, a sua venda ascenderia ao valor total de €171.740,00 [€78.080,00 + €93.660,00], o que aponta para uma escala de grande traficância (que não é própria do dealer de rua urbano ou do médio tráfico de distribuição intermédia), em que os riscos de detecção são menores, com a consequente maior saliência da ilicitude. Verifica-se, assim, uma ilicitude com a densidade pressuposta no tipo matricial do referido artigo 21º, nº1 (o padrão de ilicitude corresponde ao tipo matricial), a qual, in casu, deve considerar-se agravada, nos termos do artigo 24º, do DL, pela actuação da circunstância modificativa agravante prevista na citada alínea c). Segundo consideramos, tal circunstância transforma o crime em análise como de gravidade excepcional, merecedora de um juízo de especial censura ao nível da ilicitude e da culpa. Tudo globalmente ponderado, temos de qualificar o crime de tráfico, nesta medida, de gravidade extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já de si elevada) que corresponde ao tipo base do artigo 21º, do mesmo diploma legal.” Apreciando: A estrutura normativa que emerge do DL 15/93 de 22/1 de combate ao comércio ilicito de estupefacientes, para além do consumo (artº 40º) é constituída por um tipo base ou fundamental – ao artº 21º - um tipo agravado – o artº 24º – e dois tipos privilegiados - artº 25º por ilicitude consideravelmente diminuída – e artº 26º traficante consumidor (tráfico para o fim exclusivo do seu consumo) e assim justificando as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes e médio traficante (artigos 21º, 22º e 24º) e o pequeno (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).”1 tradutora do diverso grau de ilicitude do facto em concreto Se em relação aos dois últimos tipos a questão não se coloca face aos termos da questão em analise, já o problema emerge em relação às normas do artº 21º e do artº 24º, traduzido este na imputação feita ao arguido no processo, de visar com o estupefaciente na sua posse “ obter avultada compensação remuneratória” estabelecida pela al. c) desse artº 24º. Tal expressão constitui um conceito aberto ou clausula geral, com sentido indefinido, a integrar casuisticamente, e como expressão valorativa que é, apesar de constante do acórdão recorrido, não pode ser tida como escrita2, pois que essa valorização normativa terá de ser extraída de factos objetivos provados. Não existe regra jurídica, ou definição legal, do conceito de “avultada compensação remuneratória”, sendo que o único conceito em termos de valorização patrimonial que a legislação penal estabelece, ocorre no artº 202º al. a), b) e c) do CP a definição de “a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto; b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto; c) Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto;” pelo que tais definições não podem servir de suporte àquele conceito3 mas podem ter uma valorização de exclusão, no sentido de que “avultado” face à conduta e matéria em causa ( tráfico de droga) inculta uma ideia de “para além de …”. Ora tendo em conta que valor consideravelmente elevado corresponde a uma quantia excedente de 200 Ucs, sendo a UC de 102€ corresponde grosso modo a 20400€ Visto o que se expressa e a amplitude punitiva da norma fundamental ( de 4 a 12 anos de prisão) logo ressalta a amplitude da sua aplicação, reservando o agravado para os casos mais graves / gravíssimos de maior ilicitude e os privilegiados para os de menor ilicitude, tudo em função da “avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão, (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto), e do bem jurídico protegido, a saúde pública.”4 afastando o STJ desde há muito do conceito patrimonial do artº 202º CP5. Sem duvida que são diversos ao factores a considerar para o preenchimento desse conceito, desde logo porque a norma em causa tem em conta não apenas elementos objectivos mas também dados de natureza subjectiva, como seja o fim visado com a sua acção / actividade, pois a norma refere-se a dois momentos obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória, sendo um como facto consumado (da sua actividade já obteve) e o outro como fim visado (procurava obter) numa continuaçao da actividade em causa, o que tudo tem de ser contabilizado. No caso dos autos apenas nos é dado a quantidade da droga e seu doseamento e o valor de mercado se vendidas a 10€ a dose “( [i] cocaína, com o peso total líquido de 1616,592gr, que daria para um total de 7808 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €78.080,00; e [ii] MDMA, com o peso total líquido de 1000,772gr, que daria para um total de 9366 doses individuais, que vendidas cada uma a €10,00, representava, na sua venda, um lucro de €93.660,00.)”, pelo que sendo esse o seu valor, não se sabe qual o valor da compensação remuneratória auferível, pois não está contabilizado o seu custo de aquisição pelo vendedor e consequentemente a quantia envolvida na aquisição. Sem duvida que o arguido procurava obter um valor económico, que ele próprio expressa, mas em face dos dados de facto apurados ( desde a qualidade e quantidade da droga e sua pureza e valor de venda ) e pese embora a quantidade tal não é suficiente para dar como preenchido tal conceito de avultada compensação6, que tem na sua génese uma ideia de algo fora do normal, ou “ coisa que se destaca pelo seu volume ou grandeza”, fabuloso. A Jurisprudência tem procurado integrar tal conceito e responder a esta questão valorativa, tendo de que se salienta: Ac. STJ 08-02-2006, proc. 05P2988, Cons. Sousa Fonte, www.dgsi.pt “I - O DL 15/93, de 22-01, desenhou um tipo base ou fundamental de tráfico de estupefacientes - o descrito no seu art. 21.° - ao qual aditou certas circunstâncias atinentes à ilicitude que agravam - art. 24.º - ou atenuam - art. 25.° - a pena prevista para o crime fundamental. O primeiro destinado a cobrir os casos de média e grande dimensão, o segundo para prevenir os casos de excepcional gravidade, o terceiro para combater os de pequena gravidade, o pequeno tráfico de rua. II - Considerando que o tipo base do art. 21.°, pelo largo arco da respectiva moldura penal - prisão de 4 a 12 anos -, terá de abranger desde os casos que já não podem ser cotados como de pequeno tráfico de rua até aos de gravidade elevada (leia-se ilicitude grave), a avultada compensação justificativa da excepcional gravidade suposta pelo art. 24.° há-de atingir valores que impressionem, não tanto pelo seu cotejo com as actividades lícitas similares, mas pelos concretos montantes envolvidos, independentemente dos riscos inerentes às actividades de tráfico ilícito e sem termos de nos reportar às regras próprias daquele mercado, em que são fabulosos os lucros dos donos da droga e extraordinários os montantes pecuniários envolvidos no tráfico intermédio, através do qual se faz a distribuição universal do produto. A qualificativa exige ilicitude excepcional, extraordinária, valoração meramente quantitativa, a que são estranhos quaisquer argumentos moralistas. III - Tendo ficado demonstrado que o recorrente detinha, num armazém, 44.332,890 g de haxixe, para venda, quantidade apreciável, mas não tendo resultado provado qualquer dos índices do lucro esperado ou obtido referidos na pronúncia, designadamente os preços de compra e de venda e a margem de comercialização esperada de 40 contos/kg, nem que o dinheiro e bens apreendidos ao arguido fossem provenientes do tráfico de estupefacientes, sem dúvida que a quantidade de droga apreendida coloca o recorrente ao nível do médio/grande traficante e que o máximo de lucro que é possível atribuir-lhe é quantia não despicienda. Mas tal quantitativo não atinge um valor económico avultado no actual quadro da economia, mesmo para o cidadão de rendimento médio, estando perfeitamente contido no quadro da ilicitude já de si grave prevista no tipo fundamental do art. 21.º. Ac STJ 10/10/2018 proc. 5/16.0GAAMT.S1 Cons. Vinicio Ribeiro, www.dgsi.pt onde se dá nota de que “…a jurisprudência do STJ, de há alguns anos a esta parte, tem-se pronunciado, quase unanimemente, no sentido do conceito de avultada compensação remuneratória dever ser preenchido através da ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da actividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina, factores que, valorados globalmente, são susceptíveis de fornecerem uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. V - A avultada compensação remuneratória pode, por isso, não ressaltar imediata ou directamente da prova do lucro conseguido ou a conseguir, não está dependente de qualquer estudo ou análise contabilística e consuma-se com a expectativa da obtenção de grandes lucros, como claramente resulta do texto da lei ao referir «O agente obteve ou procurava obter…» (cit. al. c) do art. 24.º)” Ac. STJ de 28/5/2025, Proc.93/13.0JELSB.L2.S1 Carlos Lobo www.dgsi.pt onde se conclui que “VII. … considerando a quantidade de cocaína envolvida – carregamentos de 468 e 811 kg -, o grau de sofisticação da rede em causa, a panóplia de logística que foi sendo executada com a participação/envolvimento dos arguidos recorrentes, o facto destes ocuparem um lugar de relevância e confiança ao ponto de se disporem a fazer contactos com pessoas com conhecimentos e de foro especial, todo o tempo em que tudo se foi desenrolando, recorrendo às regras da experiência comum, é evidente que se ambicionava/visava, obter avultada compensação económica, estando assim verificada a circunstância expressa na al. c) do art. 24.º do DL n.º 15/92, de 22-01.” De todo o exposto resulta que se exige “uma grandeza que claramente extravase os lucros que normalmente se obtêm ou se tentam obter com o tráfico de produtos estupefacientes (…). Tem de estar, portanto, em causa um empreendimento ilícito de tal ordem, que seja de molde a gerar grandes lucros ou a criar expectativas de um enriquecimento do património em grande escala, muito para além do que está pressuposto no tipo-base de tráfico” 7 razão pela qual se anota que “Esta agravante supõe a realização de negócios de grande envergadura, quer pelo carácter maciço das operações envolvidas, quer pela sua dimensão ao longo do tempo, em que adquirem relevo as quantidades transaccionadas, a dimensão do abastecimento do mercado, o efeito conjugado da oferta e da procura, a complexidade ou estruturação da organização de fornecimento aos revendedores e (ou) a distribuição pelos consumidores directos, tudo isso a indiciar, em termos objectivos e em consonância com a experiência normal das coisas, o envolvimento de grandes quantias e a materialização ou projecção de grandes lucros. Em suma, têm de estar em causa ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, ou alguma intervenção que, mesmo ocasional, mas directamente conformadora ou decisivamente relevante, seja determinada a obter ou produza uma compensação muito relevante,…”8, sendo habitualmente associada “às grandes redes de importação, comercialização e distribuição, não a simples retalhistas ou ao tráfico intermédio (o qual já envolve montantes elevados)”9 como aliás tem acontecido no nosso país chegando a droga a ser interceptada no mar, ou encontrado nos portos em contentores, da ordem das centenas de quilos ou toneladas. Ora vistos os factos, e apesar de “A avultada compensação remuneratória pode, …, não ressaltar imediata ou directamente da prova do lucro conseguido ou a conseguir, não está dependente de qualquer estudo ou análise contabilística e consuma-se com a expectativa da obtenção de grandes lucros”- ac STJ de 10/10/2018, Proc. nº 5/16.0GAAMT.S1 citado, o certo é que, - apesar de a ação do arguido se enquadrar no médio/grande traficante (em função da quantidade de estupefaciente e valor envolvido)- exigindo-se entre o tipo fundamental e o tipo agravado em função da amplitude punitiva daquele “A diferente graduação da ilicitude entre os dois tipos impõe correspondente ordenação dos quantitativos. À grave ilicitude há-de ligar-se uma remuneração elevada; à ilicitude excepcional terá de corresponder remuneração excepcionalmente elevada, avultada, cujas balizas se hão-de ir buscar ao quadro de valores económicos vigentes.” não se verifica, também por força da imputação feita ao arguido, traduzida no essencial na detenção da droga – a agravante qualificativa imputada, por dos factos concretos apurados não emergir uma “ilicitude excepcional” tendo em vista uma avultada compensação remuneratória. Por tais razões, afigura-se-nos que a conduta do arguido preenche o crime de tráfico de estupefaciente na previsao do artº 21º DL 15/93 de 22/3, ou seja o seu tipo fundamental, no seu segmento médio em face da moldura penal ali prevista, pois nessa previsão não estamos nem perante um pequeno traficante, mas perante alguém que ultrapassa já a fasquia mediana da ilicitude ali contemplada. Procede assim esta questão. Questiona seguidamente o arguido a pena aplicada que pretende ver reduzida. Para tanto avança no essencial com a desqualificação do ilícito, as exigências de prevenção quer geral quer especial, salientando quanto àquelas a não disseminação da droga, e a estas a sua inserção social, familiar e o seu apoio, e de trabalho, sem antecedentes criminais e o seu comportamento ajustado no EP e a ausência de consumo, e a sua idade, visando numa perspectiva de menor ilicitude, uma pena não superior a 5 anos de prisão. O tribunal recorrido ponderou na sua decisão, para além da consideração do crime de tráfico agravado e respectiva moldura penal: “Estatui o artigo 40º, nºs1 e 2, do CP, que: 1 – A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2 – Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Este preceito constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins das penas só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa –, já não natureza retributiva (vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, p.104). A finalidade visada pela pena será, prima facie, a tutela necessária e suficiente dos bens jurídico-penais atingidos no caso concreto, traduzida pela necessidade de garantir a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada – a prevenção geral positiva ou de integração –, a qual decorre do princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 18º, nº2, da CRP. Como aponta Figueiredo Dias, a prevenção geral positiva traduz a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade, mas não fornece ao juiz um quantum exacto de pena (vide Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, p.107). A prevenção geral positiva fornece, assim, uma moldura de prevenção dentro de cujos limites actuarão considerações de prevenção especial. A prevenção especial significa, na sua função positiva, a necessidade de (res)socialização do arguido, se tal se justificar, e, na sua vertente negativa, a suficiente advertência individual ao agente pela falta cometida. A medida da pena há-de encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos artigos 40º e 71º, do CP, através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift (apud Anabela Miranda Rodrigues, “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, nº2, Abril/Junho, 2002, p.148). Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues que (…) [é] essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal – a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas (vide “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, nº2, Abril/Junho, 2002, p.155). E prossegue dizendo que (…) a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É este também o modelo que deve ser seguido à luz das injunções normativas avançadas pelo legislador ordinário. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada – que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas -- até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral (vide “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, nº2, Abril/Junho, 2002, p.177-178). Com efeito, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (cfr. artigo 40º, nº2, do CP), consistindo esta no limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1º, da CRP. Do que fica sobredito resulta, pois, em síntese, que: [i] a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção); [ii] depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais; [iii] finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas (vide, a este propósito, o elucidativo Acórdão de STJ, de 16.01.2008, acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº07P4565, relator Henriques Gaspar). (…) Na verdade, as necessidades de prevenção geral positiva revelam-se acentuadas em face da multiplicidade de consequências que lhe estão subjacentes, sendo susceptível de gerar enorme insegurança e intranquilidade públicas. Os bens e valores jurídicos protegidos e tutelados no e pelo artigo 24º (por referência ao artigo 21º), do DL, são, indubitavelmente, muito valiosos, o que explica, desde logo, a severidade das sanções e a amplitude do horizonte típico, entendendo-se mesmo que não podem ficar indefesos por via de uma eventual supremacia (ou prevalência) do escopo da ressocialização sobre o da sua eficaz salvaguarda: quando assim suceda ou seja, quando a prevenção especial deva ceder lugar à prevenção geral, competirá ao arguido, na fase da execução penal, demonstrar que o desiderato reintegrador venha ou possa vir a ser assegurado (vide o Acórdão do STJ, de 16.06.2005, acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº05-P1577, relator Simas Santos). Com efeito, (...) [o] tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum abstracto, cuja prática é das que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral (vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 08.11.2017, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº326/16.1JACBR.C1, relator Orlando Gonçalves). Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa, de 13.02.2019, os (...) patentes sinais de intranquilidade e sentimento de indefesa das comunidades, associado às preocupações securitárias dos cidadãos, que reclamam das instâncias formais de controlo, uma resposta célere, drástica e efectiva, perante este crescendo, até porque, cada vez mais, os nossos jovens são apanhados nas malhas de tal flagelo social pela dependência intrínseca que a droga gera (acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº44/14.5PJSNT.L1-3, relator Nuno Coelho). E salienta-se no Acórdão do STJ, de 16.10.2024, que (...) [c]remos assim existir uma forte jurisprudência de que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefaciente deve atender-se às fortes razões de prevenção geral em face da frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências (danosidade social) para a comunidade e para o indivíduo em especial a impor uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico, tanto mais que apesar desse combate (e dos enormes custos que isso envolve) este se acentua e cresce, quiçá fruto de uma desadequação do regime sancionatório à realidade do tráfico (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº496/23.2JELSB.L1.S1, relator José Carreto). Deste modo, através da aplicação da pena, ter-se-á em vista reafirmar perante a comunidade a validade e eficácia das normas violadas na protecção dos bens jurídicos supra enunciados, tutelando-se a crença e confiança dessa comunidade na ordem jurídico-penal. Em face do exposto, os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas violadas pelo arguido AA reclamam uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manutenção, apesar da violação dessas normas, da confiança comunitária na prevalência do Direito. Quanto às exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização, assume primordial importância que tal arguido compreenda o desvalor do seu comportamento nos acontecimentos que se apreciam nestes autos, de forma a prevenir a prática de futuros actos delinquentes. Na realidade, com o comportamento que aqui se discute, o arguido revelou indiferença para com valores cuja importância é unanimemente reconhecida a nível comunitário, assim revelando um défice ao nível da ressonância ético-jurídica e, como tal, uma personalidade desajustada com a normatividade. * Cumpre, agora, determinar a medida concreta da pena de prisão dentro da moldura penal abstracta que cabe ao ilícito criminal em apreço nestes autos. (…) Com efeito, estabelece o artigo 71º, nº2, do mesmo diploma legal, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Importa, todavia, sublinhar que, como se elucida no Acórdão do STJ, de 19.09.2012: (…) [r]elativamente ao princípio da proibição da dupla valoração segundo o qual não devem ser valorados pelo juiz na determinação da medida da pena, circunstâncias já consideradas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto, “não obsta em nada, porém, que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso”, pois que não será por ex, indiferente à pena se o roubo foi cometido com pistola ou com metralhadora, ou seja o que está em causa segundo BRUNS, Strafzumessungsrecht, 369, é a consideração das “modalidades da realização do tipo” e não uma ilegítima violação daquele princípio. A circunstância concreta objecto de dupla valoração apenas deve ficar arredada em nova valoração para a quantificação da culpa e da prevenção determinantes para a pena se já tiver servido para a determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena. - v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p.235 32 37) – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº211/08.0JELSB.L1.S1, relator Pires da Graça). Assim, ponderando todos os critérios legais de determinação da pena concreta, aqui convocando o que acima expendemos em sede de prevenção geral positiva, depõe contra o arguido AA, o grau de ilicitude do seu comportamento, que é elevado, tendo em conta as quantidades muito consideráveis de cocaína (com um grau de danosidade acrescido pois que, comparativamente com outros estupefacientes, provoca maior dependência física e psíquica do que) e de MDMA que detinha e pretendia vender, bem como o relevante grau de pureza que estas substâncias apresentavam (cfr. artigo 71º, nº2, alínea a), do CP). No contraponto, o modo de execução do crime apresenta uma estrutura simples, assente basicamente na pessoa do arguido e no recurso a chats para agendar a venda do estupefaciente (cfr. artigo 71º, nº2, alínea a), do mesmo diploma legal). Desfavorece também o arguido a especial e acentuada gravidade das consequências do comportamento que empreendeu, na medida em que contribui decisivamente para que se causem profundas e duradouras maleitas socioculturais às sociedades a que se destinavam os estupefacientes e, como tal, um elevado prejuízo humano (cfr. artigo 71º, nº2, alínea a), do CP). Quanto ao grau de violação dos deveres impostos, o identificado AA ignorou o que se exige a qualquer cidadão perante o flagelo do tráfico de estupefacientes: o dever de contribuir para uma sociedade mais segura e saudável e de ajudar aqueles que estão em situação de vulnerabilidade devido à toxicodependência (cfr. artigo 71º, nº2, alínea a), do mesmo diploma legal). Depõe, igualmente, contra o arguido, o dolo no crime cometido, consubstanciado na sua modalidade mais grave – o dolo directo –, projectando a sua actuação e as suas imediatas consequências e conformando-se com a sua actuação ilícita (cfr. artigos 14º, nº1 e 71º, nº2, alínea b), do CP), facto que, fazendo elevar a ilicitude inerente à sua conduta (é menor a sensibilidade à pena que lhe venha a ser aplicada), acentua o grau de premência das referidas exigências de prevenção, ao mesmo tempo que acentua o juízo de censurabilidade penal a fazer impender sobre o aludido AA. Não poderemos, ainda, deixar de ter em consideração os motivos egoísticos que estiveram subjacentes à actividade criminosa prosseguida pelo arguido: a obtenção de fáceis proventos económicos (cfr. artigo 71º, nº2, alínea c), do CP). O arguido, com o seu comportamento delituoso, revelou total indiferença para com a saúde pública e os problemas decorrentes da toxicodependência, o que torna a conduta criminosa fortemente censurável (cfr. artigo 71º, nº2, alínea c), do mesmo diploma legal). A favor do mencionado AA depõe o facto de beneficiar de retaguarda familiar, exercer uma profissão – com a qual provê ao seu sustento e do respectivo agregado (integrado pela companheira e 2 menores de idade – filha e enteado do arguido) – e mostrar-se bem inserido no meio onde vive, sendo que, não obstante a actual reclusão, a sua entidade patronal manifesta pretender readmiti-lo ao serviço (cfr. artigo 71º, nº2, alínea d), do CP). Todavia, esta integração familiar, profissional e social mitiga apenas de forma relativa a responsabilidade do arguido pelo grave comportamento que assumiu na prática dos factos dos autos (cfr. artigo 71º, nº2, alínea d), do CP). Neste momento, o arguido, como consequência da medida de coacção de prisão preventiva aplicada, encontra-se abstinente do consumo de estupefacientes (cfr. artigo 71º, nº2, alínea d), do CP). Depõe, também, a favor do arguido AA a ausência de qualquer condenação à data da prática dos factos, apresentando-se, pois, como delinquente primário (…) (cfr. artigo 71º, nº2, alínea e), do CP). Ao nível do comportamento posterior aos factos, não se pode valorar a favor do arguido nem um genuíno arrependimento, nem uma confissão integral e sem reservas, porquanto tal não foi manifestado em julgamento. Na verdade, como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.12.2019, (...) [o] facto de o arguido declarar, por várias vezes, que se encontra arrependido pelo crime praticados, não configura, por si, prova suficiente do declarado arrependimento. A mera verbalização de arrependimento pela conduta delitiva, mesmo consentindo uma atitude contrita, não se figura suficiente para fazer inscrever tal matéria nos factos provados, pois que o arrependimento só terá vigor atenuativo se traduzido em actos que o revelem, vale dizer, que demonstrem que o arguido interiorizou o desvalor da conduta, que se penaliza pela sua prática, e que atenuou ou intenta atenuar, até ao possível as consequências negativas dos actos delitivos perpetrados e que está determinado a não reiterar condutas delitivas (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº407/18.7JALRAC1, relator José Eduardo Martins). Ora, no caso vertente, o arguido não demonstrou ter interiorizado totalmente o alcance do que fez, na medida em que, durante o julgamento, deu uma explicação para os seus actos que não coincide com aquela que foi dada como provada, o que significa que continuou a procurar uma justificação para o sucedido que mitigue a sua culpa. Por último, o identificado AA, à data dos factos ora em apreço, contava com 30 anos de idade. * Face ao exposto, não obstante a conduta do arguido merecer um juízo ético-jurídico de censura, considera-se que retomará uma atitude fiel ao Direito, pelo que se julga justo, adequado e equitativo concluir que merece uma censura penal concreta que, não ultrapassando a medida da culpa e observando as finalidades e limites da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, se deve situar na pena de 6 anos de prisão.” Do que se acaba de transcrever resulta que foram observados as regras, princípios e circunstâncias apuradas relativas aos factos e ao arguido, não sendo de relevar a conduta posterior do arguido no que respeita à ausência de consumo de droga pelo facto de estar em ambiente prisional e o seu consumo ser esporádico (em especial quando com a claque/ futebol- grupo de pares) ou o seu comportamento prisional “ ajustado” ou ainda o facto de terem ocorrido “poucas vendas”, importando aqui, para além da sua integração social, que não impediu o arguido de praticar os factos, salientar a quantidade e valor da droga que tinha na sua posse e o seu destino, com o que afectaria um elevado número de consumidores. Dado que o recurso constitui um remedio jurídico com vista a apurar da adequação, necessidade e proporcionalidade da pena, como é jurisprudência constante do STJ “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada – Ac. STJ 22 do STJ de 18/05/2022, e vista a observância dos critérios supra expressos, importa aquilatar da relevância da desqualificação do crime para a medida da pena. E neste âmbito, tendo em conta a expressiva elasticidade da moldura penal (4 a 12 anos) em que a mediana se situa nos 8 anos de prisão, e a quantidade de droga ( ais de 2,600Kg e a sua danosidade/ perigosidade social (cocaína e MDMA) e as exigências de prevenção sobretudo geral, impedem, apesar da idade do arguido mas tendo em vista a sua personalidade (não apenas de consumidor de droga, e de se arrogar o direito na obtenção de proventos por esta via danosa para a sociedade dinheiro fácil), uma diminuição da pena aplicada e, antes as exigências de prevenção e de combate a este flagelo social exigiriam um acentuar punitivo10, que a moldura penal consente pois que a conduta / actividade do arguido se aproxima do limiar superior da ilicitude consentida pelo artº 21º (tipo base) pelo que a pena de 6 anos não se revela, em face dos factos e da personalidade do arguido e tendo por base a sua culpa e o elevado grau de ilicitude, ofensiva dos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, pelo que é de manter. Improcede assim esta questão. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide: -Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e em consequência, - altera a qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido como integradores do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1 - mantém o demais decidido (pena de 6 anos de prisão) Sem custas Notifique + Lx e STJ 15/10/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Carlos Campos Lobo Antero Luis ______
1. Ac. STJ Ac. do STJ de 30/04/2008, Proc. n.º 08P1416, em www.dgsi.pt in 2. Assim como os demais conceitos vagos, genéricos ou jurídicos; 3. Ac. STJ 2/12/1998 proc. 98P757 “II - Não se pode medir a "avultada compensação" por recurso às regras constantes do artigo 202 do CP, pois, as realidades não são comparáveis; no entanto, em princípio, a "avultada compensação" é formulação legislativa que indica valores superiores aos daquele normativo.” www.dgsi.pt 4. Ac STJ 7/9/2023 Proc. 2/21.3GACNT.C1.S1 “ Cons. Leonor Furtado, www.dgsi.pt 5. Ac STJ 10/10/2018 , proc. 5/16.0GAAMT.S1, Vinicio Ribeiro, www.dgsi.pt; 6. Diz-se no ac. STJ de 05.02.2020, P- 895.18.1T9PDL.L1.S1 que “II. Avultada será, desde logo, a remuneração obtida ou procurada obter que se mostre claramente acima da correspondente ao vulgar tráfico de estupefacientes, a revelar toda uma conduta em que a ilicitude assume invulgar dimensão;” 7. Ac. STJ de 11/4/ 2013, proc. 769/08.4TAMGR.C1.S1, cons. Rodrigues da Costa, www.dgsi.pt, nota 26 ac. STJ de 28/5/2025 9. Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume II, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 502↩︎ 10. Que o principio da proibição da reformatio in pejus não consente ( artº 409º CPP) |