Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.º SECÇÃO | ||
| Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCESSO DE PRONÚNCIA DELIBERAÇÃO COOPERATIVA DE ENSINO DIREITOS DOS COOPERADORES OPOSIÇÃO DE JULGADOS ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDÃO FUNDAMENTO CAUSA DE PEDIR CAPITAL SOCIAL VALOR DA AÇÃO COMPETÊNCIA ASSEMBLEIA GERAL QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO | ||
| Data do Acordão: | 10/14/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I – É nula a disposição estatutária que exija o pagamento de uma joia de 20 000,00 €, que figura no artigo 8º dos Estatutos da Cooperativa, por violação do princípio da adesão voluntária e livre consagrado no artigo 3º do Código Cooperativo. II – Declarada a nulidade de uma deliberação, em regra tudo deve passar-se, relativamente a cada um dos sócios e aos órgãos sociais, como se ela não tivesse sido tomada, sendo destruídos os efeitos que eventualmente se hajam produzidos. III – Face à nulidade da deliberação, é como se a mesma nunca tivesse sido tomada, pelo que, não pode o tribunal substituir-se à assembleia-geral e fixar o sentido da deliberação, que no rigor dos princípios, não foi tomada. IV – O tribunal não pode substituir-se à vontade dos cooperadores, quando a competência para a respetiva matéria estiver reservada para a assembleia-geral da cooperativa. V – A contradição ou oposição de julgados há de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas. VI – A causa de pedir será o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que pretende fazer valer. VII – O excesso de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz conheça de causas de pedir não invocadas, ou de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça: 1. RELATÓRIO AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ALFACOOP- COOPERATIVA DE ENSINO, CRL., pedindo que seja: “a) Declarada nula a estipulação pela Ré de uma joia de € 40.000,00 para a admissão de cooperadores. b) Condenada a ré a admitir a autora como sua cooperadora, contra a subscrição dos 40 títulos de capital estatutariamente previstos, no valor de € 2.000,00 e o pagamento de uma joia de igual valor, € 2.000,00, ou de uma joia de outro valor que o Tribunal defina, de acordo com os princípios da equidade e da proporcionalidade, atento o valor dos títulos de capital cuja subscrição é exigível pelos Estatutos. c) Condenada a ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso na admissão da A.”. Foi proferida sentença em 1ª instância que julgando parcialmente procedente a ação: “a) Declarou a nulidade da estipulação pela Ré de uma joia de € 20.000,00 para a admissão de cooperadores. b) Condenou a ré a admitir a autora como sua cooperadora, contra a subscrição dos 40 títulos de capital estatutariamente previstos, no valor de € 2000,00 e o pagamento de uma joia no valor de € 2500,00”. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que julgando parcialmente procedente o recurso: “a) Revogou o segmento da sentença recorrida que condenou a ré "a admitir a autora como sua cooperadora, contra a subscrição dos 40 títulos de capital estatutariamente previstos, no valor de € 2000,0 0 e o pagamento de uma joia no valor de € 2500,00; b) Absolveu a ré do pedido formulado pela autora sob b) ; c) Manteve no mais a decisão recorrida”. A autora interpôs recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes CONCLUSÕES: A-“Os Tribunais Judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, por isso sendo chamados de competência genérica, gozando os demais, tribunais especiais, de competência limitada às matérias que lhes são especialmente cometidas. Que o mesmo é dizer que a competência dos tribunais judiciais se determina por um critério residual, ou de exclusão de partes -tudo o que não estiver atribuído aos tribunais especiais”. B-O Tribunal da Relação de Guimarães tinha competência para estabelecer um novo valor para a joia, de acordo com os princípios do artº. 3º. do Código Cooperativo, nomeadamente o princípio da adesão voluntária e livre, o princípio da proporcionalidade entre o valor dos títulos de capital e o da joia, de acordo com o princípio da igualdade entre antigos e novos cooperadores, e, ainda, de acordo com a doutrina citada no próprio acórdão e a jurisprudência acima referida. C-A decisão Recorrida, e bem, declarou nula a joia de € 20.000,00, nessa parte confirmando sentença da 1ª.instância. D-Porém ao declarar que a competência para a fixação do valor da joia pertence à Assembleia Geral da Recorrida e, em consequência, revogando a decisão que condenou esta a admitir a Recorrente como cooperadora, os Snrs. Desembargadores fizeram errada interpretação e aplicação do direito, abstendo-se de decidir o que poderia e deveria ter sido decidido. E-A fundamentação para a não decisão é claramente insuficiente, não bastando a mera referência à competência para fixar o valor da joia que para a Assembleia Geral da Recorrida emerge dos seus Estatutos. F-Como decorre do disposto no artº.3º. do Código Cooperativo, para a admissão de novos cooperadores vigora o princípio da adesão voluntária e livre, da porta aberta, não podendo existir qualquer discriminação, incluindo por motivos económicos, sendo que o estabelecimento de uma joia de valor exorbitante, como é o caso, traduz-se numa discriminação por motivos económicos e um entrave à entrada de novos cooperadores. G-Nas cooperativas, como decorre de toda a doutrina terá de haver proporcionalidade entre o valor dos títulos de capital exigidos para a admissão de cooperadores e o valor da joia, sendo que como resulta da lei e da posição da própria entidade reguladora do sector cooperativo, a joia é sempre acessória e facultativa e na maior parte dos casos as cooperativas nem a estabelecem. H-A entidade reguladora (CASES) tem sistematicamente, desde há muitos anos, tentado, recorrendo a métodos persuasivos, que a Recorrida ajuste o valor da joia ao dos títulos de capital exigidos para a admissão, sendo que a participação em capital é a principal e sendo a joia acessória e mesmo facultativa. I-Na única jurisprudência conhecida sobre a matéria, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou-se competente para fixar, e fixou, o valor da joia. J-Nessa decisão, confirmada integralmente pelo Supremo Tribunal de Justiça (que também se considerou competente para o efeito), o Tribunal da Relação de Guimarães, para lá de declarar a nulidade do valor de uma joia de € 150.000,00, fê-lo, com “a reposição” da cláusula anterior, do valor anterior da joia, “ou, quando muito”, alterando o valor da joia declarada nula e fixando-a no valor de € 1.000,00. L-Ou seja, nessa decisão o TRG e o STJ para lá de se considerarem competentes para fixar um novo valor para a joia, retiraram, como também lhes cabia, as consequência da declaração de nulidade, ou seja a reposição do direito anterior, da joia anteriormente vigente antes das alterações nulas. M-No caso dos autos, os Senhores de Desembargadores, para lá de não fixarem, como podiam e tinham competência, um novo valor para a joia, também não retiraram a normal consequência da nulidade, a reposição/repristinação da joia que sempre vigorou, € 2.000,00 e cujo pagamento a Recorrente peticionou também em primeira linha. N-Em última análise, face ao conflito existente, e é um conflito que está em causa e carecido de solução, estar-se-ia perante uma lacuna para decidir quanto ao montante razoável para o estabelecimento do valor da joia, lacuna que ao Tribunal incumbia integrar nos termos do artº. 10º. do C. Civil, para o que dispunha, como resulta dos autos, de um acervo bastante para o efeito, quer legislativo, quer doutrinal e jurisprudencial, como resulta do seu próprio texto. O-A decisão recorrida está em contradição com decisões sobre a mesma matéria proferidas pela mesma Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo nº. 860/13.5TJVNF.G1.S1, que em primeira instância foi julgado no extinto 3º. Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, decisões cuja fundamentação é muito mais abundante e segura que a do acórdão em apreciação, claramente exígua. P-Foram violadas as seguintes disposições: -Artº.2º. e artº. 152º. do C.P.C. -Artºs. 8º.e 10º. do C. Civil. -Artº.40º. da LTJ. -Artº.20º. da Constituição da República. Termos em que a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães deve ser revogada e, em consequência, substituída pelo decidido na 1ª. instância, ou seja, fixando-se o valor da joia em 2.500,00 e condenando-se a Ré a admitir a Recorrente como sua cooperadora nas condições também referidas na 1ª. instância e na p.i.. A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. OBJETO DO RECURSO Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão: 1.) Saber se declarada a nulidade do montante do valor da joia para admissão de cooperante, o tribunal tem legitimidade para fixar um novo valor, ou, se tal cabe apenas à assembleia geral da cooperativa. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 1. º ) A Ré é uma cooperativa de ensino, constituída em 20 de setembro de 1983, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga, sob o n. º 501462716. 2.º) No exercício da sua atividade, a Ré explora um estabelecimento, denominado “EXTERNATO INFANTE D. HENRIQUE”, de que é proprietária, estabelecimento dedicado ao ensino, educação e formação, autorizado pelo Ministério da Educação através do Alvará n.º 2204, emitido em 13 de Abril de 1976. 3.º) A autora é professora licenciada pela Universidade do Minho para o “ENSINO DE PORTUGUÊS e INGLÊS”. 4.º) A autora foi admitida ao serviço da Ré em 01/09/2002. 5.º) Desde então, ininterruptamente, a autora presta o seu trabalho à Ré, lecionando aquelas disciplinas. 6.º) Trabalho que sempre prestou com horário completo. 7.º) Nos termos do disposto no nº. 1 do art.º 10 dos Estatutos da Ré “podem ser cooperadores os docentes da cooperativa e do estabelecimento de ensino de que esta é titular que requeiram ao Conselho de Administração que os admita”. 8.º) A A. requereu, em 13/11/2020, ao seu Conselho de Administração da ré a sua admissão como cooperadora. 9.º) Em 10 de Maio de 2021 a Ré comunicou à A. que a sua pretensão de ser admitida como cooperadora reunia as “condições para ser deferida e aceite”. 10.º) E que para isso a A. apenas teria de subscrever 40 títulos de capital, tal como previsto nos Estatutos (nº. 2 do artº. 6º.), ao valor unitário de € 50,00, o que totalizava € 2000,00. 11.º) Teria ainda a A. que pagar uma joia, no valor de € 40 000,00, joia que fora fixada em Assembleia Geral de 26 de Março de 2021 (artº. 8º. dos Estatutos). 12.º) Foi fixado o dia 31 de Maio de 2021, pelas 10 horas, para “formalização da admissão” da A.. 13.º) A A. logo comunicou à Ré que não aceitava pagar a joia de € 40 000,00. 14.º) Em resposta a Ré informou a A. de que mantinha a sua posição quanto àquele valor, mais dizendo que o mesmo até tinha sido alterado de € 60 000,00 para € 40 000,00 na referida assembleia geral de 26 de Março. 15.º) Até 10/05/2021, nunca nenhum dos atuais cooperadores da Ré, nem nenhum seu ex-cooperador pagou qualquer das referidas quantias a título de joia nem qualquer outra que se lhes aproximassem. 16.º) Entre 1983, data da sua constituição, e cerca de 1995, os cooperadores da ré acederam à relação cooperativa através da emissão de participações no capital social, que, assim, foi sendo sucessivamente aumentado, 17.º) Tendo pago, pelo menos alguns deles, a quantia de PTE 10 000,00$/EUR. 50,00€ a título de joia, 18.º) A partir de 1996 os novos membros passaram a ser admitidos pela via da transmissão, inter vivos, dos títulos de capital, 19.º) O que determinou o pagamento, pelo menos a partir de dada altura da respetiva joia de admissão pelo montante de € 2000,00. 20.º) Em 08/07/2010, foi estabelecido que o valor da joia seria de 60 000,00€ para os casos de admissão de novos cooperadores através da emissão de títulos de capital 21.º) E de 2000,00€ para as situações em essas admissões ocorressem através da transmissão de títulos de capital. 22.º) A Assembleia Geral da ré, por deliberação de 26/03/2021, fixou o valor da joia de admissão de novos cooperadores em 40 000,00€, sem possibilidade de aquisição de títulos por outra via, nomeadamente por transmissão de títulos de capital. 23.º) Em tempos, especialmente na década de 90 do século passado e até cerca de 2010, estavam instituídos benefícios como planos de reforma, bolsas de estudo, seguros de saúde e de vida, subsídios de refeição e de doença, pagamento do 15.º mês e transporte escolar gratuito para os filhos dos cooperadores. 24.º) Atualmente, os cooperantes não têm qualquer regalia em relação aos demais trabalhadores da cooperativa ré. 25.º) A ré celebrou, de modo sucessivo e ininterrupto desde 1984 até ao ano letivo de 2017/2018, contratos de apoio financeiro com o Estado Português, na modalidade de "Contratos de Associação", para os 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e para o ensino secundário, assim se suportando, financeiramente, com as verbas que, por via da execução de tais contratos, lhe eram entregues, e sem prejuízo dos cortes e reduções que vinham sendo feitos ao valor dessas verbas desde 2010/2011, e que foram causa de acumulação de constrangimentos financeiros nos orçamentos e contas da ré. 26.º) No ano letivo de 2015/2016 a cooperativa ré foi confrontada com o fim desses "Contratos de Associação", no âmbito de decisão política que teve ampla discussão e notoriedade pública, 27.º) Sendo que, os últimos contratos então celebrados, ademais de já escassos, viram a respetiva execução terminar no ano letivo 2018/2019. 28.º) Diretamente relacionado com o fim do financiamento estatal, a ré sofreu, imediatamente, uma redução drástica do número de alunos inscritos, 29.º) Já que no ano letivo de 2015/2016 a população estudantil era composta por 1397 alunos, 30.º) Em 2016/2017 por 1254 alunos, 31.º) Em 2017/2018 era integrada por 735 alunos, 32.º) Tendo atingido um mínimo de 726 alunos no ano letivo de 2018/2019. 33.º) Tendo tido necessidade de reestruturar totalmente a sua organização e a ajustar o seu modelo de negócio e financiamento, 34.º) Passando a um regime exclusivamente privado, assente no pagamento de propinas pelos alunos. 35.º) Tudo isto ocorreu em contexto difícil, desde logo, pelo facto de a Cooperativa estar inserida no tecido rural da freguesia de Ruílhe, que dista cerca de 10 km da cidade de Braga, 36.º) Cujos potenciais destinatários - isto é, alunos - se integravam, e integram, em agregados familiares de classes baixas e médias-baixas, 37.º) E de rescisões de contratos de trabalho com docentes e não docentes, nos quais despendeu valores superiores a € 1 540 000,00, no pagamento das correspondentes compensações, 38.º) Sobressaindo os anos de 2015 e 2017, em que atingiram, respetivamente, 492 462,45€ e 611 152,89€. 39.º) No ano civil de 2014 a ré teve resultados negativos de 117 362,15€, 40.º) Em 2015 de (-) 269 646,63€, 41.º) Em 2016 de (-) 206 612,39€, 42.º) Em 2017 acumulou um resultado negativo de 796 110,50€, 43.º) Em 2018 de (-) 250 479,11€, 44.º) E em 2019 de (-) 141 182,27€ 45.º) E em 2020 de (-) 40 718,94€, 46.º) A ré foi condenada judicialmente a pagar ao Estado Português a quantia de 183 442,66€, 47.º) Estando em curso ação judicial tendente à declaração da prescrição do direito reconhecido ao Estado, 48.º) A ré foi notificada de despacho exarado pelo Ministro da Educação, de 8/01/2020, determinando a reposição nos cofres do Estado de 1 046 500,00€, 49.º) Por ter beneficiado de financiamento indevido no ano letivo de 2015/2016 no âmbito dos sobreditos "Contratos de Associação" relativos a 13 das suas turmas, 50.º) Correndo, atualmente, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a respetiva ação de impugnação. 51.º) Foi devido a essas dificuldades económicas que a ré fixou o montante da joia na quantia de 40 mil euros. 52.º) No ano de 1989 o capital da ré estava disperso por 35 cooperadores, 53.º) Em 1993 por 34 cooperadores, 54.º) Em 1995 por 29 cooperadores, 55.º) Situação que se manteve até 2002, altura em que a ré tinha 28 cooperadores, 56.º) Passando para um universo de 27 membros em 2016, 57.º) Em 2017 abandonaram o projeto cooperativo 8 cooperadores da ré, que assim passou a ser controlada por 19 membros. 58.º) Aquando da instauração da ação, a ré tinha o seu capital disperso por 17 cooperadores, detendo ainda, como participações próprias, os títulos que foram de 2 membros que também se desligaram da cooperativa. 59.º) A autora teve a oportunidade de, em 2017, ser admitida como membro de pleno direito da cooperativa ré, 60.º) À data, através da transmissão dos títulos que eram detidos pela cooperadora BB 61.º) E de acordo com as normas estatutárias então em vigor, a admissão da autora importaria para a mesma, nessa altura, o pagamento de 2000,00€ a título da respetiva joia, 62.º) Tendo a autora recusado integrar em 2017 a cooperativa. 63.º) A autora aufere o vencimento de € 1796,50. Articulado Superveniente de 06/01/2023 64.º) Em 18/07/2022, realizou-se sob iniciativa do seu Conselho de Administração uma Assembleia-geral, de cariz extraordinário, da ré, na qual foi deliberado rever o valor da joia de admissão, que foi fixado em 20 000,00€. 65.º) Após essa data, foram apresentados junto da ré quatro requerimentos subscritos por outros tantos professores em exercício de funções no seu estabelecimento de ensino, a saber: (i) pela professora CC, em 16/Agosto/2022, (ii) pela professora DD, em 18/Agosto/2022; (iii) pela professora EE, em 20/Setembro/2022; e (iv) pelo professor FF , em 11/Outubro/2022, tendo em vista a admissão dos respetivos subscritores como seus membros cooperadores, 66.º) requerimentos que, depois de apreciados, foram deferidos, 67.º) Tendo os agora cooperadores aceitado pagar, em conformidade, o valor da joia de admissão de 20 000,00€, ademais, naturalmente do da emissão dos correspondentes títulos. Articulado Superveniente de 20/04/2023 68.º) Depois de 06/01/2023, a ré admitiu como seus membros cooperadores mais quatro professores em exercício de funções no seu estabelecimento de ensino, a saber: (i) a professora GG, admitida em 10/Janeiro/2023; (ii) a professora HH, admitida em 11/Janeiro/2023; (iii) a professora II, admitida em 12/Janeiro/2023; e (iv) a professora JJ, em 15/Março/2023 69.º) Os sobreditos quatro novos membros pagaram já junto da ré o valor da joia de admissão de 20 000,00€ - ademais do da emissão dos correspondentes títulos. Articulado Superveniente de 19/10/2023 70.º) Já depois 20/Abril/2023, a ré admitiu à relação cooperativa mais dois professores em exercício de funções no seu estabelecimento de ensino, a saber, as professoras KK e LL, ambas admitidas em 06/Setembro/2023 71.º) As duas novas cooperadoras pagaram já junto da ré o valor da joia de admissão de 20 000,00€ - ademais do valor da emissão dos correspondentes títulos. Articulado Superveniente de 12/09/2024 72.º) Em 14/Agosto/2024 a ré admitiu à relação cooperativa a professora MM da Silva Vale, a qual pagou já junto da ré o valor da joia de admissão de 20 000,00€ - ademais do valor da emissão dos correspondentes títulos. 73.º) A CASES, por via da sua Direção, emitiu em 20/07/2023, sob solicitação da ré, a credencial cooperativa, da qual consta que: [a]tento o disposto no n.º 1 do Art.º 117.º do Código Cooperativo, incumbe à CASES - Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada, a emissão de credencial comprovativa da legal constituição e regular funcionamento das cooperativas, e que [v]erificado o dever de comunicação previsto no Art.º 116.º do Código Cooperativo, a presente Credencial comprova a legal constituição / regular funcionamento da Cooperativa em apreço, não havendo conhecimento de que esta desrespeite o Código Cooperativo, a legislação complementar sectorial, ou outra legislação aplicável, cumprindo, assim, os requisitos para os efeitos de acesso ao apoio técnico e financeiro, bem como aos benefícios fiscais atribuídos por entidades públicas, conforme o disposto no n.º 2 do Art.º 117.º do Código Cooperativo. 74.º) Em 12/09/2024, a CASES emitiu nova credencial à ré, onde consta o seguinte: Verificado o dever de comunicação previsto no Art.º 116.º do Código Cooperativo, a presente Credencial comprova a legal constituição / regular funcionamento da Cooperativa em apreço, não havendo conhecimento de que esta desrespeite o Código Cooperativo, a legislação complementar sectorial, ou outra legislação aplicável, cumprindo, assim, os requisitos para os efeitos de acesso ao apoio técnico e financeiro, bem como aos benefícios fiscais atribuídos por entidades públicas, conforme o disposto no n.º 2 do Art.º 117.º do Código Cooperativo. 75.º) Em 14/11/2023, o Gabinete Jurídico da CASES emitiu parecer com o seguinte teor: 1. O valor da joia de admissão, fixado pela cooperativa ALFACOOP – Cooperativa de Ensino, CRL (20 000 euros ) continua a ser manifestamente exorbitante à luz dos princípios e regras fundamentais a que as cooperativas, pela sua natureza e finalidades, estão especialmente vinculadas, ainda que se reconheça terem existido reduções significativas dos anteriores valores, de 60 000 e 40 000 euros; 2. O atual valor resulta de repetidas iniciativas persuasivas da CASES junto da cooperativa, no sentido de adequada conformação, tendo em consideração a sua natureza, finalidades e inserção numa perspetiva de equitativa contribuição financeira dos cooperadores. 3. Com efeito, na última comunicação efetuada com a cooperativa, foi mantido o entendimento de que seria necessário continuar a reduzir o montante da joia para valores mais equilibrados, em consonância com o espírito e finalidades legais; 4. A lei cooperativa comete à joia de admissão natureza meramente subsidiária e facultativa, sendo que o seu valor deve respeitar os princípios da proporcionalidade e necessidade, entendidos, respetivamente, numa ótica adicional ou acessória ao capital subscrito pelos cooperadores, bem como da necessidade de financiamento das reservas legal e da educação e formação cooperativas, para as quais reverte: de modo exclusivo para a primeira, ou para as duas, na percentagem que for determinada nos estatutos ou pela assembleia geral ( artº 96.2 e 97.2.a, CCoop. ); 5. Não é suposto, igualmente, que tal prestação de obrigação única possa ser servir de ilícito e desnecessário expediente para obstaculizar a admissão de cooperadores, propiciando a violação do princípio cooperativo da liberdade de admissão ( artº 3º-1º, CCoop. ); 6. Na verdade, a liberdade de admissão não constitui um direito absoluto. Pode, sempre, a cooperativa, invocar fundamentação objetiva para recusar a admissão de cooperadores, com sejam, designadamente, a idoneidade do candidato ou a estrutura ou recursos funcionais da cooperativa; 7. Na tradição legislativa das cooperativas, sempre esteve presente aquela figura, com o seu carácter de facultatividade e subsidiariedade, como veremos. 8. A primeira lei cooperativa, denominada Lei Basilar de Cooperativas (Lei de 2 de julho de 19671) ou Lei de Andrade Corvo ( ministro que a propôs ) determinava no seu artº 5º que «o capital destas sociedades é formado por quotas semanais ou mensais, pagas pelos sócios e fixadas nos estatutos. Pode também nos estatutos ser convencionado o pagamento de um direito de admissão ou joia, unicamente para constituir fundo de reserva.; 9. No mesmo sentido, o Código Comercial de 1888, denominado Código de Veiga Beirão, que a passou a regular as cooperativas, estabelece, no mesmo sentido, no artº 211º, que «é lícito estipular que o pagamento do capital se faça por quotas semanais, mensais ou anuais e, que além destas, satisfaça o sócio um direito de admissão ou joia, destinado a constituir o fundo de reserva»; 10. Entretanto, a partir de 1980, as cooperativas são reguladas pelo primeiro Código Cooperativo, sendo que a matéria atinente à joia constava do artº 27º, fixando-se, pela primeira vez, um limite objetivo do montante, nos termos seguintes: «os estatutos da cooperativa podem exigir, para a admissão dos cooperadores, o pagamento de uma joia, desde que o seu montante não exceda um vigésimo do capital cooperativo, podendo a joia ser paga de uma só vez ou em prestações, periódicas ou não»; 11. Com a revisão operada em 1983, através da Lei nº 1/83 de 10.01, os critérios limitativos para a fixação da joia foram aperfeiçoados, estipulando-se que «1. Os estatutos da cooperativa podem exigir, para a admissão de cooperadores, a realização de uma joia, pagável de uma só vez ou em prestações periódicas, cujo montante será definido por uma percentagem sobre o capital social reportado ao último balanço aprovado (…) sendo que «o valor percentual a que se refere o número anterior não poderá exceder: a) 5% do capital social, quando este não exceder 1 milhão de escudos; b) 3% do capital social, quando este for superior a 1 milhão de escudos e não exceder 3 milhões de escudos; c) Quando o capital social for superior ao máximo da alínea anterior, o valor da joia não poderá exceder 2 vezes o capital mínimo previsto no artigo 20.º.3 - A legislação complementar aplicável ao ramo agrícola do sector cooperativo ou os estatutos poderão prever para as cooperativas agrícolas outra forma de Õxação do valor da joia, nomeadamente tendo por base o capital individual subscrito, desde que não exceda os máximos previstos no número anterior»; 12. Em 1996 foi aprovado o segundo Código Cooperativo, constando a matéria da joia do artº 25º, omitindo-se quaisquer critérios objetivos, tais como constavam do CCoop1980.: «os estatutos da cooperativa podem exigir a realização de uma joia de admissão, pagável de uma só vez ou em prestações periódicas»; 13. O atual Código Cooperativo manteve a mesma redação, no artº 90.1; 14. Uma das possíveis explicações para a omissão de critérios limitativos expressos nos dois últimos Códigos prende-se com a constatação de que, na quase totalidade das cooperativas, ou não é exigível qualquer joia, ou o seu valor é simbólico, diminuto ou razoável; 15. Também, que uma leitura sistemática e integrativa do Código Cooperativo e dos princípios e normais nele vertidos, constituiria orientação suficiente para o entendimento da matéria. 2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA a) Na mesma ocasião que a autora pediu a sua admissão como cooperadora, em 13/09/2020, outros cinco colegas de trabalho também pediram a sua admissão como cooperadores. b) Ao longo dos anos, sempre os órgãos sociais da Ré, manifestaram oposição à admissão de novos cooperadores. c) Aos trabalhadores não cooperadores sempre foi feito sentir que a manifestação de vontade de obter o estatuto de cooperador não era vista com bons olhos pelos órgãos sociais da Ré. d) O estatuto de cooperador da Ré, ao longo dos anos, sempre conferiu aos respetivos detentores, para lá da distribuição de excedentes (“lucros”) em dinheiro, um conjunto de outros benefícios de natureza material. e) Para lá de garantir maior segurança no trabalho e a preferência na escolha dos respetivos horários, quer quanto a uma distribuição de horas mais “arrumada” quer quanto ao seu número. f) Sendo que, quanto ao seu número, as horas para lá dos horários completos, horas extraordinárias, sempre foram preferencialmente atribuídas aos cooperadores. g) A A., bem como os restantes trabalhadores não cooperadores não tem qualquer acesso à vida da cooperativa, ignorando desde os salários dos cooperadores até às restantes concretas vantagens materiais de que beneficiam, o que procurará concretizar em sede probatória. h) Todos os colegas que se candidataram juntamente com a autora, apesar de reunirem as condições de admissão, viram recusada a sua pretensão com falsos pretextos. i) E alguns deles foram já alvo de medidas retaliatórias, nomeadamente com a alegação da caducidade dos respetivos contratos de trabalho, quando trabalhavam para a Ré há vários anos. j) No final do ano da sua fundação, em 1983, a ré tinha 22 cooperadores. k) Ampliando para 26 membros em 1985, ano em que foram admitidos mais 4 cooperadores, l) Em 1986, por força da admissão de mais 5 membros, a ré contava com 31 cooperadores, m) Em 1987 atingiu os 37 membros, n) Situação que se manteve até 1997, data até à qual todos tinham sido admitidos à relação cooperativa pela via da emissão de participações do capital social. 2.3. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso1 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE DECLARADA A NULIDADE DO MONTANTE DO VALOR DA JOIA PARA ADMISSÃO DE COOPERANTE, O TRIBUNAL TEM LEGITIMIDADE PARA FIXAR UM NOVO VALOR, OU, SE TAL CABE APENAS À ASSEMBLEIA-GERAL DA COOPERATIVA. A recorrente alegou que “o tribunal a quo entendeu que nos termos estatutários, só a Assembleia Geral da Cooperativa tinha competência para fixar o valor da joia”. Mais alegou que “é da competência dos Tribunais a fixação de um valor para a joia que respeite os princípios da proporcionalidade, da igualdade entre antigos e novos e tendo sempre em vista o princípio da adesão voluntária e livre”. Assim, concluiu que “a declaração de nulidade da joia de € 20 000,00 tem implícita a nulidade das joias anteriores, € 60 000,00 e € 40 000,00, verdadeiras enormidades, pelo que para lá de terem competência para manter a joia fixada na 1ª. instância, ou fixar outra, sempre poderiam ter ordenado a recolocação em vigor da única joia anterior estabelecida pela recorrida que escapou à declaração de nulidade, recolocação que é a consequência a extrair desta declaração”. Vejamos a questão. Os estatutos da cooperativa podem exigir a realização de uma joia de admissão, pagável de uma só vez ou em prestações – art. 90º/1, do CCooperativo. O montante das joias reverte para reservas obrigatórias, conforme constar dos estatutos, dentro dos limites da lei – art. 90º/2, do CCooperativo. A Assembleia Geral pode decidir outras formas de financiamento que não integram o capital social e que poderão assumir as modalidades de emissão de títulos de investimento ou de obrigações, ficando sujeitas ao regime constante dos artigos seguintes – art. 90º/3, do CCooperativo. A assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa, sendo as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, obrigatórias para os restantes órgãos da cooperativa e para todos os seus membros – art. 33º/1, do CCooperativo. Aos membros admitidos posteriormente à constituição da cooperativa poderá ser exigida a realização de uma joia, de montante a fixar nos estatutos, nos termos do Código Cooperativo – art. 17º/2, do DL nº441-A/82, de 06-11, que estabelece as disposições relativas às cooperativas de ensino. Todos os novos membros da cooperativa devem realizar uma joia de admissão sendo o montante, o prazo e a forma de pagamento determinados pela Assembleia Geral – art. 8º/1, dos Estatutos da ALFACOOP – COOPERATIVA DE ENSINO, CRL. É da competência exclusiva da Assembleia Geral alterar os estatutos – art. 32º/e, dos Estatutos da ALFACOOP – COOPERATIVA DE ENSINO, CRL. O tribunal a quo entendeu que “a exigência do pagamento de uma joia de 20 000,00€, que figura no artigo 8.º dos Estatutos da ré, é nula por violação do princípio da adesão voluntária e livre consagrado no artigo 3.º do Código Cooperativo”. Coloca-se, pois, a questão de saber se tendo o tribunal declarado nula a norma estatutária que fixava o valor de admissão por ser de elevado montante, poderá ele mesmo fixar um novo valor, quando tal matéria, estatutariamente, é da competência da assembleia-geral. Ora, decorre da legislação e dos estatutos da recorrida, que a definição do montante, o prazo e a forma de pagamento da joia são determinados pela assembleia-geral, isto é, matéria que cabe exclusivamente à mesma decidir. Assim sendo, o montante do valor da joia, o prazo e a forma de pagamento só podem ser definidos pelo órgão competente para aprovar os estatutos da cooperativa, no caso a assembleia-geral, que é o órgão onde se manifesta a vontade da pessoa coletiva2. Declarada, como foi, a nulidade de uma deliberação, em regra tudo deve passar-se, relativamente a cada um dos sócios e aos órgãos sociais, como se ela não tivesse sido tomada, sendo destruídos os efeitos que eventualmente se hajam produzidos3. Face à nulidade da deliberação, é como se a mesma nunca tivesse sido tomada, pelo que, não pode o tribunal substituir-se ao órgão competente e fixar o sentido da deliberação, que no rigor dos princípios, não foi tomada. Tal só seria possível, isto é, o tribunal substituir-se à vontade coletiva, se a recorrente tivesse impugnado a legalidade do art. 8º/1, dos Estatutos, quando neles se estabelece que é da competência da assembleia-geral a fixação do valor da joia. Ora, como tal impugnação foi feita pela recorrente, mantêm-se a competência da assembleia-geral para aprovar tal matéria, pelo que, não poderá o tribunal substituir-se ao órgão competente e fixar o sentido da deliberação, no caso, um novo valor da joia. Temos, pois, de concluir que o montante do valor da joia para admissão de cooperante, cabe apenas à assembleia geral da cooperativa, e não ao tribunal, pois não foi posta em causa a legalidade da disposição estatutária que estabelece tal competência. Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “quando se coloca em causa a legalidade de uma norma estatutária o tribunal tem somente um controlo de anulação; o tribunal não se pode substituir ao órgão competente da sociedade ou da cooperativa e redefinir para o caso concreto que se encontra a julgar, em termos que considere legais, o preceito que considerou ilegal. Por conseguinte, o tribunal não pode estabelecer qual o valor da joia que a autora deverá pagar”. Destarte, o tribunal a quo ao decidir, como decidiu, isto é, ser da competência da assembleia-geral a fixação do valor da joia, fê-lo de acordo com a lei e respetivos estatutos da recorrida (arts. 90º/1, do CCooperativo, 17º/2, do DL n.º 441-A/82, e 8º/1, dos Estatutos). **** A recorrente alegou ainda que “Na única jurisprudência conhecida sobre a matéria, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou-se competente para fixar, e fixou, o valor da joia, confirmada integralmente pelo Supremo Tribunal de Justiça (que também se considerou competente para o efeito)”. Vejamos a questão. Em sentido técnico, a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se, assim, quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação4,5,6,7. Estamos perante oposição/contradição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, se “a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação”, ou, isto é, “quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma é idêntico, havendo conflito jurisprudencial se os mesmos preceitos são interpretados e aplicados a enquadramentos factuais idênticos”, bem como em termos da estrita incidência sobre factualidade, conduzindo a conclusões opostas8. Ora, não resulta que nos acórdãos citados pela recorrente, o tribunal se tenha pronunciado concretamente sobre a possibilidade de alterar oficiosamente o valor da joia, e haja por isso, sobre o mesmo quadro factual, interpretações diferentes que conduziram a conclusões opostas9. Assim, não há concretamente qualquer contradição entre o decidido pelo tribunal a quo e o dos citados acórdãos, porquanto, por um lado, nestes o tribunal não se considerou concretamente competente para alterar o valor da joia, e por outro lado, que seja o mesmo quadro factual em ambas as situações (não se sabe o que dizem os estatutos da pessoa coletiva naqueles processos quanto à legitimidade para se fixado o valor da joia). Destarte, não se pode entender que a solução de o tribunal poder alterar oficiosamente o valor da joia, quando resulta dos estatutos que essa competência cabe apenas à assembleia geral da pessoa coletiva, tivesse tido o aval da nossa jurisprudência. **** Mais alegou a recorrente que “no caso dos autos, o tribunal a quo também não retirou a normal consequência da nulidade, a reposição/repristinação da joia que sempre vigorou, € 2.000,00 e cujo pagamento peticionou”. Vejamos a questão. Para colmatar as lacunas do presente Código, que não o possam ser pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo, pode recorrer-se, na medida em que se não desrespeitem os princípios cooperativos, ao Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente aos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas – art. 9º, do CCooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31-08. Os cooperadores têm direito, nomeadamente, requerer a convocação da assembleia geral nos termos definidos nos estatutos e, quando esta não for convocada, requerer a convocação judicial membros – art. 21º/1/e, do CCooperativo. A Assembleia Geral é o órgão supremo da cooperativa e as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, são obrigatórias para os órgãos da Cooperativa e para os cooperadores – art. 27º/1, dos Estatutos da ALFACOOP – COOPERATIVA DE ENSINO, CRL. Participam na Assembleia Geral todos os cooperadores no pleno gozo dos seus direitos – art. 27º/2, dos Estatutos da ALFACOOP – COOPERATIVA DE ENSINO, CRL. A assembleia geral extraordinária reúne quando convocada pelo presidente da respetiva mesa, por sua iniciativa, a pedido do Conselho de Administração ou do Conselho Fiscal ou a requerimento de, pelo menos, um terço dos cooperadores com direito a voto – art. 28º/2, dos Estatutos da ALFACOOP – COOPERATIVA DE ENSINO, CRL. A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham intervindo na ação – art. 261º/1, do CSComerciais. Se a convocação de assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requer ao juiz a convocação – art. 1057º/2, do CPCivil. Causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão deduzida, isto é, o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido10. A causa de pedir constitui um dos elementos indispensáveis da petição inicial. Representando o fundamento da pretensão de tutela jurisdicional formulada, a causa de pedir tem de ser invocada na petição, sem o que faltará a base, isto é, o suporte da ação. E acrescente-se que não basta uma menção genérica da situação factual, é necessário o relato concreto e específico dos factos cuja verificação terá feito nascer o direito invocado pelo autor11,12. Temos, pois, que a causa de pedir será o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que pretende fazer valer. Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença em que o faça13. Ora, a recorrente solicitou ao tribunal que fosse “Declarada nula a estipulação pela Ré de uma joia de € 40.000,00 para a admissão de cooperadores”, e não que fosse repristinada qualquer deliberação anterior sobre a matéria, no caso de ser declarada a sua nulidade. Assim, no caso, perante tal pedido, o tribunal a quo decidiu que “a exigência do pagamento de uma joia de 20 000,00€, é nula por violação do princípio da adesão voluntária e livre”. Declarada a nulidade de uma deliberação tudo se passa como se ela não tivesse sido tomada. Não podia, pois, o tribunal a quo repristinar qualquer deliberação anterior sobre a mesma matéria, porquanto, para além de tal não lhe ter sido solicitado, tudo se passa como se a deliberação nunca tivesse sido tomada. Caso o fizesse, e repristinasse qualquer deliberação anterior, a decisão estaria ferida de nulidade, por ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento por tal não lhe ter sido solicitado. Trata-se de nulidade relacionada do art. 608º/2/2ªparte, onde se proíbe ao juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso. Concluindo, sob pena de nulidade, não podia o tribunal a quo repristinar qualquer deliberação anterior por tal não lhe ter sido solicitado. Conforme entendimento do tribunal a quo “Ao anular a norma dos Estatutos que determina que a joia é de 20 000,00 €, cabe à ré decidir o que depois acontecerá. Se nada faz ou se aprova um outro valor (inferior) que respeite o artigo 3. º do Código Cooperativo”. Porém, terá sempre a recorrente à sua disposição a possibilidade de requerer a convocação judicial da assembleia-geral para discussão da matéria (art. 21º/1/e, do CCooperativo e art. 1057º do CPCivil ex vi do art. 9.º do CCooperativo). Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento à revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido. 3.2. REGIME DE CUSTAS Custas pela recorrente (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida. Lisboa, 2025-10-14 (Nelson Borges Carneiro) – Relator (Henrique Antunes) – 1º adjunto (Jorge Leal) – 2º adjunto ________________________________ 1. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil. 2. Este carregar nas relações interpessoais, de cooperação e entreajuda entre os seus membros, com o dever de participação nas assembleias gerais, é a representação da importância que o Código Cooperativo coloca na gestão dos interesses da cooperativa pelos seus órgãos e membros, com sujeição primordial aos princípios democráticos. Só por isso não pode senão defender-se que neste tipo de pessoas coletivas quando os cooperadores pretendem fazer valer os seus direitos no que toca à decisão sobre a admissão de novos cooperadores devem primeiro procurar o funcionamento dos mecanismos democráticos internos à própria Cooperativa previstos para o efeito e só depois, quando tal não ocorre, é que podem recorrer à intervenção externa dos tribunais – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2024-02-29, Processo: 696/22.2T8PTL.G1, https://www.dgsi.pt/jtrg. 3. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das Sociedades, 3ª edição, p 494 4. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-12, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, https://www.dgsi.pt/jstj. 5. A contradição ou oposição de julgados há de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-09-14, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, Revista 338/20.0T8ESP.P1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj. 6. O que tem de existir no acórdão recorrido, para que seja admissível o recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, é que exista efetivamente contradição entre decisões, a proferida no acórdão recorrido, e as prolatadas no acórdão ou nos acórdãos-fundamento, no que concerne à questão ou questões fundamentais de direito no domínio da mesma legislação, o que pressupõe se esteja, num e no outro, ou em outros, perante um núcleo de facto comum similar. É certo que a verificação da contrariedade de acórdãos não pode ater-se à consideração superficial da factualidade descrita nos acórdãos a comparar – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-07-10, Relator: SALVADOR DA COSTA, https://www.dgsi.pt/jstj. 7. A contradição de decisões que admite a revista nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC tem de consistir numa oposição frontal sobre a mesma questão fundamental de direito, e com um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspetiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas. Não admite a revista nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC a situação em que a apelação foi julgada improcedente com base em não se terem alegados factos concretos para sustentar a pretensão e a recorrente apresenta como acórdão fundamento para contradição de julgados um em que a questão decidida foi aquela cuja pretensão ela queria ver discutida no acórdão recorrido mas que o não foi porque se decidiu a improcedência com fundamento em não terem sido alegados factos que permitissem o conhecimento do pedido – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-20, Relator: MANUEL CAPELO, Revista: 1584/20.2T8CSC-C.L1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj. 8. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-17, Relatora: ANA RESENDE, https://www.dgsi.pt/jstj. 9. Tratando-se de disposição estatutária que viola preceitos legais de carácter imperativo, o que determina a sua nulidade, e consequentemente a reposição da cláusula anterior (ou, quando muito, a sua alteração, fixando-se para a joia o valor de € 1.000,00 - o dobro da entrada de capital – conforme pretensão dos AA) – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2016-05-25, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, Processo: 860/13.5TJVNF.G1, decisão esta confirmada pelo Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-12, Relator: ROQUE NOGUEIRA, em https://www.dgsi.pt/jstj. 10. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., p. 369. 11. MONTALVÃO MACHADO – PAULO PIMENTA, O Novo Processo Civil, 11ª edição, p. 109. 12. A omissão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-01-31, Relator: JOÃO CAMILO, http://www. dgsi.pt/jstj. 13. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 383. |