Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO AUGUSTO MANSO | ||
| Descritores: | RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA REQUISITOS DE FORMA PRAZO ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDÃO FUNDAMENTO REJEIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
| Decisão: | REJEITADO | ||
| Sumário : | I -O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. II - Prazo de interposição de recurso que se considera perentório (art.º 139º, 3, do Código de Processo Civil), no sentido de que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, decorridos 3 (três) dias uteis subsequentes ao termo do prazo – art.º 107º, 5 e 107-A do Código de Processo Penal - CPP. III - Interposto fora de tempo, não pode o recurso ser admitido (o recurso é rejeitado) – art.º 414º, n.º 2 e art.º 441º, n.º 1, 1ª parte, do CPP. IV - E, decorrido este prazo de 30 dias sobra a data do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, transitado há mais de 30 dias o acórdão recorrido, pode o Procurador-Geral da República determinar que seja interposto recurso para fixação de jurisprudência, agora, no interesse da unidade do direito – art.º 447º, n.º 1, do CPP. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. Recurso: AA, arguido no processo n.º 315/24.2PAVFR.P1-A.S1, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.º 1 e seguintes do Código de Processo Penal, por haver oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.04.2025, notificado por via electrónica no dia 23.04.2025, e transitado a 08.05.2025, proferido nestes autos n.º 315/24.2PAVFR.P1-A.S1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-04-2021, proferido no âmbito do Processo n.º 85/20.3GTEVR.E1, publicado em www.dgsi.pt, transitado em julgado, nos termos e com os fundamentos das alegações que junta. A final formula, o recorrente AA, as seguintes conclusões (transcrição): 1) Nos termos do artigo 438.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não tem, por regra, efeito suspensivo, todavia, no caso sub judice, tal efeito deve ser concedido a título excecional, por forma a assegurar a tutela jurisdicional efetiva, a evitar prejuízos irreparáveis e a garantir a utilidade da decisão a proferir. 2) A decisão recorrida, ao manter a decisão proferida em primeira instância com fundamento direto na valoração de antecedentes criminais do arguido cuja extinção já se verificara há mais de cinco anos à data dos factos e que, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, deviam ter sido cancelados do registo criminal, está a permitir e fazer uso dessa valoração. 3) A execução da decisão recorrida, antes da pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça sobrea presente questão de direito, poderá gerar consequências irreversíveis, designadamente no âmbito da execução de pena acessória de inibição de conduzir, com impactos pessoais, profissionais e familiares relevantes. 4) A eventual confirmação de que os antecedentes em causa não podiam ser valorados tornaria a decisão recorrida materialmente injusta e atentatória da legalidade, em violação do princípio da justiça material e do efeito útil do recurso. 5) A concessão de efeito suspensivo revela-se, assim, exigível à luz do artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), impondo-se uma interpretação conforme do artigo 438.º, n.º 3 do CPP, pelo que por analogia com o disposto no artigo 408.º, n.º 3 do CPP, justifica-se a suspensão da decisão recorrida, atenta a relevância da questão jurídica em apreço e a gravidade dos efeitos decorrentes da sua execução antecipada. 6) A decisão sub judice apresenta-se em contradição jurisprudencial manifesta sobre a mesma questão fundamental de direito: a possibilidade ou não de valorar antecedentes criminais que, por força do artigo 11.º da Lei da Identificação Criminal, deviam ter sido cancelados. 7) O acórdão recorrido, proferido pela 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em 23 de Abril de 2025, confirmou a decisão de 1.ª instância, valorizando antecedentes criminais de 2013, 2014 e 2017 para efeitos de fixação da medida concreta das penas principal e acessória. 8) Tal valoração foi efetuada ao abrigo das exigências de prevenção especial, com reflexo direto na manutenção da pena acessória de proibição de conduzir por 1 ano e 3 meses. 9) Por sua vez, o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 27 de Abril de 2021 (Proc. n.º 85/20.3GTEVR.E1), considerou que a manutenção no registo criminal de condenações cuja extinção já se verificara há mais de cinco anos não legitima a sua valoração, devendo tais antecedentes ser desconsiderados e a sua valoração proibida. 10) Existe uma oposição de julgados clara e frontal sobre a mesma questão de direito entre Relações, o que justifica, nos termos legais, a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça. 11) A divergência sub judice incide sobre a admissibilidade jurídica de valorar antecedentes penais cuja pena se encontra extinta há mais de cinco anos e que, ope legis, deviam ter sido cancelados, bem como sobre os efeitos processuais da sua consideração na determinação da medida da pena acessória. 12) Tal divergência compromete a unidade e a coerência do sistema jurídico-penal, gerando insegurança jurídica e desigualdade na aplicação do Direito. 13) O objeto do presente recurso tem manifesta relevância prática e jurídica, assumindo natureza estrutural na jurisprudência penal e exigindo clarificação definitiva, por forma a evitar decisões contraditórias e arbitrariedade sancionatória, pelo que se impõe, por conseguinte, a admissão do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por se encontrarem preenchidos todos os pressupostos legais e constitucionais aplicáveis. 14) Justifica-se a concessão de efeito suspensivo das sanções subjacentes à decisão recorrida, nos termos supra expostos, por forma a assegurar a boa administração da justiça, a efetiva tutela dos direitos fundamentais do arguido e a utilidade do presente recurso. 15) Deve a decisão recorrida ser revista ou, caso assim não se entenda, serem reenviados os autos para o Tribunal a quo. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a esse Venerando Tribunal que admita o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por tempestivo e por se mostrarem preenchidos todos os pressupostos legais, determinando-se os ulteriores termos do recurso de harmonia com o disposto no artigo 442.º do CPP. Juntou cópia do acórdão fundamento, publicado no IGJEJ-Bases Jurídico Documentais – www.dgsi.pt. 1.2. Resposta do Ministério Publico. O Digno Procurador-Geral Adjunto, apresentou resposta ao recurso, formulando, a final, a seguinte conclusão (transcrição): “Aplicada a descrita noção e avaliada a situação concreta afigura-se-nos: - Não estarem reunidos os pressupostos substantivos; - Serem diferentes nos acórdãos em análise as situações de facto e inexistir, consequentemente, contradição efectiva entre os acórdãos. Vejamos: - Acórdão recorrido A situação de facto reporta-se à condução de veiculo automóvel, na via pública, após ingerência de bebidas alcoólicas que determinaram TAS de 1,834g/l. Para fixar as penas principal e acessória a decisão recorrida valorou: o mediano grau de ilicitude; a diminuta gravidade das consequências, a taxa de TAS apurada de 1,834g/l, que se afasta do mínimo; a intensidade do dolo directo aumentando a condução perigosa e o potencial o perigo de acidentes estradais; indiferença por valores e bens pessoais e patrimoniais de terceiros, hábitos de consumo excessivo de álcool, sendo que os “antecedentes criminais conhecidos foram valorados como agravante que prova a necessidade de prevenção especial forçada neste tipo legal de crime, que praticou pela terceira vez e pela quarta vez, entre outro, a elevadíssima necessidade de prevenção geral atenta o elevadíssimo numero de crimes tipo a nível local e nacional”. A decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto decidiu pelo indeferimento da fixação/alteração da medida concreta das penas principal e acessória aplicadas ao arguido não com fundamento na legalidade ou ilegalidade de valoração de antecedentes criminais, que por força do artº 11 da Lei de Identificação Criminal, deviam ter sido cancelados, mas considerando que: “nenhuma das circunstâncias alegadas pelo arguido, cada uma por si só, ou todas ponderadas em conjunto, tem a virtualidade de demonstrar o carácter excessivo e desproporcional das penas e de justificar a sua redução em qualquer patamar. Muito menos para os valores que o arguido defende. Nenhuma delas tem qualquer reflexo na diminuição da sua culpa, do grau de ilicitude ou da sua perigosidade, ou, já agora, em sede de necessidades de prevenção, em que a decisão recorrida não atentou. E, como é sabido, neste crime, as exigências de prevenção geral são prementes e deveras acentuadas, dada a frequência absolutamente inusitada e assustadora com que é cometido e que contribui para o elevado índice de sinistralidade que registamos (…); - Acórdão fundamento A situação de facto reporta-se à condução de veículo motorizado na via pública, após ingerência de bebidas alcoólicas que determinaram uma TAS 1,435g/l, deduzida a taxa de erro máximo. Para fixar as penas principal e acessória a decisão Fundamento valorou: o grau de ilicitude considerado elevado, a taxa de álcool que foi detectada no sangue do arguido (1,435, g/l, deduzido o EMA) que se aproxima do valor criminal mínimo; o dolo é eventual, as necessidades, pertinentes, de prevenção geral e especial; a confissão parcial dos factos, que no caso concreto tem relevância relativas, pois que o arguido foi interceptado pelas entidades fiscalizadoras, em flagrante delito e sujeito de imediato aos testes de detenção de álcool no sangue. O acórdão Fundamento do Tr. da Relação de Évora decidiu-se pelo deferimento da fixação/alteração da medida concreta da pena acessória aplicada ao arguido com fundamento na ilegalidade da valoração de antecedentes criminais, que por força do artº 11 da Lei de Identificação Criminal, deviam ter sido cancelados, considerando que e a manutenção no registo criminal de condenações cuja extinção já se verificara há mais de cinco anos não legitima a sua valoração, devendo tais antecedentes ser desconsiderados e a sua valoração proibida.. V- Não existe, em nosso entendimento, oposição de julgados, porquanto as Decisões de ambos os acórdãos assentam em diferentes pressupostos. O acórdão recorrido, proferido pela 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em 23 de Abril de 2025, confirmou a decisão de 1.ª instância, não porque valorizasse os antecedentes criminais de 2013, 2014 e 2017 para efeitos de fixação da medida concreta das penas principal e acessória, mas porque não atendeu às circunstâncias mencionadas pelo arguido no recurso interposto, considerando que “nenhuma das circunstâncias alegadas pelo arguido, cada uma por si só, ou todas ponderadas em conjunto, tem a virtualidade de demonstrar o carácter excessivo e desproporcional das penas e de justificar a sua redução em qualquer patamar…” Neste sentido o recurso não deve ser aceite.” 1.3. Parecer do Ministério Publico: Neste mesmo Supremo Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer, onde conclui que, “[n]o caso, nem se mostram preenchidos na totalidade os requisitos formais nem, mesmo se os autos pudessem prosseguir, se mostra verificada a efetiva oposição de julgados.” Entende que o recurso se “mostra extemporâneo”, pois “o acórdão recorrido transitou em julgado no dia 08.05.2025 (sendo datado de 23.04.2025 e nesse dia tendo sido notificado ao Ministério Público e remetida carta para a Ilustre Defensora), pelo que – por aplicação do referido art.º 438º, nº 1, do CPP, teria de ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (que tem de ser sempre o recorrido, atento o nº 1 do art.º 437º, nº 1). Ora, assim sendo, o prazo de 30 dias teve o seu termo em 07.06.2025 (sábado) e, mesmo transferindo-se para o dia 9 (segunda-feira) e adicionando-se a possibilidade de entrada nos 3 dias seguintes, a data em que deu entrada o recurso – 27.06.2025 – mostra-se claramente para além do permitido pela lei.” Mas, se isto não bastasse, há a notar que não existe no caso oposição de julgados: (…) Ao contrário do que é invocado pelo recorrente a decisão recorrida (aquela em que se verificou a sua condenação) e a da decisão-fundamento [(acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27.04.2021, proferido no âmbito do Processo n.º 85/20.3GTEVR.E1 (…)], não apontam em sentidos opostos: Nesta última decisão é considerando que a manutenção no registo criminal de condenações cuja extinção já se verificara há mais de cinco anos não legitima a sua valoração, devendo tais antecedentes ser desconsiderados e a sua valoração proibida. Assim sendo, para que se pudesse concluir pela oposição de julgados necessário seria que a decisão recorrida tivesse concluído – e de forma expressa - no sentido da possibilidade de valoração de tais antecedentes, não obstante deverem ter sido já expurgados do registo criminal. Sucede que – como é referido pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso, que acompanhamos, não foi nesse sentido a decisão do tribunal recorrido: o que ali foi entendido foi que, mesmo o que havia sido alegado pelo arguido/recorrente perante o Tribunal da Relação, era inconsequente para os fins pretendidos. Ou melhor – mesmo a atender-se ao invocado pelo recorrente (entre o mais, precisamente, a questão de condenações anteriores que não deveriam ter sido atendidas), mesmo a afastarem-se aqueles elementos, não se justificava a redução das penas principal e acessória aplicadas. Conforme referido no acórdão: «Cremos bem que nenhuma das circunstâncias alegadas pelo arguido, cada uma por si só, ou todas ponderadas em conjunto, tem a virtualidade de demonstrar o carácter excessivo e desproporcional das penas e de justificar a sua redução em qualquer patamar. Muito menos para os valores que o arguido defende». E, acrescente-se, mesmo a entender-se que a decisão recorrida acabou por ter em conta os antecedentes em questão, em parte alguma do seu texto mostrou de forma expressa entendimento oposto ao contante no acórdão-fundamento. E essa decisão expressa teria de existir, para daí se poder partir para uma fixação de jurisprudência, não bastando – como, no máximo, aqui se poderia encontrar – um decisão tácita ou implícita em sentido oposto à do acórdão-fundamento. (Veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ de 27-04-2017 (processo n.º 1/17.0YFLSB.S1-A) citado no acórdão do mesmo STJ de 29.10.2020, no processo 6755/17.6T9LSB.L1-A.S1): «II - Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles. III - Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.» … Termos em que sem necessidade de maiores considerações, é parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça que, por falta de preenchimento de requisitos formal e substancial, o processo não deverá prosseguir, antes devendo ser proferida decisão de rejeição.” 1.4. Deste parecer foi notificado o recorrente, não se mostrando que tenha sido junta resposta. 1.5. Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, decidiu-se nos termos que seguem (art.º 441º do CPP)11. 2. Fundamentação 2.1.O recurso para a fixação de jurisprudência é um recurso extraordinário com regime processual fixado nos artigos 437º a 448º do Código de Processo Penal – CPP -, e, para o não especialmente regulado aplicam-se, subsidiariamente, as disposições que regulam os recursos ordinários (art.º 448º). Para o que aqui mais releva, sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o artigo 437.º do C.P.P. que é admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada – n.º 2. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida – n.º 3 -, e, o recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público – n.º 5. E dispõe o artigo 438º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, que o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – n.º 1 – e, o recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo – n.º 3. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência pode comportar duas fases; uma, preliminar, circunscrita à decisão de rejeição do recurso ou de prosseguimento – art.º 441º do CPP – outra, onde o Supremo Tribunal de Justiça julga e conhece do objecto do recurso. Como referido no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.06.20232 “tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art.º 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.” Pela negativa, como aludido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 06.06.2006 (Carmona da Mota), «[a] uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Procura-se a previsibilidade das decisões judiciais e a confiança no sistema judiciário, finalidades a alcançar com este recurso extraordinário. Tem, por conseguinte, o recurso para fixação de jurisprudência “caracter normativo”, no sentido de se destinar unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei” como pode ler-se no Ac. do STJ de 13.01.20213. A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de pressupostos formais e de requisitos materiais/substanciais, a que se referem os artigos 437.º e 438.º do CPP citados. Constituem pressupostos de natureza formal: (i)invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso, (ii)identificação desse acórdão – acórdão fundamento – com o qual o recorrido se encontre em oposição e, se estiver publicado, o lugar da publicação, (iii)trânsito em julgado de ambas as decisões, (iv)interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, (v)legitimidade do recorrente, restrita ao Ministério Publico, ao arguido, ao assistente e às partes civis. Constituem pressupostos de ordem substancial, (i)justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência, (ii)verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões4-5. Sendo certo, ainda, que todos os pressupostos, formais e substanciais exigidos para a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência têm de se mostrar verificados à data da sua interposição, sob pena de rejeição, nos termos do art.º 441º, n.º 1, 1ª parte, do CPP. Importa, assim, indagar da verificação dos requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto, ou seja, da sua admissibilidade, do seu regime e da existência de oposição entre julgados (artigo 440.º, n.º 3, do CPP). 2.2. No caso, verificados que estão alguns pressupostos, para o que aqui mais releva, como referido, exige-se, que (i)o recurso para a fixação de jurisprudência seja interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão fundamento), e (ii)a existência de dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça tirados em processos diferentes, ou, um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior, de tribunal da mesma hierarquia ou do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no domínio da mesma legislação, assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito. 2.2.1. Prazo de interposição de recurso. a.Levando em conta o disposto no n.º 1 do artigo 438º do CPP, sob a epígrafe “interposição e efeito”, o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja o acórdão recorrido. Atenta a finalidade de se solucionar um conflito existente na jurisprudência, justifica-se esta determinação legal de o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ser interposto depois, e só depois, de haverem transitado os acórdãos recorrido e fundamento, pois se assim não fosse estaria ainda em aberto a possibilidade de haver lugar a recurso ordinário6. Por este motivo, requer o preceito a atenção do recorrente para a data do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja se o mesmo transita no prazo de 30 dias (art.º 411º, 1, do CPP), ou em 10 dias (se não admitir já recurso mas reclamação ou arguição de nulidade – art.º 400º do CPP). Decorridos estes prazos, transita em julgado o acórdão, e inicia-se o decurso do prazo de 30 dias para interposição de recurso de fixação de jurisprudência – art.º 438º, 1, do CPP. Prazo de interposição de recurso que se considera perentório (art.º 139º, 3, do CPC), no sentido de que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, decorridos 3 dias uteis subsequentes ao termo do prazo – art.º 107º, 5 e 107-A do CPP7. Por isso, deverá o recorrente interpor recurso durante o decurso deste prazo assim calculado, sob pena de não poder ser admitido – art.º 414º, n.º 2 do CPP. Ocorrendo motivo de inadmissibilidade é rejeitado o recurso – art.º 441º, n.º 1, 1ª parte, do CPP. Até porque, decorrido este prazo de 30 dias sobra a data do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, transitado há mais de 30 dias o acórdão recorrido, pode o Procurador-Geral da República determinar que seja interposto recurso para fixação de jurisprudência, agora, no interesse da unidade do direito – art.º 447º, n.º 1, do CPP. Abre-se caminho a outro recurso extraordinário que o legislador consagrou para fixar jurisprudência, que pode iniciar-se logo após o decurso do prazo de 30 para interposição do recurso de fixação de jurisprudência, logo que o acórdão haja transitado há mais de 30 dias. b.No caso, como certificado narrativamente pelo Tribunal da Relação do Porto, e dele se vê, a 14.07.2025, o acórdão recorrido foi proferido a 23.04.2025, foi notificado ao Ministério Público e ao arguido na pessoa da sua defensora, via electrónica, a 23.04.2025 e transitou em julgado a 08.05.2025. O prazo legal de 30 dias, para interposição de recurso inicia-se a partir desta data, do trânsito em julgado do acórdão recorrido e termina decorridos 30 dias, 07.06.2025. O recorrente veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência a 27.06.2025. Como referido pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto, cujo parecer se acompanha, “o prazo de 30 dias teve o seu termo em 07.06.2025 (sábado) e, mesmo transferindo-se para o dia 9 (segunda-feira) e adicionando-se a possibilidade de entrada nos 3 dias seguintes, a data em que deu entrada o recurso – 27.06.2025 – mostra-se claramente para além do permitido pela lei.” Não tendo ocorrido causas de suspensão do decurso do prazo, o requerimento de interposição do recurso interposto a 27.06.2025, porque interposto fora de tempo, instaurado depois de decorrido o prazo legal, é extemporâneo (art.º 414º, n.º 2 do CPP). Verifica-se, assim, a ocorrência de motivo de inadmissibilidade do recurso o que acarreta a sua rejeição – art.º 441º, n.º 1 do CPP. Rejeitado o recurso, por inadmissibilidade legal, prejudicado fica o conhecimento dos demais pressupostos, nomeadamente a alegada oposição de julgados. Se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC – art.º 420º, n.º 3 do C.P.P.. 3. Decisão Por todo o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, acorda em, -rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 437.º, n.ºs 1, 2 e 4, 438.º, n.º 1 e 441.º, n.º 1 (414º, 2), todos do C.P.P. -condenar em custas o recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs – art.º 513º n.ºs 1 e 3 do CPP, art.º 8º, n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. -condenar o recorrente ao pagamento da importância de 3 UCs, nos termos do disposto no art.º 420º, n.º 3 do C.P.P.. * Notifique. * Lisboa, 15 de Outubro de 2025 António Augusto Manso (Relator) Antero Luis (Adjunto) Carlos Campos Lobo (Adjunto) __________
1. decisão que na fase preliminar do recurso se circunscreve a decidir da rejeição ou prosseguimento (art.º 441.º, CPP). 2. Ac. do STJ de 07.06.2023, proferido no proc. n.º 3847/20.8T9FAR-A.E1-A.S1.www.dgsi.pt. 3. proferido no proc. n.º 39/08.8PBBRG-K-A-A.S1, www.dgsi.pt. 4. Entre outros, Ac. do STJ de 17.05.2017, proferido no proc. n.º 117/13.1ECLSB.L1-C.S1, www.dgsi.pt. 5. Exigia-se, ainda, antes, que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar – cfr. Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000. Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, se estabeleceu que, “No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo442.º, n.º 2). 6. Neste sentido, Maria do Carmo Silva Dias, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama e outros Almedina, Coimbra, tomo v, p. 436. |