Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1 SECÇÃO | ||
| Relator: | HENRIQUE ANTUNES | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO VELOCÍPEDE CULPA IN VIGILANDO RESPONSABILIDADES PARENTAIS MENOR COLISÃO DE VEÍCULOS PRESUNÇÃO DE CULPA ILISÃO DA PRESUNÇÃO CULPA DO LESADO NEXO DE CAUSALIDADE PRESUNÇÃO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/14/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Aquele que, por lei ou negócio jurídico, esteja obrigado a vigiar outra pessoa, em razão da incapacidade natural desta, responde pelos danos que esta causar a terceiros, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou se demonstrar que os danos sempre se produziriam, ainda que não houvesse culpa sua, caso em que pode prevalecer-se da relevância negativa de causas virtuais; II - Para que a responsabilidade do vinculado ao dever de vigilância seja afastada não é suficiente demonstrar uma justa causa de incumprimento daquele de dever ou, mesmo a desculpabilidade da sua violação, apena relevando a prova do seu cumprimento; III - Os pais, por virtude das responsabilidades parentais a que estão vinculados relativamente à pessoa do filho não estão obrigados a vigiar o filho por este ser menor – mas por não ter capacidade natural para certos actos susceptíveis de causar danos a terceiros, incapacidade natural que consiste na sua inaptidão do menor para se conduzir com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir perigos, programando os seus comportamentos de modo a precaver lesões em si próprio e na pessoa de terceiros; IV - A culpa do lesado, enquanto fundamento de exclusão ou de redução da indemnização, não se resolve num juízo de censura ético-jurídica semelhante ao que a expressão necessariamente convoca quando é aplicada à conduta do lesante, sendo, portanto, uma culpa imprópria, não técnica; V- A culpa do lesado só afasta a responsabilidade fundada em presunção de culpa, quando o lesado for totalmente ou exclusivamente responsável pelo facto lesivo. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. AA pediu ao Sr. Juiz de Direito do Juízo Local Cível de Valongo, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que condenasse Via Directa – Companhia de Seguros SA, BB e cônjuge, CC e DD: a) A ré Via Directa – Companhia de Seguros, SA, a pagar-lhe a título de indemnização por danos de ordem não patrimonial, a quantia já liquidada de € 15 000, 00, acrescida da que se vier a liquidar, a título de indemnização por danos de ordem patrimonial e não patrimonial, uma e outra acrescidos de juros à taxa Legal desde a citação até pagamento, ou subsidiariamente; b) Os réus BB e cônjuge, CC e DD solidariamente no mesmo pedido, ou ainda subsidiariamente, c) A condenação de todos réus na proporção da culpa com que a segurada da 1.ª ré e o 3.º réu contribuíram para o acidente e/ou os danos por ele sofridos pelo menor. Fundamento estas pretensões no facto de no dia 9 de Novembro de 2020, o velocípede conduzido pelo réu DD, nascido no dia D de M de 2007, filho dos réus BB e CC, no sentido norte-sul, na via particular de acesso do n,º 520 à Rua 1, em Alfena, no qual viajava na garoupa, como passageiro, ter sido colhido, ao entrar na Rua 1, pela frente do veículo V1, de EE, conduzido por FF, e de, por efeito da colisão, ter sido projectado pelo ar, vindo a embater no capot daquele veículo a estatelar-se, inanimado, no solo, a uns metros de distância, o que lhe causou lesões corporais e danos patrimoniais e não patrimoniais. Oferecidos os articulados de contestação, admitida a intervenção principal provocada do pai do autor, AA, e concluída a instrução, discussão e julgamento da causa a Sra. Juíza de Direito, por sentença proferida no dia 17 de Março de 2024, depois de observar que não há dúvidas que foi a imprudência, a falta de cuidado do condutor do velocípede (Réu DD) e daquele que seguia em cima da bicicleta (lesado Autor) que esteve na origem do acidente e que ponderada a normalidade das coisas e das experiência da vida se impõe concluir que o acidente em causa escapou ao controlo expectável por parte dos pais do Réu menor e de concluir que é próprio comportamento do Autor menor que conduz aos danos que veio a sofrer em resultado do embate e, nessa medida, que não se pode assacar responsabilidades a qualquer dos Réus pelos danos que do acidente resultaram para o menor, julgou a acção improcedente e absolveu os demandados do pedido. O autor interpôs desta sentença recurso ordinário de apelação, pedindo a condenação dos réus BB e cônjuge, CC, e DD no pedido, para o Tribunal da Relaçáo do Porto que, por acórdão proferido no dia 8 de Maio de 2025, com fundamento em que nestes autos não se encontra provado que afaste a presunção de culpa – e por inerência, a responsabilidade expressa no dispositivo legal supra transcrito, que, de resto, nem sequer na contestação por si apresentada os RR. alegaram factos demonstrativos do cumprimento desse dever de vigilância, susceptíveis de afastar a presunção legal mencionada, que se limitaram, essencialmente, a negar que o seu filho tenha embatido na A (…), rigorosamente nada disseram a respeito do cumprimento do dever de vigilância do filho menor de 11 anos, condição imprescindível para que pudesse vir a ser afastada a presunção de culpa imposta pelo art.º 491.º do Código Civil, que tal afastamento da presunção legal constituía um ónus a seu cargo – que manifestamente não satisfizeram e serão nessa medida responsáveis pela ressarcimento dos danos provocados pelo filho e que se afigura adequado reduzir a indemnização a que a haja lugar em 40%, responsabilizando os 2.ªs RR pr 60% do valor que se apure ser o dessa indemnização, concedeu provimento parcial ao recurso e condenou os 2ºs RR., BB e CC, a pagar, solidariamente, ao A. a percentagem de 60% das quantias que vierem a ser liquidadas relativamente aos danos patrimoniais (perda de capacidade de ganho e custo dos tratamentos para colocação dos implantes dentários) e não patrimoniais por si peticionados, acrescidas de juros de mora, à taxa legal que esteja em vigor, desde a data em que o crédito do A. se tornar líquido até integral pagamento, sendo até ao limite de € 15.000,00 relativamente aos danos não patrimoniais e até ao limite de € 23.855,97 relativamente ao dano patrimonial da perda da capacidade de ganho. É este acórdão que aqueles réus impugnam através do recurso ordinário de revista, na qual pedem a sua absolvição do pedido e, subsidiariamente, a redução equitativa da sua responsabilidade, atenta a culpa do lesado, tendo rematado a sua alegação – decerto na convicção de que concluir muito é concluir bem – com as proposições seguintes que qualificaram de conclusões: 1. O presente Recurso vai interposto do Douto Acórdão proferido pelo D. Tribunal da Relação do Porto, constante a fls. Dos Autos, que concedeu provimento parcial ao Recurso interposto. 2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o Douto Acórdão ora recorrido viola os artigos 491.º, 483.º, 563.º e 570.º do Código Civil e 640.º do Código de Processo Civil, todos por erro de interpretação e de aplicação à factualidade subjacente aos presentes Autos. 3. Estão pois os Recorrentes convictos que, Vossas Excelências, reapreciando as normas legais aplicáveis, o que se torna claramente necessário para uma melhor aplicação do Direito, tal como é apanágio, não deixarão de revogar o Acórdão ora recorrido. 4. O Acórdão recorrido entendeu responsabilizar os 2.ºs Réus, ora Recorrentes, com base na presunção de culpa in vigilando prevista no artigo 491.º do Código Civil, relativa ao dever de vigilância dos pais sobre os seus filhos menores, no entanto, à luz dos factos provados (nomeadamente o n.º 28 e 29), tal presunção não pode prevalecer no caso concreto. 5. Dispõe o artigo 491.º do Código Civil o seguinte: “as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, só se tornam responsáveis pelos danos causados a terceiros por aquelas pessoas se houver incumprimento do dever de vigilância e se, por força dessa omissão, tais danos ocorrerem” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2023 - Processo: 2615/20.1T8PNF.P1), presunção legal de culpa iuris tantum, ou seja, relativa e ilidível. 6. A própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem reiterado que esta presunção pode ser afastada se os demandados provarem que cumpriram o dever de vigilância com a diligência de um bom pai de família (“homem médio”), atendendo às circunstâncias do caso, e que, apesar dessa efetiva vigilância, o dano ocorreu; ou então que, mesmo que tivessem cumprido rigorosamente o dever de vigilância, o resultado danoso sempre se teria verificado (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2023 -Processo: 2615/20.1T8PNF.P1) pelo que, os pais apenas respondem se incorreram em falta de vigilância causal do dano – o que não se verifica no presente caso. 7. Da matéria de facto dada como provada, resulta claramente que os Recorrentes não omitiram os deveres de vigilância e educação sobre o seu filho menor DD. 8. Conforme factos provados n.º 28 e 29, resulta que: (i) os Réus instruíram o filho acerca dos cuidados a ter a atravessar a estrada e, como tal, durante as suas deslocações, transmitindo-lhe regras de segurança (designadamente no trânsito e uso da bicicleta); e (ii)o menor DD é um jovem com um comportamento considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive, sendo educado e respeitador de onde decorre que revela uma personalidade responsável e cumpridora das referidas instruções parentais. 9. Errou o acórdão ora recorrido ao considerar que: - “…perante o acto concreto causador de danos, os 2ºs RR., pais do menor, poderiam ter tomado outras precauções que não as referidas no ponto 28 da matéria de facto, destinadas a impedir a condução da bicicleta pelo filho da forma descuidada e desconforme às regras como o fez, bem como o transporte de outras pessoas na mesma, e não alegaram nem provaram tê-lo feito, como deveriam para habilitar o tribunal a apreciar se tais precauções eram ou não adequadas e suficientes ao cumprimento do dever de vigilância. - Mais, não provaram também que os danos ocorreriam da mesma forma independentemente do cumprimento do dever de vigilância ou não –anote-se que o facto do ponto 29 da matéria de facto até aponta em sentido contrário, pois se o menor é educado respeitador, pode-se admitir que o mesmo respeitaria as instruções sobre a utilização de bicicleta se as mesmas lhe tivessem sido dadas, nada havendo na matéria de facto que permita inferir que o mesmo poderia desobedecer a essas instruções.” 10. Concluindo o acórdão que: “Verifica-se, pois, que não está afastada no caso a culpa in vigilando dos 2ºs RR., ao contrário do decidido na sentença recorrida.” 11. Não se pode concordar com o raciocínio plasmado no acórdão acerca da análise crítica dos factos provados sob os números 28 e 29 quando defende que o facto de ter ficado provado que os pais transmitiram instruções sobre como atravessar a estrada, tal se resuma à circulação a pé e que a circulação de bicicleta, patins, trotinete ou qualquer outro meio de locomoção fique excluída dessas instruções. 12. O acórdão recorrido limita-se a cingir as instruções dos pais ao facto de “afigura-se não ser suficiente que os pais lhe transmitissem instruções sobre como atravessar a estrada (trata-se aqui de circular a pé), tendo o mesmo acesso a uma bicicleta (sem que os pais alegassem e demonstrassem que a bicicleta não era do menor e que este a ela acedeu sem o seu conhecimento e autorização), posto que andar a pé e atravessar a estrada é uma conduta que nada tem que ver com circular em bicicleta pela estrada (desde logo aquela conduta por regra trará maior perigo para o próprio menor do que para terceiros, enquanto esta conduta, podendo trazer perigo para o próprio, será potenciadora também de perigo para terceiros, por exemplo, peões que podem ser atropelados pela bicicleta). 13. O Acórdão sob censura defende que as instruções dos pais devem ser abrangentes e exaustivas argumentando que: “Portanto, o que relevava no caso era saber em que contexto o menor teve acesso à bicicleta (era sua ou de familiares?; era de outro colega e ele quis conduzi-la?; tinha autorização para a utilizar na estrada ou apenas em vias não destinadas ao trânsito automóvel?), se lhe foram dadas instruções sobre a forma de utilizar com cuidado um tal veículo (os pais deram-lhe a bicicleta?, fizeram-no para ser utilizada em locais sem trânsito? deram-lhe instruções sobre regras de circulação na bicicleta?, estava autorizado andar sem a companhia de um adulto?), se o ensinaram que não poderia transportar passageiros na bicicleta e o alertaram para os perigos que dessa conduta poderiam advir, se o sensibilizaram para as consequências da utilização indevida e descuidada da bicicleta, se lhe inculcaram noções sobre a circulação estradal, com trânsito de outros veículos …” 14. Ao contrário das conclusões alcançadas, bem expõe o douto acórdão sob censura, até em contradição com o que acabou de se expor, quando cita o seguinte: “…não é possível exigir ao vigilante mais do que o necessário, sendo de excluir a culpa de quem deixa certa margem de liberdade à pessoa cuja vigilância lhe compete, de acordo com o costume ou as concepções dominantes, não sendo, outrossim, compatível com o direito do vigilando ao livre desenvolvimento da sua personalidade a imposição de limitações, além da medida do razoável, para o afastar do perigo para com terceiros. A prova liberatória da culpa dos pais, quando o facto é cometido por um adolescente, sustenta-se na asserção de que é impossível aqueles um controlo contínuo sobre todos os passos e actividades dos filhos, devido ao espaço de liberdade de que estes gozam, de acordo com os actuais hábitos de vida e as novas concepções do poder paternal, que reservam ao menor um espaço crescente de autodeterminação. Efectivamente, o excesso de rigor na demonstração da prova liberatória da culpa não respeita o princípio da responsabilidade subjectiva, no âmbito da qual, do ponto de vista sistemático, se enquadra a norma da responsabilidade civil dos pais.” 15. No entanto, o critério adoptado no douto acórdão sob censura relativamente ao ónus dos pais para demonstração da prova liberatória da culpa é manifestamente desproporcional, violando de forma flagrante o princípio da responsabilidade subjectiva. 16. De facto, na sentença recorrida resultam provados os seguintes factos: «28. Os pais do Réu menor DD sempre o instruíram a tomar todas as cautelas a atravessar a estrada. 29. Fruto da educação que lhe foi prestada pelos seus pais, o DD é um jovem com um comportamento considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive, sendo educado e respeitador.». 17. Ao fazer a apreciação da prova, o acórdão recorrido não analisou estes factos em conjunto como deveria, mas sim autonomamente, alcançando uma conclusão que não respeita o referido princípio da responsabilidade subjectiva. 18. Não se pode concordar com o raciocínio plasmado no acórdão que, o facto de ter ficado provado que os pais transmitiram instruções sobre como atravessar a estrada, tal se resuma à circulação a pé e não de bicicleta e que se excluam dessas instruções todos os restantes circunstancialismos que a circulação a pé, de bicicleta, patins, trotinete ou qualquer outro meio de locomoção implica. 19. O acórdão recorrido limita-se a cingir as instruções dos pais aos cuidados que o menor deve adoptar a atravessar a estrada a pé exigindo que, no que diz respeito ao caso concreto, essas instruções deveriam ser abrangentes e exaustivas. 20. Defende o acórdão recorrido que “afigura-se não ser suficiente que os pais lhe transmitissem instruções sobre como atravessar a estrada (trata-se aqui de circular a pé), tendo o mesmo acesso a uma bicicleta (sem que os pais alegassem e demonstrassem que a bicicleta não era do menor e que este a ela acedeu sem o seu conhecimento e autorização), posto que andar a pé e atravessar a estrada é uma conduta que nada tem que ver com circular em bicicleta pela estrada (desde logo aquela conduta por regra trará maior perigo para o próprio menor do que para terceiros, enquanto esta conduta, podendo trazer perigo para o próprio, será potenciadora também de perigo para terceiros, por exemplo, peões que podem ser atropelados pela bicicleta). 21. Acrescentando ainda que, “Portanto, o que relevava no caso era saber em que contexto o menor teve acesso à bicicleta (era sua ou de familiares?; era de outro colega e ele quis conduzi-la?;tinha autorização para utilizar na estrada ou apenas em vias não destinadas ao trânsito automóvel?), se lhe foram dadas instruções sobre a forma de utilizar com cuidado um tal veículo (os pais deram-lhe a bicicleta?, fizeram-no para ser utilizada em locais sem trânsito? deram-lhe instruções sobre regras de circulação na bicicleta?, estava autorizado andar sem a companhia de um adulto?), se o ensinaram que não poderia transportar passageiros na bicicleta e o alertaram para os perigos que dessa conduta poderiam advir, se o sensibilizaram para as consequências da utilização indevida e descuidada da bicicleta, se lhe inculcaram noções sobre a circulação estradal, com trânsito de outros veículos …” 22. Salvo o devido respeito por opinião diversa ,o dever de vigilância é, na sua essência, objectivo. 23. Exigir que os pais instruam os filhos a comportar-se em todas as circunstâncias da vida, significaria esvaziar por completo a capacidade de autodeterminação e autonomia das crianças e jovens na formação da sua personalidade tendo em vista o alcançar da sua independência. 24. Ora, se como resultou provado, os pais “sempre o instruíram a tomar todas as cautelas a atravessar e estrada”, isto estende-se a atravessar a estrada apeado, de bicicleta ou qualquer outra forma. De igual modo é aplicável ao facto de se deslocar sozinho ou acompanhado. 25. O dever de vigilância dos pais é aplicável a um dever objectivo de vivência em sociedade, por isso é que o dever de vigilância é objectivo e genérico. 26. Exigir aos pais que prestem instruções específicas aos seus filhos acerca da forma como devem comportar-se em cada circunstância da vida, seria retirar toda a autonomia que cada criança, como individuo, deve adquirir por si só. 27.. A visão adoptada no acórdão recorrido é indevidamente parcelar e não corresponde à natureza genérica e objetiva do dever de vigilância porquanto, o dever de vigilância dos pais não se confina a determinadas situações específicas, mas consiste num poder-dever amplo de guarda, supervisão e educação, adaptado à idade e ao grau de discernimento do menor. 28. Desse dever faz parte a transmissão de regras gerais de prudência e segurança – regras estas que o menor aplica nas diversas atividades quotidianas (seja a andar a pé, de bicicleta, de skate, trotinete, patins, etc.). 29. Não é exigível, nem possível, que os pais prevejam e instruam os seus filhos expressamente sobre cada cenário particular imaginável; antes, espera-se que inculquem nos filhos princípios de bom senso, cuidado e respeito pelas normas, válidos para uma multiplicidade de circunstâncias. 30. Ademais, o exercício do dever de vigilância deve ser conjugado com o princípio da autonomia progressiva do menor. Isto porque, à medida que a criança cresce e demonstra maturidade, é normal e saudável que lhe seja concedida alguma liberdade adequada à sua idade, sem prejuízo das orientações gerais dadas. 31. No caso vertente, o DD, com quase 13 anos à data dos factos, possuía idade e responsabilidade bastantes para usufruir de certa autonomia nas brincadeiras ao ar livre (como andar de bicicleta no âmbito do convívio com amigos), sem a presença constante dos pais – o que corresponde às concepções dominantes de uma educação equilibrada, ao contrário do defendido no acórdão recorrido que limita-se a tecer considerações genéricas e literais acerca das instruções que os pais ministraram ao menor. 32. Adoptando a posição do acórdão recorrido, estaríamos a conformar-nos, como sociedade, ao facto de que compete aos pais acompanhar os menores em todas as circunstâncias da sua vida pessoal e social, supervisionando todos os actos praticados por estes, retirando-lhes a autonomia e a independência que necessitam para a sua formação como indivíduos responsáveis que serão os pais de amanhã e a quem competirá educar e formar a geração vindoura. 33. Se assim fosse, ocorreria uma desresponsabilização dos menores porquanto, estes ficariam desprovidos da sua autonomia, independência e autodeterminação, e mais não seriam do que meros executantes das instruções dos seus pais. 34. Conforme já reconheceu o Supremo Tribunal de Justiça, “o dever de vigilância deve ser interpretado casuisticamente, tendo em conta as conceções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações, não podendo considerar-se culpado […] quem, de acordo com tais conceções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe” (in Acórdão do STJ de 16-06-2015 (Proc. 218/11.0TCGMR.G1.S1), orientação jurisprudencial que é inteiramente aplicável aos pais enquanto vigilantes: é legítimo e conforme aos usos actuais que os Recorrentes tenham dado alguma liberdade ao seu filho (dentro dos limites do razoável), sem que isso constitua falta de vigilância. 35. Restringir o dever de vigilância a uma supervisão absoluta e presencial a todo tempo seria desproporcional e contrário ao desenvolvimento saudável da criança. 36. Destarte, o Acórdão recorrido errou ao considerar que os 2.ºRR apenas deram instruções ao seu filho menor “para circular a pé” e não de bicicleta, como sucedeu no caso vertente quando, na realidade, deveria ter entendido que as instruções parentais dos ora Recorrentes tinham carácter abrangente (visando a segurança do menor em geral) e o dever de vigilância foi cumprido dentro dos parâmetros normais e expectáveis, respeitando simultaneamente a autonomia própria da idade de DD. 37. Não obstante, o acórdão recorrido apenas considera como provado que, “…no caso concreto, o que resulta dos factos provados é que o menor DD tinha 12 anos e 10 meses de idade, que os pais sempre o instruíram a tomar todas as cautelas a atravessar a estrada e que, fruto da educação que lhe foi prestada pelos seus pais, o DD é um jovem educado e respeitador…” quando, na realidade, deveria ter efectuado um juízo mais abrangente na interpretação do facto provado sob o número 28, em conjugação com a prova produzida em audiência de julgamento, no que diz respeito ao significado de atravessar a estrada. 38. Por outro lado, o Acórdão recorrido separa dois factos provados que são complementares entre si, nomeadamente, os factos provados sob os números 28 e 29, apreciação fracionada que desvirtua a verdadeira complementaridade da matéria factual apurada, impondo-se assim uma leitura integrada dos factos provados. 39. Considerados em conjunto, os factos 28 e 29 revelam um quadro claro: os Recorrentes instruíram o filho nos deveres de cuidado e este interiorizou e praticava essas instruções. 40. Não só houve ensino e vigilância prévios, como tal vigilância mostrou eficácia na conduta habitual do menor. 41. O supracitado contexto factual combinado repele a ideia de negligência por parte dos pais. 42. Ao ignorar essa visão de conjunto, o Tribunal da Relação violou o princípio basilar da responsabilidade civil subjetiva - artigo 483.º do Código Civil -, segundo o qual a obrigação de indemnizar exige culpa efectiva do agente. 43. Na prática, o Acórdão recorrido atribuiu aos Recorrentes uma espécie de responsabilidade objetiva pelo mero facto do acidente, desconsiderando a ausência de culpa real no cumprimento dos deveres de vigilância, abordagem que não tem suporte legal nem na jurisprudência consolidada, lesando gravemente os Direitos dos Recorrentes. 44. Acresce referir que o próprio STJ alerta que cumpre ao julgador ponderar, em cada caso, até que ponto houve violação dos deveres de vigilância e em que medida essa violação contribuiu para os danos verificados (neste sentido vide Acórdão do STJ de 21-03-2023, Proc. 2615/20.1T8PNF.P1.S1). 45. No caso em apreço, a ponderação correta dos factos levaria a concluir que não houve violação relevante do dever de vigilância – logo, não poderia a mesma ser causa dos danos o que, numa análise isolada feita pelo Acórdão recorrido frustrou essa ponderação adequada, resultando numa decisão injusta e contrária aos elementos dos Autos. 46. Para além disso, no que diz respeito ao facto 29 o Acórdão recorrido efectua uma interpretação errónea da sua aplicação ao caso concreto porquanto, considera relativamente à personalidade do menor DD que “…(o facto de ser considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive não é relevante para o caso, posto que não está em causa a forma como os outros o vêem, mas as reais características de personalidade do menor).” 47. Salvo o devido respeito por opinião diversa, não se infere o raciocínio que conduziu ao facto de as características elencadas relativamente ao menor não serem as suas reais características de personalidade, é que baseando-se a douta decisão na prova produzida em julgamento, designadamente, nos depoimentos produzidos por quem conhece o menor e que com ele convive diariamente, não se compreende a conclusão alcançada no douto acórdão sob censura, que tais não sejam as reais características da sua personalidade, até porque não se alcança que outra prova produzida em julgamento ou que resulte dos factos dados como provados, o poderá contradizer. 48. Inclusivamente, é o próprio Autor que o reconhece na sua conclusão 8 quando afirma “8 – A prova produzida nos autos apenas permite concluir que o menor DD é tido por um jovem pacífico, tranquilo, cuidadoso, cumpridor e responsável…” pelo que, é inequívoco que são essas as reais características de personalidade do menor o que, salvo o devido respeito, terá de ser levado em consideração na apreciação do caso concreto. 49. Ao não considerar a personalidade do menor DD na aplicação ao caso concreto, a apreciação da eventual culpa in vigilando dos seus pais (2.º RR) estará necessariamente prejudicada. 50. A questão que se coloca resume-se a apurar se, naquela situação concreta, os pais poderiam ter feito mais. 51. Mesmo que se admitisse que o menor praticou o facto em causa nos autos – o que não se concebe - é preciso apurar se os pais (2.º RR), como obrigados ao dever de vigilância, poderiam ter feito mais para evitar a produção do acidente. 52. É preciso apurar e os pais cumpriram o seu dever de vigilância, com a diligência de um homem médio, segundo as circunstâncias do caso concreto, nas quais se incluem a ocupação e a condição do próprio vigilante e, apesar dessa efectiva vigilância, o dano ocorreu, ou que, mesmo que o tivessem cumprido, sempre o mesmo se teria verificado. 53. Serão as circunstâncias específicas de cada caso que permitem ao julgador ponderar se verifica incapacidade natural daqueles que praticam o facto danoso, até que ponto houve violação dos deveres de vigilância da pessoa que teve aquela conduta danosa, e em que medida é que essa violação foi propiciadora dos danos verificados. (Ac. STJ -2615/20.1T8PNF.P1.S1). 54. Analisando o caso concreto, dúvidas não poderão subsistir que os pais do menor DD cumpriram o seu dever de vigilância. 55. Como resulta da análise dos factos provados sob os números 28 e 29, os pais sempre instruíram o menor a tomar todas as cautelas na estrada, de forma abrangente. 56. Os pais prestaram ao menor uma educação esmerada, tendo este um comportamento exemplar, é responsável e querido por todos aqueles com quem convive, é educado e respeitador. 57. O caso sub judice respeita ao facto de ter ocorrido um acidente de viação em que, alegadamente, o menor levaria um colega de escola mais velho à garoupa da sua bicicleta e que o menor DD não terá observado as regras estradais para atravessar a estrada o que, terá sido a causa da ocorrência do acidente de viação. 58. Levanta-se a questão de saber se os pais cumpriram o seu dever de vigilância, no fundo, se dotaram o menor de todas as ferramentas para viver em sociedade e se lhe transmitiram os valores e ensinamentos necessários a essa vivência. 59. Conforme resulta dos autos, tendo em conta as características de personalidade do menor como jovem com um comportamento considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive, sendo educado e respeitador, a resposta terá de ser necessariamente positiva. 60. Dúvidas não podem subsistir que os pais (2.ºRR) cumpriram tudo aquilo que lhes é exigido na educação do menor pelo que, inequivocamente, cumpriram o seu dever de vigilância. 61. O facto de ter ficado provado que os pais sempre instruíram o menor a tomar todas as cautelas a atravessar a estrada, ao contrário do que se conclui no acórdão sob censura, não se resume apenas à circulação a pé. 62. Não é correcta a interpretação feita no Acórdão sob censura que se excluam dessas instruções todos os restantes circunstancialismos que a circulação a pé, de bicicleta, patins, trotinete ou qualquer outro meio de locomoção implica. 63.Mal esteve o douto Tribunal recorrido ao cingir o facto provado sob o número 28ao considerar que os pais não demonstraram ter dado instruções específicas ao menor sobre as regras para atravessar a estrada de outra forma que não seja a pé. 64. Em face do exposto, tais factos evidenciam que os Recorrentes cumpriram cabalmente o seu dever de vigilância e orientação, não podendo presumir-se qualquer culpa da sua parte. 65. A presunção de culpa do artigo 491.º do Código Civil deve considerar-se ilidida face à prova produzida, afastando-se a responsabilidade dos 2.º Réus. 66. Ademais, mesmo que se entendesse não completamente afastada a presunção, sempre se verificaria que não está preenchido o nexo causal entre eventual omissão de vigilância e os danos verificados porquanto, o acidente em apreço ocorreu de forma súbita e fortuita, sem que a actuação (ou omissão) dos pais pudesse razoavelmente evitá-lo. 67. Com base na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, os Recorrentes cumpriram diligentemente o seu dever educacional e de vigilância, instruindo o filho de forma adequada. O que foi confirmado pelos depoimentos das testemunhas arroladas nos autos que confirmaram que o DD era uma criança responsável, prudente e respeitadora das regras impostas pelos pais. Aliás, isso mesmo é confirmado pelo próprio Autor no seu articulado de recurso. 68. Ora, tal personalidade não surge por acaso, mas sim como reflexo de uma educação cuidadosa ministrada e incutida pelos seus pais. Concretamente, resultou provado que os Réus incutiram no filho regras de segurança no trânsito – por exemplo, a utilização dos passeios, os cuidados ao atravessar vias (desmontando da bicicleta e fazendo-o a pé, quando aplicável), e a noção de não assumir comportamentos perigosos. 69. Foi também evidenciado que o DD seguia essas diretivas familiares no seu dia-a-dia, não tendo histórico de imprudências relevantes. 70. Pelo que, ao tempo do infausto acidente, não havia qualquer razão para os Recorrentes preverem um comportamento temerário ou desrespeitoso por parte do seu filho DD. Pelo contrário, tudo indicava que o DD aplicaria as instruções recebidas. 71. Conclui-se assim que os Recorrentes tomaram, portanto, as precauções razoáveis que lhes eram exigíveis enquanto pais: instruíram, educaram e confiavam – legitimamente – no discernimento já demonstrado pelo filho DD, afigurando-se-nos que os Recorrentes fizeram tudo o que era expectável e devido para prevenir acidentes. 72. Pelo que, a ocorrência do sinistro não pode, pois, ser atribuída a uma falha ou omissão educativa da sua parte e, qualquer entendimento contrário, importaria transformá-los indevidamente em garantes objetivos da segurança absoluta, o que não é razoável e muito menos imposto por lei. 73. Como pais atentos, ensinaram o seu filho, estabeleceram regras e confiavam – com fundamento – no bom senso já adquirido pela criança, motivo pelo qual, não se lhes podia exigir, legal ou razoavelmente, um controlo absoluto e permanente de cada movimento do menor, sob pena de inviabilizar qualquer liberdade ou socialização da criança. 74. A jurisprudência dominante é pacífica em sublinhar que o padrão a aferir no dever de vigilância não é a infalibilidade, mas sim a diligência média segundo o critério do bom pai de família. É igualmente pacífico na jurisprudência que os pais têm outras responsabilidades e não podem enclausurar os filhos numa rede de protecção absoluta. 75. Com efeito, não se considera culposo quem, segundo as conceções sociais adequadas, concede certa margem de liberdade aos menores sob a sua guarda (in Acórdão do STJ de 16-06-2015 (Proc. 218/11.0TCGMR.G1.S1). Tal entendimento reforça que a responsabilidade dos pais não equivale a um seguro incondicional contra todos os acidentes envolvendo os filhos. 76. No caso em apreço, os Recorrentes actuaram dentro dos parâmetros da normalidade e prudência. 77. Prova disso é que o DD, à data do sinistro, nunca havia causado qualquer incidente nem dado mostra de comportamentos arriscados sem correção imediata. Não havia, pois, motivo para medidas extraordinárias de vigilância. Exigir que os pais antecipassem especificamente que, naquele dia, o filho daria uma volta de bicicleta levando o Autor menor na garupa, e que daí poderia advir uma queda, seria pretender uma onisciência incompatível com a natureza humana e com a vida em sociedade. 78. Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se admitisse alguma falha residual no dever de vigilância dos Recorrentes, é forçoso reconhecer que não está demonstrado o nexo de causalidade entre essa hipotética omissão e o acidente sofrido pelo Autor menor. 79. O acidente de viação mais não é do que um infortúnio casual e imprevisível, que ocorreria independentemente de uma supervisão mais activa dos pais naquele exato momento. 80. Conforme salientado pelo STJ, além de ilidirem a presunção de incumprimento, os vigilantes podem também demonstrar a falta de nexo de causalidade entre a eventual omissão de vigilância e o dano verificado (vide Acórdão do STJ de 21-03-2023, Proc. 2615/20.1T8PNF.P1.S1). Esta segunda via de afastamento da responsabilidade é expressamente contemplada no artigo 491.º do Código Civil e revela-se de particular pertinência no caso sub judice. 81. Com efeito, no presente caso, o acidente ocorreu num contexto de brincadeira normal de crianças – um passeio de bicicleta – em que, subitamente, o Autor menor (que seguia como passageiro voluntário) se desequilibrou e caiu, sofrendo as lesões. 82. Não há qualquer indício de que a presença física imediata dos Recorrentes, pais do DD, ou qualquer ordem adicional naquele instante pudesse ter evitado o desfecho. 83. Tudo se passou numa questão de segundos, sem tempo útil para intervenção preventiva dos 2.º RR ou até de quaisquer terceiros. 84. O dano não resultou de um comportamento habitual, negligente ou desobediente do menor DD que os pais, ora Recorrentes, devessem ter coibido. Pelo contrário, resultou de um acaso fático-temporal, de uma situação que pode ocorrer mesmo que todas as precauções tenham sido tomadas. 85. No domínio dos acidentes de viação em que intervenham menores, é jurisprudência pacífica dos tribunais superiores a recusa em imputar culpa in vigilando aos pais quando estes tenham adoptado as cautelas normalmente esperadas, não podendo exigir-lhes que suprimam todo e qualquer risco da esfera de ação dos filhos. 86. A responsabilidade dos pais não é de resultado (garantir que nada aconteça), mas de meio: devem empreender os esforços razoáveis de prevenção o que sem dúvida cumpriram. 87. Pretender responsabilizar os pais apesar disso, equivaleria a consagrar indevidamente a sua responsabilidade objetiva, o que a lei não prevê, nem consente. 88. Da análise do caso concreto, estamos perante um acidente de viação, ou seja, um acontecimento fortuito porquanto, da forma como é exposta na sentença de primeira instância e no acórdão recorrido, os danos produzidos resultaram de uma violação das regras estradais de um dos intervenientes, sendo irrelevante para esta apreciação se a culpa é do menor DD, da condutora da viatura ou do autor lesado. 89. Levanta-se então a questão de saber se os pais do menor DD (2.ºRR) tiveram ou não intervenção directa no acidente, sendo a resposta negativa. 90. De igual modo, não tiveram qualquer intervenção indirecta, aliás, nem sequer o presenciaram. 91. Passando à análise da dinâmica do acidente, fazendo fé na descrição dos factos provados, terão sido os menores que não cumpriram as regras estradais, surgindo inopinadamente de um local que a condutora da viatura automóvel não poderia ver e o menor Autor numa posição desprotegida e não autorizada do velocípede. 92. Trata-se então de um acontecimento que, em circunstâncias normais, não teria ocorrido. Aliás, a violação das regras estradais são acontecimentos fortuitos, caso contrário, a insegurança rodoviária seria a regra e não a excepção. 93. O acidente ocorrido é um acontecimento fortuito para o qual terão contribuído, exclusivamente, os seus intervenientes. 94. Levanta-se então a questão de saber se, mesmo que os pais do menor DD não tivessem cumprido com o seu dever de vigilância, essa falta seria propiciadora dos danos resultantes do acidente ou teria evitado o acidente? A resposta terá de ser negativa! 95. Alcança-se então a conclusão que o acidente de viação, da forma como terá sido produzido, não é mais do que um acidente fortuito e que os pais do menor, para além de não terem tido qualquer intervenção no mesmo, não o poderiam ter evitado. 96. Até porque, mesmo que não tivessem cumprido o seu dever de vigilância o mesmo ocorreria na mesma. 97. Na educação do seu filho menor, tomaram todas as precauções adequadas e suficientes destinadas a prevenir o acidente que ocorreu, não lhes podendo ser exigido mais do que aquilo que fizeram. 98. Motivo pelo qual, não podem ser responsabilizados pelos danos sofridos pelo Autor porquanto, cumpriram exemplarmente o seu dever de vigilância. 99. A causa efectiva dos danos reside no acaso, não numa efectiva falta dos Recorrentes. 100. Ainda que se entendesse existir alguma omissão de vigilância (o que não se concede), deve reconhecer-se que essa omissão não foi condição necessária do evento danoso. 101. Em termos de causalidade adequada, a conduta dos Recorrentes não é causa do acidente – pois mesmo um zelo acrescido não o teria evitado. 102. Tal cenário impõe a exclusão da responsabilidade dos pais, em conformidade com o artigo 491.º, conjugado com artigo 563.º, ambos do Código Civil, porquanto não existe nexo causal. 103. Concluindo-se assim que, não se encontra preenchido o pressuposto da relação de causalidade entre o eventual ilícito (falha de vigilância) e o dano. 104. A responsabilidade civil dos Recorrentes não pode subsistir à míngua de nexo causal, devendo ser julgado improcedente o pedido indemnizatório contra eles formulado, em conformidade com o já decidido por esse douto Tribunal, nomeadamente, nos seguintes acórdãos: Acórdão do STJ de 21/03/2023 (Proc. n.º 2615/20.1T8PNF.P1.S1) e Acórdão do STJ de 16/06/2015 (Proc. n.º 218/11.0TCGMR.G1.S1) 105. A jurisprudência do STJ acima referida reforça dois vetores essenciais: - a necessidade de prova efetiva da culpa dos pais - que, no caso em apreço, não existe, face às cautelas tomadas; e - a imprescindibilidade de nexo causal entre uma hipotética falta de vigilância e o dano - igualmente ausente no caso dos Autos. 106. Qualquer decisão que contrarie esses vectores – como fez o Acórdão recorrido – configura erro de julgamento e deve ser revogada em sede de recurso. 107. Por outro lado, sem prescindir, caso o entendimento deste douto Tribunal seja contrário à absolvição integral dos RR. recorrentes, sempre se dirá que não se pode olvidar, na correta apreciação do sucedido, a contribuição causal do próprio Autor menor para o acidente. 108. Resultou assente que foi o Autor (criança de 14 anos de idade à data do acidente e, como tal, mais velho do que o RR DD), quem voluntariamente subiu para a garupa da bicicleta conduzida por este, participando assim, de acordo com o seu livre arbítrio, na brincadeira que acabou por dar azo à sua queda. 109. Tal comportamento consubstancia, objetivamente, um acto imprudente do próprio lesado – ainda que menor –o qual se expôs a um risco evidente (andar na garupa de uma bicicleta, em desequilíbrio). 110. À luz do regime da responsabilidade civil, nomeadamente do disposto no artigo 570.º do Código Civil, a culpa ou contribuição do lesado para a produção do dano não pode deixar de ser considerada. 111. Essa consideração impõe, no mínimo, a redução da indemnização devida pelos demandados, na medida do contributo do lesado para o evento. 112. No limite, podendo até excluir a responsabilidade, se se concluísse que a actuação do próprio lesado foi a causa principal ou exclusiva do sinistro. 113. No caso vertente, a conduta do Autor menor – imprudente ao aventurar-se na garupa da bicicleta em movimento – foi um factor decisivo. 114. É de elementar compreensão que, se o Autor não tivesse procurado tal boleia arriscada, a queda e as lesões que sofreu não se teriam produzido, existindo assim uma relação de causa e efeito entre o comportamento do lesado e o dano sofrido. 115. Os pais do Autor menor (seus representantes legais e simultaneamente co-demandantes na presente ação) também detêm deveres de vigilância e supervisão sobre o seu filho. 116. Pretendendo-se argumentar que os Réus deveriam ter impedido o menor DD de transportar alguém na bicicleta, por maioria de razão, também se pode sustentar que incumbia igualmente aos progenitores do Autor evitar que este adoptasse cautelas. 117. A supervisão do Autor menor pelos seus próprios pais mostrou-se igualmente insuficiente ou até inexistente para prevenir o acidente – factor que não pode ser desconsiderado na atribuição de responsabilidades. 118. A jurisprudência fornece exemplos elucidativos de repartição de culpas em acidentes envolvendo menores., embora cada caso tenha as suas especificidades, o denominador comum é a necessidade de sopesar a conduta do lesado menor. 119. No presente litígio, uma análise equilibrada conduz inevitavelmente a reconhecer um grau significativo de culpa do Autor menor e de falta de cuidado dos seus progenitores. 120. O Acórdão recorrido, foi muito limitado nas considerações que teceu acerca desta matéria, incorrendo numa grave lacuna de fundamentação. A ausência de fundamentação na apreciação da concorrência de culpa do lesado configura não apenas erro de direito, mas também omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada. 121. Esta omissão retira solidez à decisão recorrida, pois impede a justa repartição dos riscos e responsabilidades decorrentes do acidente. 122. Posto isto, e em conclusão, defendem os Recorrentes que, mesmo na hipótese de serem considerados responsáveis a título de culpa in vigilando, deverá o montante indemnizatório ser reduzido ou excluído, considerando-se a culpa concorrente - quiçá predominante - do lesado e a corresponsabilidade de seus pais, sendo manifestamente desproporcional, por excesso, a atribuição de um grau de culpa de 60% aos RR recorrentes, conclusão que se harmoniza com os princípios da equidade e da justa repartição dos encargos pelos danos - artigo 570.º CC - evitando-se que os Recorrentes respondam por danos que o próprio lesado em larga medida causou a si mesmo. 123. Face a todo o exposto – demonstrando-se que os Recorrentes cumpriram o dever de vigilância, que não houve nexo causal entre a sua conduta e o acidente, que a decisão recorrida violou os princípios da responsabilidade subjetiva e desconsiderou a contribuição do lesado – impõe-se a revogação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto. O recorrido, na resposta, depois de observar que os recorrentes após plasmarem numa prolixa exposição de 160 artigos e 26 páginas, as razões da sua discordância relativamente ao acórdão impugnado, se limitam a repetir o mesmo arrazoado em novos 123 artigos, sem definir, de forma clara e concisa, o objecto do recurso, dificultando e até impedindo-o de exercer cabalmente o contraditório, pelo que o recurso deve ser rejeitado, concluíram pela sua improcedência. 2.2. Delimitação do âmbito objectivo do recurso e individualização das questões concretas controversas. O acórdão impugnado, em nítida divergência com a sentença da 1.ª instância, foi terminante, por um lado, na conclusão de que os recorrentes não ilidiram a presunção de culpa in vigilando que, enquanto pais do lesante, os vulnera e, por outro, com fundamento na culpa do recorrido, lesado, não na eclosão do evento ou facto lesivo, mas no agravamento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que suportou, em reduzir, em 40%, o valor da indemnização que arbitrou para os reparar e compensar, respectivamente. Os recorrentes mostram-se abertamente hostis a este julgamento já que, no seu ver, de um aspecto, aquela presunção de culpa, em face dos factos adquiridos para o processo, deve ter-se por ilidida e, de outro, a indemnização do lesado deve, com fundamento na culpa deste, ser excluída ou, na hipótese mais benigna, sofrer uma amputação ou redução ainda maior. Os impugnantes invocam ainda, numa das múltiplas conclusões que formularam, a ausência de fundamentação na apreciação da concorrência de culpa do lesado que configura não apenas erro de direito, mas também omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada. Como o âmbito objetivo da revista é delimitado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se (art.ºs 635.º n.º 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, ex-vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC): - O acórdão impugnado se encontra ferido com o desvalor da nulidade por falta de fundamentação da decisão da questão da concorrência da culpa do lesado; - A apontada presunção de culpa se deve considerar ilidida e, consequentemente, se os recorrentes maiores não estão vinculados ao dever de reparar e compensar o dano, patrimonial e não patrimonial, suportado pelo lesado, recorrido; - A indemnização desses danos, por força da culpa do lesado, deve ser excluída ou, ao menos, sofrer uma redução percentual superior àquela que foi encontrada pelo acórdão contestado. Previamente, porém, há que resolver uma questão puramente procedimental, suscitada pelo recorrido na resposta ao recurso: a da inadmissibilidade da revista resultante do número e da prolixidade das conclusões com que os recorrentes encerraram a sua, igualmente prolixa, alegação. 2.2.1. Admissibilidade da revista. O recorrente está adstrito a um duplo ónus: o de alegar e o de formular conclusões (art.º 639.º n.º 1, do CPC). A omissão – absoluta – da falta de conclusões é sancionada de forma enérgica e radical – o indeferimento in limine do requerimento de interposição do recurso (art.º 641.º, n.º 2, b), in fine, do CPC). A alegação deve, pois, terminar por conclusões. Para o bom julgamento do recurso não é, pois, suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar, tanto a parte contrária como o tribunal ad quem, a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados: a parte contrária do recorrente necessita de o saber quais são esses fundamentos para exercer o seu direito ao contraditório; o tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento, no caso da revista, da questão de direito, cuja exactidão ou correcção se impugna (art.º 640 n.º 2, b) do CPC). E a exigência de que as conclusões sejam precisas claras e concisas visa, nitidamente permitir, tanto à parte contrária, como ao Tribunal ad quem – uma apreensão ágil e fácil dos fundamentos, de facto e de direito, do recurso. O recurso é constituído por um pedido – que consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada - e por um fundamento – traduzido na invocação de um vício de procedimento – error in procedendo – ou de julgamento – error in iudicando. As conclusões têm por finalidade a especificação, sintética e contida, dos fundamentos do recurso, destinada a delimitar o seu objecto (art.º 635.º, n.º 3, do CPC). As alegações poderão – mas não deverão - ser extensas, prolixas e confusas; importa que, no fim, a título de conclusões, o recorrente indique, de forma sintética, os fundamentos da impugnação. Mas a verdade é que, muitas vezes, suscita embaraços a questão de saber se o fecho da alegação merece realmente a qualificação de conclusões – dado que, não raro, são a pura simples reprodução da alegação - e, com uma frequência igualmente indesejável, as conclusões são deficientes, obscuras ou complexas ou não contêm as especificações exigidas por lei. Porém, estes vícios das conclusões não determinam logo, irremissivelmente, a rejeição da revista, dado que o relator deve, em princípio, convidar o recorrente a completá-las, a esclarecê-las ou sintetizá-las, ou a formulá-las na devida forma, sob pena de não conhecimento, na parte afectada, do recurso (art.º 639.º, n.º 3, do CPC). No caso, é evidente, desde logo, a excessiva extensão da alegação dos recorrentes e o excessivo número das conclusões com que era suposto condensá-la ou resumi-la e, bem assim, a desnecessidade de uma coisa e outra. Realmente – por força do princípio da economia processual, que proíbe a prática de actos, subjectiva ou objectivamente inúteis ou supérfluos ou de actos cujo conteúdo seja, ainda que só parcialmente inútil ou supérfluo – considera-se, por exemplo, que a exposição pelo recorrente dos fundamentos do recurso e das conclusões com que deve encerrar a respectiva alegação deve ser, além de clara, concisa e breve – concisão e brevidade que não implica, evidentemente, a omissão do que, por ser essencial ou for indispensável, deve ser referido (art.º 130.º do CPC). Regra excelente, mas que apenas tem o valor de advertir as partes de que devem empenhar os seus esforços no sentido de conseguirem a máxima concisão na parte narrativa das alegações e nas conclusões, que deve ser breve, sintética, resumida, até ao extremo – mas sem prejuízo, repete-se, do que for imprescindível. A amarga verdade é, no entanto, a extrema vulgaridade de articulados, alegações e conclusões estiradas, longas, numerosas, difusas, enredadas, verborrágicas, facundas e indigestas, que exigem, da contraparte e do tribunal, um esforço cansativo e escusado para a apreender as linhas essenciais do litígio e os fundamentos conspícuos do recurso. Na espécie sujeita, a alegação dos recorrentes é escusamente estirada e as conclusões são excessivamente numerosas e, nalguns casos, pouco sintéticas e noutros complexas. Patentemente, para colocar à atenção deste Tribunal Supremo o problema da correcção do acórdão impugnado no tocante às questões da ilisão da presunção de culpa in vigilando a que os recorrentes maiores estão adstritos e da exclusão ou da redução da indemnização a que foram vinculados, os recorrentes não necessitavam de produzir uma alegação com 26 páginas e 160 artigos e 123 artigos de conclusões. Crê-se, porém, que não se justifica dirigir aos recorrentes convite para suprir esses vícios e embaraçar o processo com o incidente correspondente. O princípio da economia processual, que se orienta por um critério de eficiência do processo, considerado num plano individual – i.e., no plano de cada acto processual – proíbe a prática de actos objectivamente inúteis ou supérfluos (art.ºs 130.º e 534.º, n.º 1, do CPC). A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância virtual de um acto, i.e., a irrelevância de um acto que, apesar de admissível, é considerado supérfluo antes mesmo de ser praticado. Assim, apesar de excessivamente numerosas e, nalguns casos, pouco escorreitas, as conclusões com que os recorrentes a remataram a sua estirada alegação, elas permitem, tanto ao recorrido, como a este tribunal, ainda que com esforço escusado, apreender os fundamentos da impugnação e, portanto, não impediram o autor de exercer, na devida forma, o seu direito de contradição – como mostra claramente o conteúdo da sua resposta – nem obstaculam a que este Tribunal Supremo proceda à reponderação, de modo seguro e reflectido, da correcção, no plano do direito, do acórdão impugnado. Nestas condições, convidar os recorrentes a aperfeiçoar as conclusões com que remataram a sua alegação constituiria um acto de todo inútil e como tal, proibido (art.º 130.º do CPC). A conclusão a tirar é, assim, a da admissibilidade da revista. 3. Fundamentos. 3.1. Fundamentos de facto. O Tribunal da Relação estabilizou os factos materiais da causa nos termos seguintes: 3.1.1. Factos provados. «1. No dia 9 de novembro 2020, cerca das 17:00 horas, AA, menor (nascido a D.M.2006), viajava na garupa do velocípede conduzido pelo Réu DD, menor (nascido a D.M.2007), na via particular de acesso do n.º 520 à Rua 1, em Alfena, no sentido norte-sul. 2. Nas mesmas circunstâncias de tempo, seguia na Rua 2, sentido Maia-Alfena, poente-nascente, o veículo com a matrícula V1, pertencente a EE, conduzido por FF. 3. O referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula V1 estava seguro na primeira Ré através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n º .......77. 4) Nessa sequência, deu-se, na referida Rua 1, o embate entre o referido velocípede e a frente do veículo de matrícula V1. 5. Por efeito dessa colisão, o menor AA foi projetado pelo ar, embateu no capot do veículo com a matrícula V1 e caiu no solo, a distância não concretamente apurada, inanimado. 6. O Autor menor AA foi conduzido ao Centro Hospitalar de S. João, no Porto, foi assistido no Serviço de Urgência, onde foi sujeito a TAC crânio-encefálica e à coluna cervical, a sutura no lábio inferior e nas gengivas e a tratamentos medicamentosos, 7. Em resultado do referido acidente, o menor AA sofreu: a. Hematoma/edema e enfisema Subcutâneo na região nasal e maxilar bilateral. b. Fratura dos ossos próprios do nariz com afundamento/desalinhamento de topos ósseos. c. Fratura do septo nasal. d. Fratura da parede anterior do seio maxilar esquerdo com afundamento de pequeno fragmento ósseo e hemossinus associado. e. Fratura da parede póstero-superior do seio maxilar esquerdo/pavimento da órbita esquerda, com aparente densificação da gordura intra-orbitária adjacente. f. Imagens sugestivas de fratura da parede medial do seio maxilar esquerdo (visualização dificultada pela ausência de interface osso-ar). g. Hiperdensidade espontânea da tenda do cerebelo e no 1/3 posterior da foice interhemisférica, não se excluindo mínimo componente hemático agudo atendendo ao contexto clínico. h. Hiperdensidades lineares na convexidade frontal/fronto-basal bilateral, possivelmente refletindo apenas aspeto de natureza artefatual. 8. No dia 10 de novembro de 2020 teve alta para o domicílio. 9. O Autor menor AA regressou ao Serviço de urgência no dia 13 de novembro de 2020, onde ficou internado, para controlo álgico, tendo tido alta no mesmo dia. 10. Passou a ser seguido em consulta externa de cirurgia plástica. 11. Em consequência do descrito acidente, o menor AA ficou com as seguintes sequelas: - Face: no lábio inferior e região infra-labial, presença de área cicatricial de forma irregular, com vestígios de pontos de sutura, nacarada e normotrófica, com 3 por 4 cm de maiores dimensões; palpação da face sem crepitações ósseas ou tumefações evidentes; sem dor à palpação; alinhamento da raiz do nariz, sem aparentes dismorfias desta região; mobilidade da face preservada; sem alterações sensitivas à estimulação tátil, com exceção da região cicatricial do lábio inferior, onde é referida hipoestesia; - Cavidade oral: ausência das peças dentárias 11-13 e 21-23, com cicatrização da região gengival; - Membro superior direito: na face posterior do terço distal do braço, cicatriz ovalada, nacarada e normotrófica, pericentimétrica. 12. Por efeito direto e necessário do acidente, o menor sofreu: - Um Período de Défice Funcional Temporário Total (ITT) de 5 dias; - Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial (ITP) de 368 dias; - Um grau de Quantum Doloris de 4/7. - Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, sujeito a ajuste após correção da perda dentária. - Um dano Estético Permanente de grau 4 /7, também sujeito a ajuste após correção da perda dentária. 13. Após o embate, e por causa dele, o Autor menor sofreu dores físicas intensas. 14. E, durante um período de tempo não concretamente apurado, sentiu enorme dificuldade em alimentar-se e em concentrar-se nos estudos. 15. Ficou com o seu aspeto estético afetado, pois perdeu 6 dentes. 16. Tais dores, dificuldades e afetação do aspeto estético causaram-lhe desgosto. 17. O Autor menor tem necessidade de ser submetido a uma intervenção dentária para aplicação dos seis dentes que perdeu. 18. À data do acidente, o menor AA era um jovem ativo que praticava exercício físico e atividades desportivas e de lazer. 19. Era um jovem saudável, bem disposto, com alegria de viver. 20. Após o acidente e por força dele, o menor AA teve de se submeter a tratamentos invasivos e dolorosos. 21. (eliminado). 22) Nas circunstâncias acima descritas, a condutora do veículo com a matrícula V1 seguia pela direita da faixa de rodagem. 23. E imprimido ao veículo V1 uma velocidade de até 40 Km por hora. 24. A visibilidade em toda a extensão da faixa de rodagem é boa, mas não em relação ao caminho particular que entronca na mesma à esquerda e de onde provinha o velocípede onde seguia o Autor menor. 25. Quando o veículo V1 transpunha o referido entroncamento, surge o Autor AA, menor, à boleia, em cima de um velocípede, conduzido pelo 3.º Réu DD, menor. 26. Este velocípede invadiu a via por onde circulava o veículo V1, cortando-lhe a linha de trânsito. 27. O referido caminho particular tem uma inclinação descendente em direção à Rua 1, possuindo uma rampa de acesso à mesma. 28. Os pais do Réu menor DD sempre o instruíram a tomar todas as cautelas a atravessar a estrada. 29. Fruto da educação que lhe foi prestada pelos seus pais, o DD é um jovem com um comportamento considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive, sendo educado e respeitador. 3.1.2. Factos não provados. 1) O embate entre o velocípede e o veículo descrito nos factos provados ocorreu quando o velocípede entrava na Rua 1. 2. Na sequência do descrito acidente, o menor AA esteve internando durante 8 dias no SU do Hospital de São João. 3. O Autor menor tem necessidade de ser submetido a intervenções de cirurgia estética para correção do lábio e outras para a correção dos ossos do nariz e do septo nasal. 4. Por força das lesões e das limitações decorrentes da sua incapacidade, o Autor menor ficou totalmente privado de levar a sua vida normal, nomeadamente do contacto e convívio com colegas e amigos, e da prática das atividades desportivas e de lazer. 5. É hoje um rapaz triste, deprimido e emocionalmente instável. 6. O Réu DD e o Autor AA abeirarem-se do final da via particular de acesso à Rua 1, em Alfena e certificaram-se que não circulavam viaturas em qualquer um dos sentidos daquela via, tendo olhado para ambos os lados da mesma 7. Quando iniciaram a travessia da estrada, o menor AA circulava a pé e ligeiramente atrás do Réu DD. 8. (eliminado). 9. Após o embate, a viatura V1 imobilizou-se a uma distância de pelo menos 6 metros à frente do local em que embateu nos menores. 10. A condutora, no sentido da via em que seguia, tinha vista desimpedida para a estrada numa distância de 65 metros até ao local do embate, não existindo qualquer obstáculo que lhe impedisse a visão relativamente ao velocípede. 11. O 3.º Réu não contribuiu de qualquer forma para o descrito acidente. 3.2. Fundamentos de direito. 3.2.1. Invalidade do acórdão impugnado. Segundo os recorrentes, verifica-se, no acórdão recorrido, a ausência de fundamentação na apreciação da concorrência de culpa do lesado configura não apenas erro de direito, mas também omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada. Esta alegação resolve-se na arguição da nulidade da decisão recorrida (art.ºs 236.º e 295.º do Código Civil). É verdade que os recorrentes não qualificaram como tal a patologia processual que invocaram. Mas não se julga necessário que o fizessem. Não pode razoavelmente atribuir-se ao legislador o pensamento de impor à arguição de nulidade da decisão uma fórmula sacramental e imprescindível: o que importava e importa é a substância e não a forma. Por outras palavras, o que se torna necessário é que a parte exprima a vontade de reagir contra certa infracção processual, contanto que seja suficiente para manifestar a vontade de protestar contra determinada nulidade, i.e., contra determinada infracção que se cometeu. Portanto, quando se assaca a uma decisão judicial uma falta de fundamentação e uma omissão de pronúncia, outra coisa não se faz que arguir a nulidade substancial ou de conteúdo, por essas causas, dessa mesma decisão (art.º 615.º, n.º 1, b) e d), 1.ª parte, do CPC). Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade. A falta de motivação ou fundamentação da decisão verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.º 615.º, n.º 1, b), do CPC). Segundo a orientação que julga preferível, na fundamentação o juiz ou juízes não devem limitar-se apenas à fundamentação positiva, necessária à sua decisão, antes devem referir-se também, para as rejeitar, às fundamentações que foram propostas pelas partes, excepto se mostrarem necessariamente prejudicadas pela sua. A nulidade da decisão por falta de fundamentação, decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar, segundo a orientação dominante, que apenas a ausência absoluta de qualquer motivação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da fundamentação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade1 (art.ºs 208.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.º, n.º 1, do CPC). O valor jurídico negativo da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia resulta da abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados. O tribunal deve, realmente, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução encontrada para outras (art.ºs 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal deve, pois, examinar toda a matéria de facto e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A nulidade que os recorrentes assacam ao acórdão impugnado resulta também da infracção deste dever (art.º 615.º c), 1.ª parte, ex-vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC). Mas a propósito desta causa de nulidade da decisão há que ter presente o seguinte: não existe omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia uma qualquer questão com o argumento, por exemplo, de que ela não foi invocada ou de que não tem o dever de sobre ela se pronunciar: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão. Efectivamente, uma coisa é o tribunal deixar de se pronunciar sobre uma questão, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. Além disso – como este Supremo Tribunal tem reiterado, firme e consistentemente – há que fazer um distinguo entre questão que deve ser decidida e considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar o seu ponto de vista: desde que decida a questão posta, o tribunal não tem de se ocupar nem está vinculado a apreciar os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão2. Como é comum, quando as partes põem ao tribunal uma dada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos essas razões, argumentos ou fundamentos. Maneira que, para se concluir pela invalidade do acto decisório do tribunal importa verificar qual era o âmbito ou perímetro do dever de decidir; a nulidade substancial de qualquer acto decisório por uma omissão de pronúncia só se verifica se o tribunal, de modo injustificado, se abstiver de resolver uma questão compreendida ou inscrita no âmbito daquele dever. Em face destes enunciados é patente que a imputação pelos recorrentes ao acórdão impugnado do vício da nulidade é, a um tempo, confusa, contraditória e exasperadamente infundada e injusta. Efectivamente, os recorrentes, nitidamente, confundem a falta de fundamentação, que constitui um error in procedendo, que é, caracteristicamente aquele que está base da nulidade da decisão, com o error in iudicando, i.e., com o erro na qualificação, na subsunção ou na estatuição da norma aplicável; a arguição é contraditória, dado que a falta de fundamentação da decisão de uma qualquer questão, pressupõe, logicamente, que essa questão foi objecto de apreciação e decisão, embora sem a exposição dos fundamentos que a justificam. No tocante à questão da culpa do menor lesado, lêem-se no acórdão impugnado os passos seguintes: Aqui chegados, e tendo em conta que, como se analisou no tratamento da segunda questão, a conduta do A. menor, não tendo contribuído para o embate, terá contribuído para a maior gravidade dos danos por si sofridos, resta apreciar das consequências que esta circunstância possa ter na responsabilidade dos 2ºs RR.. Com efeito, dispõe o art. 570º do Código Civil: 1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar. À primeira vista poder-se-ia concluir que a exclusão do dever de indemnizar prevista no nº 2 (para as situações em que não há disposição a prever expressamente a concorrência da culpa presumida com a culpa do lesado, como é o caso do art. 491º do C.C.) se aplicaria não só aos casos em que a culpa do lesado concorre para a produção dos danos, mas também aos casos em que essa culpa concorre para o agravamento dos danos, perante o teor da norma do nº 1. Citando o Ac. da R.C. de 15/02/2022, com o nº de proc. 1059/18.0T8VIS.C1 (in www.dgsi.pt): “Resulta evidente do texto do nº 1 do art 570º que nele se englobam duas realidades diversas: por um lado, a concorrência do facto culposo do lesado para a produção dos danos; por outro, essa concorrência para o agravamento dos danos. A essas duas diferentes realidades faz referência Dario Martins Almeida no seu «Manual de Acidentes de Viação», falando de «concorrência de causas», quanto à concorrência de facto culposo do lesado para a produção dos danos, e de «causalidade sucessiva», quanto à concorrência de facto culposo do lesado para o agravamento dos danos «ou (para) a não remoção deles, quando possível». Explicando: «Na primeira hipótese estamos perante um acidente desencadeado, no seu processo causal, pela convergência de duas condutas culposas – a do lesante e a do lesado» – exemplificando, com o caso do automobilista que transita com velocidade excessiva numa curva encoberta e atropela um peão que na altura segue em plena faixa de rodagem. «Na segunda hipótese, o dano produzido resulta em parte do facto praticado pelo lesante e em parte (o seu agravamento) do facto posto pelo próprio lesado». Importa evidenciar, que, o que é comum às duas situações é o fenómeno da causalidade – a conduta do lesado, seja para a produção dos danos na primeira situação, seja para o seu agravamento na segunda, há-se sempre apresentar-se como causal, e a causalidade relevante é a adequada. A circunstância de se estar num plano de causalidade sucessiva na referida segunda situação, não afasta a necessidade da conduta do lesado se ter de se apresentar como causa adequada do agravamento dos danos. Assim, para que a conduta do lesado seja tida como causa jurídica do agravamento dos danos, tem a mesma de ser tal que nas condições normais da vida, se tenha como idónea (apta, adequada) à produção daquele tipo de consequência danosa.”. Sendo que “a culpa do lesado só é culpa em sentido impróprio – no sentido de que este não usou das cautelas exigíveis ou transgrediu preceitos regulamentares que lhe impunham essas cautelas. È que a actuação culposa do lesado não corresponde a um acto ilícito mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio.” Donde, aplicando ao caso o mesmo critério actualista de interpretação que justificou a evolução jurisprudencial quanto à concorrência entre culpa e risco, nos termos referidos no tratamento da segunda questão enunciada, se nos afigura, por um lado, que o nº 2 do art. 570º do Código Civil “não estabelece uma preclusão absoluta do direito à indemnização baseado em presunção de culpa quando se demonstre culpa efectiva do lesado”, impondo-se “um exercício de ponderação sobre a relevância de cada uma das “culpas” em concurso” (Ac. do S.T.J. de 12/09/2013, com o nº de proc. 308/09.0TBCTB.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt). E, por outro lado, que a exclusão da responsabilidade do lesante (com base em culpa presumida) só ocorre quando se verifique que o evento danoso foi unicamente devido, de forma adequada e determinante, à culpa do lesado, que esta foi a única causa do mesmo (já não quando não for a única causa, nem quando estiver apenas em questão o agravamento dos danos) – como o admitem, embora pronunciando-se sobre situações concretas diferentes, os Acs. da R.P. de 25/11/2024, com o nº de proc. 2316/19.3T8AVR.P1, da R.C. de 13/06/2023, com o nº de proc. 1625/19.6T8CBR.C1, e do S.T.J. de 01/06/2006, com o nº de proc. 06B1012, todos publicados em www.dgsi.pt. No caso, como decorre do que se analisou na segunda questão, o comportamento do A. menor em nada contribuiu para o evento danoso (colisão da bicicleta com o automóvel), apenas contribuiu, juntamente com o comportamento do menor condutor da bicicleta, para o agravamento das lesões por si sofridas. Donde, há apenas que aplicar o disposto no nº 1 do art. 570º do Código Civil. Considerando as circunstâncias do caso, já amplamente analisadas nas questões anteriores, ponderando por um lado que está em causa um lesado menor de idade, à data com 14 anos e 3 meses de idade, com menor percepção do risco, devido às características da adolescência já referidas, em confronto com dois adultos, responsáveis pela ocorrência do evento causador dos danos e do agravamento destes, por violação do dever de vigilância relativamente a um outro menor, de 12 anos e 10 meses de idade, que foi o efectivo causador do embate e que levou o A. na garupa da bicicleta que conduzia, contribuindo activamente para que este assim seguisse, e por outro lado que as lesões sofridas pelo menor descritas no ponto 7 da matéria de facto são em grande parte na cabeça, afigura-se adequado reduzir a indemnização a que haja lugar em 40%, responsabilizando os 2ºs RR. por 60% do valor que se apure ser o dessa indemnização. Dizer, em face destes enunciados, que o acórdão impugnado não fundamentou a decisão sobre a questão da concorrência da culpa do lesado e – contraditoriamente – que não a decidiu é, repete-se, exasperadamente injusto e infundado. A conclusão que se impõe é, assim, a de que o acórdão recorrido não de encontra ferido com desvalor da nulidade, por um vício de limites, que os recorrentes lhe assacam: o acórdão impugnado contém tudo o que devia conter. Este fundamento do recurso é, por estas razões, patentemente improcedente. 3.2.2. Ilisão da presunção de culpa in vigilando e relevância da culpa do lesado. Consabidamente, a generalidade da doutrina – e, correntemente, também a jurisprudência – individualiza como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade3. A ilicitude decorre, de harmonia com as duas cláusulas gerais dispostas na lei, da violação de direitos subjectivos, maxime de direitos subjectivos absolutos, ou de normas de protecção (artº 483.º, n.º 1, do Código Civil). A primeira modalidade de ilicitude compreende a ofensa a qualquer direito subjectivo, proprio sensu, mesmo os relativos – e não meros interesses - apenas se excluindo os chamados danos puramente patrimoniais, i.e., os danos que não decorram da violação de um direito subjetivo; a segunda cláusula de ilicitude – violação de normas de protecção – exige, uma norma de conduta aplicável, destinada a proteger determinados interesses alheios e a adopção, pelo autor do facto, de um comportamento contrário a essa norma de conduta, que atinja, precisamente, os interesses protegidos pela norma violada. Nesta cláusula, compreendem-se todas as normas que tenham em vista proteger determinadas pessoas ou categorias de pessoas de lesões nos seus bens; se, porém, o dano causado atingir direitos subjectivos, maxime direitos absolutos, dá-se a consunção da cláusula normas de protecção. A infracção destas normas não deixa, contudo, de ser relevante, mas como elemento indiciador da violação do cuidado objetivamente devido, o que sucederá – e sucede com frequência – quando as disposições legais de protecção representem tipificações legais de deveres de cuidado. A violação de direitos subjectivos ou de normas de protecção requer uma conduta ilícita e culposa do infractor. Há acordo quanto aos elementos em que se analisa aquela violação, mas não uma concordância quanto ao conteúdo específico de cada um desses elementos, como mostra a controvérsia suscitada pela relação entre a ilicitude e o dolo e a negligência e, portanto, pela caracterização da culpa, dado que a eventual inclusão dos elementos subjectivos na ilicitude implica a deslocação do dolo e da negligência da culpa – onde tradicionalmente são incluídos – para a ilicitude. Para a doutrina tradicional, que pode dizer-se dominante, para que um comportamento seja qualificado como ilícito, basta que ele constitui uma causa adequada de um resultado antijurídico: a ilicitude é qualificada em função do resultado, pelo que a conduta é ilícita quando o seu resultado for contrário ao direito. Todavia, para uma orientação mais moderna, baseada na teoria da acção final – que, por isso, parte da verificação de que toda a acção humana se orienta para atingir conscientemente uma finalidade pré-determinada – a ilicitude da conduta não é extraída exclusivamente do resultado que provoca – mas também de certas características intrínsecas dessa mesma conduta. Para que um comportamento seja ilícito exige-se, assim, não só a violação do dever jurídico – mas também a actuação dolosa ou negligente do agente: a ilicitude da conduta pressupõe um desvalor do resultado e um desvalor da própria conduta. Em consequência, a culpa não pode ser apreciada pela relação psicológica do agente com a sua conduta, porque essa relação é estabelecida pelo dolo e pela negligência – que são elementos da ilicitude – pelo que a apreciação da culpa depende de critérios estritamente normativos ou valorativos, referidos ao juízo de censurabilidade do comportamento do agente. Dito doutro modo: dado que o dolo e a negligência, como elementos da ilicitude da conduta, absorvem a relação psicológica do agente com essa conduta, a culpa fica reservada para uma apreciação normativa sobre a atitude ou motivação interior desse mesmo agente. A culpa decorre, portanto, de um juízo de censurabilidade ou de reprovação do comportamento do agente, de um juízo de desvalor assente na constatação de que esse agente, nas circunstâncias específicas em que actuou poderia ter conformado a sua conduta – dolosa ou negligente e, portanto, ilícita - de modo a assegurar o dever cujo cumprimento, nessas mesmas condições, lhe era exigível. Como é claro, a que a censurabilidade do comportamento do agente é um juízo feito pelo tribunal sobre a sua atitude ou motivação, tal como pode deduzir-se dos factos provados; na formulação desse juízo de reprovação, o tribunal socorre-se, naturalmente, de regras de experiência e critérios sociais. Como quer que seja, seguro é que a imputação delitual, quer dizer, o esquema pela qual é possível assacar a uma pessoa um dano para efeitos de indemnização, reclama uma conduta ilícita e culposa do infractor (artº 483.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Na imputação delitual, seja dolosa ou simplesmente negligente, o ónus da prova dos factos que fundamentam o juízo de censura ético-social do agente – e não do juízo de censurabilidade em si mesmo - onera o lesado; o não cumprimento desse ónus de prova comporta uma vantagem relevante para o lesante, uma vez que impõe ao tribunal que decida contra quem aquele ónus onera (art.ºs 342.º. n.º 1, 346.º, in fine, e 487.º, n.º 1, do Código Civil, e 414.º do CPC). A prova dos factos que fundamentam o juízo de reprovação da conduta do lesado, cabe ao lesante, mas este está dispensado de os invocar visto que incumbe ao tribunal conhecer deles oficiosamente (art.º 572.º do Código Civil). A indagação da culpa do responsável revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Para facilitar o funcionamento da imputação delitual, a lei estabelece presunções, através das quais opera a distribuição do ónus da prova da culpa, i.e., o encargo de demonstrar a sua existência. Existindo uma presunção de culpa, é ao autor do dano ou a quem o deva indemnizar que fica onerado com o encargo de demonstrar que não teve culpa na ocorrência (art.º 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Uma presunção de culpa extraordinariamente relevante, ainda que ilidível, é a que vulnera aquele que, por lei ou negócio jurídico, esteja obrigado a vigiar outra pessoa, em razão da incapacidade natural desta, que responde pelos danos que esta causar a terceiros, salvo se mostrar que cumpriu o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido, ainda que o tivesse cumprido (art.º 491.º do Código Civil). O vinculado à vigilância de outra pessoa pode alijar a sua responsabilidade, desde logo, em dois casos: se provar que nenhuma culpa houve da sua parte; se demonstrar que os danos sempre se produziriam, ainda que não houvesse culpa sua, hipótese em que pode prevalecer-se da relevância negativa de causas virtuais. Esta solução obedece, nitidamente, a este duplo pensamento: estimular a que o vinculado ao dever de vigilância tome as precauções devidas no caso; fazer correr por ele o risco de produção, pelo vigiado, de danos. Em contrapartida, é-lhe conferida a possibilidade de demonstrar o cumprimento dos deveres de cuidado presentes no caso, i.e., de fazer a prova da ausência de culpa sua4, e de se prevalecer da relevância negativa de causas virtuais. Note-se, porém, que para afastar a responsabilidade, não é suficiente demonstrar uma justa causa de incumprimento do dever de vigilância ou, mesmo a desculpabilidade da sua violação: apenas o cumprimento daquele dever é, em si, relevante. Para além disso, mas não menos importante, considerada a adequação da vigilância à prevenção de actos lesivos pelo naturalmente incapaz, a presunção de incumprimento do dever de vigilância, implica – como este Tribunal Supremo já teve o ocasião de salientar – a presunção de causalidade, pelo que é ao obrigado à vigilância que cumpre fazer a prova da ausência desse nexo de imputação objectiva (art.º 563.º do Código Civil)5. A responsabilidade do vinculado à vigilância de outrem naturalmente incapaz é, assim, ainda uma responsabilidade subjectiva e não uma responsabilidade objectiva, pelo que o sujeito da obrigação de indemnização dos danos sofridos pelo terceiro, causados pelo incapaz, não responde por facto de outrem – mas por facto próprio: a omissão, censurável, do dever de vigilância concretamente presente no caso. Esta responsabilidade só opera quando o dano é causado pelo incapaz a terceiro e não quando o dano é causado à pessoa a vigiar ou aos seus bens. Nesta hipótese, o lesado terá que provar a culpa da pessoa obrigada à vigilância, não beneficiando da presunção de culpa – e de causalidade - disposta apenas para proteger terceiros. A presunção de culpa assenta, claramente, por um lado, numa hierarquização de interesses e, por outro, em razões de probabilidade e de justiça. Dada a dificuldade do lesado em provar a culpa do obrigado à vigilância, quer-se proteger o interesse daquele, que se considerou merecedor de uma tutela superior ao do interesse do autor material do acto ilícito lesivo e da pessoa vinculado ao dever de o vigiar. De outro aspecto, aceita-se, por aplicação de uma regra de experiência, que o dano causado por pessoa incapaz necessitada de vigilância se deve, em regra, ao não cumprimento, ou ao cumprimento defeituoso, por parte do obrigado ao dever de vigilância, deste mesmo dever e que é socialmente necessário, para proteger o interesse do lesado, da irresponsabilidade ou da insolvabilidade do naturalmente incapaz, fazer responder, pelo facto ilícito deste, outro sujeito: o vinculado ao dever de o vigiar. Verifica-se, assim, uma transposição de responsabilidade, dado que o incapaz não é responsável, ou não é, em termos práticos, responsabilizável, por não ter património, pelo que se passa à responsabilidade do vinculado à sua vigilância. Trata-se de uma socialização do risco, tanto mais que há seguros especializados de responsabilidade civil6. E quanto à diligência com que vinculado ao dever de vigiar outra pessoa naturalmente incapaz deve actuar no cumprimento da obrigação de vigilância, vale a regra geral: o obrigado a esta obrigação de supervisão deve usar a diligência de um bom pai de família, conforme as circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil). Entre essas circunstâncias do caso, contam-se, seguramente, entre muitas outras, a idade e o grau de incapacidade natural da pessoa que deve ser vigiada, a natureza do acto praticado pelo incapaz, gerador do dano, o fundamento, legal ou contratual, do dever de vigiar, a qualidade e o grau de organização do vigilante, visto que se se tratar de um empresário ou de um vigilante profissional, o grau de diligência exigível, será, naturalmente, superior. Na concretização do grau de cuidado exigível deve, por isso, recorrer-se aos costumes profissionais comuns ao profissional prudente, ao profissional-padrão, ao empresário criterioso e ordenado e, ainda, na sua falta, ou quando o vinculado ao dever de vigiar não seja profissional, sempre à diligência objectivamente imposta pelo concreto comportamento socialmente adequado – o recurso directo à figura-padrão do vigilante cabida ao caso. O critério geral de diligência deverá, pois, aplicar-se de acordo com as especificidades ou singularidades do caso concreto. A concretização das normas de cuidado objectivo no tocante a uma prestação de vigilância é tanto mais difícil quanto faltem por completo disposições escritas, jurídicas ou não, reguladoras da respectiva actividade. Torna-se, assim, indispensável, no caso de o vinculado ao dever de vigilância ser um profissional, o apelo aos costumes profissionais comuns ao profissional prudente, ao profissional-padrão e, ainda, na sua falta, ou quando aquele vinculado não seja um profissional, impõe-se o recurso directo ao cuidado objectivamente imposto pelo concreto comportamento socialmente adequado, o recurso directo aquilo que se pode designar como figura-padrão, no caso, como vigilante-padrão. Portanto, aquilo que aqui serve de critério é a não correspondência do comportamento àquele que, em idêntica situação, teria uma pessoa fiel aos valores protegidos, um vigilante, prudente, ordenado e consciencioso; o que conduz directamente a que este modelo seja diferenciado de acordo com o círculo de actividade em causa o que, por seu lado, terá de ser posto em conexão com o concreto comportamento levado a cabo e o valor e aceitabilidade sociais do comportamento. Ao referir-se à incapacidade natural - que veicula a inaptidão de alguém se conduzir com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir perigos, programando os seus comportamentos de modo a precaver lesões em si próprio e na pessoa de terceiros7 - a lei engloba, evidentemente, a menoridade, causa natural de incapacidade por definição, o que convoca, necessariamente, o poder-dever ou o poder funcional dos pais de vigilância do filho, integrante da função ou do cuidado parental (art.ºs 122.º, 123.º, 124.º e 1878.º, n.º 1, do Código Civil). Porém, os pais não estão obrigados a vigiar o filho por este ser menor – mas por não ter capacidade natural para certos actos susceptíveis de causar danos a terceiros, do que decorre que a obrigação de vigilância pode assumir – e assume muitas vezes – na sua intensidade, em concreto, matizes ou conteúdos diferenciadas, considerando, v.g., a idade, o grau de desenvolvimento bio-psiquíco e a personalidade do menor, as circunstâncias específicas do caso e a natureza do acto ou da actividade lesiva. Tudo passa, portanto, por saber se, em concreto, existe o dever de vigilância e qual o seu âmbito, o que redunda numa indagação imputacional8. Na determinação do âmbito do dever de vigilância dos pais relativamente ao filho, que decorre das responsabilidades parentais, importa, realmente, ponderar os princípios do respeito pela autonomia do menor na organização da sua própria vida, pelas suas aptidões e inclinações e pela sua opinião em questões de particular importância, susceptíveis de atenuar a responsabilidade dos pais, através da diminuição da intensidade da prova adequada para a ilisão da presunção de culpa – e de causalidade – que os vulnera (art.ºs 1878.º, n.º 2, 1885.º, n.º 2, e 1901.º, n.º 2, do Código Civil). Conclusão que, de harmonia com regras de experiência de critérios sociais, se impõe no tocante aos chamados grandes adolescentes, i.e., aos menores com idade muito próxima da maioridade, atenta a impossibilidade evidente de os pais exercerem um controlo contínuo, ininterrupto, sobre todos os passos e actividades dos filhos adolescentes, considerado o adiantamento do seu estádio de desenvolvimento bio-psiquíco, e o espaço de autonomia que, segundo as concepções sociais dominantes e a nova compreensão das responsabilidades parentais, lhes asseguram um espaço crescente de auto-determinação na condução da sua vida. Na realidade, o processo de crescimento, de amadurecimento e de socialização – entendida com o processo de aquisição de atitudes e habilidades que são indispensáveis para o desempenho de um determinado papel social - não é, comprovadamente, igual em todas as crianças ou jovens. A aprendizagem e a adaptação à vida social e às normas que a regulam, o momento e o modo de alcançar a capacidade natural de auto-determinação não são uniformes, mesmo em contextos sócio-económicos e culturais, envolventes do crescimento, similares. Esta constatação justifica que os pais não devam responder pelos factos danoso praticados pelos filhos menores, salvo na estrita medida em que estes devam considerar-se feridos de incapacidade natural, pelo que pais deve abrir-se, além dos dois casos apontados de ilisão da presunção de culpa sua, a possibilidade de exclusão da sua responsabilidade, através do afastamento da presunção da incapacidade natural da criança ou do jovem, assente na simples circunstância da sua menoridade, no momento da prática do facto lesivo9. Na avaliação do cumprimento, pelos pais, do dever de vigiar o filho menor e da sua responsabilidade por actos ilícitos causadores de danos a terceiros, é frequente a invocação, a favor do lesado, dos deveres daqueles de educação do filho, compreendido nas responsabilidades parentais, a que os pais estão adstritos. Sendo certo que a ilisão da presunção de culpa apenas exige apenas a demonstração, pelos pais, do cumprimento do dever de vigilância não o é menos que na vigilância se encontra compreendida a educação, pelo que basta ao lesado provar a existência do dever de vigilância sem ter de demonstrar a culpa dos pais no defeito do processo educativo – culpa in educando - que tenha causado o dano. O exercício pelos pais da vigilância do filho começa antes da prática do facto ilícito danoso, pelo que é nesse momento, que a educação do incapaz, a par dos simples conselhos e recomendações adequadas a evitar a comissão de um concreto dano e da vigilância stricto sensu, que a educação do menor, como processo dinâmico de construção da sua personalidade e do seu carácter, é chamada a desempenhar um papel fulcral. Julga-se, assim, correcto ligar a vigilância à educação10, desde logo para tornar menos rigorosa, no caso de uma boa educação, o grau ou a intensidade da vigilância stricto sensu, que é exigível aos pais e, no caso de uma má educação, como elemento revelador de um cumprimento deficiente, pelos pais, do dever de vigilância a que estão vinculados. Noutro plano, crê-se que, na avaliação da qualidade de educação ministrada pelos pais ao filho menor e adquirida por este, há que entrar em linha de conta com o concreto acto ilícito danoso praticado pelo filho e, portanto, se, em concreto, o menor foi educado e instruído de modo adequado no tocante, por exemplo, relativamente à actividade na prossecução ou no contexto do qual foi praticado, pelo menor, o facto lesivo. No tocante à ilisão da presunção de culpa que vulnera os pais, importante é, sempre, evitar posições extremas: se se não deve dificultar excessivamente a ilisão daquela presunção de culpa, dada a especificidade da pessoa que deve ser vigiada e a impossibilidade – e a indesejabilidade, no caso do jovem – de uma supervisão ininterrupta, e o fundamento e variabilidade do grau da sua incapacidade natural, também se não deve esquecer a posição do lesado, em favor do qual a presunção se mostra disposta, que o protege contra a irresponsabilidade ou a insolvabilidade do incapaz e que a transição da responsabilidade deste para o vinculado à obrigação de vigilância obedece, como se salientou, a uma finalidade de socialização do risco. Nos termos gerais, uma coisa é a constatação da violação objectiva de um dever de cuidado outra bem diferente a imputação objectiva do dano à violação desse dever11. Para que o lesante se constitua no dever de reparar o dano, não é suficiente comprovação do elemento caracterizador do ilícito negligente, que o especializa e que lhe confere autonomia - a violação do cuidado objectivamente devido no caso concreto: é ainda necessário que aquele resultado possa imputar-se objectivamente à conduta. De harmonia com o princípio que a responsabilidade civil só intervém relativamente a comportamentos humanos e se exige, para a constituição do dever de indemnizar, um resultado, há sempre que verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser atribuído – imputado - à conduta. É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade. Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado, mas não indiscutível, é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação, que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado (art.º 563.º do Código Civil)12. A finalidade evidente da teoria da causalidade adequada é a de limitar a imputação do resultado às condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado. Há, porém, domínios em que as soluções que resultam da aplicação da teoria da causa adequada não são inteiramente satisfatórias, o que ocorre, sobretudo, em actividades que, comportando, em si mesmas, riscos consideráveis são, todavia, legalmente permitidas, como sucede, v.g., com a circulação terrestre de veículos. A teoria da adequação depara-se, pois, com várias dificuldades. Uma delas resulta do facto de o critério de adequação dever ser geral e abstracto, enquanto, depois de o resultado verificado, dificilmente se poder negar a sua previsibilidade e normalidade. O que conduz à conclusão de que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo ex ante e não ex post, portanto segundo um juízo de prognose póstuma: com este oximoro quer-se significar que o juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos – o id quod plerumque accidit – a acção praticada teria como consequência a produção do evento. Caso conclua que a produção do evento era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação objectiva não deverá ter lugar. Em face das dificuldades do critério da adequação não são de estranhar as propostas da sua correcção, por recurso, por exemplo, aos conceitos de risco permitido, do fim de protecção da norma, das esferas de risco e de causalidade fundamentadora – respeitante ao nexo dentre a conduta do responsável e o resultado que a norma exige que se verifique para se considerar violada – contraposta à causalidade preenchedora – referida ao nexo que se estabelece entre o evento que obriga à reparação e os danos13. A adequação deve, naturalmente, referir-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena de um alargamento excessivo da imputação. É neste contexto que se situam os problemas da intervenção de terceiros ou da interrupção do nexo de causalidade, que têm em vista aqueles casos em que o resultado se verifica em consequência de uma co-actuação do lesado ou de terceiro. O critério da causalidade resolve o problema por recurso ao concurso real de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, considerando qualquer dos lesantes responsável pela reparação de todo o dano14. Esta conclusão impõe-se ao menos nos casos em que a causa operante interrompeu a série causal hipotética e em que a causa operante só provocou o dano porque os termos da causalidade hipotética já decorridos favorecem a sua eficácia causal, de tal modo que o dano, tal como concretamente se verificou, não se teria verificado se não fossem esses termos. Quando isso suceda, estamos perante um caso de concorrência efectiva de causas – e não de um caso de causalidade hipotética e, portanto, não se coloca o problema da relevância negativa da causa hipotética. A obrigação de indemnização tem por escopo fundamental a remoção do dano imputado e, portanto, a medida da indemnização é, por regra, simplesmente a do dano efectivamente imputado ao lesante (art.º 562.º do Código Civil). Questões como o nexo de causalidade transcendem, por isso, a problemática da determinação da indemnização. Todavia, o Código Civil actual rompeu com o princípio da não influência da culpa sobre o quantum respondeatur, permitindo ao juiz, nos casos em que a imputação delitual opere por ilícito negligente, fixar a indemnização, equitativamente, em montante inferior ao dano, desde que o justifiquem não só o grau de culpa do lesante, como também a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.º 494.º do Código Civil). E o concurso de riscos - ou, se se preferir, a contribuição causal, v.g. do lesado, para a verificação do dano - é certamente, uma das demais circunstâncias do caso a ponderar pelo tribunal. Todavia, a fixação da indemnização em valor inferior ao do dano justifica-se sempre que os danos sejam provocados por terceiro – e na medida em que o sejam – ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente. Verdadeiramente, não há aqui uma limitação da indemnização – mas apenas uma delimitação dos danos que ao lesante devem ser imputados, pelo que a redução prescinde da comprovação, relativamente a esse terceiro, dos pressupostos da imputação delitual. Também se aponta como factor limitativo da indemnização o concurso com a eventual culpa do lesado: quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal pode, no caso concreto, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída (art.º 570.º, n.º 1, do Código Civil). A boa interpretação da lei exige dois esclarecimentos: em primeiro lugar, a expressão culpa deve ser muito amplamente entendida, de modo que a indemnização seja reduzida ou excluída sempre que os danos sejam provocados pelo lesado e na medida em que o sejam, ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente; em segundo lugar, também não há aqui uma limitação da indemnização, mas apenas um recorte dos danos que ao lesante devem ser imputados. Realmente, o entendimento da culpa do lesado implica, por um lado, uma compreensão adequada da causalidade e, de outro, um entendimento apropriado da culpa, que exige a emancipação de um conceito de culpa verdadeiro e próprio. A culpa do lesado que se pressupõe, não se cifra ou resolve num juízo de censura ético-jurídica semelhante ao que a expressão necessariamente convoca quando é aplicada à conduta do lesante, pelo que não se pode falar aqui de culpa em sentido próprio. A culpa do lesado é, assim, uma culpa impropria, não técnica, dado que não assenta numa ilicitude, já que o lesado, na ausência de um dever geral de autoprotecção age, apenas, dolosa ou negligentemente, contra os seus interesses pessoais, suportando os efeitos da sua liberdade pessoal ao pretender responsabilizar o lesante/devedor culpados. Exige-se, porém, que as condutas do lesante e do lesado sejam causalmente concorrentes para o evento lesivo ou, ao menos, para o agravamento dos danos consequentes. A lei declara que, no caso de a responsabilidade do lesante, ou do obrigado ao dever de indemnizar, se fundar numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição contrária, excluiu o dever de indemnizar (art.º 970.º, n.º 2, do Código Civil). Note-se, porém, que a culpa do lesado só afasta a responsabilidade fundada em presunção de culpa, quando o lesado for totalmente responsável pelo facto lesivo; se ele apenas concorreu, em parte, para a sua verificação, e o lesante/devedor da indemnização não tiver conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre recaía, então também ele deverá ser-corresponsabilizado. Numa palavra: só a culpa exclusiva do lesado é adequada a afastar a culpa presumida do lesante, pelo que o presumido culpado deve provar que o dano foi exclusiva e adequadamente devido à culpa do primeiro Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução da questão concreta controversa que constitui objecto da revista – e a julgá-la improcedente. 3.2.2. Concretização. É incontroversa a, aliás, extrema, ilicitude do acto de condução pelo recorrente menor, que à data dos factos contava 12 anos e 10 meses de idade, do velocípede, do qual resultaram os danos reconhecidamente graves suportados pelo recorrido, dado que, como concludentemente resulta dos factos adquiridos para o processo, violou, de modo deveras grosseiro, diversas normas de comportamento, contidas no Código da Estrada, violação que constitui um indício claro e irrecusável de uma contrariedade ao cuidado objectivamente devido (art.ºs 3.º, n.º 2, 11.º.n.º 2, 29.º, n.º 1, 31.º, n.º 1, alínea a), 35,º, n.º 1 e 91.º, n.º 2)15. Dada a idade do menor lesante - que o situa na pré-adolescência, i.e., na transição da infância para a adolescência - os recorrente seus pais, por força da incapacidade natural daquele, estavam vinculados ao dever de o vigiar, presumindo-se, nos termos indicados, o não cumprimento daquele dever, presunção que, caso não seja ilidida, através da prova do cumprimento da obrigação de vigilância, constitui fundamento suficiente para lhes imputar uma culpa e a responsabilidade pelos danos que o filho causou ao recorrido (art.º 491.º do Código Civil). O acórdão recorrido foi concludente e peremptório na afirmação de que os recorrentes não afastaram ou não ilidiram àquela presunção; diferentemente, os impugnantes sustentam, longa e veementemente, que cumpriram o dever de vigiar o filho que os vincula e, consequentemente, que procederam à ilisão da presunção de culpa que os vulnera. A conclusão pelo cumprimento daquele dever de vigilância e a ilisão consequente daquela presunção impõe-se, no ver dos recorrentes, em face dos factos julgados provados com os n.ºs 28 e 29, sendo certo que, ao contrário do que aqueles alegam na conclusão oitava, entre os factos adquiridos para o processo se não conta a transmissão – ao menor - de regras de segurança (designadamente no trânsito e uso da bicicleta). Decididamente, a razão está do lado do acórdão impugnado. Dos factos, considerados provados, com os n.ºs 28 e 29, resulta, tão somente, que os recorrentes maiores sempre instruíram o menor lesante, seu filho, a atravessar a estrada e que este é um jovem educado e respeitador, sendo irrelevante, como observou, com razão, o acórdão recorrido, que seja considerado exemplar, responsável e querido por todos aqueles com quem convive, dado que o que está em causa, não é imagem que o menor projecta nas pessoas que o rodeiam, a forma com os outros o vêm – mas a sua personalidade e o seu grau de incapacidade natural. Sucede, porém, que o facto danoso se produziu em consequência da condução pelo menor lesante, de modo extremamente descuidado, de um velocípede - bicicleta - na qual transportava, na garoupa, o menor lesado - veículo caracterizado, por não ter carroçaria, pela elevada vulnerabilidade dos utentes e pela sua reduzida estabilidade, e, portanto, pela sua especial aptidão, para expor aqueles utentes, em caso de acidente, a ferimentos graves. Como, com inteira correcção, o acórdão recorrido fez notar, o que o que relevava no caso era saber em que contexto o menor teve acesso à bicicleta (era sua ou de familiares?; era de outro colega e ele quis conduzi-la?; tinha autorização para a utilizar na estrada ou apenas em vias não destinadas ao trânsito automóvel?), se lhe foram dadas instruções sobre a forma de utilizar com cuidado um tal veículo (os pais deram-lhe a bicicleta?, fizeram-no para ser utilizada em locais sem trânsito? deram-lhe instruções sobre regras de circulação na bicicleta?, estava autorizado andar sem a companhia de um adulto?), se o ensinaram que não poderia transportar passageiros na bicicleta e o alertaram para os perigos que dessa conduta poderiam advir, se o sensibilizaram para as consequências da utilização indevida e descuidada da bicicleta, se lhe inculcaram noções sobre a circulação estradal, com trânsito de outros veículos … Estando o menor numa idade de transição entre a infância e a adolescência, reconhecidamente marcado por mudanças físicas e psicológicas relevantes, por irreverência de comportamentos, busca de identidade e de autonomia relativamente aos adultos, necessidade de aceitação pelos pares e pouca consciência do perigo, com apetência por comportamentos de risco, afigura-se não ser suficiente que os pais lhe transmitissem instruções sobre como atravessar a estrada (trata-se aqui de circular a pé), tendo o mesmo acesso a uma bicicleta (sem que os pais alegassem e demonstrassem que a bicicleta não era do menor e que este a ela acedeu sem o seu conhecimento e autorização), posto que andar a pé e atravessar a estrada é uma conduta que nada tem que ver com circular em bicicleta pela estrada (desde logo aquela conduta por regra trará maior perigo para o próprio menor do que para terceiros, enquanto esta conduta, podendo trazer perigo para o próprio, será potenciadora também de perigo para terceiros, por exemplo, peões que podem ser atropelados pela bicicleta). Concluindo, perante o acto concreto causador de danos, os 2ºs RR., pais do menor, poderiam ter tomado outras precauções que não as referidas no ponto 28 da matéria de facto, destinadas a impedir a condução da bicicleta pelo filho da forma descuidada e desconforme às regras como o fez, bem como o transporte de outras pessoas na mesma, e não alegaram nem provaram tê-lo feito, como deveriam para habilitar o tribunal a apreciar se tais precauções eram ou não adequadas e suficientes ao cumprimento do dever de vigilância (…). E é justamente para se subtraírem à correcção desta argumentação que os recorrentes invocaram, na revista, a transmissão – ao menor - de regras de segurança (designadamente no trânsito e uso da bicicleta), facto que, por não se mostrar adquirido para o processo é, de todo, inatendível. Feitas todas as contas, a conclusão a tirar é a de que, realmente, os recorrentes não procederam – desde logo por ausência de uma alegação concludente, adequada, dos factos correspondentes – à ilisão da presunção de incumprimento – de culpa – do dever de vigiar o filho a que, por força menoridade deste e da consequente incapacidade natural, estão indubitavelmente adstritos, o mesmo sucedendo, de resto, com a presunção de causalidade que aquela presunção traz implicada. Por este lado, a revista não dispõe de bom fundamento. Mas o mesmo sucede no tocante às questões da exclusão do dever de indemnizar e à redução do seu quantum, resultante da culpa do menor lesado. Em primeiro lugar, tem-se por certo que o evento danoso é exclusivamente imputável ao menor lesante, conclusão que é harmónica com o critério da imputação objetiva, dado que foi o perigo típico ou potenciado pela sua conduta, que se concretizou, ou seja, o perigo, que veio a concretizar-se no dano, foi o criado pelo recorrente menor com o acto, grosseiramente negligente, de condução do velocípede. Dito doutro modo: o facto de o menor lesado ser transportado na garoupa do velocípede não é causa adequada da colisão ou do acidente e, portanto, do dano, pelo que não é correcto falar-se, assim, de uma situação de concorrência de causas do dano: o modo como o menor lesado se fazia transportar apenas é significante, como parâmetro de aferição da relevância da culpa do lesado, enquanto etiologia do agravamento desse mesmo dano, causado pelo acidente16. E não sendo a conduta do menor causa do evento lesivo, mas apenas de exasperação do dano indemnizável, não há fundamento para excluir a indemnização pela circunstância de a responsabilidade dos pais do menor lesante assentar numa culpa meramente presumida. Realmente, tem-se por indiscutível que o menor lesado contribuiu, com o seu comportamento – viajar na garoupa de um velocípede, violador de uma norma de comportamento contida no Código da Estrada e, portanto, patentemente contrária ao cuidado objectivamente devido - para o aumento da gravidade dos danos reparáveis e compensáveis e, consequentemente, que esse agravamento lhe é também objectivamente imputável: a conduta do menor lesado está, na verdade, bem longe de ter sido diligente ou cuidada, sendo evidente a sua auto-colocação em perigo. O menor que segue na garoupa de um velocípede, adequado apenas para um utente – o condutor - conduzido por outro menor de 12 anos de idade infringe, irrecusavelmente, a norma jurídica de comportamento contida no art.º 91.º n.º 2,, do Código da Estrada, violação que permite imputar-lhe a inobservância do dever de diligência ou do dever objectivo de cuidado indiscutivelmente presente no caso, que o vinculava e, objectivamente, o aumento da gravidade do dano. Nestas condições, há que concluir, por um lado, que não há fundamento para excluir a indemnização devida ao menor lesado, mas por outro que, por força da sua culpa, determinante do incremento da severidade do dano, se justifica, inteiramente, proceder à redução do seu valor. Tendo em consideração a dinâmica do evento danoso, que permite hierarquizar, em desfavor do menor lesante, os deveres de cuidado violados, as culpas negligentes daquele e do menor lesado, e a contribuição objectiva, de um e de outro, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados, para a produção e agravamento, respectivamente, dos danos, julga-se adequada – e, portanto, correcta – a ablação, do valor da indemnização, encontrada pelo acórdão impugnado: 40%. Por este lado, é também clara a falta de bondade do recurso. Cumpre desampará-lo. Do percurso argumentativo percorrido extraem-se, pela sua saliência, as proposições conclusivas seguintes: - Aquele que, por lei ou negócio jurídico, esteja obrigado a vigiar outra pessoa, em razão da incapacidade natural desta, responde pelos danos que esta causar a terceiros, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou se demonstrar que os danos sempre se produziriam, ainda que não houvesse culpa sua, caso em que pode prevalecer-se da relevância negativa de causas virtuais; - Para que a responsabilidade do vinculado ao dever de vigilância seja afastada não é suficiente demonstrar uma justa causa de incumprimento daquele de dever ou, mesmo a desculpabilidade da sua violação, apena relevando a prova do seu cumprimento; - Os pais, por virtude das responsabilidades parentais a que estão vinculados relativamente à pessoa do filho não estão obrigados a vigiar o filho por este ser menor – mas por não ter capacidade natural para certos actos susceptíveis de causar danos a terceiros, incapacidade natural que consiste na sua inaptidão do menor para se conduzir com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir perigos, programando os seus comportamentos de modo a precaver lesões em si próprio e na pessoa de terceiros; - A culpa do lesado, enquanto fundamento de exclusão ou de redução da indemnização, não se resolve num juízo de censura ético-jurídica semelhante ao que a expressão necessariamente convoca quando é aplicada à conduta do lesante, sendo, portanto, uma culpa imprópria, não técnica; - A culpa do lesado só afasta a responsabilidade fundada em presunção de culpa, quando o lesado for totalmente ou exclusivamente responsável pelo facto lesivo. Os recorrentes sucumbem no recurso. Essa sucumbência torna-os objectivamente responsáveis pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, nega-se a revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 2025.10.14 Henrique Antunes (Relator) Nelson Borges Carneiro Jorge Leal ____________________________
1. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Acs. do STJ de 10.05.2021 (3701/18) e de 08.10.2020 (5243/18). 2. Por último – e por todos – o Ac. do STJ de 08.02.2024 (995/20). 3. Por último – reponderando, aliás, o seu pensamento, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 432. 4. Ac. do STJ de 03.11.2020 (1516/15). 5. Ac. do STJ de 03.02.2009 (08A3806); assim também, Henrique Sousa Antunes, anotação ao art.º 491.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP, pág. 314, e Maria Clara Sottomayor, A Responsabilidade civil dos pais pelos factos ilícitos praticados pelos filhos menores, BFDUC, Vol. LXXI, Coimbra 1983, pág. 411. 6. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 2010, Almedina, pág. 378 7. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego. Coimbra Almedina, 2015,, pág. 325. 8. Mafalda Miranda Barbosa, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016 (Processo n.º 108/09.7TBVRM.L1.S1, http://www.dgsi.pt) – Futebol e responsabilidade civil, consentimento do ofendido e assunção do risco, in Ab Instantia, n.º 6, 2016, Revista do Instituto do Conhecimento,, AB, págs. 359-354; Mafalda Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil: um diálogo a propósito da ilicitude e da causalidade entre o sistema português e a tentativa de harmonização do direito delitual ao nível europeu, in Temas de Integração 33, 2015, págs. 219-264. 9. Henrique Sousa Antunes, Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, UCP, pág. 101, e Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Coimbra, 1995, pág. 334. 10. Ac. do STJ de 28.10.2009 (523/2002) 11. A fixação da conexão entre a conduta ou condutas e o evento danoso é uma questão de facto subtraída, portanto, à competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça, embora este, muitas vezes, considere a aplicação do art.º 563.º do Código Civil como questão jurídica, com o argumento, talvez pouco consistente, de que é necessário indagar a causa jurídica de certo evento. Cfr. Antunes Varela RLJ, Ano 122, pág. 120. 12. Cfr., v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5ª ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 743 e ss., Pereira Coelho, o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, BGD, Suplemento nº IX, Coimbra, 1976, pág. 201 e ss. e Miguel Teixeira de Sousa, Da Responsabilidade Civil por Factos Lícitos, Lisboa, 1977, pág. 124 e ss. Menezes Cordeiro - Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, págs.. 338 e 338 – sugeria a integração da causalidade na própria conduta e, consequentemente a sua sujeição ao juízo de ilicitude: nesta perspectiva, a averiguação da causalidade adequada limitar-se-ia à indagação da licitude de certo comportamento face a um concreto dano e à identificação da adequação com a verificação do fim visado pelo agente. 13. Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil, AAFDL, 2022, págs. 280 a 321. 14. Pereira Coelho, O Problema da Relevância da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, págs. 31 a 34 e Ac. do STJ de 13.01.09, www.dgsi.pt. Na jurisprudência nota-se, nos casos de conculpabilidade, o recurso tendencial à doutrina da causa adequada, numa metódica que parte frequentemente do tratamento coincidente das questões da culpa e do nexo causal. Verifica-se, na verdade, uma preocupação maior pelos problemas ilicitude e da culpa, secundarizando o aspecto central e decisivo da adequação entre as condutas e o dano, o que tem, decerto, a ver com a constatação de que uma resposta positiva à questão da culpa facilitará a formulação do juízo causal. Cfr. José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 457 a 459. 15. As normas do Código da Estrada são, tecnicamente, normas de protecção. Ninguém tem um direito abstracto a que outrem cumpra as regras daquele Código. Mas se estas forem violadas e dessa violação resultar um dano, cai-se na segunda modalidade de ilicitude prevista no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil. Em regra, os danos causados por veículos atingem direitos subjectivos, pelo que a hipótese normas de protecção é consumida. Todavia, a ofensa daquelas regras, servirá como elemento indiciador da violação do cuidado objectivo devido. 16. Assim, para o caso de danos sofridos pelo lesado por falta de colocação do cinto de segurança, o Ac. do STJ de 21.02.2013 (2044/06). |