Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1366/14.0TABABF.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
PENA DE PRISÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA.
Doutrina:
-FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227, 231;
-M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, Código Penal , Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 334.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 118.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C);
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 71.º, N.º 2;
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, DL 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS N.OS 21.º, 24.º E 25.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13-04-2005, PROCESSO N.º 05P459;
-DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3059/06;
-DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08P3454, IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08P3454;
-DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 18/06.GAVCT.S;
-DE 15-04-2010, PROCESSO N.º 17/09.0PJAMD.L1.S;
-DE 07-12-2011, PROCESSO N.º 111/10.4PESTB.E1.S1;
-DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1;
-DE 03-07-2014, PROCESSO N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1;
-DE 05-11-2014, PROCESSO N.º 99/14.2YRFLS;
-DE 27-05-2015, PROCESSO N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1;
-DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 35/14.6GAAM;
-DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 3466/11.0TALRA.C1.S3;
-PROCESSO N.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª SECÇÃO, IN SASTJ - SECÇÕES CRIMINAIS, BOLETIM ANUAL – 2016.
Sumário :

I - O que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01 do crime previsto no art. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo. Neste domínio será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento, avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados, a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade.

II - Estaremos perante um comportamento a integrar no tipo fundamental de crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º do DL 15/93, quando estamos perante um vendedor com uma actividade média ou grande escala provocadora de uma danosidade social média ou elevada, sem que, no entanto, se atinja o grau de ilicitude agravada pressuposto no art. 24.º do mesmo diploma.

III - O circunstancialismo apurado apresenta-nos um arguido actuando sozinho, vendendo substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína, directamente a consumidores, em que foram identificados 2 consumidores e 2 transações, envolvendo quantidades diminutas (2,371 g. e 4,094 g. heroína), actuando sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, sem que lhe tivessem sido detectadas quantias monetárias decorrentes dos negócios realizados ou apreendidas quaisquer outras substâncias. Considera-se que a ilicitude da conduta do arguido se revela consideravelmente diminuída, integradora do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93.

IV - A pena cominada no art. 25.º, al. a) do DL 15/93, é de 1 a 5 anos de prisão, pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal a atender é de 10 anos, prevista no art. 118.º, n.º 1, al. b), do CPP e não na al. c) do n.º 1 do art. 118.º do CPP, porque esta reporta-se a crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano mas inferior a 5 anos.

V - Na determinação da medida concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior do crime – cfr art. 71.º, n.º 2 do CP.

VI - São elevadas as necessidades de prevenção geral perante o crime de tráfico de estupefacientes. De sublinhar negativamente o facto de o recorrente já ter sido condenado em penas de prisão pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, encontrando-se em cumprimento de pena de prisão pela prática de 1 desses crimes. Tal circunstância é reveladora de uma indiferença relativamente a condenações anteriores. Considera-se adequada a pena de 3 anos de prisão, não se afigurando, adequado e suficiente às finalidades da punição, a suspensão da execução da pena, tendo presente a situação de reiteração da conduta do arguido relevada pelas condenações já sofridas.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - RELATÓRIO

1. Por acórdão proferido em 5 de Maio de 2017, pelo Tribunal Colectivo da 2.ª Secção da Instância Central de Faro, o arguido AA, nascido a ....-1967, em cumprimento de pena à ordem de outro processo no Estabelecimento Prisional Regional de Silves, foi condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição) Destaques e itálicos como no original.:

«Conclusões:

1. No âmbito dos presentes autos o arguido foi condenado, como autor material pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei 15/93, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Salvo o devido respeito por melhor opinião, face aos factos dados como provados e não provados, o arguido deverá ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei 15/93.
3. Entende o arguido, ora recorrente, com o devido respeito, que, no caso concreto, atendendo aos factos dados como provados e não provados e atendendo aos critérios referidos no artigo 25º do Decreto-Lei 15/93, a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída.
4. Refere o douto Acórdão que: “ Tem sido entendimento pacífico, quer na doutrina (por todos: Dr. Moraes Rocha, in Droga -Regime Jurídico, 1994, pág. 86) quer na jurisprudência (por todos: Ac. do S.T.J., CJ. 1996, tomo III, pág.163), que se está perante uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, em atenção à quantidade da substância, quando se trata de diminuta quantidade de estupefaciente.“.
5. Ora resulta dos factos dados como provados, mais concretamente, no ponto 3. que o
“3 - O arguido vendeu designadamente, no dia 13.09.2016:
- Três muchas a ...;
- Duas muchas a ...;”
6. Conforme se pode verificar pelos autos de apreensão a fls 28 e fls 37 dos autos, nos quais o douto Tribunal se baseou para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, as quantidades apreendidas e referidas nos referidos autos são diminutas, tendo sido apreendida a ... heroína com o peso bruto de 0,68 gramas e a ... heroína com o peso bruto de 0,40 gramas.
7. Nada foi apurado quantos aos meios utilizados, nem grau de organização e logística do arguido.
8. Não foi apurado qual o grau de pureza da heroína apreendida, nada constando nos respectivos relatórios periciais, juntos aos autos a folhas 178 e 189 e referidos no douto Acórdão.
9. A quantidade apreendida aos dois consumidores é mínima, conforme acima referido.
10. Com o devido respeito, da factualidade provada não resulta que o arguido transaccionou pelo menos duas vezes por dia.
11. Os factos concretamente apurados em julgamento foram que o arguido realizou dois actos de venda de estupefacientes, no dia 13 de Setembro de 2006, a dois consumidores diferentes.
12. Por tudo o exposto, entende o arguido, ora recorrente, com todo o respeito, que deverá ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei 15/93.
13. Nos termos da alínea a), do referido artigo 25º, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.
14. Face aos factos dados como provados e tendo em atenção a diminuta quantidade de produto estupefaciente e as circunstâncias supra referidas, entende o arguido, ora recorrente, com o devido respeito por opinião diversa, que a pena de prisão aplicada não deverá exceder os 2 anos de prisão.
15. O prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de tráfico de tráfico de menor gravidade é de 5 anos, conforme o disposto no artigo 118º, nº 1, alínea c) do Código Penal.
16. O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto tiver sido consumado (artigo 119º, nº 1 do CP).
17. Os factos ocorreram no dia 13 de Setembro de 2006.
18.A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido (art. 121º, nº 1, alínea a) do CP).
19. O ora recorrente foi constituído arguido, nos termos do disposto no artigo 57º do CPP no despacho de acusação proferido em 30.01.2011.
20. Nos termos do disposto no artigo 121º, nº 2 do CP, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
21.O prazo de prescrição, correndo sem interrupções ou suspensões, o que sucedeu, seria então em 30.01.2016
22. O arguido foi declarado contumaz em 22.11.2016 e a contumácia cessou em 23.05.2017.
23. O arguido foi notificado da acusação em 27.01.2017.
24. Pelo exposto, salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o arguido, ora recorrente que, sendo imputável ao arguido a prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei 15/93, conforme se requer, deverá o procedimento criminal ser declarado extinto por prescrição, de acordo com o disposto no artigo 118º, nº 1, alínea c) do Código Penal.

Caso V. Exa. assim não entendam,

25. Entende o arguido, ora recorrente, que a pena que lhe foi aplicada, é excessiva e desproporcionada, atendendo especialmente à diminuta quantidade de produto estupefaciente que foi apreendido, conforme acima referido.
26. Somente ficou provado a venda de produto estupefaciente no dia 13 de Setembro de 2006 a dois consumidores.
27. Os factos remontam a Setembro de 2006, há mais de 10 anos.
28. Note-se que das condenações constantes do registo criminal do arguido, a última foi pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes em 09.08.2005, há quase 12 anos e quanto às duas primeiras condenações a prática dos factos já remonta a 1994 e 1996, há mais de 20 anos.
29. Dispõe o artigo 40º, nº 1 do Código Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
30. A pena que lhe foi aplicada de 6 (seis) anos de prisão, atentas as razões supra expostas é, salvo o devido respeito por melhor opinião, excessiva e desproporcionada não contribuindo para a ressocialização do arguido, pelo que deverá ser aplicada ao arguido a pena de 4 anos de prisão.
31. Pelo exposto, salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o arguido AA, que a pena que lhe foi aplicada deverá ser reduzida para o seu limite mínimo de quatro anos de prisão.
32. O douto Acórdão recorrido violou ou aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 21º, nº 1 e 25º alínea a), ambos do Decreto- Lei 15/93 e nos artigos 40º e 71º, 118º a 121º, todos do Código Penal.


Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo o arguido ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do decreto-Lei 15/93, na pena de 2 anos de prisão, requerendo, neste caso, que o procedimento criminal seja declarado extinto por prescrição ou, caso V. Exas. assim não entendam, que seja reduzida a pena que lhe foi aplicada, porquanto considera a mesma excessiva e desproporcionada, atendendo aos factos dados como provados e não provados, devendo ser aplicada ao arguido a pena de quatro anos de prisão.»


3. Respondeu o Ministério Público, concluindo Transcrevem-se igualmente os trechos destacados e em itálico do original.:

«CONCLUSÕES:

1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.

2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.

3- São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

4- O arguido foi condenado por três vezes pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p no artigo 21º, do DL nº15/93, de 22/1, com as actualizações posteriores, tendo ainda sido condenado pela prática do crime de consumo de estupefacientes, como se retira do CRC e se menciona no Douto Acórdão, estando actualmente a cumprir pena de prisão por factos que praticou em 2005.

5- A moldura penal para o crime que o arguido cometeu, é de: “Prisão de 4 a 12 anos”, artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido Diploma.

6- Certo é que a pena de prisão deve ser a “ultima ratio”, e, é isso que a nossa Lei penal no seu art.70º, preconiza. A este propósito refere o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente.

7- Não deverá proceder a argumentação do arguido quando afirma que o Tribunal “ a quo” deveria ter valorado a prova produzida em audiência de julgamento e qualificado a actividade ilícita provada e integrá-la no artigo 25º, do D.L. 15/93, de 22/1.

8- Pois, considerando as quantidades de droga apreendidas e os restantes indícios antes referidos e que se descrevem no Douto Acórdão, não haverá em nosso entendimento, qualquer diminuição considerável da ilicitude, devendo manter-se a qualificação jurídica que consta do Douto Aresto.

9- O prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22/1, cuja pena vai de 4 a 12 anos de prisão, é de 15 anos, nos termos do disposto no artigo 118º, nº1, al. a), do Código Penal, sendo esse o crime pelo qual o recorrente estava acusado e foi condenado em 1ª instância.

10- E tendo em linha de conta a data da prática dos factos: ano de 2006, verifica-se que o procedimento criminal ainda não prescreveu, não procedendo assim a argumentação do recorrente, salvo o respeito devido por diferente opinião.

11- Vem o arguido questionar a medida da pena e diz a tal propósito da medida da pena o Prof. Germano Marques da Silva, [Direito Penal Português, 3, pág. 130], “que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente”.

12- Ou ainda, como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:” II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP.

III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, in www.dgsi.pt, Proc. nº 315/11.2JELSB.E1.S1, 1-7-2015.

13- Analisando o Douto Acórdão retira-se que foram ponderadas todas as circunstâncias que pesavam a favor e contra o arguido e que o Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida da pena aplicada ao arguido todos os critérios referidos nos arts.40º, 50º, 70º e 71º do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21°, nº 1, do D.L. 15/93, em sintonia com a culpa do arguido, e sem ter olvidado a sua ressocialização, devendo manter-se nos precisos termos que constam do Douto Acórdão.


14- Não violou o Douto Acórdão que o arguido impugna, qualquer preceito de Direito Europeu, Constitucional ou criminal, tendo o arguido sido condenado com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas, embora o Douto Acórdão ainda não tenha transitado em julgado e esteja a ser impugnado, tudo em conformidade com as normas legais em vigor.

Deve em suma, manter-se na íntegra o Douto Acórdão recorrido.

Negando provimento ao recurso».


4. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o proficiente parecer que se transcreve:

«1 - Do recurso:

1.1 – Por Acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Portimão - J1, da Comarca de Faro, datado de 05-05-2017 e exarado a fls. 989 e seguintes, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado, em 1.ª Instância, como autor material de um crime de “tráfico de estupefacientes”, da previsão do art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.
1.2 – Inconformado, veio interpor recurso, directo, para o STJ, que limitou, tanto quanto resulta das conclusões da respectiva motivação, ao seguinte:
A – À qualificação jurídica da decisão de facto proferida, que pugna ser de convolar para o crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do art. 25.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, quadro em que pugna pela declaração de extinção do correspondente procedimento criminal, por prescrição, convocando para tanto, entre outros, o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 118.º do Código Penal;
B – Em todo o caso, e não sendo acolhida a pretensão referida em A, à medida concreta da pena aplicada, que defende ser reduzir para o seu correspondente limite mínimo de 4 anos de prisão.
1.3 – O Ministério Público junto da 1.ª Instância respondeu, defendendo a confirmação do decidido e, assim, a improcedência do recurso [fls. 151 e segs.].
1.4 Afigura-se-nos que nenhuma circunstância obsta ao conhecimento do mérito do recurso, correctamente interposto para o STJ uma vez que limitado, como vimos, ao reexame de matéria de direito [art. 432.º, n.º 1/c) do CPP].
1.5 – O recorrente não requereu a audiência [n.º 5 do art. 411.º do CPP], pelo que deve o recurso ser conhecido em conferência [art. 419.º, n.º 3/c), do CPP].

*
2 - Do mérito do recurso:
Emitindo parecer, como nos cumpre, sobre as questões que vêm colocadas, e que se prendem, como vimos, por um lado com a qualificação jurídica do acervo factual fixado (e não impugnado - Posto que, bem entendido, neste caso para o Tribunal da Relação.), e por outro com a medida concreta da respetiva pena, cabe dizer o seguinte:

2.1 – Da imagem global dos factos a enquadrar normativamente:
Revisitando o acervo factual fixado, mostra-se apenas provado que:
(i) Desde pelo menos Setembro de 2006, mas sem a menor concretização do respectivo termo da acção delituosa, o arguido dedicou-se de forma regular à venda de substâncias estupefacientes, designadamente de heroína, actividade que desenvolveu na cidade de Albufeira;
(ii) “Durante o referido período” - [que, repete-se, o tribunal se abstém de situar no tempo], o arguido, pelo menos na sua residência, contactava ou era contactado, diariamente, por indivíduos consumidores de estupefacientes a quem vendia as referidas substâncias, acondicionadas em doses individuais - “muchas” -, a troco de quantias em dinheiro variáveis, mas também não concretizadas, exercício em que, no dia 13-09-2006, vendeu 3 “muchas” a ... e 2 “muchas” a .... O tribunal nem sequer concretizou, neste ponto, nem a natureza nem a quantidade do produto estupefaciente em causa, elementos estes no entanto passíveis de suprimento pela consulta dos autos de apreensão de fls. 28 e 37, bem como dos relatórios periciais de fls. 178 e 189, meios probatórios para os quais remete em sede de motivação da decisão de facto, e dos quais decorre estarem em causa 2,371 gramas e 4,094 gramas de heroína
(iii) O arguido não tinha, ao tempo, qualquer actividade remunerada nem lhe era conhecida qualquer outra fonte de rendimento que não a resultante da actividade ilícita de venda de estupefacientes.

2.2. Da sua qualificação jurídica: tipo base ou privilegiado?
A conduta definida na alínea a) do art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não constitui, como é sabido, um tipo autónomo relativamente ao que se contém no n.º 1 do art. 21.º, nem consubstancia mesmo qualquer modalidade dependente privilegiada desse tipo fundamental uma vez que não lhe adita qualquer elemento típico. Num e noutro caso os elementos do tipo objectivo e subjectivo são precisamente os mesmos.
Por isso, a alínea a) daquele art. 25.º contém a previsão de uma mera moldura penal especial aplicável aos crimes de tráfico de droga menos graves, cuja tipificação se encontra no n.º 1 do art. 21.º do referido DL n.º 15/93, de 23 de Janeiro. O que vale por dizer, pois, que são susceptíveis de subsunção no crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25.º, os factos enquadráveis no art. 21.º, em que seja consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, que se traduzam num menor desvalor da acção: este será essencialmente avaliado pela imagem global do facto, aferida designadamente através da modalidade ou circunstâncias da acção e bem assim da qualidade ou quantidade das substâncias.
Neste quadro, e descendo agora ao caso dos autos, cabe dizer que nos não repugnaria, de todo, a convolação da conduta do arguido para o crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do art. 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Isto porque, para além de o tempo da actividade por ele empreendida não estar, como vimos, minimamente concretizada (só se deu como assente que se iniciou em Setembro de 2006), verifica-se ainda, como também já vimos, que (a)tal actividade acaba por estar confinada a dois episódios de venda de heroína ocorridos no mesmo dia (13-09-2006), nas sobreditas quantidades de 2,371 e 4,094 gramas, (b) não se provaram quaisquer outros elementos concretos sobre a sua exacta extensão e (c) tudo aponta no sentido de se estar perante um mero “vendedor de rua”, sem qualquer ligação ou conexão com actividades de tráfico organizado, trabalhando por exclusiva conta e iniciativa própria. Anotar-se-á de resto que os acervos factuais contidos na decisão nos segmentos em que se alude por um lado ao período de tempo da acção - [que é totalmente indeterminado uma vez que apenas regista o seu início, mas não o seu termo] -, e por outro à distribuição diária - Ou até pelo menos duas vezes por dia, como se disse no texto da decisão recorrida, em sede de motivação de direito, conclusão que, em nosso juízo, o acevo factual fixado não consente, sendo que, como é sabido, se um determinado facto não consta do que está provado não é seguramente a partir de considerações tecidas em sede de motivação que se pode fixar matéria de facto: na motivação é exposto o raciocínio que o tribunal firmou e as provas em que se estribou para chegar a determinadas conclusões, mas seguramente que isso não é matéria de facto que haja de ser dada como provada ou não provada. E, por outro lado, não cabe ao STJ, cingido como está aqui à apreciação do direito, retirar da motivação este ou aquele aspecto factual que lá possa figurar, porventura em detrimento de outros susceptíveis de serem de lá retirados e usados através de uma diversa interpretação da prova. de estupefacientes, mais não configuram do que meras expressões de carácter genérico e indeterminado, insuficientes par, por si só, fundamentar a qualificação jurídica da respectiva conduta, e muito menos a condenação no quadro do crime base do art. 21.º do DL n.º 15/93.
Não obstante o reconhecido grande potencial de danosidade do produto transaccionado para a saúde dos consumidores, estando em causa quantidades relativamente reduzidas, e ponderando sobretudo o facto de se não ter provado, de todo, que o tráfico se desenrolasse com recurso a quaisquer meios sofisticados e/ou organizados que tornassem de difícil detecção a actividade desenvolvida, cujos contornos e exacta extensão também se não provou, terá de concluir-se que estamos perante uma actuação de pequeno tráfico. De resto, e na esteira do decidido, em casos de idênticos contornos, por exemplo nos Acórdãos de 18 de Setembro de 2013, proferido no Processo n.º 902/00.4PAVCD.S1, da 5.ª Secção - Relatado pelo Sr. Conselheiro Manuel Braz., e de 12 de Março de 2014, proferido no Processo n.º 189/12.6GAANS.S1, desta 3.ª Secção - Relatado pelo Sr. Conselheiro Maia Costa., cremos ser de concluir que também no caso, e perante o quadro global da situação – [que é, suma, esta: de um agente actuando sozinho, vendendo droga directamente aos consumidores no sobredito local, que o procuravam, sendo ele próprio consumidor, o que tudo fazia sem recurso a quaisquer meios sofisticados que tornassem de difícil detecção as respectivas condutas e sem nada fazer para “expandir” o negócio para fora daquela área restrita, nem procurando alargar o círculo dos seus clientes] – estaremos, repete-se, perante uma actuação de pequeno tráfico, actuação essa que, colocando moderadamente em perigo os bens jurídicos protegidos, se nos afigura desproporcionado punir dentro da moldura penal do art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, cuja previsão abarca casos de média e grande gravidade, na qual estamos em crer não ser de incluir a conduta do arguido.
Ademais e “ex abundanti”, diga-se que o caso em apreço não difere significativamente daquele que foi objecto de apreciação e decisão no âmbito do Acórdão do STJ, de 13 de Abril de 2005, publicado na CJ (STJ), 2005, Tomo II, pág. 174, onde se decidiu que «integra um crime de tráfico de menor gravidade a actuação isolada de um distribuidor de droga num bairro, vulgarmente conhecido como sendo “dealer de rua”, […] quando a mesma se desenvolve em pequena escala, sem qualquer suporte organizativo ou com uma logística mínima, ainda que a qualidade e quantidade dos produtos estupefacientes que lhe foram apreendidos possa já assumir certa relevância, como sucede com a heroína (26 embalagens num total de 6,492 gr. líquido) e a cocaína (67 embalagens, num total de 20,495 gr. líquido)». Ou, ainda, daquele outro que vem sumariado no CJ (STJ), 2006, Tomo I, pág. 216 (Acórdão de 22-03-06), no sentido de que «a fragmentação por escalas dos crimes de tráfico de estupefacientes, tipificados no DL 15/93, visa responder às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do arguido, distinguindo-se as situações de grande tráfico [21.º e 22.º], do pequeno e médio tráfico [25.º] e do traficante consumidor [26.º]. Na distinção entre o tipo base [21.º] e de menor intensidade [25.º] haverá que proceder-se à avaliação global da complexidade específica de cada caso, designadamente o tipo e o modo como a actividade de tráfico se revela. Nos casos em que o tempo de actividade de tráfico for relativamente escasso (dois meses e meio), a mesma foi desenvolvida sem apoio, isoladamente, sem sofisticação e organização, em que o risco de disseminação é menor, havendo ainda alguma incerteza ou indeterminação sobre as quantidades transaccionadas… será de considerar que essa actuação ilícita se encontra consideravelmente diminuída».

2.3 – Prescrição/Medida da pena:
2.3.1 – Prescrição do procedimento criminal:
No quadro do crime de tráfico de menor gravidade, cuja qualificação jurídica o recorrente defende, pugna este pela prescrição do procedimento criminal. Mas a sua sem razão é manifesta. Dando por válidos todos os pressupostos legais e vicissitudes processuais que invoca, a sua pretensão parte no entanto de um manifesto equívoco: o de convocar ao caso o prazo de 5 anos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art. 118.º do Código Penal - E isto quer na redacção do CP/95, ao tempo vigente, quer na redacção actual., em detrimento do da alínea b) do mesmo preceito.
Ora, diz a sobredita alínea b) que o procedimento criminal se extingue, por efeito da prescrição, «logo que sobre a prática do crime tenham decorrido 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos»; do mesmo passo que diz por seu turno a alínea c) que o procedimento criminal se extingue, por efeito da prescrição, «logo que sobre a prática do crime tenham decorrido 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a cinco anos». O que tanto basta para, sem qualquer esforço acrescido de contra-argumentação, concluir no sentido de que, estando agora em causa um crime punível com pena de prisão até cinco anos, o prazo aqui em causa é o da alínea b), o que vale por dizer que, sendo de 10 anos o prazo normal de prescrição, tal prazo está bem longe de se exaurir tendo em conta as causas de interrupção e suspensão de que fala, e bem, o próprio recorrente.
Claudica pois, neste ponto e em toda a linha, a sua pretensão.

2.3.2 – Medida da pena:
Desde logo o elevado grau de ilicitude da sua conduta, a qualidade da droga que está em causa (“heroína”), e a intensidade do dolo, directo, com que agiu, inviabilizam por si só a mera possibilidade de ponderação – aliás nem sequer sugerida – da, eventual, atenuação especial da pena: é que, manifestamente, nenhuma circunstância capaz de diminuir, por forma acentuada, a culpa do recorrente, a ilicitude da sua conduta ou a necessidade da pena se mostra provada.
Aqui chegados porém, e a serem acolhidas as considerações acima enunciadas a propósito da qualificação jurídica dos factos provados, impor-se-á fixar a pena a aplicar, agora dentro da nova moldura ao caso aplicável: prisão de 1 a 5 anos.
A esta luz, e subscrevendo genericamente os critérios definidos pelo tribunal “a quo”, posto que na moldura do crime do art. 21.º, para a escolha e respectiva medida, afigurara-se-nos adequada uma pena a fixar, dentro limiar médio da respectiva moldura penal abstracta, entre os 2 anos e 6 meses e os 3 anos de prisão - Note-se que não constituiu suficiente motivação para se abster de prosseguir na mesma actividade as quatro condenações anteriores, três das quais em penas de prisão efectiva, todas pela prática do mesmo crime, sendo que três delas por decisões transitadas em julgado antes da prática do crime dos autos. .
Muito embora se trate de questão não colocada pelo recorrente, mas que nem por isso pode deixar de ser de conhecimento oficioso, esta concreta medida da pena consentiria agora, ao contrário do que sucedia com a aplicada na 1.ª Instância, a sua substituição pela de suspensão da execução da prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.

De acordo com este normativo, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. É necessária, pois, a formulação de um juízo de prognose social favorável que permita esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também proteja os bens jurídicos, os fins visados pelas penas (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal).

Ora “in casu”, a culpa do arguido e as circunstâncias concretas da prática dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime - Para além dos considerandos enunciados na nota n.º 9, não pode deixar de relevar o juízo de prognose não positivo que vem evidenciado no relatório social junto a fls. 968 e segs., não permitem formular a seu favor aquele juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que permita concluir que a simples ameaça da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

É certo que a suspensão da execução da pena, visando essencialmente prevenir a reincidência, está primacialmente dirigida para fins de prevenção especial.

Todavia, a socialização em liberdade tem como limite inultrapassável a defesa do ordenamento jurídico. O que vale por dizer, pois, que mesmo que o tribunal conclua por um prognóstico favorável – o que, como vimos, nem sequer foi o caso – a suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (assim, Figueiredo Dias, In “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 343 e segs.).

2.4 – PELO EXPOSTO, e em todo o caso na parcial procedência do recurso, emite-se parecer no sentido de que
2.4.1 – Será de proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos provados, enquadrando-os normativamente no crime de tráfico de menor gravidade, da previsão do sobredito art. 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro; e nesse quadro,
2.4.2 – De negar a pretensão do recorrente no sentido da invocação da prescrição do procedimento criminal;
2.4.3 – E condená-lo, pela prática desse crime, em pena que propomos ser de fixar entre os 2 anos e 6 meses e os 3 anos de prisão, posto que sempre efectiva.»


5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada tendo sido dito.

6. Não tendo sido requerida a realização de audiência, o recurso será decidido em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

O Tribunal Colectivo considerou provados e não provados os seguintes factos:

«1. FACTOS PROVADOS

Discutida a causa resultaram provados, com relevância decisão da mesma, os seguintes factos:

1. Desde pelo menos Setembro de 2006, o arguido, dedicava-se de forma regular à venda de substâncias estupefacientes, designadamente de heroína, actividade que desenvolveu na Cidade de Albufeira;

2. Durante o referido período, o arguido, pelo menos na sua residência, contactava ou era contactado por indivíduos consumidores de estupefacientes a quem vendia as referidas substâncias estupefacientes, devidamente acondicionadas em doses individuais – “muchas” – a troco de quantias em dinheiro variáveis em função da quantidade e qualidade do estupefaciente.

3. O arguido vendeu designadamente, no dia 13.09.2006,

- Três muchas a ...;
- Duas Muchas a ...;

4. O arguido sabia que não podia ter consigo, vender, ceder a qualquer título a terceiros ou transportar produtos estupefacientes mas, não obstante, quis fazê-lo, o que conseguiu, distribuindo diariamente substâncias estupefacientes a diversos consumidores.

5. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo actuado de forma livre, deliberada e consciente.

Mais se apurou:

6. AA é natural de ... onde mantém as suas referências. Sinaliza um processo de desenvolvimento complexo que decorreu inserido num grupo familiar numeroso, em que a dinâmica sociofamiliar reflectiu negativamente os problemas de alcoolismo do progenitor a quem eram imputados maus tratos. Foram mencionados períodos de emigração do progenitor para melhorar as condições económicas do grupo familiar, sem expressão significativa. Tornou ainda mais exigente a tarefas da mãe em orientação a família, resultando numa limitada / ineficaz supervisão parental.
Sem se destacar como aluno e perante o seu reduzido investimento nos estudos, concluiu o 4º ano do 1º ciclo do Ensino Básico já em adulto, apresentando algumas dificuldades de literacia.
Ausentava-se da escola na companhia dos irmãos e amigos habituando-se a formatos relacionais flexíveis e sem disciplina. A intolerância ao cumprimento de regras e alguma impulsividade enquadraram os reduzidos desempenhos laborais inconstantes, sobretudo em restauração e hotelaria. Tal como o pai, chegou emigrar (EUA e Alemanha) no entanto aos 23 anos desenvolvera uso regular de substâncias estupefacientes, condicionando a sua capacidade de trabalho.
A sua dependência aditiva foi interpolada com tentativas de tratamento, tendo entre os irmãos elementos com hábitos idênticos. Veio a ser o motivo de várias intervenções do sistema judicial penal a partir de 1994, por ocorrências em contextos de grupo, com aplicação de medida privativas da liberdade.
Ressalta na esfera pessoal uma relação afectiva de maior duração com BB, co-arguida identificada nos autos, sustentando ambos o consumo de drogas com prática delituosas. Viveram em Albufeira num espaço anexo à casa de habitação dos pais. Entre fases prolongadas de desemprego e tentativas de tratamento para a toxicodependência, a família viria a manifestar saturação e a exigir a sua mudança de casa.
Coincidindo com este período o arguido e a então namorada, teriam sido condenados por factos ocorridos em agosto/2005, Proc. Nº 503/05.0GAABF – do Tribunal de Albufeira -, pela prática de tráfico de estupefaciente e outras actividades ilícitas, ausentaram-se para Espanha enquanto foi interposto recurso no referido processo. Separaram-se há vários anos naquele país, desconhecendo o arguido o paradeiro de BB.
Apresentando algumas imprecisões ao nível temporal no seu auto-relato, Rafael Dores referiu ter permanecido em Espanha entre finais de 2006 até 2013, período em que teve recaídas, fez tratamento para a toxicodependência, trabalhou na construção civil, ficou desempregado e teve apoios do estado espanhol. Fez formações em informática, jardinagem e como caldeireiro sem voltar a ser integrado no mercado de emprego. Regressou a Portugal integrando novamente o grupo familiar de origem, composto agora só pela mãe de 77 anos e reformada.
À data em que iniciou o actual cumprimento de pena de prisão, AA encontrava-se laboralmente activo, na área da restauração hoteleira, a situação económica do grupo não sendo desafogada era minimamente suficiente para as necessidades dos seus elementos. Mantinha acompanhamento psicoterapêutico e medicamentoso na Equipa do Sotavento da ETET, apresentando indicadores de abstinência. Nos tempos livre apreciava praticar algum treino físico, estar com a família e tomar conta do cão que possuía.
A família mantém apoio ao arguido, expressando alguma reactividade face ao período de tempo entretanto decorrido e a sujeição a julgamento, e a sua actual situação penal, tendendo a situar eventuais ilícitos num âmbito de grupo.
AA reconhece que o seu estilo de vida associado à toxicodependência resultou numa desorganização pessoal, reflectindo-se igualmente em ilícitos normativos que tende a relativizar no presente.

7. Antecedentes Criminais:
Por Decisão proferida em 26.01.1999, no âmbito do processo n.º 215/99.2TBABF, do Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em 26.01.1994, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Por decisão proferida em 15.06.1998, no âmbito do processo n.º 26/98.2TBABF, do Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido condenado pela prática em 29.01.1996 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 45 dias de prisão suspensa na sua execução.
Por decisão transitada em julgado em 10.03.2003, no âmbito do processo n.º 110/02.0GAABF do Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido condenado pela prática em 26.02.2002, de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Por decisão transitada em julgado em 09.04.2008, no âmbito do processo n.º 503/05.0GAABF do Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido condenado pela prática em 09.08.2005 por um crime de Tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos e 10 meses de prisão.

*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Que o arguido vendesse igualmente em locais conhecidos pelos consumidores onde habitualmente se vendem tais substâncias.
Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa.»

2. Delimitação do objecto do recurso

2.1. Constitui jurisprudência sedimentada que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do poder cognitivo do Tribunal Superior.

2.2. Questões propostas a reapreciação e decisão

Como expressamente afirma, o arguido não se conforma com a pena que lhe foi aplicada, «pretendendo com o presente recurso que […] seja condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do decreto-Lei 15/93, requerendo neste caso que o procedimento criminal seja declarado extinto por prescrição».
Ou, caso assim se não entenda, «que seja reduzida a pena que lhe foi aplicada, porquanto considera a mesma excessiva e desproporcionada».

3. Enquadramento jurídico-penal

3.1. O crime de tráfico de estupefacientes – artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe Acompanha-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2016 (Proc. n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Boletim anual – 2016, Assessoria Criminal.:

«1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Esta previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».

Consagra-se no citado artigo 21.º, n.º 1, um tipo de crime que, tem sido sistematicamente caracterizado como um crime de perigo comum e abstracto.

Convocando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454) Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à respectiva fonte.:

«A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral
É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal- reconduzidos á saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.»

3.2. O crime de tráfico de menor gravidade – artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

O artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, estabelecendo que:

«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.»

Como justificação, em temos dogmáticos, da existência deste tipo legal, tecem-se importantes considerações no acórdão de 19-11-2008, há pouco citado, retomadas no acórdão de 18-02-2016, proferido no processo n.º 35/14.6GAAM – 3.ª Secção, do mesmo Ex.mo relator (Cons. Santos Cabral), que importa apreender:

«Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.
As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).
Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.
A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º)».

O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».
Como também já se dava nota no acórdão de 20-01-2010 (Proc. n.º 18/06.GAVCT.S1 – 3.ª Secção), constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto.

Como se considera no citado acórdão de 05-11-2014, «a aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo (v. acórdão do STJ de 20-12-2006, proferido no processo n.º 3059/06 – 3ª Secção).

Como este Supremo Tribunal tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão V. acórdão do STJ de 05-11-2014, já citado no texto, que agora se acompanha..
Os critérios de proporcionalidade que devem estar ínsitos na definição das penas constituem também, como justamente se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454), um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Acresce, como se pondera no acórdão do Supremo Tribunal de 13-04-2005 (Proc. n.º 05P459), «a densificação da noção de “ilicitude considerável diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento».
A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) «há-de partir, lê-se no mesmo acórdão, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso em avaliação, não obstante, segundo modelos objectivos e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.
A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro».

Perante as considerações expostas, dir-se-á, em síntese conclusiva, que o que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, do crime previsto no artigo. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo.
Segundo a lei constituem factores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros factores que se revelem no caso concreto que possam diminuir a ilicitude da conduta realizada.

Refira-se também que, perante um tipo legal que apresenta o já referido espaço alargado de indeterminação quanto à caracterização da ilicitude como diminuta, se justifica o recurso à jurisprudência para que, com alguma constância e previsibilidade, se possa determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.
Neste domínio, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, o acórdão do STJ de 07-12-2011, proferido no processo n.º 111/10.4PESTB.E1.S1 – 5.ª Secção), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o «posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina» [acórdão do STJ de 15-04-2010 (proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1 – 3.ª Secção)], a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade (v. acórdão do STJ de 19-11-2008, já citado).

Por seu turno, estaremos perante um comportamento a integrar no tipo fundamental de crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, quando estamos perante um vendedor com uma actividade de média ou grande escala provocadora de uma danosidade social média ou elevada, sem que, no entanto, se atinja o grau de ilicitude agravada pressuposto no artigo 24.º do mesmo diploma.

3.3. No caso presente, de acordo com a factualidade provada, desde pelo menos Setembro de 2006, que o arguido se dedicava de forma regular à venda de substâncias estupefacientes, designadamente de heroína, actividade que desenvolveu na Cidade de Albufeira.
Durante o referido período, o arguido, pelo menos na sua residência, contactava ou era contactado por indivíduos consumidores de estupefacientes a quem vendia as referidas substâncias estupefacientes, devidamente acondicionadas em doses individuais – “muchas” – a troco de quantias em dinheiro variáveis em função da quantidade e qualidade do estupefaciente.
O arguido vendeu designadamente, no dia 13.09.2006,
- Três muchas a ...;
- Duas Muchas a ...;
O arguido sabia que não podia ter consigo, vender, ceder a qualquer título a terceiros ou transportar produtos estupefacientes mas, não obstante, quis fazê-lo, o que conseguiu, distribuindo diariamente substâncias estupefacientes a diversos consumidores.
Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo actuado de forma livre, deliberada e consciente.

O Tribunal Colectivo afastou a subsunção da conduta do arguido ao crime de tráfico de menor gravidade, considerando que:
«São capazes de relevar uma ilicitude consideravelmente diminuída diversos factores, tais como:
- Os “meios utilizados”, os quais revelam do grau de organização e da logística do agente;
- a “qualidade” que deve ser ponderada pelo seu poder aditivo ou viciante, a gravidade das síndromes de privação e abstencial, os riscos de intoxicação aguda, potencialidade criminógena.
- a “quantidade”, que se afere, obviamente pelo peso de produto estupefaciente em causa, ponderado à luz dos critérios sistemáticos, tais como relação peso/quantidade para consumo médio individual durante dez dias.
Ora, face à factualidade provada, da qual resulta que o arguido transaccionou pelo menos duas vezes por dia, temos de concluir que já teve alguma dimensão e repercussão, a sua actividade criminosa, aliado ao facto de o mesmo ter uma elevada potencialidade criminógena que se revela no facto de não lhe ser conhecida qualquer profissão desde há muitos anos, sendo que desde novo apenas trafica estupefacientes, agravado a ilicitude dos factos praticados faz com que não estamos seguramente perante uma situação de diminuição considerável da ilicitude da conduta do arguido, para efeitos do disposto no artº 25º, do D.L. nº 15/93, mas antes perante uma actividade com elevada expressão e não despicienda dimensão. Entendimento diverso é, não querendo ver a realidade, “tapar o sol com a peneira”.»

Na valoração global da factualidade verificada, dada como provada, há que reconhecer o carácter vago e difuso como surge descrita a actividade de venda de substâncias estupefacientes empreendida pelo arguido.

Como dá nota o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, «para além de o tempo da actividade por ele [arguido] empreendida não estar, como vimos, minimamente concretizada (só se deu como assente que se iniciou em Setembro de 2006), verifica-se ainda […] que (a) tal actividade acaba por estar confinada a dois episódios de venda de heroína ocorridos no mesmo dia (13-09-2006), nas […] quantidades de 2,371 e 4,094 gramas, (b) não se provaram quaisquer outros elementos concretos sobre a sua exacta extensão e (c) tudo aponta no sentido de se estar perante um mero “vendedor de rua”, sem qualquer ligação ou conexão com actividades de tráfico organizado, trabalhando por exclusiva conta e iniciativa própria. Anotar-se-á de resto que os acervos factuais contidos na decisão nos segmentos em que se alude por um lado ao período de tempo da acção - [que é totalmente indeterminado uma vez que apenas regista o seu início, mas não o seu termo] -, e por outro à distribuição diária de estupefacientes, mais não configuram do que meras expressões de carácter genérico e indeterminado, insuficientes par, por si só, fundamentar a qualificação jurídica da respectiva conduta, e muito menos a condenação no quadro do crime base do art. 21.º do DL n.º 15/93».

Efectivamente, decorre da factualidade provada que o arguido durante um período de tempo dado como iniciado em Setembro de 2016 e terminado no dia 13 desse mês, o arguido, pelo menos na sus residência, contactava ou era contactado por consumidores de estupefacientes a quem vendia as «referidas substâncias estupefacientes» acondicionadas em doses individuais - «muchas» - a troco de quantias em dinheiro variáveis em função da quantidade e qualidade do estupefaciente. E que, no dia 13 desse mês de Setembro vendeu três muchas a ... e duas muchas a ..., sem que se tenha identificado quer a natureza, quer a quantidade do produto estupefaciente transaccionado, sabendo-se, no entanto, por recurso aos autos de apreensão e relatórios periciais constantes do processo (fls. 28 e 37 e fls. 178 e 189, respectivamente), tratar-se de heroína, nas quantidades de 2,371 gramas e de 4,094 gramas.

Não consta a apreensão de outras quantidades de estupefacientes, nomeadamente na residência do arguido, ou de apetrechos usualmente utilizados na actividade de tráfico ou a ela associados.

O circunstancialismo fáctico apurado apresenta-nos um quadro global de uma situação que pode assim ser definida: um arguido actuando sozinho, vendendo substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína, directamente a consumidores, em que foram identificados dois consumidores e duas transacções, envolvendo quantidades diminutas de produto estupefaciente, actuando sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, sem que lhe tivessem sido detectadas quantias monetárias decorrentes dos negócios realizados ou apreendidas quaisquer outras substâncias.
Depara-se-nos aqui também aquela «matriz de simplicidade» que justifica a conclusão de que a ilicitude da conduta do arguido, se revela não só diminuída, mas consideravelmente diminuída, ou seja, citando o recente acórdão de 30-11-2017, proferido no processo n.º 3466/11.0TALRA.C1.S3, desta 3.ª Secção (inédito), «diminuída de forma apreciável e significativa, e claramente reduzida face ao desvalor das condutas que constituem os elementos descritivos do tipo de crime do artigo 21.º [do Decreto-Lei n.º 15/93], de modo a preencher a cláusula geral do artigo 25.º, que permite subtrair o caso à previsão daquele tipo fundamental por via da consideração de factores da ilicitude de baixa intensidade».

Tendo presentes as considerações expostas, concordando com o entendimento expresso pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, também nós entendemos que, «[n]ão obstante o reconhecido grande potencial de danosidade do produto transaccionado para a saúde dos consumidores, estando em causa quantidades relativamente reduzidas, e ponderando sobretudo o facto de se não ter provado, de todo, que o tráfico se desenrolasse com recurso a quaisquer meios sofisticados e/ou organizados que tornassem de difícil detecção a actividade desenvolvida, cujos contornos e exacta extensão também se não provou, terá de concluir-se que estamos perante uma actuação de pequeno tráfico».

Entende-se, pois, que o arguido praticou o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, procedendo nesta parte o recurso.

4. Prescrição do procedimento criminal

Perante o novo enquadramento jurídico-penal – o crime de tráfico de menor gravidade – invoca o recorrente a prescrição do respectivo procedimento criminal. Alega, para tanto, que a pena a aplicar «não deverá exceder os 2 anos de prisão» e que «o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao tráfico de menor gravidade é de 5 anos, conforme o disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

Sucede que a pena cominada no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93 para o crime de tráfico de menor gravidade, aplicável à situação presente, é de 1 a 5 anos de prisão.
Pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal será o de dez anos, prevista no artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. Nos termos desta disposição, o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime tenham decorrido dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos.

Não é manifestamente aplicável a disposição contida na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 118.º já que se reporta a crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a cinco anos.

Em face do exposto, e perante as vicissitudes processuais e inerentes causas de interrupção e de suspensão que o próprio recorrente indica nas conclusões 19.ª, 20.ª, 22.ª e 23.ª do recurso, o prazo da prescrição do procedimento criminal ainda não decorreu, encontrando-se, aliás, bem distante a verificação do seu termo.

Improcede, assim, nesta parte, o recurso.


5. Medida da pena

A medida da pena é a outra questão colocada pelo recorrente para o caso de não proceder a questão da prescrição do procedimento criminal suscitada.

Considera o recorrente que «a pena que lhe foi aplicada é excessiva e desproporcionada, atendendo especialmente à diminuta quantidade de produto estupefaciente que foi apreendido» por entender que a pena que lhe foi imposta «peca por exagerada». Considera que «deverá ser aplicada ao arguido a pena de 4 anos de prisão».

Apreciemos, pois, a questão da determinação da medida da pena correspondente ao crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, no quadro da qualificação jurídica dos factos agora operada.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de acórdão de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção, convocado no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1- 3.ª Secção):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade».

Tem sido sempre salientado que este tipo de crime – tráfico de estupefacientes – postula elevadas necessidades de prevenção geral. A pena a aplicar deverá corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, cumprindo referir que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo.

Neste conspecto, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991 Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis no sítio Internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/., destaca a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».

Na determinação da medida da pena, fixada em 6 anos de prisão em função da moldura prevista para o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 (pena de prisão de 4 a 12 anos), o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, referenciando a intensidade do dolo com que actuou o arguido-recorrente – dolo directo – e o elevado grau de ilicitude, referindo-se aí também que o arguido «[p]raticou os factos em apreciação depois de ter sido condenado já por três vezes pela prática do mesmo crime. Pelo menos, desde há 18 anos que o arguido vai praticando sempre o mesmo crime, pelo que seguramente não interiorizou nenhuma das condenações anteriores, sendo que não foram suficientes para o afastar da prática de novos e idênticos crimes.

Fazem-se, assim, sentir elevadíssimas exigências de prevenção especial positiva.

Não olvidemos igualmente que o arguido nem sequer justificou a sua conduta ou se mostrou arrependido.

Refira-se que o tempo que medeia entre a pratica dos factos e o presente Acórdão - cerca de 9 anos – é da exclusiva responsabilidade do arguido, pois que se colocou em parte incerta para não cumprir uma das penas em que tinha sido condenado e para não ser julgado por este crime o que não pode resultar em benefício para o mesmo».

Como já se referiu, são elevadas as necessidades de prevenção geral perante o crime de tráfico de estupefacientes. A actuação por que o recorrente foi condenado – tráfico de estupefacientes – tem consequências pessoais, familiares e comunitárias muito negativas.

Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar negativamente o facto de o recorrente já ter sido condenado em penas de prisão pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, encontrando-se, aliás, em cumprimento da pena de 4 anos e 10 meses de prisão pela prática de um desse crime. Tal circunstância é reveladora de uma indiferença relativamente a condenações anteriores. Não interiorizou, diz-se no acórdão recorrido, nenhuma das condenações anteriores, sendo que não foram suficientes para o afastar da prática de novos e idênticos crimes. Como judiciosamente refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, «não constituiu suficiente motivação para se abster de prosseguir na mesma actividade as quatro condenações anteriores, três das quais em penas de prisão efectiva, todas pela prática do mesmo crime, sendo que três delas por decisões transitadas em julgado antes da prática do crime dos autos».

Perfilam-se, assim, particulares exigências de prevenção especial na determinação da pena, sendo fortes, como já se afirmou, as exigências de prevenção geral.

Perante todo o exposto, correspondendo ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 1 a 5 anos de prisão, considera-se adequada uma pena de 3 anos de prisão, medida que respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados, que é elevada, e responde às necessidades de prevenção especial de socialização.

6. Suspensão da execução da pena

A pena aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderia ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal

De acordo com esta disposição, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena é, segundo M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, «que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida. À sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua na sentença por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente no domínio das normas penais. Não bastam considerações ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto. O prognóstico favorável vai exclusivamente ao encontro da ideia de socialização em liberdade (prevenção especial de socialização), de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as finalidades da punição, portanto, de defesa do ordenamento jurídico» Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 334..

Ora, no caso sub judice, como bem refere o distinto magistrado do Ministério Público no seu parecer, «a culpa do arguido e as circunstâncias concretas da prática dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime, não permitem formular a seu favor aquele juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que permita concluir que a simples ameaça da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

No caso, consideramos, pois, não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que tal se não afigura adequado e suficiente para assegurar as finalidades da punição, nomeadamente as atinentes à prevenção do cometimento de futuros crimes, tendo presente a situação de reiteração da conduta do arguido revelada pelas condenações já sofridas.

Por outro lado, há a considerar as exigências de prevenção geral de integração da norma e de protecção dos bens jurídicos que são particularmente intensas e prementes no crime de tráfico de estupefacientes.

Termos em que não se determina a suspensão da execução da pena aplicada.

7. Em nota final, cumpre referir que se antevê proximamente, após o trânsito em julgado da presente decisão, a necessidade da reapreciação da conduta do arguido no âmbito da realização de um cúmulo jurídico da pena aqui fixada com a pena aplicada no processo n.º 503/05.0GAABF, já que estarão então reunidos os pressupostos enunciados no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.

Trata-se, porém, de questão que exorbita do âmbito deste recurso e da competência deste Supremo Tribunal.

III – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção – em conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, nos seguintes termos:

a) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

b) Condena-se o arguido pela prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 (três) anos de prisão;

c) Indefere-se a pretensão formulada relativamente à prescrição do procedimento criminal.

Mantendo-se, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

Sem custas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP)

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Dezembro 2017

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Manuel Augusto de Matos (relator)

Lopes da Mota