Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2955/15.1T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
LEI APLICÁVEL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DENÚNCIA
PRAZO CERTO
CESSAÇÃO
OBRAS
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 12/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: ARRENDAMENTO URBANO - CONTRATOS HABITACIONAIS / BENFEITORIAS / ARRENDAMENTO PARA FIM NÃO HABITACIONAL.
Legislação Nacional:
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU): - ARTIGOS 29.º, N.º 1, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º E 56.º.
Sumário :

I - O contrato, celebrado por escritura pública outorgada em 12-05-1979 (a produzir efeitos desde 01-04-1978), mediante o qual a autora declarou dar de arrendamento à ré o prédio misto destinado à instalação de um parque de campismo e caravanismo é, tendo em conta o regime jurídico vigente à data – arts. 1022.º e sgs. do CC, na versão alterada pelo DL n.º 496/77, de 25-11 (antes do RAU de 1990) – um contrato de arrendamento de prédio urbano ou rústico, não abrangido pelo arrendamento rural.
II - Torna-se juridicamente irrelevante qualificar o contrato como arrendamento para comércio ou indústria – como pretende o réu/recorrente - o que até se poderia questionar tendo por base a finalidade do arrendamento, considerada uma actividade comercial e a natureza jurídica da associação arrendatária.
III - Embora fixado validamente o prazo de 20 anos, de 01-04-1978 a 31-03-1998, no domínio do CC então vigente, trata-se de contrato sem prazo certo, sem duração limitada – à época da sua celebração não existiam contratos de arrendamento não rurais com duração efectivamente limitada, eram os arrendamentos vinculísticos –, porque renovável, por força da lei.
IV - Todos os contratos celebrados até ao momento em que a lei passou a permitir a celebração de contratos com duração limitada, ou seja, até 1990 (DL n.º 321-B/90, de 15-10) – para os arrendamentos destinados à habitação – e até 1995 (DL n.º 257/95, de 30-09) – para os arrendamentos comerciais – eram contratos sem prazo certo.
V - A oposição à renovação é exclusiva dos contratos de prazo certo. Consequentemente, reserva-se a denúncia para fazer cessar um contrato sem prazo certo. Esta distinção tornou-se clara com o NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02), usando a lei vigente, à época da celebração do contrato dos autos, a palavra denúncia sem o sentido técnico que esta assume em direito.
VI - Tendo as partes acordado um prazo inicial de 20 anos, de 01-04-1978 a 31-03-1998, que prorrogaram, por aditamento de 1994, até 31-03-2005 e que tornaram a prorrogar, em novo aditamento de 31-03-2006, até 2015, vindo o NRAU a entrar em vigor, na vigência deste último, está o contrato dos autos sujeito às disposições transitórias dos arts. 27.º a 29.º (e 26.º por remissão destes), por força das quais o contrato não admite denúncia pelo senhorio, senão em situações verdadeiramente excepcionais e com pré-aviso de 5 anos.
VII - Não sendo admitida nestes termos, a denúncia pelo senhorio é juridicamente irrelevante, não podendo operar efeitos enquanto tal uma comunicação deste, por carta de 30.12.2013 e recepcionada pelo réu em 03.01.2014, afirmando que “não pretendia a renovação do contrato de arrendamento do Parque de Campismo”.
VIII - Incumbe ao senhorio a obrigação de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa locada. Porém, quando se trate de garantir a adequação das condições do locado às exigências legais relativas ao licenciamento da actividade a exercer pelo arrendatário, tal é da inteira responsabilidade deste.
IX - O direito à compensação por obras e benfeitorias feitas pelo arrendatário licitamente supõe, nos termos da norma transitória do art. 29.º, n.º 1, do NRAU, a cessação do contrato de arrendamento, o que não se verifica neste caso.
X - Estando provado que as partes fizeram um aditamento ao contrato em 31-03-2006, prorrogando a sua duração “até 2015”, que todo o conteúdo do contrato aponta para a referência a períodos anuais completos, acolhendo a perspectiva do teor literal da cláusula aditada, e ainda que a renovação do prazo teria implícito o dever de pagar renda, uma por cada ano, segundo as regras da interpretação jurídica, é de concluir que o sentido da vontade das partes era o de que aí constasse a data de “31.12.2015” (e não de “31.03.2015”, como decidiu a Relação).
XI - O contrato subjudice mantém-se sujeito ao regime vinculístico, por não ter a autora manifestado a sua vontade no sentido de, ao contrato de 1979, sucessivamente renovado, se vir a aplicar na íntegra o regime do NRAU – por força da opção de transição do antigo regime para o novo, em face de manifestação da vontade do senhorio nesse sentido, comunicada ao arrendatário (arts. 50.º a 56.º).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

1. A Santa Casa da Misericórdia de AA veio intentar acção com processo comum contra o Clube de Campismo e Caravanismo de BB, pedindo que a ré seja condenada a: a) ver declarado que o contrato de arrendamento teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de Março de 2015; b) entregar à autora livre de pessoas e coisas o arrendado; c) indemnizar a autora com €1.000,00 por cada dia de atraso na entrega do arrendado ou o valor que vier a ser fixado, a contar de 1 de Abril de 2015 até efetiva entrega.

O réu apresentou contestação, com reconvenção, e a autora réplica.

2. O processo seguiu os seus trâmites e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente. Em consequência foi declarado que o contrato de arrendamento em causa teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de Março de 2015, condenando-se a R. a entregar à A., livre de pessoas e coisas, o local arrendado, com absolvição da R. do pedido de indemnização formulado e absolvição da A. do pedido reconvencional.

3. Inconformado com a decisão proferida, veio o réu, Clube de Campismo e Caravanismo de BB, interpor recurso de apelação.

O tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão em que negou provimento à apelação e, em consequência, confirmou a sentença recorrida.

4. Novamente inconformado com a decisão, dela interpõe recurso de revista normal o R. e, não sendo aquela admitida, excepcional.

Porque as decisões judiciais da 1ª e 2ª instância haviam sido no mesmo sentido e sem voto de vencido, constituindo obstáculo ao recurso de revista normal (dupla conforme), veio a R. a pedir que, se não fosse possível o recurso de revista normal, o mesmo fosse admitido como revista excepcional.

Por acórdão do STJ de 24.10.2017, a formação a que alude o art.º 672.º, n.º3, do CPC admitiu a revista excepcional.

5. A recorrente pediu que ao recurso interposto fosse atribuída eficácia suspensiva, mas a relatora do processo no STJ entendeu que apenas se poderia fixar o efeito devolutivo ao recurso, tendo despachado nesse sentido, por força do art.º 676.º, n.º1 do CPC.

6. Nas conclusões do recurso a R. afirma o seguinte (por transcrição, já expurgadas das referências à revista excepcional):

1- Não se conformando com este douto Acórdão, dele vem a Associação Ré interpor recurso de REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça (…)

2- (…)

3- (…)

4- (…)

5- (…)

6-Na verdade, serão estas as questões de facto e de direito a submeter à apreciação do Tribunal:
1) Caracterização e natureza do contrato de arrendamento;
2) Início e termo do contrato de arrendamento em vigor, designadamente no seu último aditamento, com interpretação do seu teor e da vontade das partes;
3) Regime legal aplicável e designadamente do NRAU e normas transitórias, bem como forma e prazo de denúncia;
4) Prazo de renovação do contrato que se impõe à Autora em fase de transição do regime legal aplicável;
5) Pedido reconvencional, caracterização das obras efectuadas pela Recorrente e da responsabilidade da Autora em reembolsar a Ré pelo valor determinado pelo Tribunal, bem como do exercício do direito de retenção por parte da Ré até que tal montante seja pago.

7-Acresce que é importante a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1028º (Fim do contrato), 1031º (obrigações do locador, 1055º (oposição à renovação), 1054º (renovação do contrato), 1066º (arrendamentos mistos) e 1108º e seguintes (disposições especiais para arrendamentos para fins não habitacionais), e regime do Dec. Lei 39/2008, matéria em apreciação nos autos.

8- (…)

9-Deste modo, estão verificados os pressupostos de facto e de direito para que seja atribuído o efeito suspensivo ao recurso de REVISTA NORMAL, quer à REVISTA EXCECIONAL, o que se requer (n.º 2 do artigo 676º do CPC).

10-Prontificando-se a recorrente, caso isso a recorrida requeira, prestar caução de valor não inferior ao valor da renda a pagar até 30.09.2017, em qualquer modalidade que lhe seja fixada.

11-A Recorrente entende, salvo melhor opinião, que, atenta a prova documental, bem como os depoimentos gravados, a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente improcedente a acção, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos, e a reconvenção julgada procedente, com condenação da Autora / Apelada no pagamento da quantia de 131.092,64 €, acrescida de juros e com reconhecimento do direito de retenção por parte da Ré até que se mostre pago, sem prejuízo de se julgar improcedente o pedido de despejo, com declaração de que o contrato se mantém em vigor e se mostra renovado nos termos legais.

12-Deixou o Tribunal de apreciar e valorar devidamente matéria de facto essencial, omissão de pronúncia que influiu na boa decisão da causa, o que constitui nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, com a consequente aplicação do disposto nos artigos 682º. 683º e 684º do CPC e reenvio do processo ao Tribunal a quo.

13-Pois que, nos termos do artigo 662º, n.º 1 e 682º, n.º 3 do NCPC entende a Ré que pode e deve ser também ampliada a matéria de facto dada por provada e que foi objecto de prova, designadamente:
a)-Que o local arrendado nunca o foi para outro fim que não fosse a de instalação e exploração de um parque de campismo;
b)-Que, nos termos do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, com as alterações do Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, de conhecimento oficioso, um parque de campismo é um empreendimento turístico.
c)-Que a actividade ali desenvolvida pela Ré / Apelante é uma actividade que é classificada como integrada na chamada indústria turística, com a prática de actos comerciais discriminados no artigo 19º do referido DL 39/2008;
d)-Que os créditos resultantes da realização de obras decorrentes do disposto neste Decreto-Lei gozam, por parte da entidade exploradora, ou seja a Apelante, do privilégio creditório imobiliário previsto no n.º 4 do artigo 57º, logo sendo a Apelante credora do respectivo montante dado por provado (131.092,64 €);
e)-Que o regime aplicável é o da urbanização e da edificação nos termos do n.º 1 do artigo 23º do Dec. Lei n.º 39/2008.

14-Sem prejuízo do atrás concluído, atendendo aos critérios dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, bem como ao teor do texto do contrato original, designadamente quanto ao montante da renda e fim do contrato – “Primeira: O prédio arrendado destina-se à instalação de um parque de campismo e caravanismo”, não restam dúvidas quanto ao fim do contrato.

15-Como tal, e contrariamente à interpretação da douta sentença recorrida, faz todo o sentido a sua integração nas normas transitórias do NRAU – artigos 27.º e seguintes, uma vez que os contratos de prédios rústicos para fins comerciais ou industriais são sujeitos às regras do arrendamento urbano para aqueles fins.

16-Desta feita mantém-se o nosso entendimento quanto à aplicação do artigo 1097.º, nos termos da redacção conferida pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.

17-Nunca a Autora comunicou à Ré que pretendia aplicar ao contrato o regime previsto na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, muito menos a Ré alguma vez aceitou expressamente submeter ao regime desta lei o contrato de arrendamento e designadamente este seu último aditamento.

18-Mas, ainda que se considerasse que o contrato tivesse o seu termo em 31.03.2015 (versão da Autora) ou mesmo 31.12.2015 (versão da Ré), a “denúncia” ou declaração de intenção de não renovação naquela data não foi efectuada com a antecedência mínima legal, então exigível.

19- A Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que veio alterar o regime do arrendamento, introduziu nova redação aos artigos 1.110º do Código Civil, estipulando no seu n.º 2 que “na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos…

20-Também a mesma Lei n.º 6/2006 veio dar nova redacção ao artigo 1.097º do Código Civil, ao estipular que “o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”.           

21-Acresce que da mesma Lei n.º 6/2006, das suas normas transitórias, designadamente nos seus artigos 26º e 27º, resulta ser este novo regime aplicável ao contrato objecto dos autos.

22-Assim, é de concluir que a Autora não observa nem a forma prevista no artigo 1.097º do C. Civil, na redacção do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, nem os prazos e meio processual estipulados, muito menos o prazo de um ano previsto no mesmo artigo na redacção da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que lhe é aplicável.                                                           

23-Na verdade, atento o disposto na Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que aprova o NRAU, que só entrou em vigor no prazo estipulado no seu artigo 65º, tendo em atenção a data da sua entrada em vigor e o disposto nos seus artigos 59º, n.º 1 e n.º 4, ou seja que “ as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável”, é óbvio e definitivo que, mesmo que fosse considerada a alegação e confissão da Autora de que o contrato teve o seu termo em 31.03.2015, a Autora não efectuou a denúncia do contrato na forma e com a antecedência legal exigidas, o que conduz a total improcedência da acção.

24-Deste modo, o contrato em curso tinha o seu termo não em 31.03.2015, mas sim em 31.12.2015 e, porque a Autora não fez qualquer denúncia do mesmo no prazo e forma legal, para ter efeitos nesta data de 31.12.2015 ou em qualquer outra, o contrato encontra-se virtual, automaticamente, legal e formalmente renovado, os termos da lei aplicável supra citada.

25-Finalmente, não estamos perante o arrendamento simplista de um terreno rústico, mas antes de um complexo de construções, com artigos urbanos, e de um terreno com inscrição matricial rústica, mas que se destinam no seu todo ao exercício da actividade da industria de turismo, com prática de actos comerciais, designadamente da prestação de serviços turísticos pela Ré, tendo como compensação o pagamento de taxas e valores diários por ocupação de espaço e instalações, uso e consumo de infra-estruturas de água e energia eléctrica, de saneamento e de higiene pessoal e pública, serviços de segurança e guarda de pessoas e bens, venda de produtos e serviços turísticos, como definidos no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março.

26-Ora, sujeitos que estão tais empreendimentos turísticos a licenciamento, nos termos dos artigos 26º e seguintes daquele Decreto-Lei, foi estabelecido no seu artigo 75º um prazo de dois anos para a sua legalização e licenciamento nos termos decretados, sem excepção, sob pena de encerramento.

27-Dai que, sendo a lei de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo deixou de conhecer desta matéria essencial, aliás, alegada pela Ré e classificou erradamente o contrato de arrendamento em causa, que obviamente não pode ser considerado como “um arrendamento rústico”, aliás, até em contrário da causa de pedir da própria Autora.

28-Ora, nos termos do artigo 1031º do Código Civil, a Autora, enquanto locadora, estava e está obrigada a assegurar à locatária, a Associação demandada, o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina.

29-As obras e instalações técnicas, inclusive de segurança e protecção, foram efectuadas a partir de 2009 a até 2011, no valor total de 131.092,64 € (n.º 11 dos factos provados).      

30-Todas estas obras e intervenções técnicas foram imprescindíveis para a legalização e licenciamento do parque, sem as quais o mesmo já estaria encerrado há muito, por não cumprimento da legislação em vigor e exigências das entidades oficiais que a fiscalizam.

31- Obrigatoriedade de obras essas que, aquando da celebração do contrato original e seus posteriores aditamentos, não era previsível, pelo que não foi nesse sentido a manifestação de vontade das partes na celebração do contrato.

32- Assim, não pode ser admitido como válido o entendimento de que as obras decorrentes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de Março, eram obrigação da Apelante.

33-A Associação Ré sempre terá direito a ser reembolsada de todos aqueles custos com a legalização do parque, atrás referidos e esse direito a reembolso resulta do disposto no artigo 1031º do C. Civil, bem como artigo 29º da lei n.º 6/2006, esta quer na sua redacção original, quer na alteração que foi introduzida pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro e 473º a 481º do CC.

34-Deste modo, a Associação Ré é credora da Autora daquela quantia de 131.092,64€, pelo que, atento o alegado, a pretensão da Autora e as disposições legais referidas e ainda o disposto no artigo 754º e seguintes do CC, goza esta do direito de retenção sobre o local arrendado, objecto do contrato, até que se mostre pago aquele valor, quer o contrato finde por denúncia ou outra razão atendível, quer se mantenha em vigor.     

35-Era ónus da Autora, como resulta dos artigos 342º e seguintes do C. Civil, alegar e provar os factos que constituem a sua causa de pedir, no sentido de se concluir se serão ou seriam subsumíveis ao caso as conclusões de direito que pretendem e que suportam os seus pedidos.

36-Por isso, na procedência das conclusões, deve a acção ser antes julgada improcedente e as custas da acção devem assim ser imputadas à Autora, na totalidade, pois que deu causa à acção.

37-Na douta decisão ora recorrida fez-se uma menos correcta avaliação e ponderação da prova, em violação dos critérios do ónus de prova (artigos 342º e ss. C. Civil).

38-Deste modo foram violadas as disposições legais citadas devendo a revista ser julgada procedente e no sentido das conclusões, com a total improcedência da acção e com a procedência da reconvenção, revogando-se nesse sentido a douta sentença recorrida.

NESTES TERMOS

E com o douto suprimento de Vs. Exs.ª deverá ser dado provimento ao recurso e no sentido das conclusões, assim se fazendo J U S T I Ç A.”

8. A A. apresentou contra-alegações.

II. FUNDAMENTAÇÃO

9. Na 1ª instância foram apurados os seguintes factos dados como provados:

1. Por escritura pública, lavrada no dia 12 de Maio de 1979, no Cartório Notarial de ..., a autora deu de arrendamento à ré o prédio misto, que consta de casa térrea com coberto, terreno e logradouro e terreno de lavradio e mato, sito no ... (…) inscrito nas matrizes respectivas sob os artigos 580, urbano, e 2/8 do artigo 540, rústico, acordando ambas nas seguintes cláusulas:
Primeira
O prédio arrendado destina-se à instalação de um parque de campismo e caravanismo.
Segunda
O prazo do arrendamento é de vinte anos, com início em um de Abril de mil novecentos e setenta e oito e termo em trinta e um de Março de mil novecentos e noventa e oito;
Terceira
A renda total é de um milhão novecentos e vinte mil escudos, a qual será satisfeita nos seguintes termos (…)
Quarta
A renda anual será paga no dia um de Abril do ano imediatamente anterior ao que respeitar ficando isento o ano de mil novecentos e setenta e oito na Secretaria da representada da primeira outorgante.
Quinta
A Associação representada pelo segundo outorgante poderá introduzir no prédio arrendado as obras ou benfeitorias que entender necessárias ao fim e objectivos do arrendamento, obras e benfeitorias essas que, findo o contrato, ficam incorporadas no prédio, sem direito a qualquer indemnização ou direito de retenção pela arrendatária. (fls. 92 a 95)

2. No final do referido contrato consta ainda o seguinte: “Considerando que a parte rústica do prédio dado de arrendamento tem valor muito superior à parte urbana, este arrendamento é considerado de prédio rústico, sendo o respectivo selo liquidado como tal”.

3. Em 01.09.1994, autora e ré declararam acordar num aditamento ao referido contrato, com as seguintes cláusulas:
“Alínea A) - No dia 12 de Maio de 1979 foi lavrada a escritura de arrendamento (…)
Alínea B) - O prédio destina-se à instalação de um parque de campismo e caravanismo.
Alínea C) - O termo do prazo deste contrato ocorre em 31.03.1998.
Alínea D) - Os pactuantes reconhecem a validade plena do invocado contrato, em especial a renda em vigor, o fim do contrato e o seu termo, cláusulas aceites por ambas as partes, sem o que jamais celebrariam o invocado contrato.
Alínea E) - Ora, tendo presente o mesmo espírito acima referido, sem o qual ambas as partes aceitam a invalidade do contrato celebrado, e deste modo contrato-promessa, os pactuantes prometem alterá-lo com as seguintes cláusulas:
Alínea F) - O termo do prazo do contrato de arrendamento em vigor passa para 31 de Março de 2005.
Alínea G) - A renda anual é de 2.400.000$00 a pagar até finais de Setembro de cada ano.
Alínea H) - A renda sofrerá um aumento anual equivalente ao indicie de inflação do ano anterior.
Alínea I) - Em tudo o mais se respeitarão as cláusulas do contrato.
Alínea J) - Este acordo faz parte integrante do contrato de arrendamento acima referenciado e os pactuantes renunciam a invocar a sua nulidade em juízo, por falta de observância da forma exigida para a alteração.”

4. Em 31 de Março de 2006, autora e ré celebraram novo aditamento ao referido contrato e sua alteração, com as seguintes cláusulas:
Alínea A) - Que vão prolongar o contrato de arrendamento celebrado em 12 de Maio de 1979 (…) nos termos e condições seguintes:
1. Este acordo tem o seu início em 01.04.2006 e termina em 2015;
2. A renda anual, e a pagar até ao final do mês de Setembro de cada ano, é a seguinte: em 2006 a quantia de (…) €, em 2007 a quantia de (…), em 2008 a quantia de …, em 2009 a quantia de …, em 2010 a quantia de …, em 2011 a quantia de…, em 2012 a quantia de …, em 2013 a quantia de…, em 2014 a quantia de … e em 2015 a quantia de … €.
Alínea B) - Que quanto ao mais são respeitadas todas as cláusulas anteriormente expressamente acordadas, em particular, quanto às obras em efeito, que ficarão a pertencer ao prédio, sem direito a indemnização ou retenção, sejam elas de que natureza forem, e bem assim quanto ao prazo agora acordado. (fls. 14-verso e 15)

5. Por ofício (nº 227) de 02.12.2013, recepcionado pela autora, a ré comunicou àquela que:
“Tendo em atenção a assinatura do contrato de arrendamento efectuado em 31 de Março de 2006 e encontrando-se a decorrer a sua renovação até final de 2015. (…)
Estando este Clube interessado em continuar com o Parque de Campismo, em ...(…) Considerando o grande investimento realizado nos últimos dois anos para legalização do Parque, junto da C.M. de ... e Turismo de Portugal, só amortizável em não menos de 4 ou 5 anos.
Vimos por este meio solicitar a sua renovação por um período nunca inferior a dez anos, em virtude deste Clube estar a amortizar o investimento efectuado.” (fls. 109)

6. Em resposta ao referido ofício da ré, por carta registada, com aviso de recepção, de 30.12.2013, recepcionada pela ré em 03.01.2014, a autora comunicou a esta última que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento do Parque de Campismo, mas que poderia ser considerada a prorrogação do contrato, por escrito, por mais um ou dois anos. (fls. 97 a 99)

7. Por carta registada, com aviso de recepção, de 10.04.2014, recepcionada pela ré em 14.04.2014, a autora comunicou à ré que não pretendia a renovação do contrato em 01.04.2015. (fls. 16 a 17)

8. Por carta registada, com aviso de recepção, de 11.06.2014, a autora comunicou à ré, “para que não haja qualquer dúvida sobre o termo do contrato”, que o termo do contrato ocorria em Março de 2015 e que, na referida data, deveria a ré fazer a entrega do prédio arrendado livre de pessoas e coisas. (fls. 18 a 19)

9. Por carta registada, com aviso de recepção, de 03.03.2015, a autora comunicou à ré que não tendo esta comunicado a entrega voluntária e livre do campismo instalado na propriedade da mesma até ao dia 31 de Março em curso, informava que iria reclamar uma indemnização diária, pelo atraso, não inferior a 1.000 €. (fls. 22 a 23)

10. Por carta registada, com aviso de recepção, de 28.04.2015, recepcionada pela Autora em 04.05.2015, a ré comunicou à autora, designadamente, que considerava que o contrato teria o seu termo em 31.12.2015, não tendo sido recepcionada com a antecedência e forma legal qualquer denúncia para essa data, mas que estavam abertos a iniciar negociações. (fls. 42-verso a 43-verso)

11. Para adequar as instalações às exigências técnicas resultantes de nova legislação, a ré teve de efectuar, a partir de 2009 e até 2011, obras de electricidade, água, saneamento, instalações eléctricas na casa arrendada, anexos, arruamentos e terrenos do parque destinados ao campismo, bem como de segurança e protecção, no valor total de 131.092,64 €.

10. Não se provaram os factos seguintes:

1. A autora tivesse, em 01.04.2015, contactos e interessados no arrendamento que lhe iriam proporcionar uma renda nunca inferior a 5.000 € mensais;

2. Para adequar as instalações às exigências técnicas resultantes da nova legislação, a ré tenha tido de efectuar, em 2013 a 2015, pequenas correcções às obras realizadas em 2009 a 2011.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

11. Considerando que o objecto dos recursos judiciais é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, vejamos quais as questões a apreciar no presente recurso de revista.

12. As principais questões a decidir são:
1ª Da invocada nulidade do acórdão da Relação fundada em omissão de pronúncia:
 a) por o Tribunal a quo deixou de conhecer de matéria essencial, alegada pela Ré, classificando erradamente o contrato de arrendamento em causa como “um arrendamento rústico”;
b) “pois que, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 e 682.º, n.º 3 do NCPC entende a Ré que pode e deve ser também ampliada a matéria de facto dada por provada e que foi objecto de prova”;

2.ª Da caracterização e natureza do contrato de arrendamento e do regime jurídico que lhe é aplicável;

3ª – Da pertinência do pedido reconvencional e caracterização das obras efectuadas pela Recorrente, bem como do regime de responsabilidade da Autora pelo reembolso à Ré e do direito de retenção por parte da Ré até que tal montante seja pago.       

13. Iniciando a apreciação das questões colocadas pelo recorrente relativas às supostas nulidades do acórdão:

Em primeiro lugar, importa dizer que não há omissão de pronúncia da Relação sobre a qualificação do contrato dos autos. Efectivamente há uma pronúncia sobre como deve ser qualificado o contrato, pronúncia com a qual a recorrente não concorda. Nesse sentido, a R. invoca a errada classificação (ou melhor seria, qualificação). Porém, a errada classificação, como refere a recorrente, é coisa diferente da falta de pronúncia. Por esse motivo, não tem razão quanto à omissão de pronúncia, não existindo fundamento de nulidade do acórdão nos termos alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC.

Em segundo lugar, também não é procedente o argumento da recorrente no sentido de existir omissão de pronúncia pelo facto de a Relação não ter ampliado a matéria de facto, no âmbito do pedido de reapreciação da prova. Desde logo importa recordar que no recurso de apelação a recorrente pediu a reapreciação da matéria de facto, mas não a sua ampliação; nem a ampliação da matéria de facto se justificava uma vez que o processo contém todos os elementos necessários à boa decisão da causa. Não há qualquer fundamento de nulidade.

Caem, assim, por base as invocadas nulidades do acórdão.

14. Avançando para a questão da qualificação do contrato de arrendamento dos autos e determinação do regime jurídico a que o mesmo se sujeita, importará atender às considerações que se fazem de seguida.

Tal como consta dos factos provados, o contrato de arrendamento dos autos foi celebrado em 12/5/1979.

Nessa data o regime jurídico aplicável ao arrendamento era, salvo algumas excepções, o constante do Código Civil, nos artigos 1022.º e ss, na versão alterada pelo DL n.º 496/77, de 25 de Novembro. Para se conseguir determinar o respectivo regime jurídico é necessário compulsar tais normas – que se consideram aqui reproduzidas – e compreender a sistemática legal – também aqui dada por reproduzida.

O teor do contrato outorgado é o que consta dos autos, tendo sido celebrado por escritura pública em 12 de Maio de 1979 (a produzir efeitos desde 1/4/1978). Do seu conteúdo destacam-se as cláusulas que se indicam de seguida, e das quais resultam as conclusões que se seguem.

Na Cláusula 1ª, sobre o prédio arrendado, diz-se que é prédio misto com casa térrea e terreno, mas considerado como prédio rustico por a parte rústica ser superior à urbana, e que o mesmo se destinava à instalação de um parque de campismo e caravanismo.

Considerando que a recorrente questiona a qualificação do contrato efectuada pelo tribunal, indicando que o mesmo deve ser qualificado como arrendamento para comércio e indústria, importa explorar o tema.

Deve considerar-se que o contrato de arrendamento dos autos é um contrato de arrendamento para comércio ou um contrato de arrendamento de prédio rústico?

Antes de responder à pergunta importa dizer que a qualificação é uma tarefa que deve ser levada a cabo sempre que da mesma resultem efeitos em termos de direito aplicável, porque a qualificação por meras razões académicas não releva para a tomada de decisões pelo tribunal.

 Nesta medida, considerando a lei vigente à data da celebração do contrato e as possíveis qualificações dos contratos de arrendamento nela efectuadas, encontrava-se aí a distinção entre os arrendamento rurais – art.º 1064.º CC –, que se contrapunham aos arrendamentos de prédio urbano ou rústico não abrangidos pelo arrendamento rural – art.º1084.º. Por seu turno, na Secção relativa ao arrendamento de prédio urbano ou rústico não abrangido pelo arrendamento rural, a lei tinha um conjunto de Disposições Gerais, aplicáveis a todos os referidos arrendamentos, e um conjunto de Disposições Especiais aplicáveis apenas aos subtipos indicados no art.º 1086.º, em face dos quais a lei criou disposições especiais para o arrendamento para habitação, arrendamento para comércio e indústria – art.º 1112.º – e arrendamento para exercício de profissão liberal – art.º 1115.º.

Apurada a situação em termos de direito aplicável ao arrendamento, voltemos ao contrato dos autos.

Da cláusula primeira resulta a descrição do prédio e a finalidade pretendida pelas partes – campismo ou caravanismo – em termos de não restarem dúvidas que o contrato dos autos não visava a habitação do arrendatário. Também parece fácil concluir que não é para exercício de uma profissão liberal (art.º 1115.º), pelo que restará a sua subsunção na classificação de contrato para exercício de comércio e indústria (com a aplicação das normas especiais do art.º1112.º e 1113.º) ou como arrendamento para outro fim lícito (sem que para este o CC tenha criado de normas especiais).

Uma resposta favorável à qualificação do contrato como sendo um arrendamento realizado para comércio ou indústria poder-se-ia dar considerando que tal qualificação resulta do art.º 1112.º do CC, onde se diz “considera-se realizado para comércio ou indústria o arrendamento de prédios urbanos ou rústicos tomados para fins directamente relacionados com uma actividade comercial ou industrial. Nesta linha de raciocínio a actividade de campismo caravanismo seria uma actividade comercial, tal como a mesma aparece descrita e regulada no regime jurídico dos empreendimentos turísticos.

Porém, a ser esta a qualificação correcta, ela não é oposta à qualificação do contrato como de arrendamento de prédio urbano ou rústico não abrangido pelo arrendamento rural, porquanto o arrendamento para comércio ou indústria, no CC, era considerado uma modalidade de arrendamento não rural.

Por isso, a qualificação do contrato dos autos como arrendamento de prédio urbano ou rústico não abrangido pelo arrendamento rural não merece dúvidas.

E a qualificação do mesmo como arrendamento realizado para comércio ou indústria não surte efeitos diversos em termos de regime jurídico aplicável, o que nos permite dizer que esta qualificação é irrelevante.

O que importa é a conclusão já afirmada: este contrato está excluído do regime dos arrendamentos rurais. E está-o, desde logo, porque não se trata de um arrendamento de prédio rústico para fins agrícolas, pecuários ou florestais, nas condições de uma exploração regular; adicionalmente pode ainda dizer-se que, existindo uma cláusula relativa ao fim do arrendamento (instalação de um parque de campismo e caravanismo), fica afastada a presunção legal de se tratar de um arrendamento rural pelo simples facto de recair sobre um prédio rústico (art.º 350.º CC sobre afastamento das presunções legais).

O contrato dos autos é, então, um contrato de arrendamento de prédio urbano ou rústico não abrangido pelo arrendamento rural.  

Mas para que fim?

A recorrente diz que é para comércio.

Vejamos um pouco o problema levantado pela recorrente, sem prejuízo do acima exposto quanto à irrelevância da pretendida qualificação.

Abstractamente considerada a actividade de campismo e caravanismo pode ser considerada como uma actividade comercial, por força das disposições conjugadas do art.º 230.º e 2.º do C.Comercial, em articulação com o regime jurídico dos empreendimentos turísticos. Seguindo esta linha de pensamento, não se suscitariam grandes dúvidas na qualificação do contrato de arrendamento de prédio (rustico e urbano) como arrendamento para comércio.

Porém, esta qualificação pode suscitar, no caso dos autos, alguns problemas, uma vez que a arrendatária é uma associação (como vem sobejamente indicado nos autos, que nos seus princípios é uma organização sem fins lucrativos), à qual está vedado o exercício do comércio (art.º 14.º, §1.º, do C. Comercial). Assim, não teria lógica dizer-se que o contrato é de arrendamento comercial quando a arrendatária não pode exercer o comércio.

Contudo, também este argumento nos parece pouco sólido para a efectiva qualificação do contrato: é que a lei impede uma associação sem fins lucrativos de exercer o comércio mas não a impede de praticar actos de comércio isolados (art.º 2º, 1ª parte do C.Comercial).

Que conclusões podemos retirar das afirmações realizadas?

Por um lado, pensamos ser válida a conclusão de que a qualificação do contrato como de arrendamento para comércio (ou não) deve ser independente da questão da capacidade de gozo e exercício para o comércio pela arrendatária que, parecendo poder ser parte no contrato de arrendamento para comércio, não pode fazer do comércio profissão.

Em segundo lugar, também se pode deduzir do exposto que não há articulação clara entre as normas do CC reportadas ao arrendamento – e respectivas qualificações – e as normas do C.Comercial relativas aos sujeitos comerciais e suas actividades.

A falta de articulação fará com que a qualificação do contrato se deva fazer à luz da finalidade do mesmo, e das correspondentes normas que para cada tipo de arrendamento a lei civil disponha, sem atender efectivamente (à capacidade) dos sujeitos que outorgam os contratos. A capacidade ou falta dela influirão, quanto muito, na validade do contrato, não na sua qualificação.

Assim, olhando especificamente para as classificações civilistas e correspondentes regimes de arrendamento, tal como o fazia o CC antes das reformas do RAU, sempre que o arrendamento incidia sobre um prédio urbano ou rústico tomado para fins directamente relacionados com uma actividade comercial (sentido amplo de actividade comercial, que inclui as actividades de prestação de serviços para o mercado, tal como indicadas no art.º230.º do C.Com, em contraposição com actividade industrial ou actividade de profissão liberal) dever-se-ia qualificar o arrendamento como comercial em atenção à sua finalidade. Mas dessa qualificação apenas resultará a sujeição do contrato às disposições especiais do art.ºs 1112º a 1118.º do CC, em aditamento (e possível derrogação) às disposições gerais, se se vier a demonstrar que a actividade da arrendatária era comercial, e no intuito de lhe conferir acesso às tutelas da comercialidade disciplinadas no código civil. Tais disposições especiais seriam, no que releva para os autos, o art.º1112.º - qualificação específica -, o art.º 1114.º - se o arrendamento cessar por motivo de caducidade ou por denúncia do senhorio, o arrendatário tem direito, sem prejuízo da indemnização referida no artigo 1099.º, a uma compensação em dinheiro, sempre que por facto seu o prédio arrendado tenha aumentado de valor locativo –, e o art.º 1115.º - desocupação do prédio, quando o arrendamento tiver durado certo prazo e cessar por caducidade ou denúncia do senhorio. A qualificar-se o contrato como arrendamento para comércio ou indústria seria possível ao arrendatário invocar as tutelas da comercialidade do arrendamento, traduzidas – considerando os factos provados e os pedidos formulados no processo – na aplicação do art.º 1114.º e 1115.º Tratando tais normas da compensação em dinheiro, em caso de cessação do arrendamento, e da desocupação do prédio, tanto bastaria para relevar a pretendida qualificação como comercial.

Acontece que a situação nos autos se apresenta diversa. Como iremos explicitar adiante – e que aqui apenas se antecipa – o contrato dos autos não pode ser considerado um contrato que tenha cessado os seus efeitos. Nessa medida, sendo um contrato em vigor, nunca haveria lugar à aplicação de um regime que foi pensado para as situações de cessação do contrato (como pressuposto pelos art.ºs 1114º e 1115.º).

15. Considerando assim que as disposições específicas dos arrendamentos comerciais não nos resolvem nenhum dos problemas principais do recurso, somos de assentar, por ora, na submissão do contrato dos autos ao regime geral civilístico do arrendamento não rural, sem operar uma qualificação definitiva do contrato.

Atento o exposto, ao contrato dos autos vão ser aplicáveis a regras do arrendamento de prédios não destinados a habitação – por força do art.º 1083.º do CC, contrato que se rege pelas disposições da secção VIII (Arrendamento de prédios urbanos e arrendamento de prédios rústicos não abrangidos na secção precedente) do CAPÍTULO IV (Locação) do CC e também pelas normas das secções I a VI, no que não estejam em oposição com as da referida secção VIII.

Ao contrato de arrendamento não rural para fins não habitacionais aplicavam-se, na data da sua celebração, quer as disposições legais da locação, quer as disposições específicas dos arrendamentos não rurais. O teor do contrato teria de ser analisado à luz de tais normas, sendo permitida a autonomia contratual naquilo em que não fossem afectadas as soluções legais imperativas.

16. No que respeitava à duração do contrato, dizia-se na lei que o prazo de duração do arrendamento é “de seis meses, se outro não for convencionado ou estabelecido pelos usos” - art.º 1087.º CC.

Acontece, no entanto, que no contrato dos autos o prazo do arrendamento foi fixado em 20 anos, o que determinou o afastamento da regra supletiva da lei, devendo aceitar-se a vontade dos outorgantes, uma vez que o contrato foi validamente celebrado e não se violava norma imperativa – cf. cláusula 2ª, onde se acorda que o arrendamento é de 20 anos, com início em 1/4/1978 e termo em 31/3/1998.

No contrato dos autos, o facto de a escritura pública de arrendamento ser de 1979 e os efeitos do contrato se reportarem ao passado, não parece colocar problemas de maior que possam comprometer a sua validade: i) a escritura pública, enquanto forma legal devida, veio a ser efectivamente outorgada; ii) o art.º 1029.º do CC no seu n.º 3 (que referia que a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio, instituindo um regime de invalidade mista em favor do locatário) não seria aplicável.

17. O prazo de vigência do contrato é um elemento fundamental uma vez que tem repercussões em termos de continuidade do arrendamento.

Ao contrário do que sucede nos nossos dias, na época em que o contrato foi outorgado a fixação do prazo da sua duração não constituía um elemento seguro na definição da data da cessação dos seus efeitos.

No domínio do CC vigente na data da celebração do contrato, ainda que a lei aludisse à caducidade como causa de cessação dos arrendamentos e aquela devesse ocorrer pelo mero decurso do prazo acordado, tal não sucedia efectivamente porque a lei não previa, nem admitia, a denúncia ad nutum do contrato pelo senhorio, nem qualquer efeito extintivo automático decorrente da ultrapassagem do prazo acordado. A estipulação do prazo não produzia assim os efeitos que hoje consideramos “normais”. Os contratos eram celebrados com indicação do seu prazo para que se pudesse aferir da licitude da locação (com prazo máximo permitido por lei de 30 anos), e não com o intuito de findo o prazo permitir ao senhorio recuperar o prédio arrendado invocando a sua caducidade. Na verdade, findo o prazo acordado o contrato renovava-se necessariamente, se o arrendatário assim o quisesse.

Por este motivo diz-se hoje que o contrato não tinha uma duração limitada; o prazo inicial poder-se-ia renovar sucessivamente, sem que o senhorio pudesse antever qual a data em que o arrendamento cessaria.

18. No que concerne à renovação, a lei então em vigor dispunha que “o prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo” (1054.º).

E, não obstante, em sede geral de locação se falar em denúncia (art.º 1055.º), em sede de arrendamento não rural a lei afirmava que “o senhorio não goza do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado pelo arrendatário nos termos do artigo 1055.º” (art.º 1095.ºCC).

Para não haver renovação, o contrato teria de ser denunciado com uma antecedência mínima de 6 meses (contrato com duração superior a 6 anos) - art.º 1054.º - pelo arrendatário; para a denúncia pelo senhorio existiam disposições excepcionais, não aplicáveis ao caso, por não serem denúncias ad nutum (art.º1096.º).

Porque estes contratos não permitiam ao senhorio a sua cessação no final do prazo acordado, entre outras particularidades, têm sido qualificados como arrendamentos vinculísticos.

19. Dito isto é importante assentar na terminologia a utilizar e fazer esclarecimentos sobre as expressões usadas pela lei (quer na versão inicial, quer nas posteriores modificações).

Em primeiro lugar, é de dizer que o contrato dos autos tinha um prazo certo acordado pelas partes, mas não se pode dizer que tivesse uma duração determinada ou limitada no sentido legal: à época da sua celebração não existiam contratos de arrendamento não rurais com duração efectivamente limitada.

Em segundo lugar, considerando que o contrato dos autos é um contrato com prazo certo, mas sem duração limitada, porque renovável, por força da lei, o modo correcto de o fazer cessar por acto unilateral do senhorio seria a oposição à renovação; no entanto, a lei vigente à época usava a palavra denúncia, sem o sentido técnico que esta palavra assume em direito (a denúncia é o modo adequado de pôr termo a contratos de duração indeterminada).

Estes dois pontos são fundamentais para a compreensão do regime jurídico aplicável ao contrato dos autos.

Assim, fixando a terminologia a adoptar, passaremos a utilizar a expressão “oposição à renovação” apenas quando nos estivermos a referir a contratos com prazo, que se renovem automaticamente no final do prazo, e “denúncia” para os contratos sem duração definida e limitada pelas partes.

20. Nos presentes autos discute-se a cessação do contrato de arrendamento e o efeito decorrente da cessação – a devolução do locado. Duas notas: i) a questão da devolução do locado só deve ser abordada se o contrato tiver cessado; ii) se o contrato tivesse cessado, importaria retomar a qualificação – como eventual arrendamento para comércio – por força da norma especial constante do art.º 1115.º.

Como já dissemos, o contrato dos autos não cessou, pelo que a questão indicada não necessita de ser abordada, ficando prejudicada a sua apreciação.

21. A longa exposição antecedente justifica que, antes de avançarmos, se faça um breve resumo das conclusões já atingidas sobre o contrato dos autos, à luz das disposições vigentes na data da sua celebração. Assim: i) o contrato de arrendamento de 1979 foi validamente celebrado; ii) no momento em que o contrato foi celebrado, o fim do arrendamento foi acordado como parque de campismo e caravanismo – o que configura um arrendamento não qualificado como arrendamento rural; iii) o seu prazo de duração foi fixado em 20 anos, sendo válida esta convenção (art.º 1087.º); iv) no regime vigente em 1979 a lei consagrava um suposto regime de caducidade do contrato celebrado por tempo certo, se não existisse renovação (art.º 1051º e 1054.º); v) mas o contrato com prazo certo só cessaria de não fosse renovado, por denúncia (melhor dito, oposição à renovação) (art.º 1054.º); vi) a denúncia (melhor dito, oposição à renovação) tinha de ser efectuada com uma antecedência mínima legalmente imposta (art.º 1055º) e vinha consagrada, nas disposições gerais, como faculdade atribuída ao arrendatário - ou ao senhorio dependendo dos casos e tipo de arrendamento; vii) no regime vigente em 1979, em sede de disposições especiais aplicáveis aos arrendamentos não rurais estabelecia-se, no entanto, que o senhorio não podia denunciar (melhor dito, fazer oposição à renovação) o contrato senão nas situações excepcionais do art.º1096.º, que não consagravam a possibilidade de denúncia ad nutum - melhor dito, oposição à renovação ad nutum); viii) à época não se admitiam contratos de arrendamento não rurais com duração efectivamente limitada, quer os mesmos fossem para habitação, comércio ou indústria ou outra finalidade – todos eram arrendamentos vinculísticos; xix) o contrato dos autos insere-se na linha dos contratos vinculísticos tão usados nos arrendamentos em Portugal, antes do regime legal criado pelo RAU (em 1990).

22. Em 1 de Setembro de 1994 os outorgantes acordaram num aditamento ao contrato de arrendamento de 1979, com o teor constante dos autos. Do referido aditamento se destacam as cláusulas mais relevantes para as questões controvertidas no processo:
a) título – acordo de alteração de contrato de arrendamento;
b) cláusula e) – indicação de que as partes prometem alterar o contrato de arrendamento de 1979 nos termos do acordado nas cláusulas seguintes, onde se dispõe especificamente:
i)  sobre o prazo (31 de Março de 2005) – alínea f)
ii) sobre a renda anual – 2.400.000,00 escudos, a pagar até final de Setembro de cada ano – alínea g);
iii) aumento anual da renda – alínea h)
iv) respeito pelas regras do contrato anteriormente celebrado – alínea i)
v) renúncia à invocação de nulidade por falta de forma – alínea j)

23. Na data do referido aditamento o CC português estava igualmente em vigor, tendo a última alteração sido introduzida pelo DL n.º 185/93, de 22/05.

Em matéria de arrendamento, o panorama jurídico (selecção do relevante) era o seguinte: i) os art.º 1083º a 1120 do CC foram revogados pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, diploma que havia instituído o RAU (Regime do arrendamento urbano) – art.º 3.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 321-B/90; ii) Conforme se diz no preâmbulo do diploma que instituiu o RAU, “a opção sistemática essencial pressuposta pelo presente diploma é simples: o regime geral da locação, expurgado de algumas alterações que lhe foram introduzidas com vista, apenas, ao arrendamento urbano, mantém-se no Código Civil; a matéria do arrendamento urbano - tal como há muito sucedeu com o arrendamento rural - sai desse diploma, constituindo uma lei civil autónoma; a vasta produção existente é codificada, reunindo-se a esse núcleo, de modo a colmatar lacunas, evitar contradições e prevenir desarmonias. Ficam ressalvados temas que, por razões técnicas ou pela sua mutabilidade, como os subsídios de renda, encontrem melhor sede em diplomas avulsos ou aqueles que, por transitórias, como os relativos a actualizações extraordinárias, fiquem bem situados no diploma preambular.” Foram também revogadas as normas do n.º 3 do artigo 1029.º e n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil; iii) as anteriores disposições regulatórias do contrato dos autos, com excepção das que se mantiveram em sede geral de locação, deixaram de existir e, em sua substituição, foi criado um novo regime de arrendamento urbano – RAU.

24. No RAU, a lei passou a fazer-se a distinção entre arrendamentos urbanos e rústicos (art.º 3.º). Os arrendamentos urbanos poderiam ter como fim a habitação, actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio e ficariam sujeitos ao RAU e, naquilo que não estivessem em oposição, ao regime geral da locação (art.º5.º); Já os arrendamentos rústicos poderiam ter dois regimes: ou estariam sujeitos a regime especial, ou não existiriam normas especiais que os regulassem; Aos arrendamentos sujeitos a legislação especial aplicar-se-ia, também, o regime geral da locação civil, bem como o do arrendamento urbano, na medida em que a sua índole fosse compatível com o regime destes arrendamentos (art.º 6.º, n.º2); Os arrendamentos rústicos não sujeitos a regime especial, ficariam sujeitos ao regime geral da locação e às seguintes normas do RAU: artigos 2.º a 4.º, 19.º a 21.º, 44.º a 46.º, 74.º a 76.º e 83.º a 85.º, 88.º e 89.º do presente diploma, com as devidas adaptações (art.º 6.º, n.º 1).

25. Considerando o que já se expôs sobre a qualificação do contrato dos autos, como arrendamento rústico não sujeito ao regime do arrendamento rural, pode dar-se por assente que, com a aprovação do RAU, passaram a aplicar-se ao contrato de arrendamento em discussão as normas do CC sobre regime geral de locação e os artigos  2.º a 4.º, 19.º a 21.º, 44.º a 46.º, 74.º a 76.º e 83.º a 85.º, 88.º e 89.º do RAU.

26. Analisadas as disposições legais citadas, no seu contexto e de acordo com as regras de interpretação da lei, e feita a conjugação dessas normas com os dados já supra indicados sobre o contrato dos autos, depois do seu aditamento de 1994, é possível concluir nos seguintes termos: 1) contrato de arrendamento de 1979, validamente celebrado, foi validamente modificado em 1994; 2) no momento em que o contrato foi celebrado, a finalidade do prédio foi acordada como utilização de parque de campismo e caravanismo – mantendo-se essa mesma finalidade na alteração de 1994; 3) seu prazo de duração inicial foi fixado em 20 anos, sendo válida esta convenção; a alteração de 1994 prolongando o arrendamento até 31 de Março de 2005 não suscita dúvidas, porquanto é objecto de acordo das partes, lícito à luz das normas que lhes permitiam estabelecer a duração do contrato até ao limite máximo permitido (30 anos), que poderia ser objecto de renovações; 4) na data da alteração contratual o CC havia sido alterado e estava em vigor o RAU; 5) aos contratos de arrendamento rústico não sujeito ao arrendamento rural aplicavam-se, por força do DL que modificou o CC e introduziu o RAU, o regime geral da locação e várias normas do RAU; 6) de acordo com o regime geral da locação, os contratos de arrendamento com prazo certo deveriam caducar com o termo do prazo, se não existisse renovação (art.º 1051º e 1054.º); 7) mas a lei pressupunha que a renovação ocorreria, se nada fosse dito em contrário; 8) para que a renovação não ocorresse seria preciso que houvesse denúncia (melhor dito, oposição à renovação) do contrato (art.º 1054.º); 9) para operar, a denúncia (melhor dito, oposição à renovação) tinha de ser efectuada com uma antecedência mínima legalmente imposta (art.º 1055º) - Seis meses, se o prazo do contrato fosse igual ou superior a seis anos; 10) a denúncia (melhor dito, oposição à renovação) só poderia ser utilizada pelo senhorio, nos contratos sem duração limitada (como o dos autos, cf. supra), nos casos em que a lei expressamente o admitia; 11) mas o RAU havia introduzido em Portugal os contratos com duração temporal limitada (verdadeiros) – estabelecendo que as partes podiam celebrar contratos com prazo mínimo de 5 anos. No final do prazo o contrato, porque de duração limitada, cessaria por caducidade; 12) se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantivesse no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considerar-se-ia renovado nas condições do artigo 1054.º; 13) porém, o regime do RAU não acabou com os anteriores contratos subordinados a um regime vinculístico – o RAU apenas permitiu que, para o futuro, fossem outorgados contratos com duração limitada (verdadeira); o RAU deixou claro que não se aplicaria aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor – o que se compreende se recordarmos a lógica dos anteriores contratos como vinculísticos (a lei não quis opor-se às expectativas que as partes tinham sobre os arrendamentos vinculísticos, que entendeu respeitar, ao mesmo tempo que permitia aos interessados a mudança para o contrato de duração limitada, seja por acordo de alteração do contrato antigo, seja pela celebração de novo contrato ao abrigo das novas normas).

27. Em comparação com o regime vigente na data da celebração do contrato dos autos, há uma modificação importante a referir: passou a ser admitida a denúncia/oposição à renovação do arrendamento pelo senhorio (o que antes estava vedado em regra), mas o contrato dos autos não passou a estar abrangido pela totalidade das normas do RAU e não perdeu o seu carácter vinculístico: continuou a ser um contrato com prazo, que se renovava no fim do mesmo, sem que o senhorio pudesse opor-se a essa renovação.

28. Em 31 de Março de 2006 as partes outorgaram novo aditamento ao contrato de arrendamento de 1979, em que se pretendeu regular especificamente o prazo de duração do arrendamento, as rendas e a obras.

Em matéria de prazo de arrendamento, estabeleceu-se que o contrato seria prolongado, ficando abrangido o período de 1-4-2006 a 2015 (sem indicação de dia e mês), o que vem a ser um dos problemas discutidos pelas partes, uma vez que o senhorio considerou que o arrendamento terminaria a 31-3-2015 e o arrendatário considera que nunca poderia terminar antes de 31 de Dezembro de 2015.

29. Antes de se resolverem as questões controvertidas colocadas pelos interessados (se as mesma se revelarem de resolução necessária ou útil para a decisão final), importa saber qual o regime jurídico que se aplicava a este contrato modificado em 31/3/2006, sabendo que a matéria do arrendamento foi sofrendo enormes modificações ao longo dos anos.

O aditamento é de 31 de Março de 2006. Nesta data o regime do CC e do RAU já não eram iguais à versão vigente em 1996: tinham sido alteradas já e em 27 de Fevereiro de 2006 havia sido aprovado o NOVO RAU (entrando em vigor mais tarde), que mudou o panorama legal, nos termos que passamos a indicar.

No art.º 60 º da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) dispôs-se:
1 - É revogado o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26.º e 28.º da presente lei.
2 - As remissões legais ou contratuais para o RAU consideram-se feitas para os lugares equivalentes do NRAU, com as adaptações necessárias.

No seu artigo 59.º (Aplicação no tempo), n.º 1, estabeleceu-se uma importante regra de direito transitório, mandando aplicar o NRAU aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias (e se dessas normas transitórias decorresse um regime diverso do correspondente à lei nova).

No mesmo artigo, mas agora no n.º 3, vinha a indicar-se que “as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.”

O NRAU também alterou várias normas do CC relevantes: a) revogou os artigos 655.º e 1029.º do Código Civil; b) modificou os artigos 1024.º, 1042.º, 1047.º, 1048.º, 1051.º, 1053.º a 1055.º, 1417.º e 1682.º-B do Código Civil; c) repristinou os artigos 1064.º a 1113.º do Código Civil, incluindo as correspondentes secções e subsecções, com nova redacção.

Por força das normas indicadas, os arrendamentos passaram a distinguir-se em arrendamentos urbanos e não urbanos; nos arrendamentos urbanos passaram a inserir-se os arrendamentos para habitação e para outro fim; também se admitiu a celebração de arrendamentos mistos, mas em termos de regime, determinou-se que ou se aplica o regime urbano ou o não urbano. Por seu turno, na SUBSECÇÃO VIII - Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais, o artigo 1108.º (âmbito) determinou: “As regras da presente subsecção aplicam-se aos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, bem como, com as necessárias adaptações e em conjunto com o regime geral da locação civil, aos arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais”. Nestas regras se incluíram os 1110.º e 1111.º.

30. Tal como até à aprovação do NRAU, o contrato dos autos não mereceria, à luz deste novo regime, a qualificação de arrendamento rústico. Considerando a vontade das partes, seríamos mesmo inclinados a dizer que o contrato continuaria a merecer a qualificação de contrato de arrendamento de prédio rústico e, de acordo com as regras indicadas, o regime do contrato dos autos seria o seguinte: i) duração do contrato – porque convencionado pelas partes, seria aplicável o prazo combinado; ii) denúncia e oposição à renovação – tratando-se de um contrato com duração certa, na falta de indicação em contrário, ao chegar ao fim do contrato renovar-se-ia; para que a renovação não sucedesse teria de haver “oposição à renovação”; iii) o regime da oposição seria o acordado pelas partes, ou na sua falta, o regime estabelecido quanto ao regime de arrendamento para habitação, muito embora a oposição à renovação tivesse de ser efectuada com antecedência não inferior a um ano; iv) considerando que o contrato dos autos é omisso sobre o ponto da oposição à renovação, para além do prazo mínimo de um ano de antecedência para a oposição, tornar-se-á necessário ver o regime legal da oposição à renovação dos arrendamentos para habitação, regime que aparece nos art.ºs 1096.º e ss do CC e nos artigos 9.º (Forma da comunicação) e 10.º (Vicissitudes) da Lei n.º 6/2006.

Do CC seriam aplicáveis especificamente os artigos 1094.º a 1098.º.

Por força deste regime, os contratos celebrados com prazo certo renovar-se-iam automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outro não estivesse contratualmente previsto, excepto se tivessem sido celebrados para habitação não permanente ou para fim especial transitório (art.º 1096.º, n.º 1), sendo permitido a qualquer das partes opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes (art.º 1096.º, n.º 2).

Sendo a oposição à renovação da iniciativa do senhorio, dizia a lei (artigo 1097.º) que o senhorio poderia impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato.



31. Retornando ao contrato dos autos, vejamos em que medida a nova lei se repercutiu no mesmo, sabendo que as partes acordaram no prazo inicial de 20 anos (de 1/4/1978 a 31/3/1998), que prorrogaram (em 1994) até 31/3/2005 e, em 31/3/2006, voltaram a efectuar nova prorrogação (até 2015).
Analisado o teor do contrato, pode concluir-se que nem do texto original do contrato, nem dos aditamentos, constam estipulações sobre a oposição à renovação, o que implicaria que a esta oposição se aplicasse apenas o regime legal. Porém quer se aplicasse o regime legal do artigo 1110.º ou o do art.º 1096.º, n.º 2, chegaríamos ao mesmo resultado:
i) não querendo o senhorio que o contrato se renovasse no seu termo, teria de efectuar uma oposição à renovação, obedecendo ao regime de comunicações entre as partes (já indicado)
ii) essa oposição à renovação ter-se-ia de efectuar com antecedência não inferior a um ano face ao termo do contrato;
iii) mas para poder existir oposição à renovação o contrato teria de ter sido celebrado com prazo certo.
Ora é aqui que o problema do contrato dos autos se volta a manifestar.
É que o contrato aqui em análise não foi celebrado por prazo certo, com o sentido que esta expressão assumiu na legislação do arrendamento.
Um contrato com prazo certo na legislação do arrendamento é apenas aquele que foi celebrado com indicação da sua duração temporal fixa a partir do momento em que a lei permitiu a celebração de contratos com duração limitada.
Acontece que a lei só veio a permitir esta celebração com prazo certo a partir de 1990 – para os arrendamentos destinados à habitação – e a partir de 1995 – para os arrendamentos comerciais. Todos os contratos celebrados antes destas datas eram contratos sem prazo certo e, em consequência, não poderiam ser objecto de cessação por iniciativa do senhorio quando chegado o fim do prazo inicial ou da sua renovação. Eram, assim, contratos com um regime vinculístico, desde a data da sua celebração.

32. Outra nota fundamental se impõe: a de esclarecer o âmbito de aplicação da oposição à renovação e da denúncia, no seio do NRAU.
No NRAU a lei passou a adoptar uma terminologia mais correcta: a denúncia ficou reservada para os contratos sem duração limitada; a oposição à renovação passou a ser referida para os contratos de prazo certo.
Com esta advertência e a conclusão já acima exposta de que o contrato dos autos não é um contrato de prazo certo, já se vê que ao mesmo não poderá ser aplicado o regime da oposição à renovação. Esta é exclusiva dos contratos de prazo certo, para os casos em que o contrato se renovou, e se permite aos contraentes impedirem novas renovações.


33. Ponto assente que o contrato dos autos é um contrato sem prazo certo – ou na terminologia também adoptada, um contrato sem duração limitada –, importará agora verificar se o regime do NRAU se lhe aplica na íntegra ou não.
Atentemos nas disposições da lei, em especial no art.º 59.º (aplicação no tempo):

1 - O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
2 - A aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil não determina a perda do direito de preferência por parte de arrendatário que dele seja titular aquando da entrada em vigor da presente lei.
3 - As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.

Numa primeira leitura da norma parece poder-se concluir que o NRAU se aplica ao contrato dos autos, uma vez que é uma lei aplicável às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data na data da sua entrada em vigor.

Acontece, no entanto, que a norma não termina aqui. A norma ressalva a sua aplicação às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data em face das normas transitórias.

As normas transitórias do NRAU são as dos art.ºs 26º e ss. O NRAU veio ainda a estabelecer regras transitórias importantes no TÍTULO II.

34. O regime das normas transitórias é de tal forma relevante para determinar o regime aplicável a contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do NOVO RAU que o legislador teve o cuidado de sobre ele se debruçar com detalhe.

Neste ponto o legislador começou por dividir os contratos em duas grandes categorias, correspondentes a 2 capítulos distintos: a) CAPÍTULO I – no qual estão as regras aplicáveis aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e aos contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro (diploma que permitiu a oposição à renovação de contratos de arrendamento de duração limitada não habitacionais) – art.º 26.º; b) CAPÍTULO II – no qual estão as regras aplicáveis aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro – art.ºs 27º a 29.º.

35. O ponto em análise é controvertido no processo: o tribunal considerou que o contrato discutido não ficava abrangido pelas disposições transitórias, considerando que as mesmas não seriam aplicáveis a arrendamentos rústicos não sujeitos a regime especial e que, de acordo com este entendimento, se sujeitavam apenas às normas gerais da locação, sendo permitida a denúncia do contrato pelo proprietário, considerando-se que esta havia sido, in casu, realizada atempadamente (a lei no regime geral da locação apenas exigiria 6 meses; este regime de denúncia havia sido introduzido pelo RAU), por se julgar que o contrato dos autos teria como data de cessação 31/3/2015.

Ao invés, sustentando posição diferente, o arrendatário considera que o contrato dos autos cai no âmbito de aplicação do regime transitório, sendo-lhe aplicável o disposto nos art.º 27.º e ss do NRAU e, no que respeita ao prazo de antecedência, indicando que teria de ser pelo menos um ano (conclusão 19 e 24).

36. Vejamos com atenção o sentido das normas transitórias, à luz do NRAU, quer na versão de 2006, que na de 2012 (o que dá aqui por reproduzido).

Porque o contrato dos autos – já sobejamente qualificado como arrendamento de prédio urbano para fim distinto de arrendamento rural, e que também não é um arrendamento para habitação – foi outorgado em 1979, ele é, nos dizeres do art.º 27.º do NRAU, um contrato para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, sujeito às disposições transitórias do referido Cap. II. (note-se que o critério usado pela lei para distinguir as situações e a sua submissão ao Cap. I ou II se prende com a data da celebração do contrato e a sua relação com o Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro: os contratos que foram celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, ficam abarcados pelos Cap. I, sujeitando-se ao disposto no art.º 26.º; os que foram celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º257/95 ficam abarcados pelos art.º27.º a 29.º , que integram o Cap. II deste Título II.

Esta conclusão é válida para as duas versões do NRAU: de 2006 e de 2012.

37. Tendo concluído que o contrato dos autos está sujeito ao regime transitório da lei (NRAU), vejamos quais as principais regras que compõem esse regime (com algum relevo para o caso).

Em matéria de cessação do contrato diz a lei que se “aplica (..), com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26.º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30.º a 37.º e 50.º a 54.º” (art.º 28.º, n.º 1).

Interpretando o art.º 28º, podemos concluir que é necessário continuar a distinguir os contratos com uma duração limitada dos que não asseguravam essa limitação temporal; tendo-se já explicitado de forma detalhada porque se entende que o contrato dos autos é um contrato sem duração limitada, apenas se desenvolve, em seguida, o regime transitório deste tipo contratual.

A segunda distinção fundamental a realizar no seio dos contratos sem duração limitada prende-se com a sua finalidade: habitação ou não habitação. Também sobre esta distinção se pode dar por assente que o contrato em discussão não tem por finalidade a habitação.

Aos contratos sem duração limitada não destinados a habitação é aplicável o disposto no n.º3 do art.º28.º, com a sua remissão para o art.º26.º. Para compreendermos o sentido das normas há ainda que atender ao n.º 2 e 3 do art.º 28.º

38. Da leitura conjugada das disposições indicadas resulta assim que os contratos não destinados a habitação, sem duração limitada, celebrados antes de 1995, não permitem ao senhorio a denúncia ad nutum, uma vez que é a situação a que se reporta a al. c) do art.º 1101.º do CC, que o legislador diz não ser aplicável aos contratos que caiam no âmbito do art.º 28.º, excepto se a referida denúncia for motivada por:
i) trespasse, locação do estabelecimento ou cessão do arrendamento para o exercício de profissão liberal, ou
ii)  sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50%,
caso em que a denúncia é lícita, mas tem de ser realizada com 5 anos de antecedência.

39. O art.º 28º, n.º 1 ainda manda tomar em consideração, na definição do regime transitório, o disposto nos art.º 30.º a 37.º e 50.º a 54.º.

Estas normas tratam especificamente da situação de “transição” de contratos que estavam sujeitos ao regime antigo para o pleno âmbito de aplicação e soluções introduzidas pela lei nova. Dentro da regulação da transição os art.ºs 30.º a 37.º ocupam-se dos arrendamentos para habitação e os art.ºs 50.º a 54.º ocupam-se dos arrendamentos para fim não habitacional (mas ainda na perspectiva de transição para NRAU).

Em qualquer dos casos estamos a lidar com normas preocupadas com a actualização do regime dos contratos celebrados na vigência da lei velha e que, em certas circunstâncias, podem vir a merecer um tratamento integral no âmbito das soluções consignadas pela lei nova.

Atenta a situação especial de afectar relações contratuais já muito antigas a transição obedece a cautelas específicas que aqui vêm reguladas, nomeadamente no que respeita à actualização do valor das rendas e eliminação de características típicas de contratos vinculísticos.

O regime dos art.ºs 30.º a 37.º e 50.º a 54.º é para os contraentes uma porta de passagem para um novo regime, em que a lei deixa margem de iniciativa às partes (ou a alguma delas), na opção de mudar para as soluções da lei nova ou ficar com o regime que existia antes. O recurso a estas normas permite ao senhorio, a quem estava vedada a denúncia (ou limitada para certos casos excepcionais), promover uma passagem do contrato para o âmbito da lei nova, na qual vem a poder utilizar na plenitude as faculdades conferidas ao senhorio pela lei nova - quer seja fixando prazo ao contrato, quer seja admitindo-se mais facilmente a denúncia ad nutum. Para o efeito o senhorio terá de atender ao disposto nos art.ºs 50º a 54.º (normas estas onde se regula a iniciativa do senhorio – 50.º, resposta do arrendatário – 51.º, oposição pelo arrendatário e denúncia pelo senhorio – art.º52.º, denúncia pelo arrendatário – art.º53.º e invocação de circunstâncias pelo arrendatário – art.º 54.º).

40. Em 2014 foi realizada uma nova alteração ao NRAU, pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, que alterou os art.º 26º, 28.º e 29.º, mas sem mexer nos contratos não habitacionais sem duração limitada, como o dos autos, pelo que em nada foi alterada a situação face ao exposto antes.

41. Exposta a situação jurídica aplicável ao contrato dos autos, desde a sua celebração, até ao momento, estamos agora em condições de apresentar conclusões finais: 1) o contrato de arrendamento de 1979, validamente celebrado, foi validamente modificado em 1994 e em 2005; 2) no momento em que o contrato foi celebrado, o fim do prédio foi acordado como utilização de parque de campismo e caravanismo – mantendo-se a finalidade na alteração de 1994 e em 2005; 3) o seu prazo de duração inicial foi fixado em 20 anos, sendo válida esta convenção; a alteração de 1994 prolongando o arrendamento até 31 de Março de 2005 não suscita dúvidas, porquanto é objecto de acordo das partes lícito à luz das normas que lhes permitiam estabelecer a duração do contrato até ao limite máximo permitido (30 anos); a alteração posterior é acordada em data em que, supostamente, já o contrato anterior havia cessado, se atendermos unicamente aos prazos acordados pelas partes para a sua vigência: o acordo de 2006 foi obtido um ano depois da última data de cessação acordada, tendo que se considerar que o arrendamento se renovou em 2005, não obstante não ter havido acordo expresso das partes nesse sentido (os contratos com prazo certo renovam-se se não houver uma vontade expressa em sentido oposto); estando em vigor o contrato na data do aditamento de 2006, as partes convencionaram aí um novo prazo para a sua duração (2015); 4) na data da alteração contratual de 2006 o CC havia sido alterado e estava em vigor o RAU; mas o RAU foi revogado em Fevereiro de 2006 pelo legislador, que aprovou o NRAU; 5) na vigência do NRAU o contrato dos autos seria um contrato de arrendamento para fins não habitacionais não sujeito a regime especial; 6) este contrato ficaria sujeito às disposições transitórias dos art.ºs 27º- a 29º e ainda 26º (por remissão daqueles); 7) por força das normas o contrato não admitia denúncia pelo senhorio, senão em situações verdadeiramente excepcionais, e com pré-aviso de 5 anos, que não é aplicável à situação dos autos; 8) não sendo admitida a denúncia pelo senhorio, o exacto sentido da vontade do mesmo ao enviar a carta de 30.12.2013, recepcionada pela ré em 03.01.2014, com o teor reproduzido nos autos, torna-se juridicamente irrelevante, porquanto não poderá, em caso algum, operar efeitos de denúncia do contrato.

42. A recorrente também suscita a questão das obras realizadas no locado, pretendendo que se decida quem deve suportar os seus custos e saber se goza de direito de retenção, em caso de cessação do arrendamento, até que o referido valor lhe seja pago.

Invoca ainda a recorrente a necessidade de se averiguar a situação das obras e benfeitorias à luz do regime dos empreendimentos turísticos sujeitos licenciamento, nos termos dos artigos 26º e seguintes do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, com as alterações do Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, onde foi estabelecido (artigo 75º) um prazo de dois anos para a legalização e licenciamento dos empreendimentos, sem excepção, sob pena de encerramento.

A questão suscitada visa saber sobre quem impende a obrigação de realizar obras para permitir o licenciamento da actividade.

Para resolver as questões levantadas pela Recorrente poder-se-ia justificar uma análise da evolução do regime jurídico aplicável às obras e benfeitorias, desde a celebração do contrato até à data. Contudo entendemos que tal não se justifica, bastando aqui indicar que esse regime é o que consta do NRAU, no seu art.º 29.º.

Por força da norma transitória do art.º 29.º, n.º 1 do NRAU, em caso de cessação do contrato, sempre que existam obras feitas pelo arrendatário licitamente, a lei confere-lhe o direito à sua compensação nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé, excepto se as partes tiverem acordado em sentido contrário.

Por seu turno no n.º 2 prevê-se a situação das obras em caso de denúncia do arrendamento feita pelo arrendatário, quando este não aceita proposta do senhorio para transitar para NRAU, enquanto no n.º 3 se disciplina a situação das obras, ocorrendo denúncia do contrato de arrendamento feita pelo senhorio, que não aceita proposta do arrendatário com nova renda.

43. No dizer da recorrente, a matéria das obras e benfeitorias também seria abarcada pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.

A sua argumentação é a seguinte (nas conclusões): “28-… nos termos do artigo 1031º do Código Civil, a Autora, enquanto locadora, estava e está obrigada a assegurar à locatária, a Associação demandada, o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina; 29-As obras e instalações técnicas, inclusive de segurança e protecção, foram efectuadas a partir de 2009 a até 2011, no valor total de 131.092,64 € (n.º 11 dos factos provados); 30-Todas estas obras e intervenções técnicas foram imprescindíveis para a legalização e licenciamento do parque, sem as quais o mesmo já estaria encerrado há muito, por não cumprimento da legislação em vigor e exigências das entidades oficiais que a fiscalizam; 31- Obrigatoriedade de obras essas que, aquando da celebração do contrato original e seus posteriores aditamentos, não era previsível, pelo que não foi nesse sentido a manifestação de vontade das partes na celebração do contrato; 32- Assim, não pode ser admitido como válido o entendimento de que as obras decorrentes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de Março, eram obrigação da Apelante”.

Que dizer sobre este ponto?

Não se contesta que o senhorio tenha obrigação de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa locada. Mas dos factos dados como provados também nada consta no sentido de o senhorio ter impedido ou deixado de proporcionar esse gozo. Também não se encontra qualquer justificação para que a alteração do regime jurídico dos empreendimentos turísticos tornasse obrigatório ao senhorio a realização de obras no locado que fossem necessárias para que o arrendatário pudesse exercer no locado a actividade de exploração de um empreendimento turístico do tipo parque de campismo e caravanismo. A adequação das condições do locado às exigências legais relativas ao licenciamento da actividade a exercer pelo arrendatário não é algo que possa ser da responsabilidade do senhorio, e muito menos quando tais exigências são posteriores (em muitos anos) à data da celebração do contrato. O licenciamento da actividade é da inteira responsabilidade do arrendatário.

Este entendimento é, aliás, o seguido em várias decisões deste Supremo Tribunal, tal como referenciadas no acórdão recorrido, nada havendo a sancionar sobre o ponto.

Naturalmente que esta conclusão em nada desvirtua a já referida posição sobre as obras e benfeitorias à luz do disposto no regime do arrendamento.

44. Contudo, no caso dos autos, não há cessação do contrato, pelo que a questão da compensação das obras licitamente feitas não se chega a colocar neste momento, ficando a sua análise prejudicada pela solução dada quanto à vigência do contrato.

Igual solução deve ser aplicada ao invocado direito de retenção: a sua análise só se justifica se e na medida em que ocorra cessação do contrato, o que já dissemos não aconteceu.

45. A recorrente também suscita dúvidas sobre a data de termo do contrato tal como acordado pelas partes no aditamento de 31 de Março de 2006, em que se determinou que o contrato cessaria em 2015, sem indicação do dia e mês.

Considerando a importância desta data para permitir às partes, no quadro do actual regime aplicável o exercício dos seus direitos, iremos analisar o problema.

Diz a recorrente que o sentido devido à interpretação da cláusula 1 do contrato (aditamento de 31/3/2006) é de que o contrato teria o seu termo em 31.12.2015, e não em 31.03.2015 (como defendeu a A., ora recorrida).

No sentido de procurar apurar a vontade das partes, expressa na referida declaração negocial, o tribunal recorrido considerou a aplicação do art.º 236.º do CC, que conjugou com o sentido das estipulações contratuais (versão inicial e aditamentos ao contrato), tendo concluído que porque sempre tinha havido referência a períodos anuais completos, quer em termos de duração, quer em termos de pagamento de renda, o sentido da declaração da vontade das partes só poderia conduzir à conclusão de que as partes tinham querido renovar o contrato até 31.03.2015, e não havendo qualquer outro elemento objectivo que conduzisse a momento diferente (fls. 246 dos autos).

Não podemos concordar integralmente com a posição adoptada pelo tribunal, neste ponto, à luz dos factos provados.

Estando provado que as partes fizeram um aditamento em 31/03/2006 para vigorar até 2015, e não obstante até a esse momento todo o conteúdo do contrato apontar para a referência a períodos anuais completos, olhando para o aditamento em causa, na perspectiva acolhida pelo seu teor literal, podemos notar que, tal como invoca a recorrente, a renovação do prazo teria implícito o dever de pagar rendas. Tais rendas vêm claramente referidas no texto do aditamento (cf. ponto 2, do aditamento, a fls. 14 verso).

Da leitura deste ponto resulta a obrigação contratualizada de pagar renda nos seguintes anos: 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, num total de 10 rendas.

As rendas seriam devidas uma por cada ano e seriam de pagar em Setembro de cada ano (ponto 2, do aditamento, a fls. 14 verso). Pela lógica da contratualização anualizada:
a) a renda a pagar em 2006 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2006 e 31-3-2007;
b) a renda a pagar em 2007 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2007 e 31-3-2008;
c) a renda a pagar em 2008 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2008 e 31-3-2009;
d)  a renda a pagar em 2009 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2009 e 31-3-2010;
e) a renda a pagar em 2010 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2010 e 31-3-2011;
f) a renda a pagar em 2011 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2011 e 31-3-2012;
g) a renda a pagar em 2012 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2012 e 31-3-2013;
h) a renda a pagar em 2013 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2013 e 31-3-2014;
i) a renda a pagar em 2014 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2014 e 31-3-2015;
j) a renda a pagar em 2015 reportar-se-ia ao período entre 1-4-2015 e o final de 2015 (porquanto decorre dos autos a confirmação pela R. de que a sua vontade seria no sentido de o contrato terminar nesta altura e não se pode admitir que tivesse sido convencionado o dever de pagar uma renda para um período em que o contrato já não estaria em vigor - resultado que seria a conclusão lógica do contrato ter sido celebrado com intuito de fixação da data limite a 31.3.2015, tal como veio defendido pelo A., e foi reforçado pela decisão recorrida).

Pelos elementos constantes dos autos, e segundo as regras da interpretação jurídica, ter-se-á de concluir que o sentido da vontade das partes no ponto 2 do aditamento de 31/3/2006, onde se indicava 2015, era de que aí se constasse a data de 31.12.2015.

46. A recorrente também invoca que o contrato dos autos não passou a ser abrangido na íntegra pelo regime do NRAU, por não ter sido realizada a transição para este regime, nos termos dos artigos 50.º a 56.º do NRAU uma vez que, segundo alega, “nunca a Autora comunicou à Ré que pretendia aplicar ao contrato o regime previsto na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, muito menos a Ré alguma vez aceitou expressamente submeter ao regime desta lei o contrato de arrendamento e designadamente este seu último aditamento”.
Atento os factos dados como provados e os documentos juntos aos autos, confirma-se o entendimento da recorrente. Nada nos autos indica que a A. tenha manifestado a sua vontade no sentido de, ao contrato de 1979, sucessivamente renovado, se vir a aplicar na íntegra o regime do NRAU, por força da opção de transição do antigo regime para o novo, em face de manifestação da vontade do senhorio nesse sentido comunicada ao arrendatário (art.ºs 50.º a 56.º), pelo que o contrato continua sujeito ao regime vinculístico, nos termos supra explicitados.

III. DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e declarando, em sua substituição, que o contrato de arrendamento celebrado entre A. e R. se mantém em vigor, não tendo cessado nem por denúncia do senhorio, nem por oposição à sua renovação, e não tendo havido transição do regime vinculístico para o regime do NRAU.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2017

Fátima Gomes (Relatora)

Sebastião Póvoas

Garcia Calejo