Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
| Descritores: | DECISÃO SINGULAR CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
| Data da Decisão Sumária: | 11/28/2025 | ||
| Votação: | - - | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
| Decisão: | DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA | ||
| Sumário : | I. Quando vários arguidos vêm pronunciados no processo – que tem outro apensado - por um concurso efetivo de crimes em que a execução de alguns ocorreu em mais que uma circunscrição judicial, o critério para determinar o tribunal competente para o julgamento é o da conexão processualmente relevante. II. Quando assim seja, no mesmo processo julgam-se todos os crimes cometidos pelos acusados ainda que alguns se tenham consumado na circunscrição de diferentes tribunais. III. Territorialmente competente para o julgamento dos arguidos pronunciados no processo por um concurso de crimes em que a execução de alguns ocorreu na área de três tribunais, é o tribunal da circunscrição onde primeiramente foi aberto o inquérito para investigar qualquer dos crimes do concurso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Conflito negativo de competência territorial DECISÃO: * a. relatório: Dos elementos que instruem este procedimento incidental, extrai-se, com relevância para a decisão a proferir que: ----------------- 1. Mediante denúncia de AA, apresentada na Polícia Judiciária que a transmitiu ao Ministério Público, foi aberto e autuado em 26.06.2018, no DIAP de Lisboa, o inquérito com o NUIPC 5044/18.3JFLSB, para investigar a prática de crimes de corrupção. 2. Inquérito ao qual veio a apensar-se o NUIPC 97/24.8T9LSB, aberto mediante denúncia de BB, para investigar a mesma facticidade. 3. Encerrando o inquérito, o Ministério Público, em 7.06.2024, deduziu acusação em processo comum para julgamento por tribunal coletivo, imputando aos arguidos os a seguir indicados os factos na mesma narrados e, com isso a prática dos seguintes crimes: -------- a) CC, em concurso efetivo - em autoria material, três crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; e, - em coautoria, sete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; b) DD, em coautoria e concurso efetivo de: - um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; e - quatro crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; c) “E..., Lda”, dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pela conjugação dos artigos 7.º e 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), ambos do Código Penal; d) EE, em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; e) FF, em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; f) GG, pela prática, em coautoria, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; g) HH, em concurso efetivo: - dois crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; e - dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; h) “I..., Lda”: - dois crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho; e - dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; i) BB, pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo: - um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; e - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; j) II, em coautoria, na forma e em concurso efetivo: - um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; e - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal; e k) JJ, em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal. 5. Tendo-se realizado instrução, o Juízo central de instrução criminal de Lisboa -Juiz 1, por decisão de 3.03.2025, pronunciou os arguidos pelos factos e crimes por que vinham acusados. 6. O Exmo. Juiz de Instrução remeteu “os autos à distribuição para julgamento ao Juízo Central Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por se entender ser este o Tribunal competente – arts. 14.º, n.º 1, al. b) e 19.º, n.º 1, ambos do Cód. Processo Penal.” 7. Tribunal no qual o processo foi distribuído ao Juiz 5. 8. a Exma. Juíza, por despacho de 24. 04.2025, entendendo que “o último ato o último acto determinante da conduta criminosa imputada terá sido praticado a 3 de Fevereiro de 2022 através do recebimento, pela sociedade arguida I..., Lda, sediada em Pinhal Novo (Comarca de Setúbal), de recibo relativo a um contrato de prestação de serviços falso”, invocando o disposto no art.º 19º n.º 3, do CPP, conhecendo oficiosamente, declarou a incompetência territorial daquele tribunal para a fase de julgamento nestes autos. 9. Competência relativa que atribuiu ao juízo central criminal de Setúbal, ordenando que o processo se lhe remetesse. 10. Recebidos os autos nesse tribunal com distribuição ao -Juiz 2, o Exmo. Juiz, por despacho de 5.09.2025, atentando que “autos efetivam conexão de situações e arguidos, elencando-se pois situações estanques (e não intercomunicantes) entre si, embora subordinadas à mesma temática ” “não se imputa aos arguidos o cometimento de crimes únicos continuados, sendo ao invés autonomizados e quantificados crimes diversos de auxílio à imigração ilegal, bem como de falsificação de documentos aos primeiros associados”, entendendo que há “equivalência de crimes e inexistindo arguidos presos, invocando o disposto no art.º 28.º al.ª c) do CPP. conhecendo oficiosamente, declarou a incompetência, em razão do território, do Juízo central criminal de Setúbal para a fase de julgamento destes autos. 11. Competência relativa que atribuiu ao Juízo central criminal de Lisboa – Juiz 5, por ter sido na sua circunscrição que primeiramente houve notícia dos crimes pelos quais os arguidos vêm pronunciados neste processo. 12. Deparando-se com o conflito negativo de competência territorial assim surgido no processo, suscitou a resolução ao Presidente da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça. b. parecer do Ministério Público: O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto e circunstanciado parecer, retirando que o que resulta da acusação “são referências a Cascais (Alcabideche, Amoreira), como sede de uma das sociedades arguidas, E..., Lda (cfr. pontos 7, 13), sem que se alcance que facto ou factos dos enunciados aí terão ocorrido, e Lisboa, Junta de Freguesia da Penha de França, aqui com descrição concreta das condutas prosseguidas de que veio a resultar a obtenção de atestados de residência desconformes à realidade e subsequente uso dos mesmos (factos 35/36, 41 a 43, 48 a 50 e 87/88)” que “nada mais se retira da acusação/pronúncia em termos de localização dos factos aí descritos” e que “sendo vários os crimes imputados aos arguidos e diversos os locais de consumação dos mesmos, a determinação do tribunal territorialmente competente para o julgamento deverá ser feita de acordo com as regras previstas no artigo 28.º do Código de Processo Penal (C.P.P.)”. Pelo que “não se conseguindo, na conformação da acusação/pronúncia, determinar onde terá ocorrido a consumação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, os mais graves, já que lhes corresponde a pena de prisão de 1 a 5 anos” nem arguidos presos à ordem dos autos, resta o critério da alínea c), segundo o qual é competente para conhecer de todos, “o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de qualquer dos crimes. O que, na situação vertente, resulta pacífico ter sido em Lisboa, já que foi na Polícia Judiciária, que foi instaurado inquérito, logo comunicado ao D.I.A.P. da Comarca de Lisboa, tendo sido aí, como tal, na acepção do disposto no artigo 241.º do C.P.P., que o Ministério Público adquiriu notícia da prática dos crimes!” Acrescenta “que tendo sido a decisão instrutória, firmada em 03.03.2025, de pronúncia pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, assim se fixando o objecto do processo, é a mesma irrecorrível, determinando a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para julgamento, nos termos do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., tal como foi feito, daqui tendo resultado a remessa à distribuição, para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, ao Juízo Central Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Com efeito, e tal como se referiu no Despacho de 24.12.2023, do Senhor Presidente da 3ª Secção deste Supremo Tribunal, em sede de resolução de conflito de competência proferido no processo n.º 1932/18.5T9BRG-B.S1, decorre do artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., que a decisão do juiz de instrução, no segmento em que aprecia e decide sobre nulidades, questões prévias e incidentais, uma vez transitada, produz efeito de caso julgado formal, ficando as mesmas definitivamente resolvidas no processo com a consequente preclusão da sua reapreciação no mesmo processo, ali se dizendo ainda (…) o juiz de julgamento, privado da sindicância do mérito da pronúncia – nos termos do art.º 311º n.º 2 do CPP -, também não pode revogar a decisão do JIC, nem reverte-la na parte em que julgou nulidades, questões previas ou incidentais, incluindo, portanto, a questão da competência territorial. Resta-lhe, pois, muito pouco para apreciar e decidir nesse âmbito. Compressão de poderes a que escapa o dever de conhecer da sua própria competência material ou funcional porque, atenta as razões de interesse público que às mesmas subjazem, é evidente que não lhe podem ser impostas essas competências por outro tribunal da mesma hierarquia (…), o que se afigura de inteira aplicação na situação em apreço. Conclui pronunciando-se pela resolução do conflito com a atribuição da competência para o julgamento ao Juizo central criminal de Lisboa. c. os arguidos, notificados, nada vieram dizer. d. o conflito: No caso, dois tribunais de 1.ª instância, especializados em matéria criminal e funcionalmente competentes para a fase de julgamento de um processo penal, recusam a competência própria, atribuindo-a ao outro. Estabelece a lei, o tribunal pode conhecer da sua própria competência, oficiosamente ou mediante requerimento dos sujeitos processuais e pode declarar-se incompetente, em razão do território até ao início do debate instrutório, havendo instrução ou até ao início da audiência, tratando-se de tribunal de julgamento – art.º 32.º n.º 2 al.ªs a) e b) do CPP. No caso, a audiência ainda não foi declarada aberta. Assim, a declaração de incompetência territorial foi conhecida oficiosamente e tempestivamente declarada pelos tribunais em dissídio. Porque os tribunais em conflito, - embora sejam de 1ª instância -, pertencem a circunscrição de diferentes tribunais da Relação – um à de Lisboa, o outro à de Évora -, é ao Presidente da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que, nos termos do art.º 11º n.º 6, al.ª a) do CPP, compete resolver o vertente conflito negativo de competência territorial. e. critérios da competência territorial: “A competência em processo penal - a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial - é, por princípio, unitária, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural”1, com estatuto supra legal firmado no art.º 32.º n.º 9 da Constituição da República. O objeto do processo penal é definido pela acusação e/ou pela pronúncia. Que devem incluir, sempre que possível, o lugar da prática dos factos imputados ao arguido. O local onde o crime foi cometido, não sendo relevante para a verificação da factualidade típica, é o referencial fáctico para aplicação do regime normativo que rege sobre a determinação da competência territorial do tribunal de julgamento. O critério geral da competência territorial do tribunal para o julgamento das causas penais é o locus delicti commissi ou, na expressão do legislador, aquele com jurisdição no local “onde se tiver verificado a consumação” – art. 19.º do CPP. O crime cometido por ação considerando-se praticado tanto no lugar em que o agente atuou como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo se produzir – art. 7º n.º 1 do Cód. Penal. Quanto ao momento considera-se praticado quando o agente agiu independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido – art. 3º do CPP. Mas, a realização de todos os elementos da infração pode, em alguns tipos de crime, não coincidir com o momento em que a ação é levada a cabo e, em outros, o ação típica inclui uma pluralidade de atos sucessivos ou reiterados ou um ato que se prolonga no tempo. Com frequência, o mesmo arguido comete no mesmo ou em diferentes locais, vários crimes, não só subjetivamente conexionados (unidade de agente) – cfr. art. 24.º a 27.º do CPP - como também podem conexionar-se objetivamente. Também com frequência, vários arguidos cometem, em comparticipação, o mesmo crime ou vários crimes entre si relacionados objetivamente (crimes interdependentes, crimes recíprocos). Por vezes, o mesmo crime ou crimes é/são imputado/s a arguido pessoa singular é a pessoa coletiva e quando assim seja impõe a conexão. Não raramente, a acusação e/ou a pronúncia omitem a indicação do local da prática de alguns ou de todos os factos constitutivos do crime ou crimes como também do último ato de execução no caso de crime/s de execução sucessiva ou por atos reiterados ou em crimes de resultado, onde o mesmo se produziu ou completou. Não constando da acusação ou da pronúncia o local da ocorrência dos factos constitutivos do crime ou crimes imputados ao arguido não pode o tribunal, para ajuizar da sua competência territorial ou para a atribuição da mesma a outro, pesquisar em autos ou termos do processo dados ou factos que aquelas peças nucleares omitiram. Cada vez com mais frequência, no caso de concurso de infrações, os factos que preenchem os elementos constitutivos dos crimes são cometidos na circunscrição de vários tribunais. O legislador, prevendo que estas situações, estabeleceu critérios adequados a predeterminar o tribunal territorialmente para o julgamento do arguido e coarguidos ou arguidos de crimes interdependentes ou recíprocos. Ao critério geral -consagrado no art.º 19.º do CPP – sobrepôs o regime da conexão subjetiva e/ou objetiva – dedicando-lhe uma secção -, de modo num só processo se julguem todos os crimes conexionados cometidos pelo/s mesmo/s arguido/s ainda que realizados e consumados em locais pertencentes à circunscrição de diferentes tribunais. “Trata-se de uma opção legislativa na base da qual se surpreende sempre a conveniência da Justiça. Ou porque há entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados conjuntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça, ou porque o mesmo agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes (art.º 77.º do Código Penal)”. f. apreciação: No caso, os tribunais em dissídio amparar a declaração da respetiva incompetência em razão do território invoca diferentes normas do CPP: o de Lisboa, o art.º 19º n.º 3; o de Setúbal, o art. 28º al.ª c). Conforme se sinalizou no antecedente relatório, os arguidos vêm acusados neste processo - que tem apensado outro - de terem cometido os crimes de auxilio à imigração ilegal e de falsificação de documentos, alguns em coautoria material e em concurso efetivo e que se apresentam entre si numa relação de conexão objetiva. Na economia da pronúncia, a arguida CC, acusada de ter cometido dez (10) crimes sendo em autoria material, três crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho e, em coautoria, sete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, tem atuação na facticidade de todos os crimes por que demais arguidos vêm também pronunciados. Sendo que a responsabilidade das pessoas coletivas é cumulativa com a dos respetivos administradores. g. critério da al.ª c) do art. 28.º do CPP: Conforme se realçou, o legislador firmou a opção de que o arguido que cometeu um concurso de crimes, na mesma ou em diferentes circunscrições, deve ser julgado e sentenciado, por todos, no mesmo processo e tribunal e não em tantos quantos seriam territorialmente competentes, segundo o critério do locus delicti commissi, para alguns crimes do concurso efetivo imputado à/ao acusada/os. Critério que também se impõe na determinação da competência material e funcional – art. 27.º do CPP. Para os casos de concurso efetivo de crimes e em que alguns são, na economia da acusação de execução plurilocalizada, a competência territorial do tribunal, é a que decorre dos critérios estabelecidos no art.º 28.º do CPP, segundo os quais, se o julgamento fosse “da competência de tribunais com jurisdição em diferentes áreas ou com sede na mesma comarca, é competente para conhecer de todos: a. O tribunal competente para conhecer do crime couber pena mais grave; ; b. Em caso de igual gravidade, o tribunal a cuja ordem o arguido estiver preso ou, havendo vários arguidos presos, aquele à ordem da qual estiver maior número; c. Se não houver arguidos presos ou o seu número for igual, o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de qualquer dos crimes.” Prevendo situações como a dos autos em o crime mais gravemente punido - o de auxilio à imigração ilegal - imputado a qualquer dos arguidos (no caso com referência à arguida/coarguida CC)tem atos de execução em várias circunscrições (em Cascais, Lisboa, Setúbal, como bem nota o Digno Procurador-Geral Adjunto) e não havendo arguidos presos à ordem do processo, o legislador, atribuiu a competência territorial ao tribunal com jurisdição na área onde primeiro tiver havido notícia do crime. Critério supletivo que está consagrado para diversas situações, como sucede com as normas dos art.ºs 20º n.º 3, 21º n.º 2, 22º n.º 1, 28º al.ª c) e 264º n.º 2, todos do CPP, precisamente para contornar as dificuldades práticas que possam advir da aplicação dos critérios fundados na regra do locus delitci comissi (art.º 19º do CPP) essencialmente destinados a fixar a competência territorial do tribunal para o julgamento de apenas um crime, quer a consumação seja instantânea ou ocorra por atos sucessivos ou ainda por atos que se prolongam no tempo. Pelo que, vindo as arguidas acusados – repete-se, a arguida CC - pela prática, em concurso efetivo de crimes de auxilio à imigração ilegal e de falsificação de documentos, aparecendo aquele conexionado com mais que uma circunscrição judicial, a competência para a fase de julgamento pertenceria, segundo a regra basilar do locus delicti comissi, a três diferentes tribunais. Mas, segundo o critério da conexão, o competente para o julgamento de todos os crimes do concurso é aquele onde primeiro houve notícia do crime - art. 28.º, do CPP. O processo penal só existe juridicamente quando o Ministério Público declara aberto o inquérito para investigar da existência de um crime de que teve conhecimento ou recebeu a correspondente notícia. Constituindo o inquérito a fase preliminar - primeira (a, segunda, facultativa, é a instrução) -, do processo deve considerar-se proposta a ação penal para efeitos da definição da competência, quando o inquérito é instaurado, conforme temos decidido, aliás, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal. h. onde primeiramente se abriu inquérito: O legislador não pode ter querido e não seria razoável que, sempre que se tenha de recorrer aos critérios do art.º 21.º e 28.º al.ª c) do CPP, o denunciante – e o mesmo vale para os OPCs -, possa determinar o tribunal competente para o julgamento. O que sucederia se se interpretasse que a competência do tribunal de julgamento em vez da abertura do inquérito – como entendemos -, é fixada pelo recebimento da denúncia ou pela participação. No caso sub judice, dos elementos com que vem instruído o vertente procedimento incidental, apura-se que o vertente processo foi aberto no DIAP do Ministério Publico de Lisboa, área da circunscrição do Juízo central criminal de Lisboa. Resta então a aplicação ao caso do critério residual da alínea c) do art. 28.º do CPP, segundo o qual, havendo conexão processual por imputação de concurso de crimes de execução plurilocalizada, em que o mais gravemente punido é de igual gravidade e não havendo arguidas presos à ordem do processo, a competência territorial atribui-se, (de entre os três tribunais com competência territorial segundo a regra do locus delicti), àquele em que primeiramente foi aberto qualquer dos inquéritos (dois) abertos, no Ministério Público, pelas participações dos factos pelos quais os arguidos vêm acusados e pronunciados. Finalmente, «damos aqui por reproduzida a transcrita citação que o Digno Procurador-Geral Adjunto fez da nossa anterior decisão, que, evidentemente, aqui reafirmamos. Destarte, conclui-se que territorialmente competente para tramitar o processo na fase de julgamento e realizar a audiência nos presentes autos é, nos termos do art.º 28º al.ª c) do CPP, o Juízo central criminal de Lisboa, por ter sido na respetiva circunscrição que o Ministério Público primeiramente adquiriu notícia de qualquer dos referidos crimes. i) dispositivo: Pelo que, de conformidade com o exposto decido, nos termos do art. 36º n.º 1 do CPP, resolver o conflito negativo surgido nos autos, atribuindo a competência territorial para o processamento dos mesmos e o julgamento em 1ª instância, ao Juízo central criminal de Lisboa – Juiz 5. * Comunique-se e notifique-se como determina o art.º 36º n.º 3 do CPP. * Lx. 28.11.2025 O Presidente da 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça Nuno Gonçalves _________ 1. Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 06-10-2004, processo n.º 04P1139 |