Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
473/14.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO-PROMESSA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
EQUIDADE
ABUSO DE DIREITO
CLÁUSULA CONTRATUAL
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
QUESTÃO NOVA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CARÁCTER SINALAGMÁTICO
CARÁTER SINALAGMÁTICO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / OBJECTO NEGOCIAL / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
Doutrina:
-Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, 342.º, N.º 2, 566.º, Nº 2 E 812.º.
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU), DECRETO-LEI N.º 160/2006, DE 08-08-2016: - ARTIGO 5.º, N.º 7.
Sumário :
I - O facto de os recorrentes terem suscitado, pela primeira vez, em sede de recurso de revista, a nulidade de uma cláusula inserida num acordo denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra” não obsta a que o STJ conheça dessa questão já que se trata de nulidade de conhecimento oficioso.

II - Não obstante a denominação dada pelas partes ao referido acordo, estando em causa um contrato definitivo de arrendamento celebrado em 12-07-2009 (e não um contrato promessa), a falta de licença de utilização não tem por efeito a sua nulidade, nem da cláusula penal nele estabelecida para o caso de não ser obtida licença de utilização no prazo de três anos a contar da data da sua assinatura, apenas atribuindo ao arrendatário o direito de resolver o contrato e de ser indemnizado nos termos gerais (art. 5.º, n.º 7, do DL n.º 160/2006, de 08-08).

III - Prevendo-se na referida cláusula penal que, caso a “promitente” senhoria não obtivesse a licença de utilização, seria responsável pelo pagamento à “promitente” arrendatária de uma compensação no montante de € 90 000, podendo ainda esta manter o contrato com uma redução do valor da renda, sem que tenha ficado demonstrado que a autora (“promitente” arrendatária) se tenha conformado com a falta dessa licença, não incorreu a mesma em abuso do direito ao ter pretendido exercer os direitos que lhe foram conferidos pela aludida cláusula.

IV - No pagamento de uma pena convencional, inserida em contrato de arrendamento, não está em causa qualquer relação sinalagmática, pelo que não faz sentido convocar o princípio do equilíbrio ou reequilíbrio das prestações.

V - Constituindo a pena convencional uma excepção ao regime do art. 566.º, n.º 2, do CC não faz igualmente sentido invocar, no que respeita à mesma, o cálculo da obrigação de indemnizar segundo a teoria da diferença e nem sequer o enriquecimento sem causa da autora, posto que a dita cláusula é precisamente a causa das pretensões deduzidas.

VI - A aplicação do regime da redução equitativa da pena convencional se esta for excessiva depende, por um lado, do apuramento do tipo de cláusula penal em causa (de fixação antecipada da indemnização, stricto sensu ou exclusivamente compulsivo-sancionatória) e, por outro lado, da prova do montante dos danos sofridos pelo credor (art. 812.º do CC).

VII - A falta de alegação e prova por parte dos réus de factos dos quais decorra que os danos da autora ascendem a montante inferior impede que se opere a redução do montante da cláusula penal (art. 342.º, n.º 2, do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA, Sociedade Vendedora de Acessórios, Lda, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, Componentes e Máquinas Industriais, S.A., CC, DD, e BB Imobiliária, Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A., pedindo a condenação dos RR. solidariamente a pagarem à A. as seguintes quantias:

“a) montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), correspondente ao valor contratualmente estipulado na Cláusula Quinta, n.º 4 do referido Contrato Promessa;

b) montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), correspondente ao acréscimo mensal de € 2.500,00 que a Autora pagou à 1.ª Ré durante 24 meses (de Julho de 2012 a Junho de 2014);

c) montante de € 23.326,06 (vinte e três mil, trezentos e vinte e seis euros e seis cêntimos), referente aos juros de mora vencidos até à presente data (10.10.2014);

d) juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor entre as empresas comerciais, desde a presente data (10.10.2014) até efectivo e integral pagamento”.

Como fundamento alegou, em síntese, ter a 1ª R. celebrado, em 10 de Julho de 2009, com a sociedade FF - Máquinas, Máquinas e Equipamentos Unipessoal, Lda, contrato denominado de “Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, por cujos termos a BB, Componentes e Máquinas Industriais, S.A. prometeu arrendar à segunda contraente FF-Máquinas os prédios urbanos ali identificados.

Por contrato de cessão da posição contratual, celebrado em 31 de Agosto de 2010, a referida FF-Máquinas transmitiu à A. a sua posição no contrato celebrado com a BB, Componentes para Máquinas Industriais, S.A., a qual veio posteriormente a vender os prédios prometidos arrendar à 4.ª R. sem que, todavia, tivesse dado prévio conhecimento à demandante da celebração deste negócio.

Mais alegou que o aludido contrato promessa de arrendamento celebrado entre a FF-Máquinas como promitente arrendatária e a BB, Componentes para Máquinas Industriais, S.A. como promitente senhoria, se enquadrava num contrato mais amplo celebrado entre as mesmas partes, denominado “Contrato promessa de compra e venda com vista à aquisição de Negócio de peças OEM” e de “Negócio de assistência técnica”, consubstanciado na celebração do “Contrato Promessa de cessão de quotas, trespasse de estabelecimento e compra e venda de imóveis” junto com a p.i. como doc. nº 3. Nos termos aqui estabelecidos as partes outorgantes acordaram entre si a celebração de uma série de contratos visando a aquisição pela FF-Máquinas, Lda. dos negócios de comercialização de peças OEM e de assistência técnica, à data desenvolvidos pela BB. Assim, e para além do aludido contrato promessa de arrendamento, as partes previram e estabeleceram a outorga de contratos de cessão de quotas referentes a várias sociedades, e de um contrato de trespasse, sendo que, na pática, com a celebração de tais contratos, a FF-Máquinas adquiria à 1.ª R. as sociedades através das quais esta última explorava as actividades de comércio de peças OEM e de assistência técnica a equipamentos industriais e arrendava os imóveis nos quais tais empresas se encontravam já instaladas e a laborar.

Foram celebrados entre as partes todos os contratos definitivos previstos - tanto os relativos às cessões de quotas como o contrato de trespasse - com a excepção do contrato de arrendamento prometido tendo por objecto os três imóveis nele identificados. Este último contrato não foi celebrado face à inexistência da respectiva licença de utilização.  

Todavia, considerando o interesse da promitente arrendatária na utilização dos três imóveis em causa ou, até, eventualmente, na aquisição dos mesmos, uma vez que albergavam as instalações das sociedades adquiridas, acedeu aquela na celebração do contrato-promessa, informando, no entanto, a 1.ª R., que só aceitaria a outorga de tal promessa na condição desta última (e o seu administrador, o R. CC) diligenciar(em) no sentido da adaptação dos imóveis ao exercício das actividades que a promitente arrendatária aí pretendia desenvolver, a saber, a “exploração da actividade de prestação de assistência técnica a máquinas para construção civil e obras públicas, comercialização de peças e equipamentos e serralharia”, obtendo para tanto a pertinente licença.

Sucede, porém, que, desde a entrega do imóvel à promitente arrendatária, em Julho de 2009, até à data do termo do contrato, a 1.ª R. não realizou quaisquer trabalhos ou obras de alteração ou beneficiação nos três imóveis arrendados, mantendo-se os mesmos nos exactos termos em que foram entregues à primeira.

Por carta datada de 14/04/2012, o 2.º R. comunicou à A. a obtenção da licença de utilização dos imóveis identificados no contrato promessa de arrendamento. Todavia, não só da mesma constava ter sido emitida apenas para a actividade de “Oficinas de Componentes Industriais”, como respeitava somente a um dos imóveis, tendo a A. ficado com sérias dúvidas quanto à regularidade da licença emitida, uma vez que não haviam sido realizadas pela 1ª R. quaisquer obras de adaptação dos imóveis tendo em vista a obtenção do respectivo licenciamento para os fins pretendidos.

Face às dúvidas suscitadas, solicitou a A. vários esclarecimentos à 1ª R., bem como o envio de cópias das plantas e demais elementos relativos aos edifícios, solicitação nunca atendida. Tendo então a A. procedido a diligências várias, descobriu que a promitente senhoria, 1ª R., procedera à anexação dos três prédios prometidos arrendar, criando uma descrição única, tendo de seguida procedido à alienação do imóvel assim obtido à sociedade BB Imobiliária – Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A. (4ª R.), nada tendo comunicado à A., a despeito de esta ser titular do direito de opção na compra dos identificados imóveis.

Tendo ainda procedido à consulta do processo de licenciamento na Câmara Municipal de …, verificou a demandante que, para além da licença emitida não permitir o exercício da actividade de comercialização de peças, equipamentos ou serralharia, os projectos e relatórios apresentados pela promitente senhoria para efeitos de obtenção do alvará de utilização apresentavam diversas imprecisões relativamente à realidade dos edifícios existentes, com destaque para a relevante omissão da existência de fibrocimento e amianto na cobertura da oficina.

Por tal motivo a A. comunicou à 1ª R., por carta datada de 06/07/2012, que não aceitava a licença de utilização que lhe fora enviada, tendo então solicitado o montante compensatório de € 90.000,00 previsto no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, que disse pretender manter em vigor até ao final do prazo inicial contratualmente estabelecido, mas com a redução do valor da renda mensal para € 7.500,00, de acordo com o ali igualmente estipulado.

Em resposta, a 1ª R. enviou à A. a comunicação junta como doc. nº 6, acompanhada de nova licença de utilização, recusando o pagamento do montante de € 90.000,00 reclamado e, igualmente, a redução da renda mensal, ameaçando com o despejo, o que levou a A. a continuar a pagar os € 10.000,00 mensais, sem embargo de ter comunicado à 1ª R. que se reservava o direito de posteriormente reclamar desta a devolução das diferenças pagas.

Com efeito, conforme veio a ser posteriormente verificado pela Câmara Municipal de … em vistoria que teve lugar em 2014, o imóvel não possuía as características mínimas necessárias à emissão do alvará de utilização, sendo que a única justificação para a emissão de tal licença reside no facto da mesma ter sido emitida exclusivamente com base nas informações e documentos entregues pela 1ª R. na Câmara Municipal, sem que esta tenha exercido qualquer actividade fiscalizadora, fazendo fé nas declarações do técnico responsável pela direcção técnica da obra, subscritor dos projectos.

O incumprimento contratual por parte da 1ª R. concede à demandante o direito de accionar a cláusula 5.ª, tendo portanto direito ao montante de € 90.000,00 ali previsto e à restituição dos montantes pagos em excesso a título de rendas, que ascendem a € 60.000,00, até à data da cessação do contrato (em 10/07/2014), uma vez que, por carta datada de 03/05/2013, a 1ª R. comunicou à A. a denúncia do mesmo para o termo do período inicial.

A 1ª R. recusa serem devidas as quantias reclamadas, defendendo a validade da licença de utilização, o que justifica a presente demanda.  


Contestaram os RR. e, defendendo-se por excepção, invocaram a incompetência material do Tribunal da Comarca de …, antes defendendo ser o foro administrativo o competente, por estar em causa a validade da emissão de alvará pela Câmara Municipal de …, tendo ainda a R. BB Imobiliária – Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A., arguido a sua ilegitimidade, por não ter sido parte no contrato nem ter assumido qualquer responsabilidade pelo cumprimento do mesmo. Em sede de impugnação defendeu a validade do alvará, para além do facto de a A. ter sempre utilizado os três edifícios, sem qualquer entrave ou perturbação de ordem administrativa municipal ou qualquer outra, tendo até encetado negociações com o legal representante da BB para fazer cessar o contrato em execução e celebrar um outro de arrendamento para vigorar até 2019. Acrescentou que a única razão de ser da obtenção do alvará foi a da previsibilidade da aquisição dos imóveis, e não propriamente o arrendamento, contrato para o qual não era necessária a sua exibição, concluindo inexistir qualquer fundamento para a condenação da contestante no pagamento das quantias reclamadas.

A A. respondeu à matéria da excepção da incompetência em razão da matéria, pugnando pela sua improcedência.

Foram solicitados esclarecimentos à A., que apresentou articulado em obediência ao determinado, vindo a R., no exercício do contraditório, insurgir-se quanto ao facto daquela ter excedido, em seu entender, os limites definidos pelo despacho proferido, mais pedindo a sua condenação como litigante de má-fé, com atribuição de indemnização a seu favor, que pretende de valor não inferior a € 30.000,00 por ter deduzido em juízo pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia.

Respondeu a A., refutando a imputação.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções arguidas.

A fls. 365 foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando os RR. “a pagar noventa mil euros de compensação, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos desde 10.07.2012”, absolvendo-os “do pedido de condenação no pagamento de sessenta mil euros, e peticionado acréscimo”.

Inconformados, apelaram a A. e os RR., pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 427 foi alterada a matéria de facto e, a final, proferida a seguinte decisão:

Acordam os juízes da 3.ª secção cível deste Tribunal da Relação de … em julgar improcedente o recurso interposto pelos RR, mas julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela autora, condenando a Ré BB, componentes e máquinas industriais, SA a restituir à autora a quantia de €60 000,00 (sessenta mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal contados da citação e até integral pagamento.”


2. Vêm os RR. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1 - Da Revista Normal

A Relação ao reapreciar a decisão proferida quanto à matéria de facto que foi impugnada, apesar de existir uma decisão sobre a matéria de facto; (da 1ª Instância), e outra que reaprecia o julgamento de facto, (proferida pelo Tribunal da Relação), não se pode afirmar que ambas as Instâncias se pronunciam e decidem sobre a mesma questão, não existindo por isso, duas decisões conformes.

2 - Da Revista Excepcional

A Ré, subsidiariamente e para a hipótese de não ser admitido o Recurso normal, interpõe o Recurso de Revista Excepcional.

Trata-se aqui de um arrendamento comercial que do seu regime legal ao longo do tempo pode paralisar a invocação de direitos de crédito respeitantes a eventuais compensações e reduções de renda por força da figura do abuso de direito.

Existe ainda assim, insegurança jurídica atenta a complexidade destas questões que como é citado pelo Acórdão está muito presente no pulsar da vida económica.


Do Abuso de Direito

Da conduta das partes desde as negociações preliminares até termo do contrato

1- Das Negociações Preliminares

Numa visão funcionalmente adequada da realidade da exploração empresarial, não pode, descontextualizar-se o arrendamento comercial integrado nos três edifícios em causa do modo como a Ré e seus antecessores vinham efectivamente seguindo há mais de 30 anos. A A. conformou-se com a exploração do locado, com os inevitáveis corolários no que toca à fisionomia e funcionalidade essencial do contrato celebrado, tudo conforme confessa em 9. Da sua douta PI.

2 - Do Contrato de Arrendamento Comercial com opção de compra datado de 10/07/2009

A distribuição do valor global da renda foi feita atribuindo a cada prédio os valores respectivamente de € 1.800,00, € 4.200,00, € 4.000,00, conforme decorre do contrato.

As licenças destinavam-se respectivamente:

Edifício 1 destinado a arrumos, comércio e escritório.

Edifício 2 destinado a oficinas.

Edifício 3 destinado a armazém e oficinas.

À data da celebração do contrato o que presidiu no espírito da Ré foi a mera obtenção da licença com a finalidade de instruir a escritura pública de arrendamento e/ou compra e venda. A diferença de valores entendeu-a por outro lado como uma forma de a constranger a obter a licença. Tal título traria também mais-valia ao estabelecimento.

3 - Da conduta da A. e de R. no período compreendido entre 1 de Julho de 2009 e 30 de Junho de 2012

A A. era conhecedora do escoamento das águas que constituíam as discrepâncias verificadas no auto de vistoria.

Quer no decurso do primeiro ano; Quer no decurso do segundo ano; Quer no decurso do terceiro ano, a A. nunca fez saber que era vontade a realização de tais obras.

Ainda que não existisse a obrigação da A. para o fazer deveria à luz da boa-fé tê-lo feito.

Aliás, se a A. em tempo tivesse manifestado algo, a R. naturalmente, que realizaria as obras necessárias.

A A. criou, assim, de algum modo a confiança na R. de que no futuro não se defrontaria com tais obstáculos.

O silêncio da A. deve ser interpretado como opção de vontade no sentido de então pretender conviver com uma situação em seu entender   "clandestina" por lhe ser mais económica e porque a existência da licença era indiferente à continuação normal da sua actividade comercial e industrial que vinha ocorrendo no tempo sem qualquer constrangimento.

4 - Da conduta da A. a partir de 1 de Julho 2012 até termo do contrato

A A. não tendo optado pela resolução do contrato firmada na cláusula de que no seu final poderia obter a compensação de € 90.000,00 e nos dois últimos anos a redução da renda no valor de € 60.000,00 ao abrigo da liberdade contratual, adoptou três comportamentos em três momentos temporais distintos.

Primeiro momento: Irresignou-se sobre as licenças.

Segundo momento:

A A. manifestou a sua vontade em revogar o contrato em causa nos autos e a celebração de um novo, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2013.

A R. obrigava-se a dar sem efeito a denuncia daquele contrato. Era vontade da A. celebrar um novo arrendamento com início a 1 de Julho de 2013 e seu termo em 30 de Junho de 2019, com a renda mensal de € 10.000,00 até 1 de Julho de 2014 data do termo do contrato inicial.

A A. não aceitou a garantia exigida pela R..

A vontade manifestada pela R. foi a aceitação das licenças como foram emitidas pela CM….

Terceiro momento: Face à exigência da R., não aceite pela A., esta pediu a declaração de nulidade do acto administrativo de autorização de utilização do alvará n° 161/12, na sequência do qual teve lugar a vistoria a que se reportam os factos provados em 9.

5 - Analisemos agora a vontade e o sentido da mesma pela A.

A A., quis inequivocamente, conforme atestam os docs. 5 e 6 juntos com a Contestação, aceitar as licenças tal como foram emitidas pela CM… e considerar irrelevantes as obras cuja discrepância foram apontadas no auto de vistoria.

E tal interpretação é respaldada quando a sua vontade era a extensão do contrato até 2019.

6 - Da admissão dos factos

Os referidos documentos particulares, ao não terem sido impugnados pela A. tornam pacífica a respectiva aquisição processual.

Aportado este entendimento quanto à valoração da prova produzida deveria ser dada por provada a facticidade ali constante.

O Supremo pode introduzir as modificações na decisão da matéria de facto que se revelarem ajustadas quando tenha sido descurado o valor probatório pleno de determinados documentos ou tenham sido desatendidos os efeitos legais de uma declaração confessória ou do acordo das partes.

Com o devido respeito, que é muitíssimo pelo Tribunal da Relação, tal segmento do decidido é censurável quando "desvitaliza" o conteúdo de tais documentos.

7 - Da interpretação da Relação quanto ao valor da renda que A. e R. pretendiam fixar no contrato a celebrar.

Acreditamos que só por lapso se tenha notado que com o "doc. 5" “era precisamente € 7.500,00, não se vendo depois que a A. tenha feito mais do que prevalecer-se da cláusula contratual à qual as partes livremente se vinculam".

Da apreciação crítica de tais provas era a renda € 7.500,00 deveria vigorar a partir do termo do primitivo contrato, (30 de Junho 2014) e pelas fundadas razões de crise económica.

8 - Do gozo e fruição do contrato até final.

Quer a inexistência ab initio da licença, quer a existência posterior da mesma com as discrepâncias evidenciada no auto [não] impediram a A. de explorar o estabelecimento, dele retirando lucros e proveitos, sem qualquer embraço administrativo.

Não existe uma co-relação directa entre a falta de licença de utilização da renda.

A liberdade contratual sofre restrições quando a estipulação do acordo das partes e contrário à ordem pública.

9 - Da condenação das RR. no valor de € 150.000,00 acrescido de juros legais em consequência da violação da cláusula quinta do contrato.

E inequívoco que a vontade da A. era a obtenção da licença. Porém o seu total silêncio no decurso do triénio não ajudou em nada a interpretar a sua vontade real, ou seja, o da realização das obras para o escoamento das águas.

Se alguma censuralidade poderá ser assacada à R. a conduta da A. não é menos censurável. A A. manifestou firme propósito de com isso se querer     manter num locado que acusou clandestino para assim "poupar" € 150.000,00.

O acautelamento de um prazo de 3 anos não foi pela necessidade de tal período de tempo para obtenção da licença, pois tal documento não se compadecia com tal de longa. Esse período de 3 anos era um período extremamente necessário para uma justa ponderação sobre a opção de compra.

Noutro segmento do acórdão, entendeu-se, que a ausência do licenciamento importava uma desvalorização dos imóveis de € 2.500,00, daí a indemnização pela compensação de € 90.000,00 e porque nunca a A. renunciou aos € 60.000,00, referente à diferença no período dos últimos 24 meses impõe-se tal condenação.

Assim, seria se estivéssemos perante uma pura inexistência do alvará/licenciamento.    

10 - Da interpretação da cláusula quinta ao abrigo ao princípio da liberdade contratual.

Entendeu a Relação que a aplicação da cláusula quinta foi a que decorreu da estipulação da liberdade das partes.

Não optando a A. pela resolução do contrato e mantendo-se no locado por mais dois anos era-lhe irrelevante a defesa da saúde, da segurança e da estética dos edifícios em prol da sua actividade lucrativa no suposto prejuízo de a final obteria a compensação de € 90.000,00 e a redução de € 60.000,00.

A estipulação de tal cláusula por ser contrária à ordem pública é nula, e tal nulidade é de conhecimento oficioso. (Artigo 280° do CC)


Dos Justos Limites da Compensação/Redução dos Valores

11 - Dos limites da compensação.

Para a hipótese de se concluir pela existência do direito da A. estaremos perante uma inexecução parcial e o que está em causa é o restabelecimento do equilíbrio das prestações, artigo 237° do CC, os bastantes para a repristinação do equilíbrio sinalagmático.

12 - Do enriquecimento sem causa.

Ao mesmo resultado chegará pela aplicação do preceituado no artigo 473°do CC, e artigo 479° do mesmo diploma que impõe ao beneficiado a obrigação de restituir aquilo que efectivamente se acha enriquecido.

13 - Juízo da proporcionalidade e adequação.

A cláusula quinta por se entender que tem de ser analisada à luz da problemática do abuso de direito e em última análise de um fundamental princípio de proporcionalidade entre a intensidade concreta e o grau de censurabilidade da violação contratual cometida e a gravidade objectiva do efeito que o corresponde, artigo 334° do CC.

Não existe uma relação causal entre as discrepâncias detectadas no auto vistoria e o valor de € 150.000,00. A matéria de facto apurada não permite afirmar a existência de uma dano e menos ainda a sua quantificação, não podendo a condenação ser um "disparo automático" da cláusula quinta que deve ser interpretada à luz do abuso de direito.

Tendo a A. mantido a posse do estabelecimento até à data do termo do contrato o pedido de condenação terá por limite o correspondente ao valor das obras do escoamento as águas que constavam do projecto e não foram realizadas, (artigo 609° n °3 do CPC).

A indemnização deve pautar-se pelo critério da diferença entre a situação existente e aquela que existiria se não houvesse responsabilidade, artigo 566° n° 2 do CC.

Foram violadas as seguintes normas do CPC, artigos 674° n° 3, 682° n° 3, 663 n° 2, 607 n° 4 2ª parte, 679°. Do CC Artigos 463°, 762°, 1108° e ss, 280°, 236° 237°, 334°, 609°, 566°.

Termos em que,

Deve merecer provimento o presente Recurso de Revista e ser revogado o douto Acórdão, julgando-se totalmente improcedente a acção.

Subsidiariamente para a hipótese de assim não se entender deverão os autos baixar à 1ª Instancia para com vista a uma peritagem serem verificados e liquidados os valores a que correspondem as obras não realizadas concretamente sinalizadas nos 6 pontos do auto vistoria de harmonia com as conclusões de 11 a 13.


A A. Recorrida contra-alegou, invocando a não admissibilidade do recurso e, em qualquer caso, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


3. Invoca a Recorrida não ser o recurso admissível a título de revista normal por se verificar dupla conformidade entre as decisões das instâncias quanto aos seus fundamentos ou, pelo menos, por se verificar dupla conformidade parcial.

       Não tem razão. A dupla conforme prevista no art. 671º, nº 3, do Código de Processo Civil como obstáculo à admissibilidade do recurso de revista, afere-se pelo teor das decisões finais. Tendo a sentença condenado os RR. ao pagamento da quantia de € 90.000, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 10/07/2012, e tendo o acórdão recorrido ampliado a condenação em mais € 60.000, montante acrescido dos juros de mora à taxa supletiva legal contados da citação e até integral pagamento, não ocorre dupla conforme.

         Conclui-se, assim, pela admissibilidade do recurso.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):

1. Por acordo reduzido a escrito e datado de 12.07.2009, denominado de “contrato promessa de arrendamento não habitacional com opção de compra”, celebrado entre os RR. CC e esposa e BB Componentes e Máquinas Industriais S.A., por um lado, e por outro FF - Máquinas Máquina e Equipamentos Unipessoal Lda., a qual a 31.08.2010 transmitiu à A. a sua posição contratual com a anuência de A. e RR., a contraente BB, SA declarou que como “promitente senhoria dá de arrendamento à promitente arrendatária e esta aceita os três prédios urbanos”, descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria, da freguesia de Pousos, sob as fichas n.º 1…1, 2…2, 2…3, naquela data sem licença de utilização.

2. Nos termos do acordo celebrado o arrendamento prometido durararia por um período inicial de 5 anos, desde 1.07.2009, renovando-se por sucessivos períodos de 1 ano.

3. Acordou-se na renda anual de 120 000 euros, a ser paga em duodécimos, “rendas estas que, uma vez celebrado o contrato prometido, serão imputadas à renda vencida no respectivo mês de pagamento”, e que os “imóveis prometidos arrendar destinam-se exclusivamente à exploração da actividade de prestação de assistência técnica a máquinas para a construção civil e obras públicas, comercialização de peças e equipamentos e serralharia”.

4. Mais acordaram as partes outorgantes na cláusula 5.ª, do seguinte teor:

1. O Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA, compromete-se a diligenciar no sentido da obtenção, por sua conta e risco, das licenças de utilização respeitantes aos imóveis descritos na cláusula primeira, no prazo de 3 (três anos) a contar da data da assinatura do presente contrato promessa, devendo as licenças em causa ser aptas para o fim a que se destina o estabelecimento a instalar nos referidos imóveis (relativo ao NEGÓCIO DE PEÇAS OEM e ao NEGÓCIO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA), bem como obter o consequente licenciamento do referido estabelecimento.

2. A PROMITENTE ARRENDATÁRIA fica desde já autorizada a entrar na posse dos imóveis prometidos arrendar ficando, contudo, obrigada a liquidar as rendas que se vencerem a partir do mês que entrar na posse dos imóveis e que serão imputadas, a título de reforço de sinal, nas respectivas mensalidades do contrato “definitivo”.

3. Se, após o decurso do prazo de 3 (três) anos referido no número 1 desta cláusula, o Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA lograr obter a emissão das licenças de utilização referentes aos imóveis objecto do contrato promessa de arrendamento, poderá a PROMITENTE ARRENDATÁRIA optar por uma das seguintes situações:

A) Adquirir, livres de ónus ou encargos, os imóveis melhor identificados na cláusula primeira deste contrato, pelo preço global de € 1.750.000,00 (Um milhão, setecentos e cinquenta mil euros), valor ao qual será deduzido o montante entretanto pago a título de rendas no âmbito do presente contrato promessa de arrendamento ou do subsequente contrato de arrendamento;

B) Celebrar o contrato de arrendamento prometido com respeito aos mencionados imóveis;

4. Caso não seja possível ao Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA obter as referidas licenças de utilização no prazo previsto no número 1 desta cláusula, aquela PROMITENTE SENHORIA e os PRIMEIROS OUTORGANTES, na qualidade de fiadores, são solidariamente responsáveis entre si pelo pagamento à PROMITENTE ARRENDATÁRIA de uma compensação no montante de €90.000,00 (Noventa mil euros), podendo, ainda, a PROMITENTE ARRENDATÁRIA manter o contrato promessa de arrendamento, procedendo à alteração do montante da respectiva renda mensal, que passará a ser de € 7.500,00 (Sete mil e quinhentos euros), diminuição esta de renda a distribuir proporcionalmente pelos referidos imóveis.

5. Por carta datada de 14.04.2012, o 2º R. comunicou à A. a obtenção da licença de utilização n.º 161/12, aprovada em 30/3/2012, emitida em nome da BB, SA, da qual constava que a mesma era emitida para a actividade “oficinas de componentes industriais”, dela constando a menção “Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no DL 555/99, de 16/12”.

6. Desde a entrega do imóvel à promitente arrendatária até Julho de 2014, termo do contrato, a 1ª R. não realizou obras de alteração ou beneficiação.

7. A A. enviou à 1ª R. carta datada de 6.07.2012, cuja cópia consta de fls. 97 a 101 dos autos na qual, para além do mais que ali consta e aqui se dá por reproduzido, informa que não aceita a licença de utilização que lhe foi enviada e termina dando conta que “irá accionar o direito ao pagamento por parte da BB - Máquinas e Componentes Industriais, SA à nossa empresa da compensação no montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), prevista no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento; irá manter o Contrato Promessa de Arrendamento em vigor, até ao final do prazo inicial contratualmente estabelecido, ou seja, até ao dia 30 de Junho de 2014, alterando-se o valor mensal da renda para € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), de acordo com o estipulado no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, com efeitos a partir do presente mês de Julho de 2012; solicita que procedam ao pagamento da compensação prevista no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, no montante de €90.000,00 (noventa mil euros), no prazo de 15 dias a contar da recepção da presente missiva”.

8. A 1.ª R., em resposta, enviou à A. a carta datada de 13/7/2012, cuja cópia faz fls. 103 a 105 dos autos, acompanhada de nova licença com data de emissão de 30/3/2012, da qual consta “utilização a que foi destinado o edifício: edifício 1 destinado a arrumos, comércio e escritório, edifício 2 destinado a oficinas, edifício 3 destinado a armazém e oficinas”, defendendo a validade de tal licença, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o seu teor.

8.a) - A A. enviou à Ré a carta data de 28/9/2012, cuja cópia consta de fls. 115 a 118 dos autos, na qual, dando conta das discrepâncias entre os projectos entregados na CM… para efeitos de emissão da licença e a situação existente nos prédios, comunica que considera encontrarem-se “verificadas as circunstâncias previstas na Cláusula 5.ª, n.º 4 do contrato promessa de arrendamento, motivo pelo qual iremos proceder ao accionamento da previsão contratualmente estipulada, de acordo com a qual

- iremos proceder à alteração do valor da renda mensal, que passará a ser de €7 500,00 (sete mil e quinhentos euros”;

- solicitamos a V. Ex.ªs que procedam à devolução do montante de €7 500,00 (sete mil e quinhentos euros”) correspondente aos diferenciais de renda pagos nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2012, no prazo de 15 dias contados da recepção da presente missiva;

- solicitamos a V.ªs Ex.ªs que procedam ao pagamento da compensação no valor de €90 000,00 (noventa mil euros) no prazo de 15 dias contados da recepção da presente missiva”, no mais se dando por reproduzido o respectivo teor (doc. de fls. 115 a 118, não impugnado, considerado nos termos do n.º 7 do art.º 604.º do CPC);

8.b) - A ré BB respondeu à autora por carta datada de 4 de Outubro de 2012, na qual mantém a validade da licença e solicita o cumprimento do acordo  celebrado, nomeadamente quanto ao valor da renda mensal, conforme documento cuja cópia consta de fls. 126, aqui se dando por reproduzido o seu teor (idem).

8.c) - A A. enviou à Ré BB, com conhecimento aos RR CC e mulher, nova missiva em 16/10/2012, reiterando padecer a licença emitida de graves vícios e incongruências, comunicando que a não aceitam nem podem dar por cumprida a obrigação constante do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato celebrado, insistindo pelo pagamento da compensação de €90 000,00 e reembolso do diferencial das rendas pagas, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor (doc. n.º 11 junto com a petição, não impugnado).

8.d) - E enviou à mesma Ré a carta datada de 24 de Outubro de 2012, concluindo que “como forma de obstar ao surgimento de outros problemas que possa ter consequências directas na actividade da empresa, iremos proceder ao pagamento da renda mensal no montante de €10 000,00, sem prejuízo da posterior reclamação das diferenças de €2500,00 mensais que entendemos não V. serem devidas pelos motivos expostos nas nossas comunicações acima identificadas” (doc. n.º 12 junto com a p.i., não impugnado).

8.e) - A Ré BB respondeu, mantendo que a licença é válida enquanto não for invalidada pelo tribunal competente, insistindo pelo pagamento pontual das rendas conforme consta da missiva enviada em 24/10/2012, cuja cópia consta de fls. 134, aqui se dando por reproduzido o seu teor (doc. n.º 13 junto com a petição e não impugnado).

8.f) - A ré enviou à autora a carta datada de 3 de Maio de 2013, subordinada ao assunto “Denúncia do contrato promessa de arrendamento não habitacional com opção de compra”, declarando que denuncia o contrato para o termo do seu prazo, nos termos do doc. de fls. 138, cujo teor se dá por reproduzido (doc. n.º 14 junto com a petição e não impugnado).

9. Na sequência de vistoria camarária que teve lugar no dia 27/2/2014, foi elaborado o correspondente auto, do qual consta, para além do mais “(…) No local verificou-se a existência de tubos de queda e caixas de recepção das águas pluviais, como elementos de descarga das mesmas, conforme folha 496 (situação existente) do processo n.º 465/11, a solução projectada e aprovada não se encontra executada. O tubo de queda P3.7 não foi identificado no local.

A caixa CP3 não recepciona exclusivamente águas pluviais, contem vários tipos de ligações de diversas naturezas (electricidade, telecomunicações, ar-comprimido...).

Verificou-se ainda que as águas provenientes das lavagens das máquinas que se encontram a descarregar para dois poços (separador de hidrocarbonetos), desconhecendo-se se estes são estanques e se tem algum tipo de tratamento deste tipo de águas residuais. Encontram-se também a descarregar para estes dois poços, ligações provenientes de instalações sanitárias.

Os óleos derramados sobre o pavimento em dias de chuva, são descarregados sobre a linha de água sem qualquer tipo de tratamento, conforme fotos em anexo.

Não foi encontrado no processo o método de tratamento de águas provenientes das lavagens das máquinas contendo óleos e outros produtos nocivos ao ambiente que necessitam de tratamento específico. As bombas elevatórias de Aguas residuais domésticas previstas no projecto não se encontram instaladas, nem a ligação a rede pública de saneamento, apenas se encontraram as 3 fossas indicadas, sendo uma delas dupla (…)”.

9.a) - A autora foi notificada no mesmo dia do despacho emitido pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de …, no qual se refere, além do mais:

“Na sequência da vistoria efectuada ao imóvel situado na Rua …, n.º 77, na localidade de …, …, União das Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes, nos termos e para efeitos do disposto do Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 26/10, de 30 de Março, tendo em vista a avaliação das condições de salubridade, solidez e segurança do mesmo, foi lavrado o Auto de Vistoria n. 5/14, de 27 de Fevereiro de 2014, cuja cópia passa a fazer parte integrante deste meu despacho, como seu anexo, foram verificadas pela Comisso de Vistorias, diversas deficiências graves que se resumem às seguintes situações:

- Trata-se de um conjunto de edifícios destinados a oficinas de componentes industriais.

- No ano de 2011 deu entrada no Departamento de Operações Urbanísticas deste Município um pedido de legalização das alterações, a 28 de marco de 2012, deu entrada o pedido de autorização de utilização dos edifícios e em 10 de Junho de 2012 este foi autorizado.

- No local verificou-se a existência de tubos de queda e caixas de recepção das águas pluviais, como elementos de descarga das mesmas, conforme folha 496 (situação existente) do processo n. 465/11, a situação projectada e aprovada não se encontra executada. O tubo de queda P3.7 no foi identificado no local.

- A caixa CP3 não recepciona exclusivamente águas pluviais, contem vários tipos de ligações de diversas naturezas (electricidade, telecomunicações, ar-comprimido).

- Verificou-se ainda que as águas provenientes das lavagens das máquinas que se encontram a descarregar para dois poços (separador de hidrocarbonetos), desconhecendo-se se estes são estanques e se tem algum tipo de tratamento deste tipo de águas residuais. Encontram-se também a descarregar para estes dois poços, ligações provenientes de instalações sanitárias.

- Os óleos derramados sobre o pavimento em dias de chuva, são descarregados sobre a linha de água sem qualquer tipo de tratamento, conforme fotos em anexo.

- Não foi encontrado no processo o método de tratamento de águas provenientes das lavagens das máquinas contendo óleos e outros produtos nocivos ao ambiente que necessitam de tratamento específico.

- As bombas elevatórias de águas residuais domésticas previstas no projecto não se encontram instaladas, nem a ligação à rede pública de saneamento, apenas se encontraram as 3 fossas indicadas, sendo uma delas dupla (…)”, tudo conforme consta do documento de fls. 158-160, cujo teor aqui se dá, quanto ao mais, por reproduzido (doc. n.º 17 junto com a petição, não impugnado).

[alterado pela Relação]

9.b) - Mais consta do mesmo despacho

“- Incumbe à Câmara Municipal, no âmbito das competências que lhe estão cometidas no Decreto-Lei n.2 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 26/2010, de 30 de Março, determinar a execução de obras necessárias à correcção das más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético, conforme n. 2 do artigo 89.º do mencionado diploma legal;

Perante o circunstancialismo apurado, o elite público decisor não só tem o dever, mas também a obrigação, no exercício de um poder vinculado (não discricionário), de tomar as medidas adequadas e urgentes, face aos assinalados riscos, por forma a evitar a risco efectivo para a saúde e segurança pública, o que determine a preterição do formalismo subsequente e o decretamento imediato da realização das obras necessárias a redução e/ou eliminação do risco, impedindo assim, prejuízos materiais e humanos irreparáveis.

Nestes termos, determino:

- A notificação do representante legal da sociedade BB - Componentes de Máquinas Industrias, S.A." na qualidade de proprietário do imóvel, sito na Rua …, n. 77, na localidade de …, União das freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes, para no prazo de 120 dias úteis, a contar da data da recepção do presente despacho, proceder à execução das obras preconizadas no Auto de Vistoria n. 5/14, de 27 de Fevereiro de 2014, cuja cópia passa a fazer parte integrante deste despacho, como seu anexo, que se passam a discriminar:

(…) Atentas as disposições conjugadas do n.º 7 do artigo 90.º do Decreto-Lei n,9 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.2 26/2010, de 30 de Março e alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo, é preterida a realização de vistoria e respectivas formalidades, não havendo ainda, lugar a audiência dos interessados (…)” (idem).

10. A A. manteve a renda de 10 000 euros de Julho de 2012 a Junho de 2014 por receio de ser despejada, tendo informado os RR, desde o primeiro momento, que considerava não ser devedora de tal valor, reservando-se o direito de reclamar as diferenças no montante de €2500,00 por mês, o que comunicou àquele. [alterado pela Relação]


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, no presente recurso estão em causa as seguintes questões (por ordem de precedência na sua apreciação):

- Alteração da matéria de facto, dando-se como provado o conteúdo dos documentos 5 e 6 juntos com a contestação;

- Nulidade da cláusula 5ª do contrato denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, descrito no ponto 1 dos factos provados;

- Carácter abusivo dos direitos invocados pela A. (compensação de € 90.000 e devolução de € 60.000 de rendas) com base no nº 4 da cláusula 5ª, do contrato denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, descrito no ponto 1 dos factos provados;

- Subsidiariamente, redução do montante global da condenação da Relação (€ 150.000) para um valor correspondente ao do custo “das obras do escoamento das águas que constavam do projecto e não foram realizadas”.


6. Relativamente à questão da alteração da matéria de facto, dando-se como provado o conteúdo dos documentos 5 e 6 juntos com a contestação, considerem-se os termos em que o acórdão recorrido se refere a tais documentos:


A respeito da impugnação da matéria de facto na apelação dos RR. declara-se no acórdão recorrido:

“A ré, por seu turno, pretende que seja tido como não escrito o facto vertido no ponto 9., dado o seu carácter eminentemente conclusivo, pretendendo ainda que seja considerado o teor dos documentos n.ºs 5 e 6, por demonstrativos da irrelevância, para efeitos da utilização que a autora pretendia dar aos imóveis, da licença de utilização.”

E mais à frente:

Quanto ao conteúdo dos docs. n.ºs 5 e 6 juntos com a contestação, a ter-se o mesmo por relevante, não deixará o tribunal de os considerar, se disso for caso, como permite o n.º 4 do art.º 607.º do CPC, aplicável aos acórdãos por via do disposto no n.º 2 do art.º 663.º do mesmo diploma legal.”


A respeito da reapreciação da decisão de direito, afirma-se no acórdão recorrido:

“No caso em apreço, não está em causa que a autora, locatária dos prédios, e não obstante a ausência de conformidade dos locados às condições exigíveis para o seu regular licenciamento, atentos os fins a que se destinavam, os utilizou até ao termo do contrato, neles desenvolvendo as suas actividades de comercialização de peças e assistência a máquinas, sem notícia de tal gozo ter sido perturbado. Não obstante, a verdade é que não é isso que está em causa, mas antes a aplicação de cláusula contratual que as partes livremente estipularam. Com efeito, foram as próprias partes quem previu e regulou a situação de falta de licenciamento, acordando numa compensação a pagar à locatária e na fixação de uma renda de valor menor do que o inicialmente contratado. Aliás, não pode deixar de se referir que nas negociações encetadas pelas partes tendo em vista a celebração de novo contrato de arrendamento para vigorar até 2019 a que os RR apelantes fazem apelo, e que se vieram a frustrar, a renda aí prevista, conforme se alcança da minuta junta como doc. n.º 5 junto com a contestação, era precisamente de €7500,00, não se vendo pois que a autora tenha feito mais do que prevalecer-se de cláusula contratual à qual as partes livremente se vincularam.” (negrito nosso)


   Verifica-se, pois, que - diversamente do alegado pelos Recorrentes - a Relação deu como adquirido o conteúdo dos documentos 5 e 6 juntos com a contestação, ainda que não lhe tendo atribuído a relevância que os RR. pretendiam.

     Quanto à questão do valor probatório de tais documentos, estando em causa duas minutas contratuais não assinadas pelas partes, não têm força probatória plena (cfr. arts. 373º e 376º do CC), nem valor confessório (cfr. art. 358º, nº 2 do CC). Segundo o regime do art. 366º do CC a força probatória de tais documentos é livremente apreciada pelo tribunal.

         Conclui-se, assim, não existirem razões para mandar ampliar a matéria de facto ao abrigo do art. 682º, nº 3, do CPC. Conclui-se também não ocorrer ofensa de disposição expressa que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. parte final do art. 674º, nº 3, do CPC).


7. Antes de proceder à apreciação das questões substantivas, importa ter presente os termos em que, com especial clareza, a Relação ajuizou do incumprimento contratual por parte dos RR. e que aqui se sintetizam:

- O contrato em causa, denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, é, na verdade, um contrato definitivo de arrendamento, uma vez que nele se faculta à A. o gozo imediato dos imóveis mediante o pagamento de uma contrapartida mensal;

- É aplicável a tal contrato o regime do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto, em cujo art. 2º, alínea d), se exige a existência de licença de utilização; contudo, a falta de licença não afecta a validade do contrato, antes, de acordo com o art. 5º, nº 7, do mesmo diploma legal, constitui para o arrendatário fundamento de resolução do contrato;

- No caso dos autos, o contrato cessou por oposição à renovação automática por iniciativa da proprietária, aqui 1ª R.;

- Para efeitos de aplicação da cláusula 5ª, nº 4, invocada pela A. arrendatária, há que determinar se a proprietária (1ª R.) cumpriu a obrigação contratual de obtenção da licença de utilização dos imóveis;

- A resposta é negativa porque, ainda que formalmente a 1ª R. tenha obtido tal licença de utilização, se verificou que a mesma não foi regulamente emitida, nomeadamente pelo facto de existirem “desconformidades várias entre os projectos que tinham instruído o processo de licenciamento camarário e a realidade existente” (o que foi comprovado pela vistoria camarária realizada a solicitação da A. arrendatária, em resultado da qual a Câmara Municipal de … notificou a actual proprietária (4ª R.) para realizar as obras necessárias);

- Assim sendo, considera-se incumprida a obrigação prevista no nº 1 da cláusula 5ª do contrato de arrendamento, devendo ser aplicáveis as consequências previstas no nº 4 da mesma cláusula: pagamento à A. arrendatária de uma compensação no montante de € 90.000; e devolução pela 1ª R. (que recebeu as rendas) do diferencial das rendas pagas por aquela, perfazendo a quantia de € 60.000;

- Diversamente do que entendeu a 1ª instância, a A. arrendatária não renunciou à referida quantia de € 60.000;

- Improcede a invocação da excepção de abuso do direito, não tendo também aplicação ao caso o regime do art. 434º, nº 2, do CC.


       No presente recurso, não vêm os RR. Recorrentes contestar o juízo de verificação de incumprimento contratual; vêm antes invocar a nulidade da cláusula 5ª do contrato descrito no ponto 1 dos factos provados; e – a título necessariamente subsidiário – insistir no carácter abusivo do exercício dos direitos previstos na mesma cláusula contratual.

         Questões que passamos a apreciar.


8. Relativamente à questão da alegada nulidade da cláusula 5ª do contrato denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, descrito no ponto 1 dos factos provados, vieram os RR. suscitá-la pela primeira vez em sede de recurso de revista. Porém, sendo a nulidade de conhecimento oficioso, há que dela conhecer.

Considere-se o teor integral da referida cláusula 5ª:


1. O Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA, compromete-se a diligenciar no sentido da obtenção, por sua conta e risco, das licenças de utilização respeitantes aos imóveis descritos na cláusula primeira, no prazo de 3 (três anos) a contar da data da assinatura do presente contrato promessa, devendo as licenças em causa ser aptas para o fim a que se destina o estabelecimento a instalar nos referidos imóveis (relativo ao NEGÓCIO DE PEÇAS OEM e ao NEGÓCIO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA), bem como obter o consequente licenciamento do referido estabelecimento.

2. A PROMITENTE ARRENDATÁRIA fica desde já autorizada a entrar na posse dos imóveis prometidos arrendar ficando, contudo, obrigada a liquidar as rendas que se vencerem a partir do mês que entrar na posse dos imóveis e que serão imputadas, a título de reforço de sinal, nas respectivas mensalidades do contrato “definitivo”.

3. Se, após o decurso do prazo de 3 (três) anos referido no número 1 desta cláusula, o Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA lograr obter a emissão das licenças de utilização referentes aos imóveis objecto do contrato promessa de arrendamento, poderá a PROMITENTE ARRENDATÁRIA optar por uma das seguintes situações:

A) Adquirir, livres de ónus ou encargos, os imóveis melhor identificados na cláusula primeira deste contrato, pelo preço global de € 1.750.000,00 (Um milhão, setecentos e cinquenta mil euros), valor ao qual será deduzido o montante entretanto pago a título de rendas no âmbito do presente contrato promessa de arrendamento ou do subsequente contrato de arrendamento;

B) Celebrar o contrato de arrendamento prometido com respeito aos mencionados imóveis;

4. Caso não seja possível ao Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA obter as referidas licenças de utilização no prazo previsto no número 1 desta cláusula, aquela PROMITENTE SENHORIA e os PRIMEIROS OUTORGANTES, na qualidade de fiadores, são solidariamente responsáveis entre si pelo pagamento à PROMITENTE ARRENDATÁRIA de uma compensação no montante de €90.000,00 (Noventa mil euros), podendo, ainda, a PROMITENTE ARRENDATÁRIA manter o contrato promessa de arrendamento, procedendo à alteração do montante da respectiva renda mensal, que passará a ser de € 7.500,00 (Sete mil e quinhentos euros), diminuição esta de renda a distribuir proporcionalmente pelos referidos imóveis.


Trata-se de uma cláusula penal, sendo que a “compensação” (no montante de € 90.000) pela não obtenção de licença de utilização substancialmente regular constitui uma pena convencional; e que a redução do valor da renda assume um carácter misto: por um lado, de pena convencional, e, por outro lado, de alteração, em baixa, do valor da coisa locada.

    Entendendo a Relação, correctamente, que o contrato dos autos não é um contrato promessa de arrendamento mas um contrato definitivo de arrendamento, está em causa apurar da validade de uma cláusula contratual pela qual se admite, na prática, que o contrato tenha vigorado sem que existisse licença de utilização dos imóveis arrendados.

     Em rigor, a verificar-se, a nulidade por ilegalidade do objecto contratual (art. 280º do CC) afectaria todo o contrato e não apenas a cláusula 5ª do mesmo. Contudo, há que ter em conta que, nos termos do art. 5º, nº 7, do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto (aplicável ao contrato dos autos, celebrado em 12/07/2009), a falta de licença de utilização não tem por efeito a nulidade do contrato, antes atribui ao arrendatário o direito a resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.

      Face a este regime especial, conclui-se que a falta de licença de utilização da coisa locada não gera a nulidade do contrato ou da respectiva cláusula 5ª.


9. Relativamente à questão do carácter abusivo do exercício dos direitos invocados pela A. (compensação de € 90.000 e devolução de € 60.000 de rendas) com base no nº 4 da cláusula 5ª, do contrato denominado “Contrato Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, descrito no ponto 1 dos factos provados, alegam os Recorrentes de forma prolixa e repetitiva, mas que, no essencial, se pode reconduzir aos seguintes argumentos: a conduta da A. revela que esta se conformou com a situação de inexistência de licença de utilização na fase da celebração do contrato descrito no ponto 1 dos factos provados; mais tarde, na fase de execução do mesmo contrato, conformou-se também com a existência de uma licença apenas formalmente válida; finalmente, ao renegociar o contrato, a A. prescindiu da licença e das obras em falta no locado.

         Vejamos.

      Opõem-se os RR. Recorrentes a que a A. exerça direitos previstos em cláusula livremente negociada e acordada entre as partes do contrato sub judice, sendo estas sociedades comerciais que se vincularam no decurso das suas respectivas actividades empresariais. Ainda que, em tese geral, não seja impossível configurar neste âmbito um exercício abusivo do direito, não poderá admitir-se uma intervenção do tribunal em termos tais que, na prática, venha a configurar uma inadmissível restrição do princípio da liberdade contratual.

      Tendo presente estas considerações gerais, ponderemos os argumentos dos Recorrentes.

       Que, aquando da celebração do contrato, a A. não se conformou com a inexistência de licença de utilização da coisa locada é cabalmente demonstrado pelo simples facto de, do teor cláusula 5ª do contrato, constar que “O Primeiro Outorgante marido, na qualidade de Administrador da sociedade PROMITENTE SENHORIA, compromete-se a diligenciar no sentido da obtenção, por sua conta e risco, das licenças de utilização respeitantes aos imóveis descritos na cláusula primeira, no prazo de 3 (três anos) a contar da data da assinatura do presente contrato promessa, devendo as licenças em causa ser aptas para o fim a que se destina o estabelecimento a instalar nos referidos imóveis (…) bem como obter o consequente licenciamento do referido estabelecimento”.

       Que, ao longo da execução do contrato, a A. não se conformou nem com a falta de licença de utilização do locado nem com a existência de uma licença apenas formalmente válida (mas substancialmente irregular por não terem sido efectuadas as obras necessárias), é plenamente demonstrado pelos seguintes factos provados:

7. A A. enviou à 1ª R. carta datada de 6.07.2012, cuja cópia consta de fls. 97 a 101 dos autos na qual, para além do mais que ali consta e aqui se dá por reproduzido, informa que não aceita a licença de utilização que lhe foi enviada e termina dando conta que “irá accionar o direito ao pagamento por parte da BB - Máquinas e Componentes Industriais, SA à nossa empresa da compensação no montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), prevista no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento; irá manter o Contrato Promessa de Arrendamento em vigor, até ao final do prazo inicial contratualmente estabelecido, ou seja, até ao dia 30 de Junho de 2014, alterando-se o valor mensal da renda para € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), de acordo com o estipulado no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, com efeitos a partir do presente mês de Julho de 2012; solicita que procedam ao pagamento da compensação prevista no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, no montante de €90.000,00 (noventa mil euros), no prazo de 15 dias a contar da recepção da presente missiva”.

8.a) - A A. enviou à Ré a carta data de 28/9/2012, cuja cópia consta de fls. 115 a 118 dos autos, na qual, dando conta das discrepâncias entre os projectos entregados na CM… para efeitos de emissão da licença e a situação existente nos prédios, comunica que considera encontrarem-se “verificadas as circunstâncias previstas na Cláusula 5.ª, n.º 4 do contrato promessa de arrendamento, motivo pelo qual iremos proceder ao accionamento da previsão contratualmente estipulada, de acordo com a qual

- iremos proceder à alteração do valor da renda mensal, que passará a ser de €7 500,00 (sete mil e quinhentos euros”;

- solicitamos a V. Ex.ªs que procedam à devolução do montante de €7 500,00 (sete mil e quinhentos euros”) correspondente aos diferenciais de renda pagos nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2012, no prazo de 15 dias contados da recepção da presente missiva;

- solicitamos a V.ªs Ex.ªs que procedam ao pagamento da compensação no valor de €90 000,00 (noventa mil euros) no prazo de 15 dias contados da recepção da presente missiva”, no mais se dando por reproduzido o respectivo teor (doc. de fls. 115 a 118, não impugnado, considerado nos termos do n.º 7 do art.º 604.º do CPC);

8.c) - A A. enviou à Ré BB, com conhecimento aos RR CC e mulher, nova missiva em 16/10/2012, reiterando padecer a licença emitida de graves vícios e incongruências, comunicando que a não aceitam nem podem dar por cumprida a obrigação constante do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato celebrado, insistindo pelo pagamento da compensação de €90 000,00 e reembolso do diferencial das rendas pagas, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor (doc. n.º 11 junto com a petição, não impugnado).

8.d) - E enviou à mesma Ré a carta datada de 24 de Outubro de 2012, concluindo que “como forma de obstar ao surgimento de outros problemas que possa ter consequências directas na actividade da empresa, iremos proceder ao pagamento da renda mensal no montante de €10 000,00, sem prejuízo da posterior reclamação das diferenças de €2500,00 mensais que entendemos não V. serem devidas pelos motivos expostos nas nossas comunicações acima identificadas (doc. n.º 12 junto com a p.i., não impugnado).

10. A A. manteve a renda de 10 000 euros de Julho de 2012 a Junho de 2014 por receio de ser despejada, tendo informado os RR, desde o primeiro momento, que considerava não ser devedora de tal valor, reservando-se o direito de reclamar as diferenças no montante de €2500,00 por mês, o que comunicou àquele. [alterado pela Relação]


       Por fim, o conteúdo dos documentos 5 e 6 juntos com a contestação – que, como se viu, são simples minutas contratuais cuja força probatória é livremente apreciada pelo tribunal (art. 366º do CC) – não permitem, sem mais, concluir que a A. estava disposta a, para o futuro, continuar a utilizar os prédios locados, prescindindo da licença e das obras em falta. Com efeito, nada tendo sido provado (nem alegado) acerca do desenvolvimento das negociações entre as partes, nem acerca das razões da sua interrupção, não é possível atribuir relevância decisiva ao teor daqueles documentos.

       Reconhece-se, porém, terem os Recorrentes razão ao invocarem, na conclusão recursória 7, não poder a Relação extrair de tais documentos a ilação de que, se no novo contrato de arrendamento as partes se dispunham a fixar a renda mensal em € 7.500, então isto confirmaria que também na questão em apreciação nos autos – aplicabilidade do nº 4 da cláusula 5ª do contrato no qual se prevê a redução da renda de € 10.000 para € 7.500 – seria de operar tal redução. Com efeito, compulsadas as ditas minutas verifica-se que, a fls. 192, se prevê um regime de renda incompatível com esse entendimento.

       A correcção que acaba de ser feita não tem, contudo, consequências para a decisão da questão substantiva em apreciação, uma vez que, no acórdão recorrido, o argumento extraído do teor daquelas minutas corresponde apenas a um fundamento complementar. Decaindo tal fundamento, em nada fica afectada a apreciação global que permite concluir que a A., ao pretender exercer os direitos que lhe foram conferidos pelo nº 4 da cláusula 5ª do contrato descrito no facto 1, não incorreu em abuso do direito.

        

10. Relativamente à questão subsidiária da redução do montante global da condenação da Relação (€ 150.000) para um valor correspondente ao do custo “das obras do escoamento das águas que constavam do projecto e não foram realizadas”, tratando-se de questão nova, suscitada apenas em sede de recurso de revista, apenas pode ser conhecida na medida em que estejam em causa fundamentos de conhecimento oficioso.

         Vejamos.

       Invocam os Recorrentes uma miscelânea de fundamentos entre os quais se contam: o princípio de (re)equilíbrio entre prestações contratuais sinalagmáticas; os limites da obrigação de restituição segundo o enriquecimento sem causa; a proporcionalidade entre o valor das obras e o montante a pagar; os limites da teoria da diferença no cálculo da obrigação de indemnizar.

       A falta de clareza e rigor na argumentação apresentada revela e confirma a fragilidade da posição dos Recorrentes que, como vimos, pretendem obstar ou limitar o exercício pela A. de direitos previstos em cláusula contratual livremente negociada e acordada entre a A. e a 1ª R., uma e outra sociedades comerciais a actuar do âmbito da respectiva actividade.

      Ainda assim, pondere-se se existe alguma viabilidade na pretensão dos Recorrentes. Para que tal possa ser feito com um mínimo de rigor, há que recordar que a cláusula 5ª, nº 4, do contrato de arrendamento dos autos (descrito no facto 1) corresponde a uma cláusula penal, que integra duas partes: uma “compensação” (no montante de € 90.000) pela não obtenção de licença de utilização (ou, conforme entendeu correctamente a Relação, pela não obtenção de uma licença substancialmente regular); e a redução do valor da renda mensal (que, como vimos, reveste um carácter misto: por um lado de pena convencional e, por outro lado, de alteração, em baixa, do valor da coisa locada).

       Assim sendo, verifica-se não fazer qualquer sentido convocar o princípio de equilíbrio ou reequilíbrio entre as prestações do contrato de arrendamento, uma vez que – no que ao pagamento da pena convencional respeita – não está em causa qualquer relação sinalagmática. Além disso, constituindo a pena convencional uma excepção ao regime do art. 566º, nº 2, do CC, não faz também qualquer sentido invocar a teoria da diferença consagrada naquele preceito para calcular a obrigação de indemnizar. Não pode também invocar-se o enriquecimento sem causa da A., uma vez que a cláusula penal prevista no contrato é precisamente a causa das pretensões daquela.

      Quanto à ideia de proporcionalidade entre o valor das obras e o montante a pagar, ainda que imperfeitamente formulada, entende-se que corresponde à pretensão de redução equitativa da pena convencional se esta for excessiva, prevista no art. 812º do Código Civil, a qual é de conhecimento oficioso. Trata-se do meio adequado para apreciar da pretendida redução do montante indemnizatório.

       A aplicação do regime do art. 812º do CC depende, por um lado, do apuramento do tipo de cláusula penal em causa, e, por outro lado, da prova do montante dos danos sofridos pelo credor (que, segundo os Recorrentes corresponde ao valor das “obras do escoamento das águas que constavam do projecto e não foram realizadas”).

Seguindo a orientação de Pinto Monteiro (cfr. Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990) que tem tido amplo acolhimento na doutrina e jurisprudência nacionais, haverá que distinguir consoante se trate de uma cláusula penal de fixação antecipada do montante da indemnização; ou de uma cláusula penal stricto sensu, que substitui a indemnização; ou ainda de uma cláusula penal exclusivamente compulsivo-sancionatória, que acresce à indemnização. Qualquer um dos tipos de pena convencional pode ser sujeito a redução equitativa; contudo, a deteraminação da índole excessiva da pena depende do tipo de pena em causa.

No caso dos autos, porém, considera-se que a aplicação da tipologia enunciada à cláusula 5ª, nº 4, do contrato de arrendamento, fica prejudicada pela não verificação do segundo pressuposto de aplicação do art. 812º do CC, isto é, a prova do montante dos danos sofridos pelo credor (ou da ausência de danos).

     A prova de factos impeditivos ou modificativos dos direitos convencionais invocados pela A. na presente lide, compete aos RR. (cfr. art. 342º, nº 2, do CC). A prova de que os danos da A. correspondem (apenas) ao valor das “obras do escoamento das águas que constavam do projecto e não foram realizadas” não apenas não foi feita, como, compulsada a contestação, se verifica não terem sido alegados quaisquer factos nesse sentido.

       Não pode, assim, operar-se a redução do montante global da condenação da Relação para um valor correspondente ao do custo “das obras do escoamento das águas que constavam do projecto e não foram realizadas”.

         11. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 18 de janeiro de 2018

        

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho