Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||||||||||||
| Relator: | LUIS CORREIA DE MENDONÇA | ||||||||||||
| Descritores: | NOTIFICAÇÃO EXTINÇÃO AÇÃO EXECUTIVA DESISTÊNCIA DO PEDIDO DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA INTERPRETAÇÃO SENTENÇA RECURSO DE REVISTA IMPROCEDÊNCIA | ||||||||||||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||||||
| Privacidade: | 1 | ||||||||||||
| Meio Processual: | REVISTA | ||||||||||||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||||||||||||
| Sumário : | I. Diante de uma declaração de «desistência da execução», saber se se está perante uma desistência da instância ou do pedido, depende de interpretação da vontade do desistente, ainda que a fórmula faça pensar na desistência do pedido, do mesmo modo que a fórmula «desistência da acção».
II. Mas pode haver circunstâncias de facto que autorizem a concluir que o exequente quis desistir unicamente da instância, o que não acontece no caso sujeito. | ||||||||||||
| Decisão Texto Integral: |
Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça *** AA, COMÉRCIO DE PEIXE FRESCO E MARISCOS, LDA., BB e CC, deduziram oposição, por embargos, à execução que contra eles foi movida por ARES LUSITANI-STC, S.A.. O primeiro grau julgou totalmente improcedentes os embargos e, determinou, em consequência, o prosseguimento da execução. Os embargantes recorreram e a Relação deu-lhes razão, visto que decidiu julgar procedente a apelação e, em conformidade, extintos os direitos de crédito exequendos e a própria execução. Inconformada, interpôs a exequente recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma: A. Versa o presente recurso sobre o douto acórdão proferido em 9 de Maio de 2025, o qual veio conceder provimento ao recurso anteriormente interposto, e como tal decidiu revogar a decisão recorrida, declarando-se, em substituição ao Tribunal a quo, a extinção dos direitos de crédito exequendos, por procedência dos embargos e, consequentemente, a extinção da execução a que os mesmos estão apensos. B. Isto porque, no presente processo executivo, a Recorrente veio reclamar um direito de crédito que detinha sobre os Executados – sendo que esses mesmos créditos resultam de título já dado a ação executiva ulterior, que correu os seus termos sob o processo 229/14.4T8SLV. C. O processo 229/14.4T8SLV veio a ser extinto, por desistência da execução apresentada pela aqui Recorrente (ao abrigo do disposto no artigo 848º, n.º 1 CPC). D. Importa, assim, compreender o valor negocial da declaração/desistência apresentada pela Recorrente nesses autos, a fim de se compreender se esta estaria legitimada (ou não) a dar entrada da presente ação executiva nomeadamente, se a desistência versava sobre a instânciaou sobre o pedido. E. Entendeu o Tribunal da Relação, em oposição à Sentença proferida pela Primeira Instância, que a desistência apresentada pela Recorrente no processo 229/14.4T8SLV, foi uma desistência do pedido. F. Para tanto, alicerçou a sua convicção numa informação estatística extraída do processo n.º 229/14.4T8SLV, de 16.12.2016 que, saliente-se, não foi notificada às partes e que contraria a única notificação que os intervenientes processuais rececionaram do Agente de Execução (na mesma data), onde é declarada a extinção da execução por desistência da instância. G. Ao atribuir força decisória à informação estatística extraída no processo 229/14.4T8SLV, o Venerando Tribunal da Relação ignorou a nulidade subjacente ao ato – já que esta, por não ter sido notificada às partes, não foi sujeita a contraditório. H. Conforme descrito no ponto IV do Sumário proferido pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.12.2019 (Relator: EUGÉNIA CUNHA): “A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.” – in I. Em face do exposto, bem se vê que o Tribunal da Relação, não deveria ter considerado a desistência da execução apresentada pela Recorrente (no Processo 229/14.4T8SLV), numa desistência do pedido, alicerçando a sua decisão num ato/informação estatística que não foi comunicado às partes e nem tão pouco, tem força jurídica decisória. J. Ademais, e como bem fundamenta a Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância: “estatui o artigo 848, nº 1 do Códigode Processo Civil que a desistência do exequente extingue a execução. Porém, como explicam Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (in A Ação Executiva Anotada e Comentada, 3ª Edição, Almedina, p. 589) “deverá ser entendido que a desistência é apenas da instância executiva”. Tal ideia é reforçada pela possibilidade legal prevista no artigo 850º, nº 1 do mesmo diploma legal no sentido de que “A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamentode prestações quesevençam posteriormente”. Significa, pois, que a extinção da execução não obsta a que o exequente venha a exigir o pagamento de prestações que se vençam posteriormente, como ocorre no presente caso (…)” K. Em contraponto com esta decisão, o Venerando Tribunal da Relação manifesta que, in casu, não estamos perante um título com trato sucessivo, L. Pelo que a Recorrente está impossibilitada, também por aqui, de voltar a reclamar o pagamento do seu crédito, nos presentes autos executivos. M. Contudo, toda esta problemática é ultrapassada quando, o que está em causa, é uma desistência da Instância e não do Pedido, isto porque a desistência da instância não equivale à renúncia do direito, por parte do seu autor. N. Por outras palavras, a desistência da instância equivale à absolvição da instância e apenas tem força obrigatória dentro do processo – permitindo que o seu autor possa propor, contra as mesmas partes e com o mesmo objeto, uma nova ação (como veio a suceder). O. Do supra exposto, resulta claro que (no caso que aqui nos ocupa) não estão preenchidos os pressupostos para que se tenha como verificada a exceção peremptória de direito material (de extinção do direito dos créditos exequendos), tal como foi julgada pelo Venerando Tribunal da Relação. P. Devendo, por isso, ser revogada a decisão recorrida, porquanto a mesma não fez uma correta aplicação do direito aos factos. Q. Nomeadamente, e ao decidir como decidiu, o acórdão a quo violou, assim, o artigo 848º, n.º 1 e 285, n.º 2 do CPC. R. Face a tudo quanto supra exposto, devem as alegações serem julgadas procedentes por provadas, revogando-se o douto acórdão recorrido e mantendo-se, a final, a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo. Nestes termos, e nos demais de direito que Vs. Exas. Doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, assim, ser a decisão revogada, com todas as consequências legais. Foram oferecidas contra-alegações, nas quais os executados pugnam pela confirmação do julgado, e ampliaram o âmbito do objecto do recurso, pedindo que, caso o recurso seja procedente se considerem prescritos os créditos reclamados. *** Constituem questões decidendas: i) Da nulidade da não notificação da «informação estatística» extraída do processo n.º 229/14.4T8SLV, de 16.12.2016. ii) Da desistência da execução: do pedido ou da instância; iii) Das consequências da desistência na presente execução. *** São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no segundo grau: 1. No processo de Execução nº 229/14.4T8SLV, o Exequente Novo Banco, S.A. apresentou requerimento executivo contra os Executados CC e BB, invocando, entre o mais, o seguinte: “Por escritura de "título de mútuo com hipoteca" (doc.1) e escritura de “título de mútuo com hipoteca" (doc.2), a primeira celebrada em 07.09.2011 e a segunda em 12.03.2012, o exequente concedeu aos Executados, CC e BB, dois empréstimos: - um, a que foi aposto o nº de contrato ........07, no valor de € 40.000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos executados (…); - e outro a que foi aposto o nº ........14, no valor de € 15.000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos executados (…) No que respeita ao 1º empréstimo, os executados efectuaram o pagamento da última prestação em 10.09.2013, tendo deixado de pagar todas as que se venceram posteriormente. ~ No que respeita ao 2º empréstimo, os executados efectuaram o pagamento da última prestação em 02.09.2013, não tendo pago qualquer quantia posteriormente a essa data. Os executados incumpriram, pois, ambos os contratos, o 1º em 10.09.2013 e o segundo em 02.09.2013. (…) Assim, e por força do disposto nas citadas cláusulas 9ªs de ambos os contratos, a dívida dos executados, com referência aos mútuos dos autos, veio a vencer-se e tornar-se exigível, na sua totalidade, em 10.09.2013 quanto ao 1º contrato e, em 02.09.2013, quanto ao 2º contrato. 2. Por requerimento de 03.10.2016 apresentado na referida execução, o aí Exequente Novo Banco, S.A. veio desistir da execução; 3.Por decisão de 16.12.2026, o Sr. AE extinguiu a execução por desistência; 4. Na presente execução, a Exequente Ares Lusitiani-STC S.A. apresentou requerimento executivo, invocando, entre o mais, o seguinte: «Em 7 de Setembro de 2011, mediante escritura pública celebrada na Conservatória do Registo Predial de Lagos, os Executados CC e BB celebraram com o Banco Espirito Santo S.A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, nos termos do qual o Banco cedente emprestou aos Executados a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) conforme resulta da escritura pública que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como documento nº 3 (Título Executivo)». 9. Em 12 de Março de 2012, através de escritura pública celebrada na Conservatória do Registo Predial de Lagos, os Executados CC e BB celebraram com o Banco Espirito Santo S.A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, nos termos do qual o Banco emprestou aos Executados a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), conforme resulta da escritura pública que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como documento nº 4 (Título Executivo). Ora, sucede que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram em 10/8/2018, relativamente ao primeiro mútuo, e em 2/11/2018 relativamente ao segundo mútuo, tal como as prestações subsequentes.» *** Da falta da notificação da desistência Alega a recorrente que não foi notificada de forma correcta da desistência da execução operada pelo exequente no processo 229/14, o que constitui nulidade que prejudica a solução a que chegou o acórdão recorrido. Não tem razão.
Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos (artigo 718.º, 1 Código de Processo Civil; pertencem a este código os artigos ulteriormente citados sem diferente menção). De entre as diligências cometidas ao agente de execução, encontra-se a notificação ao exequente da extinção da execução (artigo 849.º, 2). Se o agente não praticar um acto devido o desvalor do acto é a nulidade (artigo 195.º). A actuação do agente de execução está sujeita ao controlo do juiz (artigo 723.º 1, al. d)). No caso sujeito, a exequente não reagiu contra a falta do agente de execução , no momento e processo próprios. Não tem este grau competência funcional para aqui apreciar a invocada nulidade. *** Da desistência da exequente A desistência do exequente extingue a execução (artigo 848.º, 1). O disposto nos artigos 283.º e seguintes é aplicável, com as necessárias adaptações, ao processo executivo. Importa distinguir a desistência da instância da desistência do pedido. A desistência do pedido extingue o direito que se pretende fazer valer (artigo 285.º, 1). A desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara (artigo 285.º, 2). Parafraseando, com adaptação, o que a propósito nos ensina José Alberto dos Reis pode dizer-se que o exequente pode em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele (artigo 283.º, 1). «A desistência do pedido implica o abandono, ou melhor, a renúncia à pretensão que o autor formulara. Quando desiste do pedido, o autor reconhece implicitamente que a sua pretensão judicial é infundada; porque se convenceu de que não tem razão, retira o pedido que enunciou, renuncia a ele» (Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1946:477). Os autores italianos dão a esta figura uma outra designação: rinuncia all´azione ou alla demanda. Uma coisa é a renúncia dos actos da acção outra a da própria acção. Explica Girolamo Monteleone: «A diferença essencialmente está nisto: enquanto a renúncia aos actos opera num plano puramente processual impedindo qualquer pronúncia de mérito, os outros tipos de renúncia, ou seja a cessação da matéria litigiosa, respeitam essencialmente ao direito substancial deduzido na lide e à tutela jurisdicional do mesmo e só por via indirecta, ou mediata, se reflectem no processo em curso e eventualmente sobre o conteúdo da decisão judicial. Assim, é evidente que se uma parte renuncia à acção, por um lado, não se exigirá a aceitação de uma qualquer outra parte nem qualquer controlo pelo juiz, por outro lado a própria acção objecto de renúncia não poderá mais ser proposta em novo e sucessivo juízo» (Manuale di Diritto Processuale Civile, Vol. I, 7.º ed., Wolters Kluwer/Cedam, Vicenza, 2015:485). Prova-se que por requerimento de 03.10.2016, apresentado na referida execução, o aí Exequente Novo Banco, S.A. veio desistir da execução (2) e que por decisão de 16.12.2026, o Sr. AE extinguiu a execução por desistência (3). Estamos diante de uma desistência da instância ou do pedido? Colocado perante uma questão idêntica, Alberto dos Reis respondia: «Em princípio, a fórmula «desistência da execução» faz pensar na desistência do pedido, do mesmo modo que a fórmula «desistência da acção». Mas pode haver circunstâncias de facto que autorizem a concluir que o exequente quis desistir unicamente da instância. O problema é, no fundo, um problema de interpretação da vontade do desistente» (Ibidem:481, nota 1). O STJ, em acórdão de 17.11.2021, Proc. 677/13, seguiu este critério. Num caso em que se discutiu se havia uma desistência do pedido ou da instância disse-se: «Se a exequente pretendia com essa redução desistir somente (de parte) da instância executiva, o que era possível, teria de o ter declarado e enfrentar a circunstância de a aceitação dessa desistência depender da posição dos embargantes e, portanto, poder vir a não ser aceite. No caso sujeito o Tribunal da Relação argumentou «No seguimento do entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 (processo n.º 677/13), se o então exequente apenas pretendia desistir da instância executiva, teria de o ter declarado e enfrentar a circunstância dessa desistência poder depender da posição de eventuais embargantes (e, portanto, poder não ser aceite). Nesse primeiro processo, o exequente não fez qualquer ressalva, pelo que se deve qualificar a sua desistência como sendo uma desistência do pedido executivo. Decisivamente, o então exequente/desistente conformou-se com a posição do agente de execução que interpretou a sua desistência como uma desistência do pedido (como expressamente consignou no despacho com que extinguiu a execução – como resulta claro da leitura do mesmo, tal como ficou consignado no relatório deste Acórdão). Por outras palavras, podendo contra esse despacho reagir, o exequente não o fez e, portanto, tal decisão tornou-se definitiva». Estamos de acordo com esta interpretação, que secundamos. *** Das consequências da desistência Portanto, a própria execução onde se operou a renúncia não poderá mais ser proposta em novo e sucessivo juízo. Assim sendo, como diz a Relação «não pode o exequente (nem ninguém por ele, designadamente a actual exequente) voltar a reclamar o seu pagamento». José Lebre de Freitas et alli corroboram esta opinião quando explicitam que «a desistência do pedido executivo preclude a possibilidade de apresentação de um outro de sentido contrário e só pode ser obtida a revogação da desistência através da acção de declaração de nulidade ou anulação, por aplicação do artigo 291-2 ao processo executivo, com as necessárias adaptações» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 3.º ed., Almedina, Coimbra,2022:845/846). E não se diga que foi dado à execução um título com trato sucessivo. Na verdade, como mais uma vez com correcção explica a Relação, «um título executivo com trato sucessivo é aquele do qual emergem obrigações periódicas ou continuadas ao longo do tempo, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2010 (processo n.º 846-F/1997.L1.S1). Ora, o título dado à execução no processo n.º 229/14.4T8SLV não contém uma obrigação periódica ou a pagar em prestações, uma vez que o exequente veio dar à execução como vencida a dívida na sua totalidade (basta ver o que fez constar do requerimento executivo e consta do ponto 1 dos factos provados: «a dívida dos executados, com referência aos mútuos dos autos, veio a vencer-se e tornar-se exigível, na sua totalidade, em 10.09.2013 quanto ao 1º contrato e, em 02.09.2013, quanto ao 2º contrato. É irrelevante, por isso, o que constava no contrato de mútuo relativamente ao modo de pagamento em prestações». Em suma: os embargos foram bem julgados pelo segundo grau, ficando obviamente prejudicado o conhecimento do recurso subordinado. *** As custas do recurso ficarão, na totalidade, a cargo da recorrente, por ter ficado vencida, nos termos do disposto no artigo 527.º, 1. *** Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso de revista, e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. *** 13.11.2025 Luís Correia de Mendonça (Relator) Ricardo Costa Maria Olinda Garcia | ||||||||||||